Sobre a minha menopausa já aqui falei várias vezes. Não sei ao certo que idade teria. Cinquenta e picos, por aí. O período foi ficando incerto. Às tantas já nem me lembrava bem. Creio que calhou quando andava a fazer uma pós graduação num período em que também andava cheia de trabalho, quando veio o diagnóstico do meu sogro com o que se lhe seguiu, muito stress à mistura. Mas também pode não ter tido nada a ver com isso, pode ter tido apenas a ver com o relógio biológico. Foi-se. Naturalmente.
Um descanso.
Uma vizinha, por causa disso, do espaçamento que até nos leva a esquecer e a desvalorizar, engravidou. Pensava que a loja estava fechada, distraiu-se. Veio uma bebé quando os filhos eram crescidos, adolescentes, tal como os meus. Poucos meses depois, andava ela de bebé ao colo, a barriga mantinha-se estranhamente grande. Escondeu enquanto pôde. Uma vez disse-me: 'Até tenho vergonha... Que me tenha distraído uma vez, enfim, é estúpido mas acontece... Mas uma segunda vez...? Logo a seguir...? Não há explicação. Tenho vergonha...' Fartei-me de rir, mas percebi-a.
Depois dos partos, a menstruação desaparece por algum tempo.
Ainda me lembro de quando nasceu a minha filha, era ela bebé de colo, eu a amamentar, e, um dia, vi sangue. Fiquei assustada. Contei ao meu marido a minha preocupação. Pensei que estava doente, gravemente doente, com alguma hemorragia. O meu marido é que se lembrou: 'Não será a menstruação?'. Já nem me lembrava de tal coisa. Depois dos nove meses da gravidez, creio que já ia em seis ou sete meses depois do parto, e nada. Tinha-se-me varrido. Claro que era! Que burra, credo.
Às tantas também poderia ter engravidado nessa altura. Imagine-se, então, isso numa altura em que a pessoa pensa que já está na menopausa...
Também já contei que a menopausa se me deu uma meia dúzia de afrontamentos foi muito. De todas as vezes, que me lembre, foi ao fim da semana quando ao fim do dia íamos para a nossa casa no campo. Davam-me uns calores brutais, tinha que abrir a janela, quase pôr a cabeça de fora. Aquilo durava uns segundos, não mais que isso, mas, enquanto durava, era uma onda de calor avassaladora que avançava dentro de mim. Parecia que ia pegar fogo. Depois passava. Assim como vinha, assim ia.
Mas teve outro efeito: aumentei de volume. Antes vestia o 38, depois passei para o 40, depois para o 42, agora, frequentemente, já o 44. Olho para o que vestia antes e espanto-me: tão fininha, tão estreitinha. Como é que eu cabia ali? Agora há ondulação a la Rubens a bombordo, a estibordo, you name it.
Mas parece que os danos não se ficam pelo volume. Parece que no cérebro a coisa pode fiar mais fino. O que a neurocientista Lisa Mosconi explica ajuda-nos a perceber muitas coisas e a evitar outras. Menos mal: parece que, uma vez mais, a dieta mediterrânica opera milagres. Isso e uma vida activa, tranquila... e, claro, dormir bem (e, neste particular, pela parte que me toca, reconheço: tenho que me esforçar por ir para a cama mais cedo)
Convido-vos a ver o vídeo abaixo pois é muito interessante. Não interessa apenas a mulheres na menopausa mas a quem um dia lá há-de chegar bem como a todos os homens que lidam com mulheres. E, desta vez, milagre, milagre... está legendado.
[E aqui abro um parêntesis para elucidar os Leitores que às vezes se queixam que escolho versões não legendadas. Muitas vezes não é isso, muitas vezes tem que ser o próprio a ir às definições (a rodinha dentada que aparece em baixo, à direita, no vídeo) e escolher a opção das legendas e a língua]
How menopause affects the brain | Lisa Mosconi
Muitos dos sintomas da menopausa - ondas de calor, suores noturnos, insónia, lapsos de memória, depressão e ansiedade - começam no cérebro. Como exatamente a menopausa afeta a saúde cognitiva? Compartilhando descobertas inovadoras da sua pesquisa, a neurocientista Lisa Mosconi revela como a diminuição dos níveis hormonais afeta o envelhecimento do cérebro - e compartilha mudanças simples no estilo de vida que você pode fazer para apoiar a saúde do cérebro ao longo da vida.
_________________________________________
Pinturas de Rubens ao som da banda sonora da 2ª temporada do White Lotus
Eu também acho. Também não sei outra fórmula que seja mais exacta. Porque ele é ele e eu sou eu.
Se quiser dizer mais do que isso, terei as maiores dificuldades. Só sei que tem que ser inequívoco, não pode haver dúvidas nem reservas. Não se pode gostar de tudo excepto daquilo. Não se pode dizer que é pena aquiloporque, se não fosse, seria excepcional. Nem se pode dizer que é verdade, é um bocado isso mas, tirando isso é uma maravilha. Não, não pode haver uma parte de que se não gosta senão, invariavelmente, isso vai alastrar e, com o passar do tempo, vai tornar-se insuportável. Isto não quer dizer que tenha que se gostar sempre de tudo. Mas tem que ser uma coisa variável, ocasional. Não pode haver, em permanência, uma coisa de que se não gosta. Se se consegue dizer que há ali uma coisinha que é uma pena senão era todo bom, então, que não se duvide: essa coisinha vai virar o aleijão que vai contaminar tudo o resto. E, se não se corta o mal pela raiz, o que vai acontecer é que, aos poucos, mesmo sem querer, o que vai a sobrevir é a repulsa, a aversão total.
No meu caso, o que posso dizer é que, sempre que me apaixonei, mas apaixonei a sério, apaixonei totalmente, sem reservas. Mais: sem ser capaz de explicar. Ou melhor: podendo elencar mil razões e, se calhar, esquecendo-me de outras mil e nenhuma explicando a paixão de per se já que ela é apenas explicável pela conjugação, na dose certa, de cada componente.
Da única vez que namorei uma pessoa sabendo que havia ali uma ou outra coisita que, no meu íntimo, não me agradava por aí além, apesar de durante algum tempo ter banido do meu consciente essas insignificâncias e conseguido simular tão perfeitamente que gostava dele que a mim própria cheguei a enganar-me.... a coisa não acabou bem. Foi uma questão de tempo. Havia amizade, havia esse afecto que é a amizade misturada por um inconsciente, vago e nunca confessado sentimento de culpa, e foi difícil cortar. Tentava auto convencer-me que me seria doloroso cortar. Tentava auto convencer-me que ele era uma opção. Tentava auto convencer-me que me custava infligir-lhe sofrimento. E custava. Mas, no meu íntimo, tomara eu ver-me livre dele. Mas não o assumia. Não queria, nem apenas para mim, assumir que estava a namorar uma pessoa sem estar loucamente apaixonada por ela. Mas, quando cortei, foi para nunca mais. Creio que não queria admitir a possibilidade de poder vir a ser confrontada com a evidência do que, ab initio, era um acto falhado. A vida da gente tem coisas assim.
Mas, por isso, sei bem que, para um amor ser amor e ser bom, para ser imenso, para resistir ao tempo e a tudo, para ser compensador, tem que ser total: tem que haver igual investimento de parte a parte, o que um dá, o outro tem que dar em igual medida, tem que haver sintonia, empatia, dádiva, acompanhamento, química (que talvez seja a mesma coisa que atracção -- a coisa física é fundamental -- mas que talvez seja uma outra coisa, não sei; nisto não sei explicar nada), e vontade de atravessar junto o deserto mais árido e o vulcão mais incandescente, ter a certeza de que se vai gostar hoje, amanhã e para o resto da vida. Mesmo que, por vezes, a gente vire onça e tenha vontade de dar surra e atirar da vida para fora, a gente sabe que amor assim a gente tem que conservar porque amor assim acontece uma vez na vida.
Para explicar o amor
E, já que estou com o Chico, bora continuar com ele falando de mulher?
Dia de arrumações, de limpezas. Desde manhã até ao fim do dia. Estou, naturalmente, cansada. E ainda a procissão vai no adro. Aqui há algum tempo, uma arrumação destas aconteceu com os roupeiros. Sobre as sacadas de roupa que dei, tenho ideia de que aqui deixei registo. E agora ainda hei-de lá voltar de novo. Mas, por enquanto, tenho estado com gavetas com papelada, prateleiras de estantes fechadas onde reside muito bibelot, caixas e caixinhas, algumas das quais com coisas insólitas lá guardadas. Moedas soltas aparecem no fundo das gavetas, dentro de caixas e tacinhas, por todo o lado. Pilhas não têm conta. Não percebo. Presumo que sejam como os coelhos, que se multipliquem desenfreadamente. Canetas que já não escrevem são mais do que as mães. E, no meio disto, algumas descobertas surpreendentes.
Muito papel foi jogado fora, facturas, receitas, coisas assim. Flores secas também, pot-pourries, espigas cor de laranja, coisas de que vou gostanto e mantendo. Mas estou numa de me desfazer de tudo o que não me cause dor e, portanto, os sacos foram-se enchendo. Objectos não identificados ficaram expostos na sua estranheza indo alguns também porta fora. Aparecem peças que não sei a que pertencem ou se existem por si, assim. E um diploma em meu nome como sendo a mulher que melhor se veste na empresa. Foi numa festa de natal. Houve votação para várias categorias, todas assim nesta base. Já não me lembrava de tal e, muito menos, que aquilo tinha dado direito a um diploma.
Descobri também uma peça de louça que parecia inteira e que, afinal, tinha duas partes cuidadosamente encostadas, parecendo que estava inteira. Pergunto-me quem terá feito tal estrago e, pela calada, fez de conta que nada tinha acontecido? O meu marido desvaloriza, disse qualquer coisa tão bizarra que nem sei transcrever, qualquer coisa como ser natural dado ser peça antiga, como se as peças de cerâmica se desintegrassem ao fim de alguns anos. Claro que desconfiei logo que tivesse sido ele. Achou que eu não estava boa da cabeça, a que propósito iria ele mexer naquelas mariquices? Não deve ter dito mariquices, costuma usar um sinónimo menos meigo. Mas não me lembro exactamente do que mais disse pois, vendo que dali não levava nada, desliguei, tanto que fazer que não vale a pena perder tempo com coisa assim. Mas não foi a única coisa partida. Numa outra estante, tenho duas peças de cerâmica, duas bonecas artesanais muito bonitas. Eu, pelo menos, acho-as muito bonitas. Uma delas estava sem cabeça. Fico perplexa com isto. Penso que pode ter sido outra pessoa. O meu marido zanga-se com a minha desconfiança, que obviamente não, se tivesse sido, ela teria informado, e insiste que as coisas se partem sem intervenção humana. Também admito que não deve ter sido essa pessoa: uma vez que houve um acidente assim, ligou-me, em lágrimas, até me assustei, pensei que tinha acontecido alguma desgraça. Mas, com isto, estava ainda mais intrigada pois não descobria a cabeça. Afinal, lá estava, atrás da outra mulher. Mistérios.
Às tantas, o meu marido chamou-me: tinha descoberto umas fotografias que, de ponta a ponta, eram surpreendentes. Para começar, eu era outra. Tinha havido uma festa grande cá em casa, a casa estava cheia. Havia gente por todo o lado. Eu estava com um vestido de noite, justo, de alças fininhas. O meu marido, vendo-me nas fotografias, estava espantado, diz que não se lembrava de eu ter sido tão magra. Não estava magra, estava, simplesmente, como fui até a menopausa me ter deixado mais a gosto de Rubens. Quem estava assim, nessa altura, era a minha mãe. Hoje, ao telefone, falei-lhe nisso. Disse ela, podes crer, a seguir à menopausa, alarguei de costas, aumentei de peito, acabei por dar os blasers todos, nenhum me servia, nada abotoava no peito. Agora não, agora voltou ao que era antes, esguia, elegante. Tenho esperança de, daqui por uns anos, também eu volte a adelgaçar. Numa outra festa, creio que seria uma festa de anos, a casa também cheia, eu estava de calças brancas e tshirt justinha, e o meu corpo estava metade do que hoje parece. O meu marido pergunta: estarias doente? não tenho ideia nenhuma de seres tão magra. Volto a dizer-lhe que não estava nada magra, nunca fui magra, nem doente, qual doente, simplesmente mantinha um corpo de adolescente. Ele olhava espantado, não reparando que, com ele, foi o contrário: hoje está metade do que era naquela altura. Mas o principal ponto de interesse daquelas fotografias está longe de ser a outra que era eu. Éramos todos outros. Os meus filhos eram adolescentes, em início de adolescência. Tão bonitos, tão queridos, ainda a despontarem. Contudo, numa das festas já estava o namorado da altura da minha filha, o primeiro, um rapazito. Os meus sobrinhos eram, ainda, umas crianças. Mas impressionante, impressionante, é a quantidade de pessoas que já não estão por cá. Até a minha avó materna ali estava com ar desempoeirado, bonita. Era, na altura, mais nova do que a minha mãe é agora. Teve a minha mãe aos dezassete e a minha mãe teve-me aos vinte e três. Por isso, naquela altura, ali estava a minha mãe toda giraça e a minha avó toda inteiraça. Mas estavam também os meus sogros, a mãe de uma prima por afinidade, o primo do primo, jovem desportista e dos mais divertidos do grupo e que, há um par de anos, do nada, se foi para desgosto de todos nós que não queríamos acreditar em tal maldade. E estava, claro, o meu pai. Sempre com aquele ar jovem e arejado, embora geralmente com ar mais circunspecto. O meu marido geralmente também não aparece a rir nem liga patavina a fotografias. Fica sempre bem mas com ar de quem não está nem aí. Julgo que nunca se deve ter rido para uma fotografia. Presumo que o meu pai também não.
Olha-se para aquelas fotografias, grande parte dos que ali aparecem já desaparecidos, os outros todos mais velhos, a caminho de um dia serem também uma memória e, necessariamente, uma pessoa sente-se melancólica. Mas depois logo se percebe que nada disso, que ideia, tristezas não pagam dívidas, para quê ver as coisas só pela metade? Então e os que, nessa altura, ainda nem em projecto estavam? Tantas pessoas que naquela altura não existiam e que hoje já estão por aí, traçando o seu percurso, construindo o seu futuro, trazendo o calorzinho bom do seu afecto às nossas vidas.
De vez em quando, o meu marido que esteve também envolvido nesta empreitada, perguntava-me: onde é que ponho isto? Fui dizendo: fotografias com fotografias, recordações com recordações. É que, por exemplo, encontrei um postal ilustrado que lhe enviei quando namorávamos. Quanta inocência a daquela minha paixão. Não me lembrava nem um bocadinho de lhe ter escrito aquilo. Curiosamente guardou-o e não sei que voltas já terá dado aquele postal para ali estar. Parece que não liga a nada a estas 'mariquices' mas, na volta, se calhar até liga. (Mas, se ligar, é só um bocadinho. Um bocadinho pequenino. E eu acho graça a ele ser assim. Não sou muito de ligar a homens lamechas).
Numa terrina do serviço da Vista Alegre que pouco uso e que está dentro do louceiro, fui dar não apenas com um documento contendo a linhagem da nossa cãzinha, com o seu registo e com outros seus documentos, como com os testes de orientação profissional que o meu filho que, quando andava no 9º ano, por sua iniciativa e sem dizer nada em casa, foi fazer com a psicóloga da escola. Impressionante como, desde miúdo, desde sempre, foi aquilo que ainda é hoje: decidido, pragmático, focado. Gostava de saber onde pára os que a minha filha fez também no 9º e que a mostraram com um nível de inteligência excepcional, com capacidade para muita coisa mas com mais forte pendor para as áreas que, de facto, profissionalmente tem vindo a seguir. Pode ser que, nas coisas que ainda estão por passar a pente fino, isso também apareça. Devia guardar os dois no mesmo sítio.
Em dias assim, fico sempre com vontade de chegar àquela fase da vida em que terei tempo para fazer reorganizações a sério, tudo bem sistematizado, classificado, nada a pairar por partes incertas. É que agora, como é tudo na base dos shots, tudo em doses maciças e condensadas, muito trabalho em períodos muito curtos, parece que fica sempre tudo a modos que pela metade.
Ao fim da tarde, fomos até à praia. Mas a maré estava cheia e o areal igualmente cheio. Por isso, fizemos a nossa caminhada à beira de água, que bem boa estava, e, no fim, desamparámos sem que nos tivéssemos sequer sentado. E, dali, viemos comer um big gelado. Viemos, não. Vim eu. Um belo gelado de três bolas, bom que só visto. De comer e chorar por mais. (E depois, com esta cara de pau que tão bem me caracteriza, digo que é a menopausa... É, é; está bem, abelha. )
As mulheres que aqui hoje vieram espreitar a prosa nasceram, como é bom de ver, das mãos de Rubens e, como deu para ver, fizeram-se acompanhar de uma das belas composições de John Barry
Quando fui à procura da música de que estava afim, aquela ali em cima, o YouTube propôs-me o vídeo abaixo. Sou pouco amiga de enlatados, confesso. Mas, na volta também efeitos da querida menopausa, ando mais dada a coisas em jeito de assim. Portanto, sem delongas, aqui fica o dito vídeo onde se podem ouvir e ler coisas que não são mal pensadas, não senhor.
"Não compreendem que o que se opõe se reúne em si mesmo: harmonia de tensões opostas, como a do arco e da lira"
Esta "harmonia de tensões opostas", bela como a do arco e da lira, habita toda a grande arte grega: chaos e kosmos, natureza e geometria, Apolo e Dionysos, tumulto e medida.
Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus ombros Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal Dói-me o luar -- branco pano que se rasga
Poemas ou excertos de poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen em 'O nu na Antiguidade Clássica e Antologia de Poemas sobre a Grécia e Roma': a primeira parte, em prosa, é o início de 'Os Kouroi'. O primeiro poema é 'Pã', o segundo é 'Penélope', o terceiro é 'Homenagem a Ricardo Reis (V)', as três últimas linhas fazem parte de 'Em Hydra, evocando Fernando Pessoa' bem como o título deste post.
Não há mulheres, no plural. Há uma e outra e outra e outra. Todas diferentes. Nada que as iguale. Nada.
Posso falar do que conheço de outras mulheres mas não falo por elas. Cada uma tem a sua própria voz.
Conheço-as submissas. Conheço-as desconfiadas. Conheço-as abnegadas. Conheço-as lutadoras. Conheço-as sofredoras. Conheço-as arrogantes. Conheço-as inseguras. Conheço-as ingratas. Conheço-as com os pés e as mãos na terra. Conheço-as com a cabeça na lua. Conheço-as destroçadas. Conheço-as frágeis. Conheço-as guerreiras.
Conheço tantas mulheres.
Posso falar delas. Mas, se não falo de alguma em particular, se falo de mulheres, falo da que desconheço melhor: de mim.
Que as mulheres que me lêem não sintam estranheza por não se reconhecerem porque, se falo de mulheres, em abstracto, é de mim que falo, uso a minha própria voz que é a única que, em toda a verdade, sou capaz de usar.
Dos homens não sei. Há homens que eu acho que não têm qualquer interesse. E, no entanto, há sempre alguém que se interessa por eles. Por isso, sobre homens, também apenas posso falar por mim. E, se falar do que como um homem deve ser para ser interessante, é em mim que penso, no que a mim me parece interessante num homem. Mas também não sei dizer muito porque, se falasse, estaria a falar de um ser abstracto e, a mim, o que me interessa são os homens concretos, de carne e osso, de verdade.
Portanto, se eu me pusesse aqui a falar de homens, sobre homens em abstracto, tudo não passaria de teoria, conversa vaga, coisa de nulo interesse. Não o farei.
E um disclaimer que, se calhar, nem vem a propósito: há homens e mulheres que podem ser muito próximos, muito amigos. A grande amizade entre um homem e uma mulher é possível. Os meus melhores amigos sempre foram homens. Mas o mais interessante, o mais raro, o que dá sentido e fulgor à vida, o que cintila no escuro e no coração é a paixão. E, a seguir à paixão, um grande amor, um grande amor entre um homem e uma mulher.
E, claro, estou a falar da condição que é a minha, a heterossexual. Mas talvez tudo possa extrapolado.
Contudo, justamente, porque quero ser precisa, não posso dizer muita coisa. Não saberia o que dizer.
Sei que teria ainda muito para descobrir sobre mim mas não tenho interesse nisso. Gosto de ser surpreendida e isso aplica-se também a mim. E gosto de ser desafiada pois isso leva-me a aventurar-me por caminhos que desconheço e, mais do que conhecer-me a mim, interessa-me conhecer os caminhos por onde a minha curiosidade me pode ainda levar.
E, tirando isso, nada. Não sei o que dizer.
Dou, pois, a palavra a outras mulheres. Este é um post sobre o que pensam as mulheres. Sobre o que sentem as mulheres. Melhor: sobre o que pensam as mulheres quando pensam em homens. Em certos homens. Naqueles que trazem sal, pimenta e beleza à vida, naqueles que fazem com que tudo cintile.
Os moços tão bonitos me doem, impertinentes como limões novos. Eu pareço uma actriz em decadência, mas, como sei disso, o que sou é uma mulher com um radar poderoso. Por isso, quando eles não me vêem como se me dissessem: acomoda-te no teu galho, eu penso: bonitos como potros. Não me servem. Vou esperar que ganhem indecisão. E espero. Quando cuidam que não, estão todos no meu bolso.
Mas se o corpo é escrita no leito do papel
onde a mão o deita, desnuda e o invade
lhe acaricia os ombros e em seguida
o possui de bruços e mesmo assim não sabe
saciar o corpo no corpo do delírio
com a avidez de uma emoção rapace
Réstia de sol na sombra do calor
fuso do corpo
tecendo o seu orgasmo ....
Penso em ti com apreensivo carinho. Realmente, entre a dor e o sonho, até quando conseguirei manter esta obsessão prática, este quase incesto? O verdadeiro amor é um acto indisponível.
Segundo poema - excerto de 'O esplendor do Corpo' de Maria Teresa Horta in 'Eu sou a minha poesia'
Tisana 285 - de Ana Hatherley in '351 tisanas'
Último poema e poema do título - de Hilda Hilst in 'De amor tenho vivido'
Pinturas respectivamente de Frank Dicksee, Solomon Joseph Solomon, Picasso, Solomon Joseph Solomon, Red Cloth, John William Waterhouse, Rubens e Charles Joseph Frederic
Tudo na companhia de Melody Gardot com Our love is easy
Da mesma forma que considero que aceitar um convite por parte do patrocinador de um espectáculo está longe, longíssimo, de ser corrupção, sendo antes um acto mais do que normal (leia-se: "Normal: Usual" in Priberam) e que um sponsor oferecer bilhetes para o espectáculo que patrocinou é o b-a-ba do marketing e da comunicação no mundo das empresas -- e não haveria prisões à superfície da terra que chegassem se oferecer ou aceitar bilhetes fosse corrupção ("Corrupção: Comportamento desonesto, fraudulento ou ilegal que implica a troca de dinheiro, valores ou serviços em proveito próprio" in Priberam) -- também me incomoda o coro de virgens ofendidas que saltou para a praça pública exigindo a decapitação do velho médico que se pronunciou a propósito da homossexualidade como sendo uma anomalia.
A maioria da população é heterossexual e felizmente que o é, a bem da propagação da espécie. Claro que a ciência, entretanto, já arranjou maneira de ultrapassar a necessidade da cópula como acto essencial para a fecundação. Mas a espécie não teria chegado até aqui se cada humano, desde a sua origem, fosse avesso ao sexo oposto.
Ora sendo a maioria hetero, por definição, os homo são uma minoria e, portanto, fora da norma.
Não quero com isto dizer que são uma aberração ou candidatos à proscrição -- apenas que não são conformes à maioria.
Portanto, fazer um caso de histeria por uma pessoa dizer verdades de La Palice parece-me um absurdo.
O que já me parece preocupante é quando Gentil Martins diz que não aceita promover uma pessoa por ser homossexual. Isso aí já me parece grave. Uma orientação sexual não define aptidões para o trabalho e, se ele seguiu essa regra, o que espero é que ele estivesse em minoria ou seja, que as suas opções, nos lugares onde trabalhou, não fossem as normais, isto é, não fossem seguidas pela maioria dos decisores.
No entanto, a posição de Gentil Martins já eu a encontrei em ambiente profissional e já aqui a referi. Uma pessoa com quem trabalhei, inteligente, liberal nos costumes e no pensamento, um dia disse que não queria um homossexual a trabalhar com ele. Chocada, manifestei o meu desagrado. Explicou-me que, em geral, os homossexuais dissimulam a sua orientação sexual e, tanto o fazem, que se tornam dissimulados. E mais: que sempre no receio de serem confrontados com algum facto comprometedor, costumam coleccionar factos que podem comprometer outros, apenas para um just in case. E que, portanto, não são, em regra, as pessoas despreocupadas, frontais e francas que ele prefere ter nas suas equipas.
E se isso foi há uns anos, ainda há dias, numa reunião em que participei, seríamos cerca de dez pessoas, antes da ordem dos trabalhos, naquele período em que nos cumprimentamos e uns contam larachas, dizem piadas, etc, assisti a uma galhofa que nem sei como começou sobre os que não saem do armário, e quando é que alguns que todos nós muito bem sabemos quem são saem do armário e etc, etc, -- tudo na parvoíce. E até admito que estavam a falar de um colega que, por acaso (e felizmente), não estava ali. Portanto, o preconceito ainda impera mesmo nos meios supostamente mais evoluídos. Imagine-se nos meios mais fechados.
Ou seja, apesar de Gentil Martins ter demonstrado ser conservador e retrógrado, não é diferente da grande maioria das pessoas e, naquilo da anomalia, não disse nada de mais.
Quanto ao que ele disse do Cristiano Ronaldo e à sua opção de recorrer a barrigas de aluguer para ter filhos também não fico chocada já que, como aqui já o referi, também eu acho isso uma opção estranhíssima, uma coisa contranatura. Dá ideia que se as crianças pudessem ser feitas numa impressora 3D era o que ele preferia. Mas é opção lá dele e só me pronuncio a esse propósito por, sendo ele um ídolo para a miudagem, recear o mau exemplo que, com isso, esteja a dar.
Contudo, nisto das afirmações de Gentil Martins, podendo concordar numas coisas, ficar indiferente ou discordar de outras, o meu estado emocional não se altera nem me passa pela cabeça fazer precipitados julgamentos de carácter ou exigir punição para Gentil Martins. O senhor disse o que pensava e era o que faltava se o não pudesse fazer.
O que se passa neste país é que, por cada pessoa que abre a boca para exprimir a sua opinião, parece haver sempre um coro de virgens, um duplo coro de viúvas perpétuas, um triplo coro de beatas e um quadrúplo coro de mariazinhas de ambos os sexos que, se pudessem, degolavam na hora aqueles que ousam abrir a boca e dizer coisas fora do politicamente correcto.
E eu, que também me estou nas tintas para alinhar com a carneirada, que não gosto de falar em coro ou rezar por cartilha alheia, acho que este país precisa é de uma boa polémica, de opiniões fortes, de saudáveis discussões, de uma boa agitação das acomodadas consciências. Disso e de falar e/ou fazer amor em vez de não fazer outra coisa senão julgamentos e declarações de guerra a torto e a direito.
Pensar em ti enlouquece-me. Talvez o teu olhar, talvez as tuas mãos. Mesmo que os não veja, mesmo que os não sinta. O teu olhar desnuda-me mesmo que não esteja pousado em mim. As tuas mãos, mesmo que ausentes, percorrem o meu corpo. As tuas palavras. O presságio que elas transportam.
Que coisa é esta que me tolda a razão, que eu não sei?
Quero-te, quero os teus olhos mergulhados nos meus, quero as tuas mãos deslizando sobre a minha pele. Quero-te tanto, tanto.
Onde estás agora que não te tenho aqui para me abraçares? Porque não atravessas o mundo inteiro para vires repousar o teu cansaço no meu regaço? Não saberás que te espero, que te espero ansiosamente? Vem.
Apenas a memória da música me traz o teu nome. Ou talvez a lua que agora já é só metade, já só meia luz, meia esperança.
Ouves o meu lamento? Ao menos ouves como chamo por ti?
- És o emissário
dos astros
ou só o reflexo?
O corpo em contraluz
ou a imperfeição do excesso?
Tens asas
ou és o brilho
das estrelas no seu reverso?
Chamo as aias, os pequenos deuses, os anjos famintos - que segurem o espelho, que deixem que eu veja se aquele que o meu coração secretamente ama vai achar que as minhas carnes são à medida das suas mãos. Serão?
Peço-lhes que cubram a minha pele de óleos perfumados, e toda me entrego ao deleite das mãos que me cegam -- que mil mãos preencham cada recanto do meu corpo do mais perfumado óleo, que toda eu fique macia e tentadora, que a luz desenhe em mim a sombra do meu corpo que ondula.
Depois vejo o meu rosto no espelho.
Olhando-me, achará ele que sou a sua mulher? Quererá segurar o meu rosto entre as suas mãos, olhar os meus olhos e beijar a minha boca?
Olho-me no espelho que o anjo tentador segura. Depois fecho os olhos. Quero ver-me com os olhos daquele por quem o meu coração chama, não com os meus.
Mas não consigo.
Olho a ausência
da minha
imagem no espelho
no seu abismo perverso
O nada absoluto
onde a luz é o excesso.
Ah, a minha nudez. Quererá ele saber-me assim? Nua, sem defesas?
Cubro-me de mantos de veludo, que não me tome ele, o meu amor querido, por impúdica, eu que tanto gosto que me seduzam, que me conquistem, que sofram, que mostrem o sangue escorrendo do coração sedento, que esfreguem sal nas feridas, que caminhem sobre pedras.
Cubro-me, amor, cubro-me para que lutes por me descobrir. Para que me dispas, me descubras devagar ou me adivinhes com sofreguidão, para que faças de mim um segredo desvendado.
E entranço o cabelo e adorno-o com pérolas, ponho brincos, pulseiras, tudo para que percebas como te quero, amor, para que percebas como te desejo, tanto, tanto, amor, para que me olhes com olhos de guerreiro, doido por conquistar a sua secreta amante. Eu e tu unidos pelo mais íntimo prazer de dar prazer -- assim me quero, assim te quero. Amor. Amor meu.
Em surdina, as aias e os maliciosos pequenos anjos vozes segredam censuras no fundo do quarto:
Recato?
Dúvida
a apunhalar-lhe
o coração estilhaçado
Cimitarra e desacato
Pois que seja desacato, que seja, pois que me caiam as vestes e os mantos, que o meu corpo não se fez mesmo para silentes esperas e tímidas ocultações. Pois que me veja ele desnudada, livre, disponível, pois que rasgue as nuvens e suba dos mares ou desça dos montes, que rompa as portadas e me veja assim, toda eu desejo, desafio, desaforo. Pois que veja como o meu corpo se alonga para que melhor perceba que é por ele que o meu corpo espera e que não conheço medos, frios, ou tropeços. O meu peito arde e o meu ventre ainda mais e nele se esconde a rosa mais perversa. Não sei se é carmim e cheira a sangue e mel ou se é azul e inventada, a minha rosa secreta, nem sei se nas horas mais escuras da noite sou tigre, leoa, cavalo azul ou concha, novelo, ninho de amor. Nem sei se, nas horas mais negras da noite, digo palavras de paixão ou se o meu silêncio tem asas e as minhas pernas abraços. Não sei. Isso terá ele, o meu amor, que desvendar, beijo a beijo, palavra a palavra.
Isso terás tu, amor meu, que descobrir.
Tantos riscos já corri, tantos, tantos, que já perdi todos os receios.
Voei à tua volta
tantas as luas
Dancei na via láctea
do desejo
Procurei em ti
as rosas rubras
Ignorei presságios
expiações
ameaças, abismos
e anseios
O pequeno anjo ri, menino inocente e malicioso, e que me ria eu com ele, pede. Sorrio mas por breves instantes. E logo mergulho o meu rosto impaciente na lava negra que aguarda o fogo de dois corpos que tanto se querem.
Não lutes mais, peço-te. Nem tentes esquecer-me, nem tentes negar a tua paixão.
Não tentes, não tentes. Amor, amor meu. Não tentes. Peço-te.
Anda, amor meu, vem acolher-te no meu corpo que tão ternamente te aguarda.
Não ouves como te chamo? Não ouves? Não...?
- Vem outra vez!
Chamo-te num grito
quando a saudade desata
e o corpo se precipita
até à fenda da farpa
onde apenas sei
do espírito
esse tudo e esse nada
_______________________________________________
Poemas de Anunciações de Maria Teresa Horta
Hope I don't fall in love with you, interpretado por Tom Waits
Vénus ao Espelho por Tintoretto, Rubens, Ticiano, Mestre da Escola Fontainebleau e Velázquez
_________________________________________________
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.
Pronto. Não falo mais de cenas que mostrem que estou deserta para ir e férias. Falo só de uma questão que tem a ver com aquilo de que agora se fala muito: o burquíni.
Confesso que me distraí. Devia ter começado a minha dieta há mais tempo. Assim, como foi só há dias e já houve uma festa de anos pelo meio, tenho cá para mim que a coisa ainda não surtiu grande efeito. Claro que podia pesar-me. Mas poupo-me a desgostos.
Almas caridosas instalaram-me no telemóvel uma app para registar as calorias do que como e uma comparação face ao que devia para atingir um determinado objectivo. Nunca me lembro de registar. Não sou uma boa pupila para o que quer que seja.
Mas, calma aí, ando com cuidado e acho que estou a conseguir reduzir as calorias que ingiro. Contudo, sou honesta: sei que o resultado não é nada de espectacular. Se perguntar ao meu marido se já estou escultural tenho a certeza que ele vai desatar a rir-se. Por isso, também não pergunto.
Uma coisa é certa: os tais 3 ou 4 quilos, tenho a certeza que ainda não perdi. As calças já as sinto mais folgadas mas, se me vejo ao espelho, ainda me acho a atirar para aquelas lá do Rubens.
Bem, também não. Fui confirmar e também não tanto. Naquela altura é que gordura era mesmo formosura.
Mas também hoje a Marilyn pareceria anafadinha e, na altura, ninguém olharia depreciativamente para as suas formas generosas.
Não interessa. É comigo mesma que me comparo. E não vou conseguir pôr-me como eu queria antes de ir de férias. E essa é que é essa e o resto é conversa.
Por isso, pensei que, para a praia, uma solução para ocultar a minha carnadura seria o burkíni. Eu, que sou do mais encalorado que há e que só me sinto bem à fresca, até estava numa de me sacrificar e apertar-me dentro de um modelito preto porque com um modelito preto eu nunca me comprometo.
Mas, depois de ouvir o Valls e o totó do Hollande e de ver polícias pela praia à cata de mulheres que não estejam descascadas, já vacilo. É certo que cá ainda não há cá disso, cá é mais à cata de facturas de bolas de berlim que eles andam. Mas sei lá.
Em França obrigam-nas mesmo a descascar-se, deixando à mostra pneus e papos - uma indecência...!
De qualquer maneira, era importante que a TVI se pusesse em campo e soubesse o que tem o nosso afectuoso presidente-comentador a dizer sobre o assunto. Ele que a toda a hora nos aparece casa adentro a falar de tudo, a opinar, a comentar, a abraçar-se e a beijar novas e velhas, casadas, solteiras, divorciadas e viúvas, enquanto manda recados, ralhetes, elogios e incentivos -- já deve ter trocado uns leros sobre o assunto com a sua Rita-Casa-não-Casa e eu cá, para me afoitar a ir de burkíni para a praia, sentir-me-ia mais confortável se soubesse que o nosso fresco e fofo Marcelo não é contra.
O nosso presidente e a sua eterna namorada, ambos em fato de banho numa praia portuguesa
(casalinho a quem os tablóides e revistas do coração não conseguem empurrar para o casório)
_____
E pronto. Não deixei transparecer que não penso noutra coisa senão em férias, pois não?
Podem não acreditar mas cheguei a casa, depois de um dia tramado e, em especial, depois de uma tarde do mais arreliador que há, com aquela sensação que volta e meia tenho às sextas-feiras à noite, de só me apetecer desopilar. Terão percebido isso pelos posts que se seguem.
Depois interrompi e preparei-me para começar um livro. O primeiro capítulo, 'A origem da obra de arte', começa assim:
'Origem' significa aqui aquilo a partir do qual e pelo qual algo é aquilo que é e como é. Àquilo que algo é, [sendo] como é, chamamos a sua essência. A origem de algo é a proveniência da sua essência.
Pensei: 'Mau'. De facto, para o meu gosto, a coisa não está a começar bem.
E lembrei-me de um colega que tive que punha toda a gente doida. Se uma pessoa simplesmente lhe pedia para mudar a posição da cadeira, era capaz de começar por nos pedir que definíssemos cadeira, depois que lhe explicássemos o objectivo da coisa e, a seguir, que lhe definíssemos prioridades. Preferíamos, claro, fazer nós a ter que o aturar com tanto preciosismo. Uma vez, estando o presidente da empresa a pedir-lhe que fizesse uma coisa qualquer, simples, o fulano virou-se para ele e disse que o pedido estava mal formulado e que o mal de tudo era não haver procedimentos actualizados e mais não sei o quê, deixando o presidente à beira de um ataque de nervos. Confessou-me ele, depois, que ficava nervoso de cada vez que falava com o tal pica-miolos, achava que o fulano era maluco e não estava certo de que não fosse dos perigosos.
Adiante.
O facto é que, estando eu nestes pensamentos e a ganhar balanço para ultrapassar a minha resistência àquele tipo de proseado, tentando convencer-me de que, se conseguir superar a prova e ler ao menos o primeiro capítulo, me tornarei uma pessoa intelectualmente mais apta a enfrentar os desafios da vida, não é que me lembrei que, afinal, não apenas não era sexta-feira como, ainda por cima estamos em período pascal, período dado ao recolhimento e não à desbunda...?
À hora a que lerem isto já será efectivamente sexta-feira mas não é uma sexta-feira qualquer, é sexta-feira santa -- e, portanto, tenho que me esforçar por ter aqui alguma coisa mais apropriada.
Já pensei pôr aquele coro de que tanto gosto, dos crucificados dos Monty Phyton a cantarem o The Bright Side of Life, mas é muito déjà vu. Depois hesitei a propósito de um outro deles, uma caçada ao coelho, que isto da Páscoa puxa ao coelho. Mas, bolas, era um coelho maligno, assustador e, para isso, já temos a avantesma do post mais abaixo. Ocorreu-me, então, um número de burlesco a propósito de coelhinhos da páscoa. Mas, valham-me todas as santinhas, o que me apareceu foi de tal forma de bradar aos céus que, de imediato, bani a ideia.
Colocar imagens de Cristos mal encarados ou pensamentos profundos seria mais condicente com o momento mas, a sério, é coisa de que hoje não sou capaz. Já penei demais durante o dia para ter apetite para mais uma dose de sofrimento.
Por isso, fiquei aqui a patinar. E o que me ocorreu talvez o Freud ou alguma dessa rapaziada dada às correlações possa explicar. Eu não consigo. Presumo que, na realidade, não tenha mesmo nada a ver com nada. Lembrei-me, simplesmente, de um bailado em que Leda se soergue como se ressuscitasse, ou ela ou o cisne, tinha ideia de ter visto e ter achado que parecia que alguém se levantava da pedra, revivendo. Uma coisa nessa base. E encontrei o que procurava.
Numa coreografia de Kim Brandstrup, dançado por Zenaida Yanowsky e Tommy Franzen sobre o poema de Yeats lido por Fiona Shaw: Leda e o Cisne.
Só depois fui buscar imagens para 'enfeitar' o texto e que me perdoem os puristas pelas minhas heresias que eu própria reconheço que tempero fraca comida com raros condimentos. Mas se me apetece e não tenho aqui ninguém para mo proibir, porque não haveria de fazê-lo?
Perdoem-me, pois, os que acham que intercalar pinturas destas com um texto tão desasado é de loucos. Receptiva à vossa sensibilidade, prometo voltar a fazê-lo.
Portanto, resumindo e concluindo, o bailado que aqui vos trago é muito bonito e gostava mesmo que vissem.
____
Quem queira ler a verdadeira história da Leda e do seu cisne de estimação, queira, por favor, clicar aqui.
Quem queira ver umas derivações da dita que, inclusivamente, metem galinhas chocas, cliquem, então, por favor, aqui.
E volto a penitenciar-me: os puristas que, por favor, não me fustiguem. E não é por nada, é só porque não vale a pena. Reincido sempre.
_______
E relembro: os posts que se seguem não têm nada a ver com o espírito da época. São até muito inapropriados. Por isso, alertados que estão, não venham depois queixar-se de que foram ao engano.
Se não se lembra do menor sinal de loucura que cometeu por amor, não amou.
É melhor ser rei do seu silêncio do que escravo de suas palavras.
Guardar algo que me ajude a lembrar de si seria admitir que posso esquecê-lo.
Na amizade e no amor é-se mais feliz com a ignorância do que com o saber.
Tão impossível é avivar o lume com neve quanto apagar o fogo do amor com palavras.
Duvides de que as estrelas sejam fogo, duvides de que o Sol se mova, duvides de que a verdade seja mentira, mas não duvides jamais de que te amo.
Oh, amor poderoso, que às vezes faz da besta um homem, e outras, de um homem, uma besta!
Um homem que não se alimenta dos seus sonhos envelhece cedo.
Mostre-me um homem que não seja escravo das suas paixões.
É um amor bem pobre aquele que se pode medir.
Para celebrar os ritos amorosos, aos amantes basta a luz de sua própria beleza, e, como o amor é cego, o que lhes cai melhor é a noite.
O curso do amor verdadeiro nunca fluiu suavemente.
Quando não houver nada a perder, arrisque tudo.
Deixe-me confessar que somos dois, embora o nosso amor seja indivisível.
A ti vigio, enquanto ao longe despertas, tão distante de mim e de outros, tão perto.
Preciso saber de ti a cada dia e a cada hora!
Não me atrevo a oferecer o que desejo dar, tampouco a tomar o que me fará morrer, mas quanto mais procuro encobrir meu sentir, maior meu amor se mostra.
Considerado maior escritor de língua inglesa e o mais influente dramaturgo da história, William Shakespeare nasceu em 23 de abril de 1564, na pequena cidade inglesa de Stratford-Avon. Terceiro filho de um rico comerciante, pouco se sabe de sua infância e juventude, mas especula-se que tenha frequentado a escola primária Rei Edward VI, na qual teria aprendido literatura e latim.
Em 1582, aos 18 anos, casou-se com Anne Hathaway. O casal teve uma filha, Susanna, e dois anos depois, os gêmeos Hamnet e Judith. Não se sabe ao certo quando Shakespeare começou a escrever, mas alusões contemporâneas e registros de performances mostram que várias de suas peças foram representadas em Londres a partir de 1952.
Suas obras conhecidas totalizam 38 peças, 154 sonetos, dois longos poemas narrativos, e uma centena de poemas curtos, embora biógrafos sugiram que o número exato ainda é desconhecido. É o autor mais traduzido da história e suas obras são encenadas mais do que as de qualquer outro dramaturgo. “Destacam-se pela grandeza poética da linguagem, pela profundidade filosófica e pela complexa caracterização dos personagens.” Muitos de seus textos e temas, especialmente os do teatro, permanecem vivos mais de quatro séculos depois, sendo revisitados com frequência pelo teatro, televisão, cinema e literatura. Entre suas obras mais conhecidas estão “Romeu e Julieta”, “Júlio César”, “Macbeth”, “Rei Lear”, “Otelo, o Mouro de Veneza”, “Sonho de uma Noite de Verão”, “A Megera Domada” e Hamlet, que possui uma das frases mais conhecidas da língua inglesa: To be or not to be: that’s the question (Ser ou não ser, eis a questão). Shakespeare morreu em Stratford em 23 de abril de 1616.
____
Para este post, escolhi alguns dos 72 compilados por Allan Percy no livro “Shakespeare Para Apaixonados”
Lá em cima era "Sonnet 147 - My love is as a fever.." de William Shakespeare (lido por Tom O'Bedlam)
Nesse vídeo:
"The Infidelity Discovered ", Augustus Leopold Egg 1858
"Joseph and Potiphars Wife", Jean-Baptiste Nattier (1678-1726, French)
"The Sacrifice of Flowers", Mihály Munkácsy (1844 - 1900, Hungarian)
As pinturas que escolhi para acompanhar as palavras de Shakeaspeare são de Sir Peter Paul Rubens (1577 – 1640)
___
E, se permitem a sugestão, desçam, por favor, até ao novo diário de Rita Ferro
___
E, agora, por aqui me fico.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.
O tempo está de ananases mas há muita água no mar para os pôr de molho.