sábado, outubro 12, 2013

Sejam bem vindos a minha casa. _ [Enquanto vos mostro, tenho aqui comigo Campos Baeza para nos falar de luz, de sabedoria, do tempo, em suma, de arquitectura; e tenho também Vladimir Martynov com uma música, escolhida por Baeza, que, segundo ele, suspende o tempo]. Come in, por favor.


Se fosse hoje talvez eu equacionasse a hipótese de estudar arquitectura. Gostava de ter sido arquitecta. Também gostava de ter sido psicóloga. Mas psicóloga em part-time para não dar em maluca.

Mas arquitecta eu acho que gostaria de ser a tempo inteiro. Captar a luz, inventar formas diferentes de ocupar o espaço, recantos inesperados onde as pessoas gostassem de estar, onde as sombras desenhassem figuras novas.

Mas não é qualquer um que interpreta bem a paisagem e os hábitos, que sabe até onde pode revolucionar, que sente o que deve preservar. São poucos. Tenho dúvidas de que eu tivesse competência para ser uma boa arquitecta.

Aqueles de que gosto, são mais do que inventores de espaços. São seres que se sentem atraídos pela luz, pela singeleza, pelas palavras puras.

Já aqui falei de Niemeyer. De Barragán. De Souto de Moura. De Víctor Mestre. Creio que também de Alberto Campo Baeza de quem hoje vou transcrever algumas palavras extraídas do seu livro Principia Architectonica que ando a ler.


Poderia obter da internet imagens de projectos de Campo Baeza mas, se tiverem interesse, poderão vocês ver no site dele. Por isso, em vez disso, vou usar fotografias da minha casa. 


Por favor, Come in




Quando há muitos anos comprámos esta casa já ela existia tal como é agora. Só que estava rodeada de mato rasteiro e bravio e agora está entre árvores e arbustos. É uma casa muito antiga, muito antiga mesmo, para cima de cem anos, talvez muitos cem anos. Foi depois arranjada e acrescentada pelos anteriores proprietários e concordámos com tudo o que fizeram. Tem algumas características ímpares. Quando a vimos, depois de andarmos à procura de casa durante muitos anos e de já termos visto casas de toda a espécie e feitio, sentimos imediatamente que aquela era a casa. Uma casa in heaven.



A grande azinheira reflectida na parede da casa


Uma das características que mais aprecio é a forma como a luz intervém no nosso quotidiano, quer dentro, quer fora de casa. 

Uma parte da casa está virada a oeste. Por isso, quando há sol, à tarde ela está inundada de luz dourada. Para multiplicar os seus efeitos tenho alguns espelhos. Gosto de espelhos. Gosto do efeito de multiplicidade (ou de duplicidade?) que os espelhos induzem nas casas.




*

Passo então a palavra a Alberto Campo Baeza.


Não só procuramos uma maior ligeireza mas também uma maior luminosidade. E, simultaneamente, procuramos que a estrutura se dissolva na bruma que construímos recorrendo à geometria e ao vidro translúcido.

As estruturas do futuro serão mais ligeiras. Claras na sua concepção e simples na sua construção. E perfeitas na sua execução, e resistentes e simples na sua manutenção. A estrutura voltará a ser, como foi sempre ao longo da história, tema central e essencial à própria Arquitectura. A estrutura estabelece a ordem do espaço, constrói o espaço, assim como a luz constrói o tempo. O espaço e o tempo - estes são os tópicos da Arquitectura.




O tapete de Arraiolos (feito por mim) reflectido no vidro da porta que separa a sala do exterior


A luz é o material mais luxuoso com que os arquitectos trabalham.

E, como é gratuito, às vezes não lhe damos o devido valor. E não pode existir aarquitectura sem luz, como não pode existir Música sem ar: Architetura sine luce nulla Architetura est.

A luz sólida do sol, bem doseada através dos vazios no plano horizontal superior (as clarabóias abertas no tecto) ou através dos vazios nos planos verticais (as janelas abertas nas paredes) estende o espaço criado pelo arquitecto. 




Berthold Lubetkin expressava bem esta ideia no final do seu discurso no RIBA quando recebeu a Royal Gold Medal, em 1982: "Goethe rejeitou sempre a opção fácil da retórica neurótica, e recusou partilhar o entusiasmo tão na moda pelo inexplicável. Cercado por todos os lados pela angústia, a turbulência e as sombras ameaçadoras, desafiou a loucura dos acontecimentos e escreveu um conjunto considerável de poemas cheios de serenidade clássica, de lógica ordenada e de clara lucidez. E aconselhou os pintores a mergulharem os seus pincéis na razão, e aos arquitectos a seguirem os preceitos de Winkelman para alcançarem a grandeza da serenidade e a nobreza da simplicidade. Não tenho a menor dúvida de que era por esta atitude humanista cheia de confiança, pela sua calma e pela sua racional coerência que Goethe queria ser recordado. E, guardadas as devidas distâncias, também eu"



A estante da parede reflectida no vidro de uma outra porta que separa a sala do exterior


Muitas pessoas confundem a criação artística, o artístico, com o gesto louco, a invenção engenhosa ou a forma caprichosa. Muito pelo contrário, a verdadeira criação artística, como a Arquitectura, exige uma enorme quantidade de conhecimentos prévios que exigem sabedoria e tempo por parte do arquitecto. Sabedoria que assenta na Memória.

Goya conserva na sua memória, de uma forma bem viva, toda a obra de Rembrandt. E ninguém se atreveria a dizer que o copia. Mas também não se diria que não o conhece. Segundo o seu filho, Goya afirmou que um dos seus verdadeiros mestres era Rembrandt, que o precedeu um século. E, de acordo com os seus amigos, Picasso dizia que quando trabalhava no seu ateliê, estavam ali com ele todos os grandes mestres do passado, incluindo Rembrandt.


Não é por acaso que os dois grandes da Arquitectura Moderna, Le Corbusier e Mies van der Rohe, se deixaram fotografar, orgulhosos, diante do Pártenon. Nunca o copiaram mas sempre esteve vivo na sua Memória.



Banquinho e antiga máquina de costura da minha avó
transformada em mesa com tampo de azulejos feitos a partir de um quadro meu,
reflectidos no vidro de uma porta de vidro que separa outra parte da sala do exterior



Já dizia Cícero: 'Não saber o que aconteceu antes de termos nascido é como permanecer para sempre na infância'.

A Memória, longe de limitar a Imaginação, desperta-a e complementa-a.


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A música lá em cima é Come In de Vladimir Martynov com Tatiana Grindenko no violino. Baeza tem razão quando diz que o tempo por vezes se suspende e, para o ilustrar, refere justamente este Come in.

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Permito-me ainda recomendar-vos o filme do post abaixo. É emocionante e revoltante. Fiquei de lágrima no canto do olho. Tomara que os meus filhos estejam sempre por perto para eu poder sentir que as minhas asas os poderão abraçar de cada vez que eu e eles precisemos. Ter os filhos espalhados pelo mundo deve ser uma dor de alma.

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E,por hoje, por aqui me fico. Tenham, meus Caros leitores, um belo fim de semana.

2 comentários:

Anónimo disse...

um vídeo para começar bem o dia com grandeeee moral - https://www.youtube.com/watch?v=N8xnLkyKgsE


Site origem - http://www.uofmchildrenshospital.org/

Anónimo disse...

Bom gosto em tons sóbrios. Parabéns! Quanto aos arquitectos, tenho na família e nutrem a mesma paixão pelo que diz. No que me respeita, era profissão, ou actividade que não seguiria. Pela que tenho, trocaria apenas por ter sido médico (o que, como um dia aqui dissem, quase veio a ser o meu destino).
Quanto a estilos, talvez por isso seja muito pouco entusiasta de opções ou ideias demasiado ousadas, prefiro, ou melhor, só gosto do sóbrio, de uma bela casa antiga rústica, em boa pedra, nada, mas absolutamente nada de modernismos, nada de riscos, quadrados, rectangulos, nada que se aproxime disso. Ao fim de algum tempo, pouco, estaria farto. A casa que possuimos aqui na Biscaia tem igualmente muitos anos, muitas décadas, paredes de pedra grossa, embora o exterior seja pintado de branco. E janelas em madeira de sucupira. Já assim era quando a comprámos, em 98, a um casal simpatiquíssimo, ele japonês (que, imagine-se, traduziu, contou-nos, poesia portuguesa para o japonês), ela americana. Era, ou melhor, eram, em tempos idos, parte curral, parte casa, parte armazém, tudo em pedra grosssa. Um dia, anos atrás, um estrangeiro comprou aquilo e com um arquitecto português, fez dali uma bela casa, muito espaçosa e com um bom jardim. E curiosamente, construi duas lareiras em pedra rústica local, em duas salas diferentes, muito bonitas. O casal japonês depois, mais tarde, melhorou, depois alugou a uma dinamarquesa casada com um alentejano, que também deram “um jeitinho” e finalmente viemos nós, que demos o último toque, preservando tudo o resto, melhorando sobretudo o jardim, que minha mulher gosta de cuidar (tal como a UJM, ao que vejo).
Nunca mais voltámos nem nos nos imaginamos a viver em Lisboa. Jamais trocaríamos isto por lá. E estamos a 30 m da capital, por auto-estrada.
É curioso, mas nem toda a gente tem gosto pela casa. E quando digo gosto pela casa, implica também a decoração do seu interior. Em tudo que respeite à casa, somos sempre os 2 a decidir. Muitos amigos meus não o fazem, deixando isso ao cuidado das mulheres. Eu não. Gosto de ir com ela, ver e comprar um móvel (nunca com design moderno), um quadro, um tapete, uma peça de cerâmica, etc.
Reitero-lhe os parabéns pelo bom gosto, sóbrio!
Um “bom” fim de semana...com o sol, ao que vejo, muito tímido!
P.Rufino