domingo, maio 29, 2022

Dia de caldeirada

 

Por volta das dez da manhã já estavam a chegar mensagens com enormes cabeças de peixe. Depois via-se um grande atum. Pelo menos foi o que ela escreveu na mensagem.

Depois a minha mãe e eles junto a uma bancada cheia de peixe. 

[O mais pequeno, depois, ao enunciar os peixes que tinham trazido, referiu 'serafim'. Espanto de quem ouviu. 'Serafim?!'. A mãe corrigiu: 'Deve estar a falar do safio'.]

Foi a minha menininha, também dada às reportagens fotográficas, que deu testemunho da incursão familiar no mercado. Tinham ido buscar a bisa e tinham ido juntos comprar o peixe. 

Na bancada da minha cozinha já estava o tacho grande à espera, aquele de que já nem me lembrava bem. Estava na prateleira de cima da despensa, onde a minha vista nem alcança. O meu marido já o tinha tirado lá das alturas e já o tinha lavado.

Pus-me a descascar batatas, três quilos. Depois, antes que chegassem, lavei os morangos e os alperces. A seguir, coloquei na cuba do lava-louça cebolas, umas seis ou sete cebolas novas, tomates, talvez uns dois quilos de tomate alongado bem maduro, e salsa ao dispor.

Passado um bocado, chegaram. Traziam cinco quilos de peixe fresquinho para uma bela caldeirada que iria ser feita sob orientação da minha mãe.

Várias mãos de juntaram para a faena. No fundo do tacho, azeite, duas cebolas às rodelas, três dentes de alho, vários tomates, um bocado de pimento, batatas às rodelas, salsa, louro, depois o peixe mais rijo. Um pouco de sal. Depois nova camada de cebola, nova camada de tomate, nova camada de rodelas de batatas. Por cima o peixe mais frágil (cabeças de charroco, por exemplo, e, claro, o que prefiro: os fígados). A encabeçar, a última camada de batatas, cebolas, tomate e salsa. Para rematar, sal, um pouco de vinho branco e azeite.

Lume forte até ferver. Como o tacho é muito grande, foi um castigo até que o calor chegasse cá acima. Quando chegou, baixou-se o lume e com o tacho bem tapado, deixou-se que os odores se misturassem e o caldo começasse a aparecer. Quando as batatas ficaram macias, desligou-se o lume e colocou-se coentros por cima, para perfumar.

Boa, boa. 

Para sobremesa tinha morangos e alperces mas vieram também cerejas, melancia e a minha mãe trouxe o seu infalível bolo de cenoura coberto de chocolate.

A seguir ao almoço, depois de descansarmos e conversarmos um pouco, o meu filho resolveu ir com o filho do meio e com os sobrinhos para um parque perto, para irem jogar futebol. Lá foram. Quando chegaram vinham corados e transpirados. Tinham feito uma futebolada com jogadores desconhecidos que por lá encontraram.

A fera felpuda fica sempre feliz da vida com toda a família ruidosa em volta, toda a gente a fazer-lhe festas e ele a retribuir e, pelo meio a roubar um chinelo, uma meia, o que apanha. E apanhou uma flauta e apanhou um daqueles apitos das festas que estica quando se sopra. E etc.

E vai ter com cada um e vai ter com outro, sempre na boa e ciranda, entre carinhos, sempre vendo que malandrice pode fazer. Mas sempre tudo numa tranquila.

Entretanto, a menininha mais linda convidou a sua amiga que ia dormir a sua casa para vir cá ter. E, assim, para além dos cinco pimentinhas, tivemos cá mais essa menina.

E aqui é que a porca torceu o rabo. Ao ver aparecer um ser desconhecido no seu território, desatou a ladrar enfurecido e a querer investir. 

Por precaução, o meu marido tinha-lhe posto a trela. Por mais que lhe disséssemos que estava tudo bem e que a menina era amiga, a fera estava furibunda. Por via das dúvidas, o meu marido resolveu retirá-lo de circulação e ele, transtornado, ainda tentou ferrar a mão do meu marido. Ficou de castigo, claro, fechado, a chorar. Mas de cada vez que via a menina ficava desorientado. Por fim acalmou mas, para evitar chatices, mantivemo-lo sempre pela trela e longe da menina.

Sei que há por aí quem perceba de cães e se souberem o que se deve fazer nestas circunstâncias, muito agradecerei. Nós, que tivemos a nossa doce boxer durante tanto tempo e nunca lhe vimos reacções destas, ficamos desconcertados e apreensivos com estas reacções exacerbadas.

Este é cão de guarda, disso não há dúvida, e é bom que assim seja. Se sente movimento junto à vedação ou ao portão, ou se alguém cá entra, ladra freneticamente, quer atirar-se e, portanto, por segurança, mantemo-lo afastado das pessoas que cá vêm. Mas deve haver maneira de o fazer perceber que algumas pessoas, que ele não conhece, são de confiança e que pode ficar tranquilo.

No parque, na rua, na praia, é cordato, as pessoas podem aproximar-se, não faz nada, toda a gente o acha uma simpatia, um fofo. Mas se alguém que ele não conheça entra aqui em casa, o animal vira uma verdadeira fera. E, como fica tão transtornado, até reage abrutalhadamente com quem tenta refreá-lo, nomeadamente comigo ou com o meu marido. 

Custa-me pensar que, quando temos cá pessoas que ele ainda não conhece, teremos que o deixar preso; mas receio que seja isso que tem que acontecer.

Mal o meu filho se foi embora, levando a menina, o urso felpudo ficou calmo, tranquilo. Contudo, como o meu marido lhe tinha dado um pontapé quando ele se quis virar a ele e como ficou de castigo e toda a gente se zangou com ele, estava sentido, ar infeliz, muito quieto. Dá-me pena. Nitidamente o seu instinto é de guardar a casa de intrusos. E fica infeliz quando não o deixamos agir e, ainda por cima, o punimos.


Não falei do lanche. Salsichas, linguiça, alheira, queijo, tostas, pão quentinho, sumos, fruta, iogurtes. Os jovens comeram como se não comessem há uma semana. Fizeram as sandes ou prepararam as tostas à sua vontade. Quando comprei as embalagens de salsichas pensei, cá para mim, que era um exagero. Mas receio sempre que fiquem a olhar para o prato vazio, com vontade de mais. O meu marido, quando cheguei a casa e viu aquilo tudo, disse que eu não tinha noção, que compro sempre o dobro do que é preciso. 

Sim, sim... Voaram.

A minha mãe, quando ontem estava a combinar sobre o bolo, disse que trazia o de cenoura pois eles gostam sempre e é um bolo grande. Pois bem. Não sobrou nem migalha.

Estivemos na parte do jardim que arranjámos para ligar ao pátio pois o pátio era escasso para tanta gente e, às tantas, estavam uns no pário e outros na relva e tudo bem quando era para conversar mas não era muito prático quando estava uma mesa no terraço e outra mesa na relva num piso ligeiramente mais baixo. Agora há uma continuidade, fica melhor. 

E não esteve um daqueles calorões que esteve durante a semana mas também não esteve frio. Foi bom, é sempre bom quando estamos juntos. E as buganvílias estão todas floridas, as rosinhas caem em cachos e eu acho que é uma sorte e uma felicidade podermos estar juntos e de boa saúde -- e em paz. 

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Desejo-vos um belo dia de domingo

Saúde. Boa disposição. Paz.

4 comentários:

AV disse...

Já há uns tempos que não vinha cá e gostei de ler este post.

Vale a pena investir no treino do seu felpudo e ter inicialmente ajuda ou orientação de alguém especializado. Eu deveria ter feito o mesmo quando o meu cão era novo.

O seu cão está a tentar proteger a família. O meu cão fazia o mesmo, mas só quando alguém da família estava em casa. Um dia uma pessoas que cá vinham regularmente contaram-me que se cruzaram com o carteiro e ele lhes disse ‘Ela não está em casa’. Perguntaram-lhe como sabia. Respondeu: ‘O cão não ladrou’.

Com o tempo aprendi a colocar-me entre ele e outras pessoas e a mantê-lo ao meu lado, um pouco atrás com a trela justa. Ele tem que sentir que nessas situações há um membro da matilha que controla a situação.

Uma coisa que todos os especialistas dizem é nunca castigar fisicamente um cão. É contra produtivo. Um não seco dito com autoridade muitas vezes basta.

Boa sorte com o treino. O se cão é adorável e vai valer a pena.

Janita disse...

Mas que bela almoçarada! Mais do que a gostosa caldeirada, creio bem que foi juntar toda a família e desfrutar desse convívio tão bom e salutar.
Fico muito contente por todos os que vivem numa harmoniosa, numerosa e unida camaradagem familiar.
Que Deus lhe reserve, cara UJM, muitos mais momentos dessa paz.

Um abraço.

PS- Também tive uma notícia que me trouxe muita felicidade: Finalmente, irei ter nos meus braços, em agosto, o meu pequeno Noah, nascido nos Países Baixos em tempos de pandemia. :)

Um Jeito Manso disse...

Olá AV,

Pois, lá está: o seu também tem que andar preso, pela trela, sem poder andar a conviver entre nós. E o meu, quando se quer atirar a alguém que acha que é um invasor, se não o deixarmos, fica possuído, dá saltos no ar, ladra, e tentou mesmo morder o meu marido. Ele bem lhe disse: 'Não!' e 'Quieto' mas não surtiu efeito. Deu-lhe um piparote com a ponta no pé, não o magoou mas foi um acto reflexo ao sentir-se mordido (embora tenha sido de raspão).

Mas hoje, ao andarmos pela beira da praia, passa por muita gente, muitos cães... e nada, tranquilíssimo.

Deve ser como o seu: só fica passado quando sente que está a guardar a casa ou a nós.

Na escola não corrigiu nada disto. Acho que a única forma, será se o instrutor vier cá a casa, fazer de conta que é alguém desconhecido.

Muito obrigada pelas dicas e pelas suas palavras.

Abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá Janita,

Fico contente que vá poder ter nos seus braços o seu Noah. Imagino como deve ser difícil não o ter a crescer perto de si. É certo que a gente se habitua a tudo e as circunstâncias são as melhores mestras. Mas, ainda assim, nada melhor do que estarmos juntos, não é?

Eu sempre fui um bocado mãe galinha e, por isso, sinto sempre muita necessidade de vê-los ao vivo, de os ter por perto. E tenho tido a sorte de isso acontecer mas pode acontecer que, em especial quando os meus netos crescerem, algum resolva viver a experiência do Erasmus. O mais velho mostra-se aventureiro e com gosto de ir à descoberta. E eu, apesar de saber que é óptimo para eles, nem quero pensar nisso.

Felicidades, saúde e boa sorte para si e para os seus. Tudo de bom, Janita.

Um abraço.