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quarta-feira, maio 29, 2013

A Granta nº 1 que me fez despir para a fotografia ficar a condizer, o Servidões de Herberto Helder de que não digo nada para não estragar, o Viagens e outras Viagens de Antonio Tabucchi e os meus sapatos encarnados. E ainda uma árvore ao lado da qual uma mulher fecha os olhos e sonha antes de ir dormir. Livros, poesia, palavras, tudo ao pé das coisas cá de casa - e os puristas da coisa que me perdoem por estas misturadas.


No post a seguir a este, escrevo uma Carta Aberta ao Henrique Monteiro (do Expresso) ou a todos os que fazem opinião sem terem muito apegamento a números, deixando-se enrolar com excessiva facilidade.

Mas isso é mais abaixo. Aqui, agora, a conversa é outra. 

*

Se eu fosse escritora tenho quase a certeza que seria como o Herberto Helder. Não na qualidade, claro – tomara eu…. - mas no facto de ser bicho do mato, de não andar a fazer sessões de lançamento, a dar entrevistas e essas coisas que imagino que sejam chatas, enervantes e, até, a tender para o deprimente. Ter que ser bem educada e responder àquelas perguntinhas tantas vezes ridículas, ou repetitivas, ou pessoais, ou a pedirem explicações para o que se escreveu… deve ser uma chatice, mas uma senhora chatice, imagino eu. 

Não me considero nem de longe nem de perto uma escritora mas, ainda assim, escrevo para aqui umas coisas. Mas comigo passa-se uma coisa: como não premedito o que escrevo, nem retoco, nem volto a ler, se me perguntassem pormenores sobre histórias escritas há algum tempo, já teria dificuldade em responder, é coisa que passou à história, aconteceu no momento em que escrevi, nada mais. Que maçada se me viessem pedir explicações para o que escrevi há meses...

E andar em feiras, a conversar com outros escritores, jornalistas, e todos a fazerem citações ou a falarem de personagens ou autores ou livros fantásticos e eu bloqueada, sem me lembrar de nada… É que até parece que é de propósito: no meio de gente que gosta de se armar ao pingarelho, parece que ainda fico mais burra, deve ser porque não tenho paciência, só me sinto bem ao pé de gente simples, não tenho mesmo pachorra nenhuma para aturar pessoas que se armam em esquisitas, afectadas, enjoadas, ou cheias de triquitriqui, ou sabichonas, ou então dá-me vontade de ser inconveniente ou de me armar em burra para as ver armadas em espertas e eu a gozar com a burrice delas. Enfim. A coisa não resulta. Já sei. Por isso, para me poupar, prefiro evitar.

Se publicasse algum livro (e quem sabe um dia, quando me reformar, desinibida e inconsciente, não desato a escrever?) com certeza que seria como o Herberto Helder ou como o Dalton Trevisan: toda a gente a ver se arranja alguma fotografia mais actual, toda a gente curiosa de saber como são eles na actualidade, desejando uma entrevistinha, e eles nada, moita, na sua vidinha saudável, longe da barafunda e do ruído.

Aquele número de andar a dar entrevistas por tudo o que é sítio, sessões de lançamento, palavrinhas de circunstância, ná… E aquela coisa de fazerem imagens dos escritores em cartão, em tamanho natural? Horrível. Uma pessoa vai a entrar numa livraria e apanha com o Miguel Sousa Tavares, ainda hoje entrei na Bertrand e senti-me observada, era ele, fui ao supermercado e lá estava ele, uma multiplicação de seres de cartão que nos cerca, um susto, parece que estão ali especados a olhar para a gente. Não sei se é por isso, se é por ser tão badalado, se é por abrir os livros, folhear e aquilo não me dizer nada, ainda não li um único livro dele. Não consigo, é mais forte que eu. 

Corrijo: já li o Não te deixarei morrer, David Crockett e até não desgostei. Tirando isso, nunca fui capaz. Acho sempre que há melhor alternativa.

Adiante.

Ontem lá comprei alguns livros imprescindíveis, daqueles que tomara eu que fosse possível que me entrassem na veia, talvez diluídos em soro para correrem melhor.

Podia mostrar-vos os ditos de uma forma mais normal mas, como sabem, prefiro dar um toque mais pessoal às fotografias de livros. É o meu lado artístico: gosto de fazer instalações.

Assim, seguindo a sugestão da Leitora Antonieta, trouxe o Viagens e outras Viagens do Antonio Tabucchi, e claro, viagens requerem que se ande e, para se andar, é melhor que se ande calçado.

Quando eu era pequena, pequenina mesmo, quis ter uns sapatos encarnados. A minha mãe fez-me a vontade e tenho algumas fotografias com esses sapatinhos. Lembro-me muito bem deles. Achava-os uma coisa do outro mundo. As minhas amigas todas com sapatos castanhos, pretos ou azuis escuros e eu de sapatos encarnados. 

Mas a pancada por sapatos encarnados não esmoreceu. Sempre os fui tendo ao longo da minha vida. Frequentemente eram de salto bem alto e uma parte deles de camurça. Mas também os tive de pele simples, outros de verniz, uma indecência. Lindos.

Agora, desde que há uns meses fui operada, ando um pouco afastada de saltos de agulha. Sinto-me mais confortável com sapatos de cunha ou de salto não muito alto e afiado. Provavelmente é psicológico. Um dia destes, volto aos meus sapatinhos elegantes que estão ali tão abandonados. 

Adiante.


Antonio Tabucchi, Viagens e outras Viagens - e os meus red shoes


Cá está o Tabucchi ao pé dos meus actuais - e confortáveis! - sapatos encarnados.

Transcrevo a parte final da crónica dedicada ao Palácio Fronteira porque, justamente, no dia da sua morte, falei aqui do dia em que estive lá com ele, numa suave tarde de sol dourado. Lançava-se, então, o livro da sua autoria com ilustrações da Paula Rego, que tinha também feito a pintura de um painel de azulejos para o banco chamado Fogo. Tenho esse livro autografado por ambos, como poderão ver nesse meu outro texto.

Mas passo a palavra a Tabucchi:

O Palácio Fronteira é a casa do actual marquês de Mascarenhas, mas é também um museu aberto ao público. Aconselho uma visita com bom tempo, porque o jardim à italiana, elegantíssimo, merece um passeio. Para além disso, os azulejos dos bancos não são inferiores aos da fachada. Aliás, há um que pede uma paragem especial: como os azulejos se tinham deteriorado irremediavelmente, voltou a desenhá-los uma grande pintora contemporânea, Paula Rego, uma artista cuja força visionária não é inferior à dos antigos mestres. O seu banco, que se chama Fogo, tem figuras que 'ardem' e é impossível sentar-se nele.



A Granta Portugal, I, 'Eu' - e a minha blusinha primaveril com um colarzinho a condizer


Aquela roupa da cama em desalinho da capa deu-me vontade de despir o que trazia vestido e pousá-la ali, junto à minha blusa de tecido suave e florido. Tenho este lado meio fútil, meio vaporoso, que querem...?

Adiante e vamos à Granta.

Laura acordava sempre em sobressalto. Verificava o corpo como alguém que confere os bens depois de um terramoto. Nunca se arrependeu da decisão. Mas começa a sentir-se fatigada e não consegue perceber se a causa está na idade que uma parte dela tem ou naquela aturada vigilância para manter os bocados no lugar.

(Parte final do texto Intervencionados de Hélia Correia, um dos vários textos desta revista que é um luxo, um luxo. Custa 18€ mas vale bem o que custa. Uma vez mais, está de parabéns o Carlos Vaz Marques que a dirige. Apenas a folheei, espreitei, li bocados, mas nisto a minha intuição não se engana - e, convém não esquecer, a intuição não é uma coisa extra-sensorial, a intuição não é senão um short cut da inteligência - e, sobretudo, Granta é Granta, há que não esquecer os pergaminhos da marca)



Servidões de Herberto Helder,
sobre mesa com tampo de pequenos azulejos das Louças de Sant'Ana,
 mesa esta que era também da Tia Nena (mas oferecida ainda em vida dela),
e junto a uma pequena cadeira pintada adquirida em Porto Côvo


Tenho agora aqui na minha mão o mais recente livro de Herberto Helder ainda a cheirar a tinta (a sério!), com uma bela capa, uma xilogravura de Ilda David. 

Abro-o e leio:

André Breton - Des têtes! Mais tout le monde sait ce que c'est qu'une tête.
Alberto Giacometti - Moi, je ne sais pas.


(Penso: ora bem, cá está, mais um maluco, não há dúvida que este é mesmo cá dos meus e, pelos vistos, continua em grande forma.)

Depois um texto. Mergulhamos no mundo do poeta, naquele mundo que é só dele. Não devíamos, talvez, aqui estar. Dói de emoção. Acaba assim esse texto introdutório:

Compreendi então: cumprira-se aquilo que eu sempre desejara - uma vida subtil, unida e invisível que o fogo celular das imagens devorava. Era uma vida que absorvera o mundo e o abandonara depois, abandonara a sua realidade fragmentária. Era compacta e limpa. Gramatical.

Depois, noutra página, isto:

dos trabalhos do mundo corrompida
que servidões carrega a minha vida

E a seguir:

                                                                                  saio hoje ao mundo,
                                                                                  cordão de sangue à volta do pescoço,
                                                                                  e tão sôfrego e delicado e furioso,
                                                                                  de um lado para o outro para sempre num sufôco,
                                                                                  iminente para sempre

                                                                                                                                   23.XI.2010: 80 anos


Gostava de continuar mas, claro, tenho que parar. Mas é um livro maravilhoso. As nossas mãos quase têm vontade de desaparecer para não tocar naquelas palavras ainda quentes, a cheirar a sangue fresco, doce.

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A leitora Antonieta disse-me:
há-de ver o marcador do livro do Nuno  Lobo Antunes, tem tudo a ver consigo.

Tinha o livro, fui ver. Cá está  o marcador aqui mesmo ao meu lado.
Tem razão. Tudo a ver comigo.
Uma árvore imensa. E até a terra parece pedregosa como a minha terra in heaven
Muito bonito.
Numa outra encarnação fui uma árvore. Noutra uma gaivota. Noutra uma etrusca.

(Obrigada, Antonieta)


E aquela ali, de olhos fechados, encostada à árvore, podia ser eu... a precisar de ir dormir. Tão tarde que é. Ou melhor: tão cedo...


//\\

Relembro que a seguir há a Carta Aberta ao Henrique Granadeiro.

E aproveito ainda para vos convidar a irem visitar o meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde hoje, enlevada pelas palavras de Herberto Helder, falo de um certo Poeta Invisível. A música que acompanha é a de Cesária Verde, uma música muito bonita.

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Resta-me despedir-me por hoje desejando-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta feira. 
Desejo que sejam felizes e que a poesia voe perto de vós. 
Se possível que pouse nas vossas mãos.

quinta-feira, janeiro 24, 2013

Eu e alguns dos escritores que vi pessoalmente (três homens de que não digo o nome mas que são muito conhecidos e uma mulher, Hélia Correia). E ainda 'Um dia na vida de Maria Teresa Horta'. E, com isto, consegui evitar falar muito da hiperbólica ida aos mercados.


Estou aqui danadinha para me atirar outra vez aos ignorantes que para aí andam delirantes com a ida aos mercados, como se ir pedir dinheiro emprestado (... e a dívida já ultrapassou uns inimagináveis e impossíveis de pagar 120%) a uns juros que também não temos como pagar e que, portanto, se irão somar à dívida, fosse coisa boa, boa, tão boa que nos levasse ao êxtase.

Os nossos rendimentos todos a serem cativados para pagar juros impossíveis e uma dívida incomensurável, uma dívida que não pára de aumentar... e toda a gente a deitar foguetes...?

Houve muitos investidores interessados...? Claro. Não havia de haver? Numa altura em que as taxas de juro na UE estão tão baixas, em que para ficarem com dívida alemã os investidores até têm que pagar (com juros na linha do zero ou abaixo disso na Alemanha, por exemplo), não haveriam todos de nos querer emprestar dinheiro quase a 5%? Agora que o BCE já mostrou que está de chapéu de chuva aberto para acolher os que estiverem debaixo de chuva, qual o risco? Nenhum. Então porque não haveriam de comprar esta dívida ou o dobro desta se os juros são tão apetitosos...? 

Mas, enfim, como também percebo que, no meio do pantanal que atravessamos, até uma má notícia nos parece boa, e como este país parece estar todo de patas para o ar, já não digo nada. As pessoas andam deprimidas, precisam de boas notícias e de sinais de esperança e, por isso, se querem todos desatar a fazer uma big party com uma coisa destas (que em, situações normais, seria de lamentar), pois que a façam. 

O problema é que estou com isto na cabeça e não me consigo concentrar para escrever sobre outra coisa.

*

Depois de puxar pela cabeça durante uns longo trinta segundos (que eu não sou dada a longas meditações), ocorre-me aqui falar de escritores.



Um cadeirão/estante assim é que eu havia de arranjar para mim,que maravilha


Gosto muito de ler e de tudo o que rodeia o acto de ler. Por exemplo, já vos dei conta disso muitas vezes, gosto muito de livros, de livros aqui espalhados na minha mesa, de livros nas estantes à minha volta, de livros no chão ao lado da minha cadeira, de livros nos escaparates das livrarias. Livros. Gosto de passar as mãos nas capas dos livros quando deslizo como uma gata pelos escaparates. Gosto do cheiro dos livros. Gosto de sentir o papel dos livros. Fétiches, se calhar.



Gosto desta estante, tem um ar caótico que me agrada


Gosto também de ver fotografias do habitat dos escritores. Há uns livros que ando para aqui cheia de vontade de comprar mas custam 47 euros cada e acho caro. Tenho conseguido resistir. Casa de escritores no Alentejo. Casa de escritores no Douro. Mas ali ando a folhear, ando e ando e lá vou eu vê-los uma e outra vez, cheia de vontade de perder a cabeça. Já tenho um livro do género e o que eu gosto desse livro, Casas d'Escritas. Lindo, lindo. 



Casa de Escritores no Alentejo


Mas também gosto de ver os escritores em pessoa.

Claro que não ando atrás deles e, se os vejo, consigo disfarçar a curiosidade. Mas, por minha vontade, punha-me a olhar descaradamente para ver se são pessoas com gostos normais, para ver como se comportam, para tentar perceber se, à vista desarmada, são seres diferentes dos vulgares mortais.

Mas a chatice é quando a gente olha e parece que não joga a bota com a perdigota.

Há um poeta de que gosto muito, muito. Os seus poemas são maravilhosos. Tenho todos os seus livros e só não coloco mais poemas seus no Ginjal porque geralmente são grandes e levam muito tempo a transcrever. Escreve sobre o amor com uma sensibilidade e uma mestria como poucos, vê-se que é homem que sabe como amar uma mulher.

Aqui há uns meses estava numa mesa ao lado da minha num conhecido restaurante de Lisboa. Disfarcei, claro. Mas, discretamente, ia deitando um olho pela lateral não fosse ele perceber e ficar incomodado (e também não fosse o meu marido reparar pois odeia que eu faça figurinhas deprimentes pondo-me a olhar, feita saloia, para figuras conhecidas). 

Mas a questão é que o dito poeta, ao vivo, é pequenino, uma figura magra, ar apagado, a cabeça um bocado desproporcionada face ao tamanhinho do corpo. E todo ele se apagava. Na mesa, uma mulher agia histrionicamente, um outro casal estava animado, e ele, coitadinho, encolhia-se na cadeira, meio ausente. E todo o tempo eu estava a pensar que ele, para estar à altura da poesia que escreve, deveria ter, no mínimo, um palmo a mais e todo ele deveria ter mais corpo, mais largura, mais volume. No outro dia cruzei-me, outra vez, com ele. Ele subia umas escadas que eu descia. Passou ao meu lado, uma esquiva sombra, mal se dava por tão apagada figura. Não sei... Claro que ao escrever isto me estou a recriminar, outra vez a ser fútil!, mas agora dá-me ideia que, se voltar a ler aqueles belos poemas de amor, é bem capaz de me ocorrer um pensamentozinho rasteiro do tipo... garganta...!

Depois há um outro que eu sempre achei um gato, mas um senhor gato. Um escritor que, do que o via nas fotografias e na televisão, é alto, encorpado, belo rosto, um charme. Fui agora ver à wikiedia e, tal como eu pensava, é mais novo que eu, seis anos menos mas isso da idade não conta e ele é mesmo bonito.

Pois bem. No outro dia, quando fui ao Ikea comprar as estantes, lá andava ele. Sozinho, o carrinho cheio de coisas, a arrastar os pés, meio trôpego, cansado, estafado. Dava pena. Parecia ter mais uns vinte anos do que tem, uma coisa...! Acabado, acabado, dava ideia de precisar de fisioterapia, de mudar de vida, de deixar de fumar e de beber, de fazer dieta, de comer canja, de comer saladas, sei lá. O escritor que eu imaginava um dom juan ali estava, a precisar de alguém que o recolhesse e tratasse dele.

Há ainda um outro de que gosto muito e que costuma ter uma escrita autobiográfica. A gente lê o que ele escreve e tenta perceber o que o terá levado a passar por aquelas situações, ou a imaginar as injustiças da vida a que estará sujeito, ou temos vontade de o aconselhar.

Vi-o por duas vezes e fiquei admirada. Parecia bem mais velho do que a idade real, todo ele, e vestia-se também como se tivesse mais idade, como se fosse um vencido da vida, todo ele com pouca energia, uma ausência de vitalidade. E pensei, cá para mim, que, com aquela atitude, como poderia ele ter mais sorte na vida. Deu-me vontade de pegar nele e fazer um daqueles programas em que viram as pessoas do avesso: cortava-lhe o cabelo à escovinha, levava-o a comprar roupas completamente diferentes, submetia-o a um regime de alimentação e caminhadas. Dava a ideia de que se lhe tirasse de cima a carga pesada que parece transportar, poderia ser uma pessoa mais feliz. 

Agora quando leio o que escreve, penso sempre que, para que a vida dele melhorasse consideravelmente, devia sujeitar-se a um revamping que eu lhe traçaria. Mas, enfim, talvez depois a escrita deixasse de ser como é - e entre uma vida feliz ou uma escrita interessante, acho que eu, como leitora, o deixaria infeliz mas a escrever bem.

Claro que, face ao que disse, não vou revelar de quem se trata. Nos três casos são escritores muito conhecidos. Mas fico na dúvida se, face a isto, não será preferível que os leitores não conheçam os escritores cuja escrita apreciam.

No entanto, já aqui falei e falo outra vez de Hélia Correia. Com ela, deu-se o contrário do que acima descrevi.




Aqui há tempos, via-a de vez em quando, almoçava às vezes no mesmo sítio que eu. E o que eu tive que me conter para não a ir maçar e pedir um autógrafo ou outra pepineira do género. Parecia que vogava no ar, que não andava com os pés nos chão, meia distraída, uma das vezes com um chapéuzinho na cabeça, com uma mochilinha, meio perdida. Ia pelo braço de um homem, talvez o marido ou companheiro, não sei, alguém que, com cuidado, a guiava. Mas depois, à mesa, já tinha um ar prático, normal. Gostei muito de a ver e só tenho pena de não a ter podido fotografar.

Claro que vi muitos outros na feira do livro ou em sítios assim mas isso é diferente, aí estão em exposição, perdem a naturalidade.

Também encontrei há muitos anos, na Sá da Costa, o Fernando Namora, estive a observá-lo e, depois, ganhei coragem para me dirigir a ele e pedir que me autografasse um livro que, estupidamente, ofereci ao namorado que tinha na altura. Como não casei com ele, fiquei sem o livro. Também conheci Antonio Tabucchi no dia do lançamento de um livro seu no Palácio Fronteira, um fim de tarde encantador onde circulava muita gente das artes e letras. Tenho esse livro autografado por ambos. Disso falei aqui no dia da morte do escritor. Mas nestes dois casos, por acaso, a pessoa não diferia do escritor tal como imaginava a partir de fotografias. De qualquer forma, por já não estarem entre nós, mesmo que a impressão não tivesse sido fantástica (o que não foi o caso) não o diria aqui.

Gosto também muito de ver entrevistas ou documentários com escritores, de preferência onde se veja a casa deles. No outro dia vi um documentário sobre um dia na vida de Maria Teresa Horta, uma grande mulher, uma mulher de convicções. Deixo-o aqui e espero que gostem também. 

(Vi agora no youtube que ainda só tinha tido 6 visualizações. Se fosse um palerma qualquer a esbracejar e a abanar o capacete  ou a cair da cadeira abaixo já teria uns milhões de visualizações. Assim, como é apenas uma mulher inteligente a conversar, ninguém liga a mínima. Raios partam este mundo que andamos a criar.)





*

Convido-vos ainda a virem daí até ao meu Ginjal e Lisboa (que ainda está a votos no Aventar, não se esqueçam).... No Ginjal, hoje falo-vos de uns certos cavaleiros que, em dias de temporal, saem do fundo do mar espalhando o terror e o amor por onde passam. Depois, quando regressam ao fundo do mar, deixam atrás de si um rasto de luz. São palavras em volta das claras suspeitas de luz de Frederico Lourenço. A música é um outro momento feliz que junta uma criatura luminosa, Bernardo Sassetti, e Carlos do Carmo.

*

E, antes de me ir embora, quero ainda desejar-vos, meus Caros leitores, um dia muito feliz.


segunda-feira, março 26, 2012

O dia em que Antonio Tabucchi esteve no Palácio Fronteira com Paula Rego e o dia em que 'viajou a caminho do seu nada de nada, a caminho de si próprio, ou dos seus sonhos, que não acabam nunca'


Música, por favor

Maurice Ravel - Pavane pour une infante defunte


Hoje não vos falo de Eva. Ia contar-vos como, aos domingos, Eva mergulha no interior mais íntimo da terra, e, despojada, bicho da terra, animal inexpugnável, se recolhe como se rezasse ou como se revolvesse o solo, ou como se nem fosse gente, talvez pássaro, talvez lagarto, talvez flor ou, talvez, apenas um punhado de terra. 

Mas a meio da tarde ouvi uma notícia que me tocou e deixou de me apetecer falar de Eva. Por isso, hoje vou contar-vos sobre um outro dia, há quase nove anos.

. § .

Estava um fim de tarde quente, agradável. Para se chegar lá passa-se por casas pequenas, muros, ruas e vielas, algumas um pouco íngremes.

É um local muito bonito, com uma vista desafogada, os jardins cuidadosamente planeados e mantidos. É um dos belos palácios portugueses, o Palácio Fronteira e um local que dignifica e incentiva a arte em Portugal (vidé a agenda cultural).

Parte do jardim do Palácio Fronteira

Algumas pessoas circulavam por todo aquele elegante espaço. Gente das artes, essencialmente. Um agradável cocktail de fim de tarde; bebidas e apetitosos amuse-bouche eram servidos em bandejas  que apareciam e desapareciam com eficiência e discrição.

Dom Fernando Mascarenhas, actual Marquês da Fronteira,  o 12º, tinha encomendado a Paula Rego um painel de Azulejos para substituir o que se tinha perdido, um relativo ao Fogo e integrado no painel dos Quatro Elementos.

Lançava-se também o livro feito a esse propósito com ilustrações de Paula Rego e texto de António Tabucchi. Seres luminosos, ambos. Lá estavam. 

Ele delicado, cortês, de uma quase desarmante simpatia, sorridente. 

Ela etérea, divertida. Estava sentada numa cadeira de jardim e, às tantas, levantou-se, apalpou a saia, e ria-se com ar intrigado, 'está molhada mas eu acho que não fiz chichi'. Paula Rego, de olhar perscrutante e bem humorado, de uma simplicidade quase infantil.

Hoje fui buscar esse meu livrinho, objecto delicado, precioso.

Fogo em versão trilingue, português, italiano, inglês - Paula Rego e Antonio Tabucchi
(Livro fotografado em cima de uma carpete de Arraiolos feita por mim)

Escuso de vos dizer, meus amigos, que me sinto muito bem em lugares assim. A quietude, o vagar, as sombras que conferem intimidade aos espaços, a largueza de horizontes de jardins with a view, o som da água que tomba nos lagos, os cheiros que se misturam e que vêm das flores, das heras, dos fetos, das árvores e das mulheres perfumadas, as vozes baixas e reverentes, tudo isto me agrada mesmo muito.

Nesse fim de tarde havia ainda um resto de sol que iluminava Lisboa em baixo, até se perder de vista. E havia, também, portanto, aqueles maravilhosos recantos do jardim, onde azulejos, lagos, estátuas, flores, sombras, se encontram em perfeita harmonia, um ambiente de suave mistério ou, talvez, antes, uma leve e sofisticada magia.

E, por aqui, conversando, escritores, pintores, gente ligada a estes meios, gente silenciosa, discreta, vagamente sorridente, deambulavam com afecto e dignidade, num absoluto respeito pela natureza, pela arte, pelos outros.

Pedi que me autografasse o livro. Suave, sorridente, Antonio Tabucchi mostrou a sua bela caligrafia, escrevendo a dedicatória:

Fará nove anos daqui por pouco tempo: 'Para a ...., felicidades' , a bela assinatura e a data

Pedi também a Paula Rego que assinasse o livrinho, um dia mostro-vos a sua caligrafia. Mas hoje, aqui, o espaço pertence ao gentil italiano, ao italiano da voz suave, da postura suave, ao italiano que tanto amava este nosso país.

Una notte indimenticabile - a história em italiano de Antonio Tabucchi e as imagens em fogo de  Paula Rego

Por dentro, o Palácio é muito belo, bem cuidado, e tem zonas de sombra e recato e tem grandes janelas por entra a luz e tem salas que se ligam a salas que se ligam a salas e tem o odor antigo dos locais em que a vida se detém com vagar. Mas, naquele dia, apenas entrei para cumprimentos porque o que se passava, passava-se cá fora, nos magníficos jardins.

'Os teus encantos não caem nunca, és como o mar que cresce às ondas, cresce do vento, mas da água nunca'
palavras de Antonio Tabucchi no final do conto.


Mas isto foi numa outra tarde, uma tarde quente como a deste domingo, uma tarde amena em que o sol se punha, dourando Lisboa.

Porque este domingo, justamente também em Lisboa, aos 68 anos, Antonio Tabucchi, o italiano suave que tanto amava esta cidade suave, viajou a caminho do seu nada de nada, a caminho de si próprio, ou dos seus sonhos, que não acabam nunca. 

. § .

Hoje no Ginjal e Lisboa, a love affair dou início à semana dedicada a Mendelssohn e acompanho com Herberto Helder, um poeta que canta como ninguém a doce e inocente demência, coisa de que gosto de falar, como terão oportunidade de verificar. Convido-vos a irem até lá espreitar.

. § .

E tenham, meus Caros, uma boa semana.