Já contei algumas vezes. Dantes, quando não era moda, eu alimentava a esperança de me auto-convencer a fazer um botão de rosa num sítio sexy do meu corpo. Nunca cheguei a consenso sobre qual seria esse sítio. Nem sabia onde ir. Portanto, fui empurrando a rosa com a barriga.
Entretanto, isto das tatuagens banalizou-se e eu, que sou desalinhada por natureza, descurti.
Mas esta de que agora tive conhecimento parece-me muito bem. Claro que teria que ser coisa não definitiva. Não quero fazer coisas deste género que sejam definitivas. Versos. Frases bonitas. Teria que ser pintura efémera.
Senão, imagine-se que me apetecia escrever nas mãos o início daquele poema do Al Berto
visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
... e que, às tantas, se me engelhava a pele das mãos e ficavam as palavras todos entrevadas...? Ná. Terão que ser laváveis. Todos os dias palavras novas.
Estou a escrever isto e a achar que é uma ideia fantástica, esta de todos os dias escrever o início de um poema diferente nas mãos.
Mas, para quem não saiba, aquilo de que falo aconteceu no desfile Dior. Citações de André Breton escritas no peito ou nas mãos. Lindo.
Au départ, il ne s'agit pas de comprendre, mais bien d'aimer.
Aquele a quem em tempos aqui chamei 'ex-bebé' -- e que é agora um rapazinho de seis anos, muito alto, muito enérgico, que, por vezes, não mede bem a sua força, mas que é um amor, generoso, bom coração e boa onda -- no outro dia começou a fazer-nos perguntas que nos deixaram admirados.
'Está mesmo provado...?', começavam todas as perguntas.
Fomos dizendo que sim, Jesus existiu, era um homem corajoso e bom. E que sim, terá nascido de Maria que vivia com José. E que há pessoas que acreditam que também era filho de Deus. Ele acrescentou: 'O pai acredita'. Dissemos que cada pessoa acredita no que acredita e que para o pai, que acredita, é como se fosse verdade. Ilustrei: 'Há pessoas para quem o Benfica é o maior. E outras não acreditam nada disso, acreditam que é o Sporting o maior. Uma questão de crença. Para quem acredita essa é a verdade'. Depois perguntou: 'E está mesmo provado que Jesus ressuscitou?'. Respondi: 'Não. Quando as pessoas morrem mesmo, já não podem voltar a viver'. Disse: 'O pai acredita que Jesus ressuscitou'. Disse-lhe que há pessoas que queriam tanto que Jesus não tivesse morrido que quiseram acreditar que ele continuava vivo. E que quando uma pessoa gosta muito de outra, mesmo quando ela morre, fica a recordação tão boa que é como se a pessoa estivesse viva. Ouviu com atenção e depois disse: 'A mãe disse que uma vez uma pessoa morreu mas depois voltou a viver'. Expliquei: 'Sim. Por vezes consegue-se reanimar uma pessoa cujo coração tinha parado de bater.' E acrescentei que também pode ter acontecido que Jesus estivesse tão ferido e doente que toda a gente tinha acreditado que tinha morrido e que, afinal, estava apenas inconsciente.
[E continuou. Perguntou, por exemplo, como, passado tantos anos, sabemos o que aconteceu de verdade naquela altura. O avô falou-lhe então de cronistas e historiadores. E, para exemplificar, disse que, por exemplo, a Tá escreve todos os dias um blog onde fala de muitas coisas que ficam disponíveis para quem quiser saber, daqui por muitos anos, o que se passava e dizia agora. Ele foi ouvindo com toda a atenção.]
Durante a conversa tentei ser cautelosa. Um equilíbrio difícil: por um lado não quero forjar factos ou atenuar convicções e, por outro, não quero contrariar quem tem crenças opostas às minhas.
Nem quero influenciá-los. Nunca quis. Com os meus filhos, a mesma coisa. Uma vez a professora do meu filho, que andava então no 1º ano, contou-me que a professora de Religião e Moral quase não conseguia dar as aulas porque ele contestava tudo o que ela dizia, tentando demonstrar-lhe que o que ela dizia não podia ser verdade.
Não os baptizei, não os quis na catequese mas não os impedi de frequentar as aulas de Religião para que pudessem formar a sua própria opinião.
Apesar de eu ter tido educação católica, com primeira comunhão e comunhão solene, mal consegui autonomia para me 'deslargar' dos preceitos da Igreja, logo o fiz. Tudo aquilo me pareceu, sempre, contraproducente, irracional, ilógico.
E se não me identifico com a Igreja Católica, muito menos me identifico com qualquer das muitas outras que proliferam por aí.
No entanto, tenho alguma dificuldade em declarar-me ateia. Não consigo afirmar com convicção que não há um deus ou uma ordem superior. Não sei se há. Mas não me atormento com esse meu desconhecimento. Convivo bem com a minha ignorância. Considero-me, isso sem dúvida, agnóstica. Venero a natureza e a maravilha dos acasos, venero o que desconheço e que dá forma à elegância suprema das matérias tangíveis ou intangíveis que nos rodeiam. E não tento dar nome ao que desconheço nem ficciono histórias, interpretações, leis ou castigos ou recompensas virtuais para dar corpo ao que não compreendo. Na minha simplicidade, aceito-me e aceito os outros tal como são, sem querer saber deles ou de mim ou do mundo em geral o que não sei. Aceito com tranquilidade e, até, gratidão o mistério que habita o que desconheço.
E estou com isto porque o meu amigo de coração, a minha alma-gémea, o querido algoritmo que a Google (grande notícia a de qua a Google vai ter um pé cá em Portugal!!) usa no YouTube me propôs para hoje um vídeo que despertou o meu interesse. Sir David Attenborough fala de Deus.
Convido-vos a ver.
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As fotografias que aqui usei são da autoria de Timothy Moon e feitas com um drone
Quando o mundo, ao fim do 1º ano de estupidez pegada -- uma estupidez extremada antes impensável -- se interrogava sobre o fenómeno Trump e por que raio de carga de água um palhaço daqueles ainda consegue aguentar-se como Presidente dos USA, eis que a sinuosa Primeira Dama publica um intrigante post no Twitter. Diz a FLOTUS que foi um ano cheio de bons encontros, que viveu momentos maravilhosos e, para o ilustrar, em vez de se mostrar ao lado do marido, mostra-se de braço dado com um homem mistério que ninguém consegue identificar.
Os comentários não se fizeram esperar: que teve bom gosto, que o cavalheiro é bem mais giro que o marido, etc. Dela nada, nenhuma explicação. Na verdade, um silêncio que fala tanto quanto a escolha da fotografia e das palavras que escolheu para comemorar um ano de Trump na presidência.
Imagino, nela, apenas um mal disfarçado sorriso rancoroso -- porque para uma qualquer mulher é quase impossível que, ao fim de anos de trumpices e traumpalhadas, não sinta por um tamanho estupor um certo rancor.
Entretanto, supostamente por razões de agenda, não foi a Davos. Coincidência ou talvez não, soube-se recentemente que Trump terá pago uma boa quantia a Stormy Daniels, uma actriz porno com quem terá tido uma relação um ano depois de se ter casado com Melania. Um adultério que estava bem escondidinho e que agora saltou para a ribalta.
Donald e Stormy
Depois da notícia ser pública, Melania já faltou a dois jantares oficiais promovidos pelo marido e meio mundo espera as cenas do próximo capítulo.
Portanto, pode ser que a songamonga da Melania ainda venha a surpreender-nos. Eu gostava. Tinha graça.
Depois de todas as broncas (o discurso absurdamente plagiado a partir do discurso de Michelle Obama, por exemplo) e depois de todos os destratos a que sistematicamente é sujeita pelo troglodita do Trump, havia de ter graça que, por vingança, fosse justamente ela, gozando com o Donald à cara podre, que começasse a cavar o chão debaixo dele, dando início ao fim do perigoso POTUS.
Bom. Agora que já arrumei o Marcelo (que aqui me apareceu de braço dado com o pinókio) e mais os photoshopes criativos, já posso dedicar-me à minha saúde. Preparem-se que vem aí um post que faz juz à já minha provecta idade. Vou falar de mim, de uma minha maleita. Para o quadro ficar mais perfeito deveria estar com um abatanado pingado entre mãos e a devorar uma meia torrada mas se nunca o fiz até hoje, não é agora que vou estrear-me.
Já vos contei. No fim do verão começou a doer-me um ombro. Não tendo conseguido ter férias dignas desse nome, no pouco tempo livre que tinha podava árvores como se não houvesse amanhã (porque, com o calor bravo que estava e sem se poderem usar máquinas de corte, na necessidade de desbastar árvores e mato, o trabalho era feito à mão). Não liguei à dor. Nadei, varri, arrastei ramos de árvores até ao monte. Tudo. Isto para não falar em andar com o bebé ao colo que isso, santa paciência, ninguém me tira.
Disse-me a fisiatra quando eu, já o outono se estava a extinguir e a dor sem passar, fui consultá-la e lhe disse que achava que tinha alguma fraqueza de músculo ou mal de articulações: 'Acha?! Se eu fosse esquiar e esquiasse de manhã à noite sem antes me ter preparado para tal esforço físico, de certeza que arranjava, no mínimo, alguma rotura de tendão ou entorse. Qual mal, qual fraqueza...? Exagerou foi na dose.'
Pronto. Seja. A verdade é que a ressonância revelou de tudo um pouco: rotura parcial de um tendão e bursite e mais uma data de coisas.
Explicou-me ela ainda que, andando eu há meses com aquela rotura no tendão e com inflamação, a bursite se tinha formado e mais não sei o quê. E que a dor tem que ser respeitada e tal e coiso. E que, por andar em contenção, para não me doer tanto, já estava a ficar com a articulação congelada (ou os músculos?) e mais não sei o quê. Portanto, a ver se a coisa vai lá com fisioterapia. Senão, consulta do ombro e talvez artroscopia. É o vais. Portanto fisioterapia: calor húmido, laser, ondas curtas, ionizações, mobilizações.
Quem me vê, toda na dissimulação (que coitadinha é que não), não desconfia de nada pois só levantar o braço, rodá-lo para trás (apertar o soutien atrás é uma dor...), levantar o braço para tirar o ticket no parque público e coisas assim é que é mau. De resto, ando na maior, tudo na normalidade, é como se nada se passasse.
De noite, na cama, também é mau. Há meses que durmo sobre o outro lado. É que nem de barriga para cima.
E está a custar a curar. Sempre que ela me mobiliza demais, parece que venho de lá pior. Quer que eu faça movimentos pendulares durante o dia. Como? Levanto-me a meio das reuniões, dobro-me e ponho-me a balouçar o braço? Haveria de ser lindo.
Mas não me queixo. Quando lá chego, tarde, de noite, depois do stress do trânsito e da dificuldade em arranjar lugar para estacionar, deito-me no gabinete, põem-me uma toalha com almofada de calor húmido e é tiro e queda. A dormir, num instantinho.
Depois acordo com um 'Tá-se bem, hein...?' e, estremunhada, confesso que já estava até a sonhar.
O calor húmido não é só no ombro. A fisioterapeuta cismou que me achava com a ombradura tensa. Justificava-me: 'Como não? Dói-me... Na volta, mesmo sem querer, encolho-me'. Chamou a auxiliar e pediu calor também para as cervicais. Melhor ainda. Por mim, podia até cobrir-me de calor húmido da cabeça aos pés.
No outro dia, perguntei: 'Em casa como é que posso fazer isto?'. Diz-me ela: 'Na Natura vendem uns sacos curvos, mesmo para pôr à volta do pescoço, com caroços de cerejas. Humedece, põe no micro-ondas durante 1 a 2 minutos. Depois põe. Vai ver que gosta'. Gostei logo, só mesmo de ouvir.
E loguinho lá caída. 'Sacos de sementes, tem?', perguntei. Tinha. Mostrou-me um saquinho lindo, de veludo em lilás clarinho. Cheiroso, macio. Peguei, já rendida. Mas, ao pegar, senti a miudeza dos interiores. 'Isto são caroços de cereja...?', perguntei, desconfiada. 'Pediu-me de sementes', explicou ela. Rectifiquei o pedido. Tinha, claro.
Já cá o tenho. À volta do pescoço, uma quentura boa. O pior é o cheiro. Não gosto. Tomara que não se entranhe. Parece que cheira a colchão de palha. O das sementes de alfazema devia ser bem melhor. Assim sou bem capaz de ficar com o pescoço a cheirar a galinha. A galinha velha, querem lá ver.
Neste mundo há de tudo e quem pensar que já viu tudo não viu é nada. E quem achar que por saber conjugar o verbo mais difícil no tempo e modo mais gramaticado ou quem se achar top of the world por saber de cor três citações do autor mais obscuro ou a equação mais trelelé do feixe de luz mais azougado do universo, não sabe é nada de nadica.
A toda a hora em todo o lugar estão a acontecer coisas endoidadas ou divertidas e quem passar ao lado delas por não ter senão tempo para viver com o bico enfiado em prosas vintage, tentando descortinar o sentido de filosofias matútis ou a composição secreta das cores mais lazúlis, não vai saber o que é viver ou como vivem os que da vida não conhecem senão o lado soft e sorridente (que é o lado bom).
E vem este prosoleio a propósito de ter constatado que há quem ande ao despique fazendo montagens ou transformações e que é tudo bem engraçado e tudo deve dar muito gozo a fazer.
Não discuto quem tem mais mérito neste desfiar de contas, se o photoshoper, se o tradutor, se o condutor de kart, se o jogador de futebol, se o cantor, se a bailarina do corpo de baile, se a cozinheira da cantina, se a empregada do lar -- a escala de valores é pessoal e intransmissível.
Mas que estas imagens quitadas que aqui vos mostro têm alguma graça, lá isso têm. E o panda entediado tem mais.
Recebi a informação contida no título por mail e vendo-a tal como a comprei. E é complementada com o seguinte:
O Pinóquio e eu desejamos a todos uma boa noite ou um bom dia, consoante a hora
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No entanto, devo dizer que o vi há pouco na televisão e pareceu-me mais magro e cansado. Aquela coisa da hérnia a esguichar-lhe pelo embigo dá ideia que deixou que parte do gás se lhe evaporasse. Na volta, se lá tivesse estado e mesmo que alguma operária se tivesse apoderado de um conjunto de lingerie e o cumprimentasse com ar galanteador, ele limitar-se-ia a fazer um sorriso forçado com aquele facies branco e meio seco com que há pouco o vi.
Não vi nem verei nenhum episódio do programa Supernanny. Os excertos publicitários e o formato anunciado bastaram-me para me sentir incomodada e, não sendo eu masoquista, sempre que posso não desperdiço o meu tempo com lixo.
O tema do mau comportamento e da má educação das crianças e da incapacidade dos pais em lidar com a situação parece-me assunto a ser analisado caso a caso, com reserva e pudor. De resto, tenho a noção de que, na maior parte das vezes, o problema da má atitude de algumas crianças está, sobretudo, nos pais e na sua disfuncionalidade. E quando vejo desfocar a questão, responsabilizando as crianças, tratando-as como deficientes, delinquentes ou patologicamente problemáticas, sinto-me chocada e desconfortável.
No outro dia almocei ao lado de um casal que estava com o filho, um rapazinho de uns três ou quatro anos. O miúdo fazia uma birra incómoda. Mas o que me incomodou mais foi a raiva mal disfarçada entre os pais -- a mulher, num tom furibundo e ansioso, não parava de interrogar e pressionar o marido e este já não suportava os remoques permanentes da mulher e já falava num tom demasiado agressivo para o meu gosto. A criança berrava desalmadamente e os pais, em vez de a abraçarem, de tentarem perceber o que se passava, agrediam-se verbal e comportamentalmente um ao outro. Estive a ponto de me meter naquele mal disfarçado conflito, recomendando que se acalmassem e prestassem atenção à criança
Lembro-me também de que, quando estive a fazer uma pós graduação numa universidade privada, nos ter sido publicitado um curso pós-laboral para ensinar os pais com pouco tempo para os filhos a lidarem com a situação. O nosso curso era um curso de gestão dita avançada e todos os que ali estavam eram executivos que provavelmente encaixariam no público alvo. Muitos acharam o curso interessantíssimo e inscreveram-se logo. Eu disse alto e bom som que o achava pura e simplesmente ridículo: se o problema era terem pouco tempo para os filhos, o melhor seria irem mais cedo para casa para estarem com eles em vez de arranjarem pretextos para os deixarem a criar-se sozinhos urdindo, ainda por cima, teorias de cão de caça para lidarem com os seus problemas.
Mas cada família saberá de si e há circunstâncias ou personalidades em que a coisa pode mesmo ser complicada. E admito que casos existam em que algum apoio externo seja necessário.
Agora o que não lembra ao diabo é meter uma televisão dentro de casa e expor ao público os problemas que ali se vivem.
Mais. Expor crianças seja em que situação for -- sejam pais que humilham os filhos em público, os expoem em revistas, redes sociais ou na televisão -- parece-me sempre mau. Cada um tem direito à sua privacidade, mesmo as crianças. Choca-me que adultos de amanhã estejam hoje, enquanto crianças, a ser expostos pelos pais.
Mas, diga-se em abono da verdade, que não é só isto que me choca: muito do que se passa nesta sociedade inculta, estúpida, imediatista e superficial me choca.
A comunicação social e essa massa informe que se junta nas redes sociais subsitui o conhecimento e anula a autoridade de quem estuda e sabe do que fala. Ouço com pasmo repetirem-se barbaridades com total convicção apenas porque se leu no facebook, se ouviu a um comentador mentecapto ou apenas porque circula por aí. Uma mãe por mais palerma que seja vai para o facebook dizer parvoíces e há uma chusma de outras mães palermas que acham muita graça e repetem as parvoíces umas das outras. E as parvoíces, por se encontrarem em letra de forma e terem muitos likes, passam a fazer escola. Este é o caldo social e cultural em que germinam programas impensáveis como este Supernanny.
Júlia Pinheiro e Conceição Lino,
as chocarreiras
que se acham no direito de se armar em
justiceiras e pesporrentes.
marimbando-se de alto para as crianças.
Querem é audiências.
Por mero acaso, ao jantar, demos com um debate da SIC sobre o programa Supernanny que, dos excertos que agora ali mostraram, me parece, de facto, roçar a abjecção. E confesso: ver a prepotência, o ar de superioridade alarve, o quero-posso-e-mando, a pesporrência e a total leviandade da Júlia Pinheiro e da Conceição Lino a defenderem aquele formato, a desafiarem Dulce Rocha, do Instituto de Apoio à Criança (IAC) e Rosário Farmhouse, da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens ( CNPDPCJ) deixou-me chocada. Mais: revoltada.
Ouviram a opinião fundamentada de duas pessoas que sabem do que falam como se estivessem a ouvir a opinião de duas vulgares transeuntes a quem tenham posto o microfone à frente da boa. Com ar de dúvida, por vezes até trocista, Júlia Pinheiro e Conceição Lino desdenharam de toda a argumentação técnica e séria que elas foram carreando para a discussão, contraponto vulgaridades e atoardas, ora com ar arrogante, ora com ar de gozo.
Chocante. E tanto mais chocante quanto se está a falar de crianças.
Júlia Pinheiro e Conceição Lino
a dupla sensacionalista
para quem vale tudo,
desde explorar o luto e a dor alheia
até aos problemas de crianças indefesas
Depois daquilo a que assisti a única coisa que me ocorre é o seguinte: não é possível ter pessoas como Júlia Pinheiro e Conceição Lino em lugares de responsabilidade na Comunicação Social. Não é possível.
Podem com os seus desmandos, histerias, manipulações ou exploração alarve das emoções alheias conquistar picos de audiências. Acredito que sim. Mas não vale tudo. Não vale tudo.
Tivesse eu funções de responsabilidade na SIC e de tudo faria para que pessoas que revelaram um tal desprezo pela dignidade alheia (nomeadamente a das crianças) e uma tal alarvidade na defesa acéfala das suas posições, fossem afastadas dos lugares que ocupam. O poder de pessoas assim deve ser neutralizado pois o seu efeito pode ser nefasto.
As televisões têm um poder efectivo: o poder de influência na opinião pública. E esse poder não pode estar nas mãos de pessoas com mentalidades e atitudes como acabei de ver em Júlia Pinheiro e Conceição Lino. Lamento dizê-lo desta forma tão crua. Mas é o que penso.
Quando lhe disse que ia procurar o livro, disse-me que estava bem e, acto contínuo, acrescentou: 'Olha, põe queijo no arroz, está bem?'. Precisei, de novo, de uns segundos. Perguntei então quando seria o repasto. Disse-me que no domingo. Estava apalavrado que iriam passar o dia ao campo para participar na queimada mas ainda não o dia em concreto. Depois perguntei: 'Mas o arroz é para acompanhar o quê?'. Responde-me 'Carne'. Ouvi a voz do meu filho: 'Pode ser pá com osso. No forno'. Perguntei se era de porco. 'Não, de vaca. O osso é o osso buco'. Não percebi bem de que se tratava mas ele incumbiu-se de tratar do assunto. Frequenta um talho de bairro onde encomenda cortes de carnes e onde o dono, conhecendo-lhe os gostos, lhe guarda cabeças de carneiro e outros pitéus meio sinistros. Perguntei que coisa era essa do queijo com arroz. O meu filho disse de longe: 'Comeu um risotto na casa duns amigos nossos e gostou tanto que não fala de outra coisa'.
Resumindo e voltando à carne. O que cá veio parar a casa foi um pernão de vaca como não há memória. Pensei que se trataria de postas de carne em volta de um osso. Afinal a 'cena' era a perna quase inteira.
Como só íamos no próprio domingo, com aquele tamanho e robustez de perna, não daria para apenas começar a cozinhar quando lá chegássemos, a menos que me levantasse de madrugada.
Então, foi assim: preparativos de véspera.
Pá de vaca no forno
No sábado à noite, num tabuleiro fundo, coloquei uns generosos fios de azeite. Sobre isso, cortei em bocados duas cebolas grandes, cinco ou seis dentes de alho, um ramo grande salsa e outro mais pequeno de coentros, umas folhas de louro. Por cima dessa cama perfumada, deitei a perna (a da vaca, claro) e besuntei-a com azeite, sal, tomilho-limão e alecrim. Virei-a e na outra face, apliquei o mesmo tempero. Tapei com papel de alumínio e deixei no frigorífico.
Isto porque o meu marido é madrugador e, portanto, ficou incumbido de começar a faena mal se levantasse, tendo eu deixado as respectivas instruções.
Aquecer o forno ao máximo, durante 10 minutos, saída do calor por cima e por baixo. Depois do forno quente, inserir o tabuleiro e reduzir para 180º. Durante uns 15 minutos, fica assim. Então, baixar para 160º e ficar assim até sairmos de casa.
Entretanto, levantei-me e rodei o pernão.
Quando chegou a altura de irmos, tirei o tabuleiro do forno, cobri com papel de alumínio, coloquei esse tabuleiro sobre o tabuleiro preto do forno e foi assim que o pernão foi transportado: bem instalado, no banco de trás.
Quando chegámos, de novo o forno a aquecer ao máximo durante uns dez minutos e, de novo, lá para dentro com temperatura a 160º, rodando, de vez em quando. Ah, sim, de vez em quando, juntava um pouco de água para que nunca secasse ou queimasse.
Entretanto, cozi feijão verde qu elevei e aproveitei para gastar a batata normal e a batata doce que lá tinha. Quando cozidas as batatas, aos cubos, coloquei no tabuleiro da carne para que tostassem. Batatinha de forno é sempre coisa boa.
Quanto ao risotto:
Num tacho: azeite, duas cebolas migadas. Fritar levemente, sem queimar, para ficar branca e macia. De seguida, juntei salsa e coentros abundantes e um pedaço pequeno de bom chouriço de carne, cortado. Tapei o tacho e deixei que cozinhasse durante um bocado. A seguir, com a varinha, triturei grosseiramente para que não se percebesse nem a cebola, nem a salsa ou coentros ou o chouriço. Juntei o arroz (risotto) e deixei-o embeber aquela massa húmida. Fui juntando água quente e mexendo. Temperei com sal. Juntei o conteúdo de uma lata pequena de cogumelos laminados depois de os passar por água. Continuei a juntar água quente e a mexer. Quando já tinha embebido a água toda, juntei um pouco mais e tapei, deixando estar um bocado mais a cozer. Juntei um pouco do molho da carne assada. No final, juntei uma embalagem de queijo ralado e, claro, sempre mexendo. Usei mozarella para não ter um sabor muito forte, não fossem os meninos não gostar.
No fim, a carne (chambão) estava saborosa e muito macia. Ao todo, descontando o tempo em que viajou no banco de trás, deve ter estado umas quatro horas no forno.
Estava uma peça muito bonita mas, como sempre, esqueci-me de a fotografar. Só quando o meu filho se atirou ao osso é que registei o momento.
Para além do risotto que estava apaladado e do feijão verde (que temperei com azeite e vinagre balsâmico), acompanhei também com salada de alface e com rábano às rodelas finas.
De sobremesa, fruta variada e mousses de chocolate (do supermercado).
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Para o lanche, que contou com o resto da trupe, houve torradas feitas na lareira, chouriço assado também na lareira, queijos vários, presunto, sumos, chá de lúcia-lima, fruta e iogurtes, bolachas marinheiras, mel. Delicioso o pão de sementes aquecido também na lareira que comi com requeijão de cabra. Os meninos deliram. Mas, senhores, a confusão que é... Parece uma daquelas famílias de italianos em que toda a gente fala e ri e faz barulho e em que ninguém se entende mas em que ninguém se importa com isso e continuam todos a rir e a falar. Pelo meio, bem disposto e comilão, o bebé despacha tigelas de papa, come banana e pão à mão, ri, bate palmas e dança sozinho, na cadeira ou ao colo, feliz da vida.
Entretanto, antes das comezainas, tínhamos um bidão usado que conhecido nosso fez o favor de nos arranjar. Contudo, estava hermeticamente fechado. Então, a primeira tarefa foi serrá-lo para o abrir. O meu filho trouxe a rebarbadora e, com a experiência que adquiriu na reforma da sua casa, atirou-se à arriscada tarefa, sob o olhar atento do pai.
De seguida, levaram-no para o 'campo de futebol' e teve, então, início a queimada controlada. Mato e mais mato e mais mato. Os pimentinhas, numa alegria e numa azáfama, transportando ramos dos montes para o pai e o avô irem queimando. De manhã ao fim do dia. Pelo meio, como já disse, juntaram-se-nos a minha filha e os outros queridos pimentinhas. A alegria do costume. A ajudar com o mato, a ver a horta (tudo pegadinho de dar gosto!), as grutas pequenas, o musgo, os caminhos novos.
Ah... e os cães.
Quando chegámos, de manhã, lá andava o gatinho branco. Entretanto, escondeu-se e não mais o vimos. Mas agora temos uma novidade. Na casa do outro lado da nossa rua, lá mais ao fundo, há três cães. Um grande (que era novinho, de uma cor castanha clara e olhos claros, e que agora está um gigante meio assustador), um de tamanho médio, malhado, bonito, e um pequeno, atrevido. Pois bem. Estes dois mais pequenos deram em entrar para o nosso terreno. Saltam por entre o gradeamento e lá andam, querendo brincadeira e festas.
No outro dia, um dos meninos deixou uma bola colorida num abrigo. Hoje a bola não estava lá. Estranhámos. Como é que a bola desaparecia dali? Não acreditávamos que alguém tivesse entrado para roubar uma bola. Pois bem. Lá estava ela junto aos arbustos ao pé do gradeamento. Não conseguiram levá-la nos dentes por entre as grades.
Pior.
O meu filho deixou os sapatos à porta de casa pois andou nas faenas da queimada com galochas. Quando veio, antes de almoço, foi tomar banho, vestir outra roupa e calçar-se. Sim, sim... Só lá estava um sapato. Ficámos passados. Como é que desaparecia um sapato? Lembrei-me: Não me digas que foram os cães? E o meu filho já a ver o caso mal parado: Querem ver que o cão me roubou o sapato... Mas a filha disse: Eu vi o cão ir a correr daqui ali para aquele lado. Lá fomos. E ufff...! Ao fundo, do outro lado, lá estava o sapato caído. Vá la que também não conseguiu saltar com ele na boca.
Está bonito, isto. O meu marido diz que vai pôr uma rede ou coisa do género para ver se os impede de entrar. Safados. Ainda hoje vi tufos de pêlo de coelho, num dos caminhos. Na volta, ainda se andam a atirar aos coelhos.
(Isto já para não falar na hipótese de por lá habitar alguma raposa que desde que o vizinho do fundo disse que tinha tido que arranjar uma burra para o ajudar a espantar as raposas, não fossem elas atacarem as ovelhas, tenho andado com este pressentimento. Aquela gruta grande... não sei não...)
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Bem. Fico-me por aqui. Isto já vai para lá de longo de mais. Nunca mais aprendo a sintetizar.
A primeira e a terceira fotografias são da autoria da menina linda (que adora fotografar). Para nos acompanhar no texto, escolhi uma canção popular italiana porque sim.
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E uma semana feliz a todos quantos por aqui me acompanham!
Hesitei sobre o nome a dar ao post. 'Ancestralidades'? Depois lembrei-me que podia ser coisa de gente das cavernas. E andámos, de facto, a ver grutas. Ainda não foi desta que se aventuraram a espreitar para dentro da gruta grande, mas, ainda assim, das pequenas, sim.
Hoje foi dia dedicado a actividades ancestrais. O fogo, os assados. Portanto, coisa do paleolítico.
Daqui a nada já cá volto para contar mais em pormenor. Agora -- enquanto olho para as fotografias para ver se dá para aproveitar mais alguma para aqui, depois acabar a sopa que está cozinhada, falta juntar o azeite e moer a base, juntar as nabiças cozidas, talvez a seguir comer alguma peça de fruta (que estou cheia, não me apetece jantar) -- deixo-vos já com uma amostra deste domingo que começou bem cedo, foi bom, bom, bom, e que, tão preenchido foi que ainda me traz no trabucanço.
E, depois, a ver se não me esqueço, ainda tenho que ir passar um brilhozinho nas unhas.
Anda por aí meio mundo a interrogar-se como é que é possível que, ao fim de um penoso ano, Trump ainda se aguente como presidente dos States -- apesar de tudo aquilo mais parecer uma anedota, um filme de quinta categoria, uma desqualificada palhaçada, uma vergonha para a humanidade.
E eu, que não sou politóloga (nem tão-pouco da estirpe dos politólogos humildes), o que acho disto é que não é mérito de Trump ou demérito dos americanos: acho que, simplesmente, os EUA entraram num daqueles buracos negros em que o mundo volta e meia se enfia. Ou isso ou, então, é a prova provada de que o fim dos tempos é muito bem capaz de estar a caminho.
Não tenho cabeça para grandes divagações, muito menos divagações sobre um pato palerma, um donald amarelo, um aparvalhado que não diz nem faz coisa com coisa, um maluco com boquinha de botão de rosa e maozinhas de boneca.
Se o mundo ainda existir daqui por umas centenas de anos e caso eu já cá não esteja para análises retrospectivas, capaz de haver alguém que, consultando a fita do tempo, os twitters, os faces e os instas, consiga perceber o que se passou nos idos de 2017 e 2018 para ter acontecido uma coisa destas.
Portanto, perdoar-me-ão mas não vou deter-me em filosofias que não me assistem ou em brincalhotices verbais que estão reservadas a inteligentes mentais como o Henrique Raposo. Eu cá não. Eu cá, está mais do que sabido, é mais bolos.
E, assim sendo, permitam que me fique por alguns vídeos escolhidos ao acaso e aqui dispostos por ordem aleatória:
Japanese Donald Trump Commercialトランプ2016
(O que, segundo o tradutor da Google, se traduz assim: Cartão comercial japonês Donald Trump 2016)
Um presidente Bing-Bing
O que as crianças acham de Trump
Trump em alguns momentos estranhos em 2017
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A quem aterrou agora e caíu em cima desta trumpalhada, recomendo que desçam até ao post já aqui abaixo onde se fala da matemática de uma certa noite estrelada, de um menino de 5 anos que tem um projecto de Van Gogh e de uns quantos pensamentos muito avançados.
No outro dia, ao ligar-me o meu filho, apareceu-me ao telefone o menino que tem cinco anos. Disparou: 'Tens um livro do Van Gogh?'. Levei uns segundos a processar. Depois respondi: 'Acho que sim. Mas para que é?' Respondeu-me: 'Para um projecto'. E disse-o com tal naturalidade que contive a vontade de rir. Disse-lhe que iria procurar, que não sabia era se estava na cidade, se na quinta.
Entretanto, não descobria o livro. Vários outros, sim. Um sobre a semana turbulenta de Van Gogh e Gauguin, outro sobre Theo e Vincent. Depois referência em vários livros de arte. Mas o livro que tinha de cabeça não encontrei.
Relatei a conversa à minha mãe. Diz-me ela: Tu ofereceste-me um livro sobre Van Gogh, grande, da Taschen. Já lá fui, já cá o tenho. Portanto, da parte que me dizia respeito, a missão do Van Gogh está cumprida.
E estou curiosa sobre o projecto. Quando souber alguma coisa conto.
Entretanto, adivinhando os meus pensamentos, eis que o algoritmo do youtube, certamente sabendo também da minha queda pela matemática, me propõe um vídeo com um tema algo imprevisto: A inesperada matemática por detrás da Noite Estrelada de van Gogh.
Estive a ver, interessada.
O mundo é um espaço físico e temporal cheio de mistérios e fascínios. Tempos houve em que me entusiasmava ao tentar desvendar alguns e perceber as suas inter-relações. Hoje já não muito. Hoje interesso-me sobretudo por saber que há tantas, tantas, tantas coisas que nunca vou saber -- e que ainda bem que assim é senão a minha cabeça estourava e o mundo deixava de ter graça.
Cada um de nós tem uma vida finita preenchida por pequenas coias. Podemos achar que somos únicos. Ou que temos pouca sorte. Ou muita sorte. Ou que há coisas que só nos acontecem a nós. Engano. Somos seres insignificantes, frageis, perecíveis, todos idênticos entre nós -- e estamos de passagem.
A maior parte de nós jamais descobre o que quer que seja, jamais deixa marca relevante para o que quer que seja. Apenas quando observados numa série longa se percebe que, de vez em quando, alguns deixam pequenos contributos para os que vêm a seguir. Uns por acaso, outros por muito se esforçarem, outros por mero engano. Acontece, simplesmente. Por exemplo, uns, tresloucademente, pegam num pincel e andam com ele em volta, captando a turbulência com que a sua mente vê o céu estrelado, outros inventam fórmulas matemáticas que se adaptam ao que outros pensam sobre a turbulência da luz. Depois há quem, um dia, consiga ver a relação entre esses eventos e tudo parece fazer sentido. Engano, também. O que é 'tudo'? 'Tudo' é coisa que não existe.
Haverá, depois, os estudiosos que acham que 'tudo' é um breve passo para atingir o desconhecido. Ou os cépticos que acreditam que nada se sabe, que nada interessa. Ou os diletantes, que com tudo se deleitam, que desenham interrogações onde os outros dormem sobre certezas, apenas pelo prazer da arte e da estética do conhecimento elegante.
Mas, vendo bem, de facto, não se percebe para que é que coisas assim contribuem para o futuro e para o bem da humanidade. Por mim, é com serenidade que interiorizei que não devo tentar perceber tudo. A explicação do mundo é, para mim, tema que me interessa cada vez menos. Tranquila com as minhas limitações, a mim basta-me semicerrar os olhos e apreciar a beleza de uma pintura, sentir a harmonia de uma bela melodia, apreciar a delicadeza suprema de uma expressão matemática escrita num momento de inspiração.
Mas, enfim.
Transcrevo o texto que acompanha o vídeo que o YouTube me propôs:
Physicist Werner Heisenberg said, “When I meet God, I am going to ask him two questions: why relativity? And why turbulence? I really believe he will have an answer for the first.” As difficult as turbulence is to understand mathematically, we can use art to depict the way it looks. Natalya St. Clair illustrates how Van Gogh captured this deep mystery of movement, fluid and light in his work.
Lesson by Natalya St. Clair, animation by Avi Ofer.
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Entretanto, vou coser uma meia e temperar a carne para amanhã e pode ser que ainda volte falar de outras cenas.
Vi as sondagens, vi algumas notícias, sim, teria muita coisa a dizer, claro, mas o depauperado estado em que me encontro reduz-me o débito cognitivo e pouco mais consigo fazer do que passear os olhos pelos vídeos que o algoritmo do youtube me propõe.
Somos bons amigos, eu e o algortitmo. Fosse eu dada a networkings e arregimentava-me no LinkedIn a ver se a Google vinha fazer serenatas à minha varanda, atirar pedrinhas à janela, a ver se me convencia a ir aperfeiçoar o algoritmo do YouTube. E eu talvez que fosse. Juntar-lhe ainda mais uns pós de inteligência emocional -- que racional já ele tem que chegue. Por exemplo, quando o algoritmo percebesse que a malta é daquela que está por tudo (que os algoritmos percebem tudo), volta e meia surpreendia-a com coisas malucas para caraças. Malta que está por tudo, pela-se por ser surpreendida.
Se bem que isso já ele faz. Algoritmo bem feito.
Ainda hoje. Eu na modorra, preguiçando pelos vídeos e adormecendo de minuto a minuto, e nisto dou com um em que nada a ver. Pois foi logo esse que me despertou. Claro que, no meu íntimo, gostava que ele (ele, o algoritmo) fosse mais ousado. Que me adivinhasse, que fosse buscar coisas de gente que eu desconheço mas que vendo-os logo eu descobrisse quem é, coisas que me deixassem de queixo caído, olhos esbugalhados -- tudo para me desafiar. Ou actividades completamente desconhecidas. Ou mais. Coisas do outro mundo. Tem que ser de outro mundo para me cativar.
É como nos blogues: só quem escreve coisas do outro mundo me cativa. E há quem. Por esses me deixo cativar. Por eles, eu me deixo trazer cativa.
Mas pronto, isto já sou eu a querer demais: algoritmos inteligentes, sensíveis, mediúnicos, maliciosos, divertidos, poéticos, sensuais, insolentes. Por detrás do vidro do computador milhares de mentes confluindo em palavras deliciosas, surpreendentes, em bailados nunca vistos, em artes inesperadas, em amores e gestos irrecusáveis, em gestos de bondade, em olhares atentos e felizes.
Bem. Isto tudo para dizer que estava eu aqui, pasmaçando, pensando no meu plano de festas para sábado, muita actividade para tão curto espaço de tempo, quando um vídeo me trouxe à memória. Digo-vos o quê.
Os meus pais eram jovens e tinham muitos amigos. De vez em quando havia bailes. Os meus pais não seriam bailarinos devotos mas dançavam com competência. Nesses dias a minha mãe arranjava-se de forma ainda mais apurada. Era, já de si, bonita e vistosa ou não fora o seu cabelo de um louro platinado natural, os olhos muito azuis, relativamente alta, elegante e alegre. O meu pai, outro registo, sempre com grande sobriedade, mas moderno, disponível para participar nas coisas que agradavam à minha mãe e onde estavam todos os casais seus amigos. O padrinho de casamento do meu pai tinha três filhos jovens e bem dispostos. Havia também o director da fábrica que tinha outros três filhos. Andariam todos por volta dos vinte anos, mais ano, menos ano. E havia outros que, com eles, formavam um grupo que animava sempre os bailes. E organizavam concursos. Do que melhor me lembro era do twist. O que eles faziam... Pareciam frenéticos, contorcendo-se de alegria.
Eu adorava aquilo. Andava com os meus amigos pequenos -- três, quatro, cinco anos -- a dançar no meio dos grandes ou simplesmente a observá-los. Não sei se os meus pais me levavam sempre com eles. O que sei é que aquelas noites eram para mim um delírio. As raparigas grandes e as mulheres, emgeral, iam com saias rodadas, os rapazes andavam elegantes, riam, dançavam, inventavam coreografias. Lembro-me de um que se chamava Orlando e que era o máximo. E a Guidinha, que saltava, rodopiava, dava reviravoltas no ar. Abriam-se alas para os ver dançar. No fim, a sala vinha abaixo, tanto o entusiasmo e a força dos aplausos. Os meus pais não eram nada esse género, era sempre um registo de sobriedade mas apreciavam a exuberância dos outros.
Havia outros bailes, ao ar livre, pelos santos populares, e aí também íamos e havia caracóis e laranjinas. Mas estes de que hoje me lembrei eram num grande salão. Pela Passagem do Ano também havia baile e ceia mas, que me lembre, não havia concursos. Não me lembro de dançar muito, nessa altura. Era pequena e andar a dançar ou a correr entre os adultos era um desafio.
O vídeo abaixo, que hoje o algoritmo tinha para me mostrar, não reproduz nada desses ambientes de festa tais como me lembro. Mas é uma alegria. E é break dance. Dá-me ideia de que deveria haver legislação que obrigasse toda a gente, pelo menos uma vez na vida, a participar em momentos assim. Não se fica o mesmo quando alguma vez se dançou perdidamente, o corpo à solta, a música a correr nas veias. E isso o algoritmo já sabe. O meu, pelo menos, sabe.
E se detectarem bandos de gralhas empoleiradas nos meus textos, por favor, relevem: é que já estou a dormir, já não dou por elas -- por isso nem as enxoto.
Bem. Se soubessem o que foi o meu dia nem iam acreditar. Eu própria não acredito. Foi de manhã, foi à hora de almoço, o parque de estacionamento cheio, várias voltas ao bilhar grande para conseguir descobrir um buraco para a droga do carro, foi os restaurantes a deitar por fora, sem mesas, foi um arranca-rabo dos antigos à tarde, foi um tareão no meu pobre ombro ao fim do dia, foi um trânsito estuporado à noite, foi não haver lugar para estacionar o carro à noite, foi um restaurante a rebentar pelas costuras, uma barulheira insuportável. Caneco. Levanta-se uma pobre proletária ao raiar de alba para andar metida em confusões, trabalheiras, barafundas e apenas chegar a casa às onze, já sem paciência para aturar brincos, saltos altos, soutien e tudo o resto. Bolas.
Haverá quem diga: mas ó maria parvalhona, que ideia ir para um restaurante a uma sexta-feira à noite...? Pois. Mas a uma sexta-feira à noite, vai uma pobre membra da classe operária ainda pôr-se a fazer jantar às nove e tal da noite? Ou está o pobre marido para se pôr feito cozinheiro, coisa para a qual nunca teve jeito ou motivação, numa sexta-feira à noite...? Zero em ambos os casos.
E quem é que havia de imaginar tamanha barafunda, tamanhas enchentes, Lisboa a transbordar por todos os lados?
O que me valeu, acreditem, foi que agora, onze e tal da noite, tenho notícia de Leitor que andava meio desaparecido (e eu sei porquê, e como o compreendo) que me trouxe coisas que me deixaram completamente bem disposta e bem informada.
Partilho já uma das coisas convosco. Quase uma coisa na base do que foi o meu dia sem ter que carregar num botão.