domingo, setembro 30, 2018

Húbris
-- A casa da Santa Joana, o segredo de justiça, o coronel encenador e outras particularidades das mais finas instituições da Tugolândia


hú·bris  (grego húbris,- eos, excesso, ardor excessivo, impetuosidade, violência, ultraje)  -- 
Orgulho excessivo., arrogância, insolência, soberba

Húbris. Com a costumeira ironia assim foi denominado o caso do pretenso roubo de armas de Tancos.

Só que, espanto dos espantos, o primeiro acto desta farsa -- este de que agora se fala e que já colocou em prisão preventiva o Coronel Luís Vieira, Director da Polícia Judiciária Militar, e mais uns quantos -- não se refere ao roubo de armas mas ao seu aparecimento. Ninguém, neste caso, pode queixar-se de déjà-vu.

E, uma vez mais, apesar de estarmos no estertor do reinado da Santa Mana -- Joana de seu nome prório e Marques Vidal de nome da famíla -- mantêm-se bem vivos os traços dominantes que têm marcado os últimos anos da Justiça em Portugal: os envolvidos antes de serem culpados já o são. Sabemos nomes, percursos profissionais, onde nasceram, como são. Quando chamados a depor, sabemos o que dizem pois, acto contínuo, já os jornais e televisões o anunciam: confessou ter encenado, confessou arrependimento, confessou isto, aquilo e o outro. Mais: os jornais gabam-se, referindo o processo a que tiveram acesso.
Segredo de Justiça...? Está bem, está, isso também já era. Os secretos meandros onde se investiga parecem ser, afinal, os promíscuos quartos da Casa da Mana Joana, esse aparente albergue espanhol onde, pelos vistos, magistrados e demais pessoal convivem em feliz concubinato com jornalistas, 'fontes' e outro tipo de gente 'geralmente bem informada'.
E, segredo de justiça violado, sem delongas, logo nos aparece o usual enxame de avençados da pedrada, pagos a peso de outro para irem para a praça pública arrancar pedras da calçada e arremessá-las contra os que, justa ou injustamente, se vêem a contas com a justiça. É um festim. Políticos, personalidades públicas de toda e espécie e feitio, rogeiros, jornalistas, coronéis, sargentos, no activo ou na reserva, tudo minha gente salta para o palco e pimbas, pedrada que até ferve na cabeça dos suspeitos ou arguidos que, de imediato, vêem o seu bom nome enlameado talvez para toda a vida, 

Dito isto.

Ter milhares de pessoas a entreterem o tempo fazendo exercício e gerindo-se a si próprios para um just in case, facilmente pode degenerar num facilitismo e numa impune permissividade. Parece mais ou menos óbvio. Claro que tem que haver Forças Armadas e claro que as nossas, porque, felizmente, vivemos tempos de paz cá para as nossas bandas, têm tido meritórias acções na defesa das populações noutras mais perigosas paragens. Mas, tirando esses louváveis casos, o dia a dia daquela gente é, mais ou menos, o que acima disse. Dão aulas, fazem instrução, fazem treinos, fazem provas reais, outros fazem a comida, outras tratam das compras, outros das infraestruturas, outros dão formação. Não o digo com ironia ou buscando o efeito fácil. Um país deve ter forças armadas bem preparadas e isso está fora de questão. O que pode ser equacionado é a sua dimensão e a sua actividade.

Seja como for, face à natureza das suas funções em tempo de paz, há que ter em atenção que, subjacente à actividade diária, há um expectável dolce fare niente que pode conduzir a uma ociosidade e, paredes meias, à impunidade. Para prevenir actos indevidos, haverá que auditar de perto os comportamentos.

Como já referi no outro dia, o sentimento um pouco generalizado de que, por aquelas bandas, há muito quem 'coma por debaixo da mesa', assenta no conhecimento um pouco disseminado por entre os que lidam, enquanto fornecedores, com essa realidade. Quantas vezes se ouvia dizer: comem todos, é de alto abaixo. E isto referia-se aos que compravam comida, material de economato e fardamento, equipamentos electrónicos, equipamentos militares e equipamentos e serviços de toda a natureza.

E, de vez quando, lá vem o mesmo: as armas desaparecem dali (como das esquadras, como de camionetas em andamento) e nunca se dá por ela ou, se se dá, rapidamente o caso é esquecido. Desaparecem metralhadoras, pistolas, granadas, munições. Desaparecem sem deixar rasto. Mesmo que sejam quantidades que não podem ser levadas num bolso. 

Mas desta vez a coisa teve aparato, a lista de material roubado era digna de filme cómico, as notícias eram estapafúrdias. Falava-se num buraco na rede, falava-se em camião TIR. O Expresso, o grande badalo das fake news, explicou como tinha sido, tudo descrito ao pormenor. Balelas. Como tantas outras vezes com o Expresso, tudo balelas,

Contudo, desde o início, Vasco Lourenço  tinha uma outra teoria e não se eximiu a explicá-la: quem, indo sair de funções, tinha que deixar o inventário ao próximo, deve ter ficado perante uma inequação difícil de explicar -- as armas contabilizadas eram muito superiores às armas, de facto, existentes -- e, para se limpar,  provavelmente resolveu inventar que tinha havido um roubo.

Como o volume era de tal monta e como a repercussão mediática foi grande -- com o Marcelo, honra lhe seja feita, a andar em cima -- a investigação teve que ganhar forma. Só que a investigação provavelmente não ia mostrar coisa boa. Então, como as notícias divulgam, alguém teve a ideia brilhante de repescar as armas em falta (ou outras  -- que, pelos vistos, o ladrão ou receptador não tinha lá grande gestão de stocks) fazê-las levar para um pinhal e dizer que...  upsss, milagre, apareceram... Para transportar tanta caixa, era preciso meios de transporte e pronto, lá arregimentaram uns artistas, por sinal uns GNRs de Loulé e, por sinal, amigos do ladrão, que fizeram o favor  de as transportar e depois dizer que as tinham encontrado. Claro que volto a não perceber a inequação: tanto caixote que só podia caber num camião TIR cabe agora numa carrinha mercedes...? Não se percebe. Mas, na volta, também não é para perceber. O que parece é que, no meio de tantoa brincalhotice, levaram caixas a mais, provavelmente de subtrações anteriores.  E tudo articulado com a PJM que achou que esta era a oportunidade para brilhar, não deixando que fossem outros a descobrir a farsa ou, pior, a meter o bedelho e ainda descobrir outras ligações perigosas.

Falta de inteligência, parolice ou, lá está, excesso de confiança, húbris. No meio desta artolice, a rivalidade entre gangs: gnr, judiciária militar, judiciária civil, polícia. Tudo gente armada que se acha importante e dona do poder.

A ser isto verdade. Não nos esqueçamos: a ser isto verdade.

Um director de uma polícia judiciária preso é obra. Os jornais a dizerem que ele já confessou a encenação, a ser verdade, é obra, Mas estarmos a saber de tudo isto, sem contraditório, sem sabermos a versão deles, também é obra.

Portanto, por toda a esta rocambolesca macacada, acho que é mesmo caso para perguntarmos: quem nos guarda dos Guardas? Quem nos protege da Justiça?

sábado, setembro 29, 2018

Se eleito flor, reggae me




Se eleito flor, reggae me. Prometo colorir o silente jardim dos teus olhos com pétalas adocicadas de luz e claves de sol. Hei de esparramar música, sementes, toras, seiva e raízes neste seu terreno fecundo. Duvido que haja amor melhor no mundo por tanto tempo amortecido. Atenção, dormentes órgãos do sentido: ajam depressa; façam para mim algum sentido! 

Considera devotar mais tempo a ti mesma nas próximas eleições da tua vida. Para quem não crê no acaso, errar é sempre uma escolha malsucedida. Eu só tropeço durante o ocaso, em caminhos que eu mesmo traço. Eu adestro as pedras, mas, ando sentindo um troço ruim aqui dentro. Acho que é o coração cansado de escoicear, de dar pinotes, ávido por estilhaçar as janelas do peito e fugir a pé com as mãos abanando. Deus não dá asas, mas, cobra.

Da próxima vez, redobra os cuidados, tenta com um pouco mais de ternura, faze a coisa toda de outro jeito: vota no vate, garota. Evita que tanto concreto cotidiano endureça as palavras na garganta das tuas veias frias, transtornando-as, transformando-as num cano sinuoso e rígido por onde escoa esgoto de mágoa. Se todos fizessem uma única rima, por mais pobre e risível, seria razoável até mesmo ao homem mais rico, soberbo e inflexível, acreditar que com poesia se mudaria o mundo. 

Quisera brindar em tributo ao teu corpo com uma taça de carménère. A vida é curta. Teus cílios longos são velas abertas acenando na suave brisa. É o mar de amar. É a chaga do desejo que nunca cicatriza. Vive de acordo com as tuas convicções. Visando à bonança, colhe com suavidade as tuas tempestades particulares. 



Se eleito flor, reggae me com cuidado. Pode ser o amor.

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[Excerto de Cuidado. Pode ser amor de Eberth Vêncio na Revista Bula]

sexta-feira, setembro 28, 2018

Agora que a Santa Mana Joana está de saída, eis que chegam à ribalta duas santinhas new wave, as duas divas maiores do showbiz --
Lady Cri, a Princesa das Audiências do Povo, e Manu, a desbocada Cruella Moura Guedes que tem sempre muitas contas para ajustar



Eita, cena mais benta. Vozes ao alto. Logo agora que o altar estava em risco de ficar sem santas, com a Mana Joana a deixar o casal Mariani e o seu pet, o Láparo, sem terem a quem acender velinhas, vem o canal do Tio Balsas e, de uma vezada, resolve saciar a fé deles e demais povão. Vozes ao alto. 

Começou com a Santa Cristina, AKA Sta Caga-Milhões, a new Princesa do Coração dos Anunciantes e do Povo, a prometer animar a malta com muitos desmanchamentos de sisudos e outras surpresas e continua com a Bocas Moura Guedes, comentadeira de notícias e alimentadeira de polémicas de faca e alguidar. Temos santinhas no altar, o povão já pode rezar, fazer votos, pagar promessas, confessar-se, aprender o caminho para o céu. As audiências vão começar a subir, ah isso vão. 

Não tardará muito até termos a Boca Guedes a dar entrevistas à Caras, depois os intelectuais da Passadeira Vermelha a comentar as entrevistas da Bocas, depois o ilustre académico Casanova, essa misteriosa e pessoana criatura, a comentar o carnaval televisivo que há-de galopar a passos largos (pardon my french, que é como quem diz, relevem o equídeo pleonasmo) a caminho do refugo total. Um circo. Com sorte também vão repescar o Marinho Pinto, o Zezé Camarinha, a Maria Leal, o Paulo Futre (esse conceituado andrologista) e outras grandes figuras do mediatismo tuga para terem o seu próprio programa.

E porque a Senhora Directora Cristina gosta de desconstruir e surpreender, não me admiraria nada que ainda fosse desestabilizar as Manas Carmelitas que estão em silêncio há anos e as pusesse a desfilar em biquini ou a cantarem rap ou que a próxima contratação fosse essa sumidade da intelectualidade religiosa, esse artista que assentou arraiais no coito dos Cavaquistas & Laparistas Encostados, AKA Observador, o Pdre Portocarrero de Almada e lhe dessem canal, pondo-o a comentar as toilettes e penteados das deputadas do Bloco de Esquerda, do PCP e demais esquerdas reunidas (obviamente pouparia a Madame Cristas, essa devota da Nossa Senhora dos Manda-Chuvas e outras individualidades que publicamente já tivessem dado mostras de grande devoção)


Também penso que estamos a caminho de ter telejornais da noite ditos por stripteasers (machos e fêmeas, quiçá até por híbridos como o famoso Carlos Costa (não o do Banco de Portugal porque esse não dá canal)), por ter a Quadratura do Círculo animada por back dancers e sorteios de dinheiro entre quem telefonar e acertar em perguntas simples formuladas pelo Pacheco Pereira ou o Eixo do Mal, não com aqueles paineleiros vintage que já são muito déjà-vu, mas por malta com sangue novo como, por exemplo, e é mesmo só por exemplo, a Carolina Patrocínio, o Cláudio Ramos, a a Georgina Rodriguez, o saudoso Bruno Maçães e, para dar conteúdo intelectual à coisa, o não menos saudoso Lombinha dos Briefings. Tudo devidamente moderado e apimentado pela Madame Bocas Guedes. Claro está.

Boa. Ainda há uma fatia de pizza!
Efe-Erre-Á! Á!

(Imagens photoshopadas por Hayati)

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Só boas notícias. Por isso, aleluia, irmãos, aleluia! Vozes ao alto. Cantemos. 

(Eu, se fosse a Princesa Cri, contratava já este jovem altamente promissor para ir abrilhantar o noticiário da noite. Qual Rodrigo? Qual Clara? Pelo amor da Santa... esses já eram)

Aleluia


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Não sei se depois de notícias tão estaladiças e pipoquentas terão vontade de tigres.
Se tiverem, Borges poderá levar-vos pela mão.

Os tigres dele




Na minha vida sempre houve tigres. Tão entrelaçada está a leitura com os outros hábitos dos meus dias que não sei verdadeiramente se o meu primeiro tigre foi o de uma gravura ou esse, já morto, cujo obstinado ir e vir pela jaula eu seguia, enfeitiçado, do outro lado das barras de ferro. Ao meu pai agradavam as enciclopédias; eu apreciava-as, tenho a certeza, pelas imagens de tigres que me ofereciam. Recordo agora os de Montaner e Simón (um branco tigre-da-sibéria e um tigre-de-bengala) e outro cuidadosamente desenhado, que saltava e no qual havia algo de rio. A esses tigres visuais acrescentaram-se os tigres feitos de palavras; a famosa fogueira de Blake ("tyger, tyger, burning bright") e a definição de Chesterton: "É um emblema de terrível elegância". 


Nenhuma outra cidade, que eu saiba, confina com um secreto arquipélago de verdes ilhas que se afastam e perdem nas duvidosas águas de um rio tão lento que a literatura pôde chamar-lhe imóvel. Numa delas, que nunca vi, matou-se Leopoldo Lugones, que terá sentido, talvez pela primeira vez na vida, que estava livre, enfim, do misterioso dever de procurar metáforas, adjectivos e verbos para todas as coisas do mundo.






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Na companhia de  Pedro Abrunhosa a interpretar Quem me leva os meus fantasmas, excertos de 'O meu último tigre' e 'As ilhas do Tigre'  in Atlas de Jorge Luis Borges numa tradução de Fernando Pinto do Amaral

No final Tom O'Bedlam diz "The Tyger" de William Blake. Obtive as fotografias de tigres no The Guardian.

quinta-feira, setembro 27, 2018

Cinco palhaçadas no país do ressuscitado ex-Cavaco, o ditoso amigo da Santa Mana Joana


Palhaçada Número 1


A guerriúncula de alecrim e manjerona que o franzino João Ribas resolveu desencadear é daquelas coisas que mostra bem a superficialidade que por aí vai. 

Nem o dito tem arcaboiço para o fuzuê que armou nem a opereta tem pernas para andar fora das paróquias avançado-justicialistas das redes sociais. 
Sem saberem do que estavam a falar, só porque a dita criatura teve um fricote, logo as beatas encaloradas rasgaram as vestes defendendo que as penetrações anais, por mais violentas e escabrosas que fossem  -- onde vale tudo até um braço enfiado até ao cotovelo -- são do mais educativo para as criancinhas. No entanto, note-se que, se quiserem dar um banho de perversidade às crianças, podem fazê-lo. As obras estão lá, apenas desaconselhadas a menores de dezoito a menos que acompanhados por adultos que se responsabilizem. Estão em sala aberta ao público e tudo feito conforme acontece em todo o lado em que há obras deste calibre. Mais: tudo organizado sob coordenação e com a aquiescência do curador -- nada mais, nada menos que, justamente, o mesmo pseudo fogoso libertário. 
Entretanto, com a administração em peso a negar tudo o que ele diz e a exigir que apresente provas, o dito Ribas levanta voo de fininho e começa a falar de intangíveis, estados de alma, coisas imateriais que o aborrecem nos dias em que acorda com o rabo virado para a lua. Entrada de leão, saída de sendeiro. 

Portanto, por mim, dou o assunto por encerrado.

Mas sugiro que alguém lhe ofereça um lápis (e respectivo apara-lápis) para escrever os seus desabafos. E se continuar com aquele ar de bebé chorão, pois que algum dos seus admiradores lhe ofereça uma chucha.



Palhaçada Número 2

A outra guerriúncula de alguidar e garrafão foi a greve dos taxistas. Acamparam na Av. da Liberdade e no Porto e em Faro sem que a população tivesse notado grande diferença. Uma coisa sem ponta por onde se lhe pegue. Uma greve supostamente faz-se como forma de protesto contra a entidade patronal. Ora, no caso, maioritariamente a entidade patronal são os próprios. Claro que os Uber desta vida esfregaram as mãos de contentes: freguesia redobrada nestes dias. Os senhores taxistas e mais um fiada de mulheres que pareciam as majorettes da primeira fila e que toda a gente acha que não são taxistas, afinal lutavam contra o governo. Claro que foi para o lado que o governo melhor dormiu. Acresce que a legislação aprovada até parece exigir condições mais restritivas às plataformas concorrentes do que aos taxistas. Como resultado de todo este aparato, resolveram desmobilizar. E porquê? Depois do valente não de António Costa, para espanto geral consideram que a sua causa foi atendida. Pois bem. Quais caniches que ladram, ladram e depois voltam para a casota, de rabo entre as pernas, assim os taxistas. Dizem que os deputados do PS disseram que iam ver se a definição dos contingentes pode passar para as autarquias. Cá para mim, é, para eles, o maior disparate. Agora, deixa de haver um decisor para haver centenas. Portanto, se isto for avante, estão bem governados. Mas, enfim, devem ter percebido a palhaçada que era a greve e, para não perderem a face, inventaram esta vitória. Há classes profissionais que tendem a desaparecer se não souberem perceber o ar do tempo -- e esta é uma delas.


Palhaçada Número Três

A cena de Tancos é, na verdade, mais do que uma palhaçada: é um circo completo.

Escuso de dizer que, desde o primeiro dia, achei que não era possível que aquilo fosse roubo na base de one time shot. Tinha que ser coisa feita devagarinho. Depois aquele aparecimento... Coisa na base do Luís de Matos. E ter aparecido uma caixa a mais. Devolveram o que tinham no armazém, deste lote e doutros. Uma macacada.

Se um dia forem ouvir malta que em tempos vendeu material para as forças armadas e que agora já não tem nada a perder se se desbroncar são bem capazes de ter algumas surpresas. Quem queria vender, já sabia que tinha que untar as mãos a este, àquele e ao outro. Mas quem ia denunciar? Queriam era vender. E isto digo eu sem saber nada de concreto porque nunca vendi nada para militares. Mas ouvia-se por aí muitas histórias destas. Tenho até ideia que, na altura do grande ministro da Defesa Paulo Portas, se falava muito em luvas de vários tamanhos (as maiores das quais do tamanho dos saudosos submarinos).

Seria até interessante que a Santa Mana Joana, que nunca quis saber de nada disso, na hora da despedida, explicasse porquê, porque nunca quis saber de nada disso.
Não são todos os militares que gostam de brincar às escondidas, ao lencinho queimado ou aos doces ou travessuras. Claro que não. Tenho um bem graduado na família e acho que posso pôr as mãos no fogo por ele. 
Mas com uma coisa destas, em Tancos, tudo a ter que se passar às claras, com muita gente a saber, esquisito foi precisarem de um ano para descobrirem alguma coisa. Um verdadeiro circo de Fellini.


Palhaçada Número Quatro

Ouvi ontem, com pasmo, que deveria ser aberto inquérito para se perceber porque é que Manuel Pinho não foi revistado quando chegou ao DCIAP. Apurei a atenção. A jornalista, com ar enfático, quase insinuou suspeições. Dizia que era importante ter apurado se ele não traria provas consigo. Pasmei com muitos pontos de explicação na mente. Mas que almas tresloucadas acham provável que Manuel Pinho se apresentasse no DCIAP com provas escondidas nas cuecas, quiçá extractos das contas offshores enfiados em bolotas transportadas no estômago? A inteligência desta gente da comunicação social está, de forma geral, abaixo da inteligência das minhocas (sem desprimor para as minhocas, claro). Só me admirei por não ter logo visto nos blogs ditos de referência que todos nós, cidadãos de primeira, deveríamos, a todo o momento, sempre que nos cruzássemos com o dito Pinho enfiar-lhe um braço no rabo para tentarmos descobrir provas.
Quais provas? As provas. Quais provas? As provas. Quais provas? As provas. Quais provas? As provas. Quais provas? As provas. Quais provas? As provas.


Palhaçada Número Cinco

E eis que, quando estou a preparar-me para pôr o ponto final neste post, me aparece uma múmia ressabiada na televisão. Com a célebre gosma a querer assomar-lhe aos cantos da boca, olhos vingativos, e dicção martelada como quem declama uns versos fajutas, Cavaco saíu à cena para louvar a Santa Mana Joana, santinha muito da devoção de cavaquistas que, por algum motivo que só eles saberão, se sentiam muito protegidos com ela ali. Acha estranho, muito estranho, talvez a coisa mais estranha desde que a so called ge-rin-gon-ça foi dada à luz para seu grande susto. Presumo que agora volte para a paz da sua varanda* no Possolo na companhia da sua Dona Cavaca.

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Errata, conforme comentário abaixo: onde se lê varanda, deve ler-se marquise

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E venham mais para a gente se divertir.

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PS: Hoje há passeio no Ginjal. Convido-vos a darem uma saltada até lá.

quarta-feira, setembro 26, 2018

O ovo




Sou muito pré-histórica. Ninguém é perfeito mas este meu defeito começa a pesar. Manifesta-se assim: quando a gente foi fadada para ser inocente, vem este defeito que começa a alastrar dentro de nós e começa a fazer com que a gente passe a ter a sensação do déjà-vu com mais frequência do que devia. Muito abusado este defeito. 

Por exemplo. Vem um inteligente e tem uma ideia e toda a gente aplaude tamanha inteligência e vai a gente, com o tal defeito da pré-história, vê logo que aquilo, mais tarde ou mais cedo, vai é dar merda. E, quando todos se levantam e batem palminhas, a gente, presa à cadeira, pensa: 'está bem, está, daqui por uns tempos a gente fala'. E se tenta alertar, 'cuidado, então não vêem?, aquilo é gato por lebre', logo vêm os zeladores pelos bons costumes dizer que a gente é avessa à mudança, desalinhada do pior, e que mais vale é estarmos caladinhos para não travarmos o progresso.

E isto de as coisas irem dar merda -- e quase ninguém perceber que a linda coisa que aplaudiu não é senão o ovo da mediocridade que vão chocar - e a gente perceber isso logo de início é uma chatice. É que, cá para mim, isto não é de a gente ser mais inteligente que os outros: isto é mas é de ser mais velha que o caraças e ser vcc nunca foi bom em parte nenhuma do mundo.


Por exemplo: vejo a Cristina Ferreira a entrar na SIC, a andar de perna aberta e ao léu, laçalhão de lado, sorriso superlativo e plastificado, dizendo lugares comuns e parvoíces como se estivesse a descobrir o mistério do bosão e penso: a SIC não vai acabar bem. É que, pior. tudo aquilo se passa em horário nobre. Os directores da SIC a prestarem-lhe vassalagem. E o dito maçador déjà-vu: isto é o inexorável caminho da decadência. A SIC está numa deriva, com perda de popularidade, perda de receitas, recorrendo a todo o tipo de cavalices e chico-espertices e, não contentes com isso, foram buscar um dos expoentes da maneira fácil de agradar às bases. Baixar o nível, banalizar, explorar o lado mais primário das emoções. Qualquer profundidade será vista pela diva Cristina como uma seca que as pessoas não querem ouvir e ver. E é imparável. A partir do momento que alguém toma a opção de contratar uma pessoa assim, vai apoiá-la, vai querer provar que tomou a decisão acertada. E o caminho descendente será percorrido.

Nas empresas acontece isto a toda a hora. Gente impreparada, gente exibicionista, gente sem um pingo de humanidade ou visão de longo prazo, gente parva -- tudo aparece posto em lugares de poder. Começam por impressionar bem os incautos. São aplaudidos. E vão trilhando o seu caminho de passar por cima de toda a folha, de pisar o que encontram pela frente. Um desastre.


Mas nas letras a mesma coisa: quantos bons escritores são ignorados enquanto tudo o que é show off, alarvidade e bajulação ou pura ignorância é levada aos ombros? 

Como querer ter uma sociedade exigente, culta, crítica quando, em simultâneo, a tolerância para com a mediocridade é a palavra de ordem?

Os States. O desastre mais vergonhoso no mundo moderno. Um país em que o grande maioria não sabe de geografia, de literatura, de história, de ciência --- como não ia acabar assim, nas mãos de uma besta quadrada? O que é o Trump senão a resultado de uma bem evidente tendência degenerativa?

Ou quando uma coisa como o Web Summit, supostamente uma plataforma de encontro entre empresas tecnológicas, se propõe ter uma Marine le Pen como oradora ou quando uma universidade convida negacionistas para serem oradores, está-se à espera de quê? Que coisa boa pode nascer daí? Alguma vez gente estúpida traz algo de bom seja para onde for?


Sermos contemporizadores, fofinhos, adeptos de brandos costumes, sermos ceguinhos, não querermos ver um palmo à frente do nariz, irmos na onda, carneiros passivos -- é a melhor maneira de abrirmos a porta a quem nos há-de destruir. Não é à toa que se choca o ovo da serpente .

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Um Leitor a quem muito agradeço enviou-me um vídeo (o que está aqui abaixo) que me pareceu interessante. Ao tentar localizá-lo no YouTube para o incorporar aqui encontrei a versão mais longa e mais contextualizada. Coloco ambos aqui apesar de o segundo não estar traduzido.

Porque é que a América é o melhor país do mundo?



Porque é que a América já não é o mais fantástico país do mundo?



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E, por falar nisso, aqui fica uma sugestão, para quem ainda não viu

O ovo da serpente, um filme de Ingmar Bergman


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As fotografias que intercalei no texto são da autoria de Christy Lee Rogers e foram feitas debaixo de água. São maravilhosas, incomuns. Valem a pena. A necessária antítese. O antídoto.

Partilho o vídeo que mostra o movimento maravilhoso das bandeiras e das gentes dançando debaixo de água -- sonho e liberdade


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terça-feira, setembro 25, 2018

Solteiras, divorciadas e viúvas: conselhos práticos
(extensíveis ao sexo masculino).
E aula de 'catwalk' com a Prof. Kate Moss.


Estava eu na Fnac a folhear alguns livros quando, ao meu lado, uma mulher na casa dos late-trintas, talvez até dos early-quarentas, não sei bem, começou a falar ao telemóvel.

Estava absorta como se não estivesse em público, falando suficientemente alto para que eu, mesmo sem querer, ouvisse a conversa.

Pela conversa fiquei com a ideia que seria professora e relatava que, por estes dias, estava cá em Lisboa, contava onde já tinha ido, falava de bares, de amigos comuns com quem tinha estado e desafiava o interlocutor a ir jantar com ela antes de voltar à província. Não me pareceu que tivesse havido entusiasmo do lado de lá porque me pareceu sentir nela algum recuo, uma frustração disfarçada, a mão que não segurava o telemóvel a mexer nos livros com algum nervosismo.

Olhei para ela. Sem maquilhagem, cabelo, que era fraco e liso, cortado segundo um corte pós-moderno, digamos assim, abaixo da nuca mas com alguma assimetria, uma ponta mais comprida de um dos lados, franjinha colada á testa, pelo meio da testa. Uns óculos com uma armação também moderna, linhas direitas. Aquele ar vagamente alternativo. Depois tinha uma saia direita de tons cinzento e castanho, bem abaixo do joelho, uma blusa escura que, seguramente, era de algum criativo pois não era banal mas, quanto a mim, um conjunto sem qualquer ponta de graça. Toda ela baça. Tinha umas sandálias rasas, um saco também com design, ao ombro.

Não me lembro bem do rosto, mas todo o conjunto, a meu ver, se tornava, mais que triste, desengraçado e sem qualquer pitada de charme. Imagino que, se eu fosse homem, uma mulher assim jamais despertaria em mim qualquer interesse.

Olhei para ela e pensei que, pudesse eu aplicar-lhe um tratamento de choque, a viraria do avesso. Cortava-lhe o cabelo bem curto, dava-lhe uma cor (ou umas luzes como os cabeleireiros gostam de dizer), vestia-lhe um vestido justo, por cima do joelho, calçava-lhe uns saltos altos, ou, sendo isso uma mudança muito brusca, umas calças justas, uma tshirt ou uma camisa bonita, com decote, mudava-lhe as armações dos óculos, punha-lhe um rímel ou uma sombra nos olhos, um blush na cara, um brilho nos lábios, tudo natural mas feminino, confiante. Ficava outra. (Gosto de pensar nisto: quando olho para pessoas que acho que precisam de um restyling, mentalmente visualizo a alteração que eu lhes aplicaria e imagino o output, que é sempre bem melhor do que estão na actualidade)

Katie Holmes, criatura pouco interessante mas, ainda assim um bom exemplo de um 'antes e depois' de uma transformação que valeu a pena

De notar, com isto, que não acho que todas as mulheres tenham que ser do tipo sex-symbol. Claro que não. Mas acho que também não nos devemos esquecer que, para além de seres pensantes, também somos animais e que, portanto, há que não perder de vista alguns conceitos básicos. Em qualquer espécie animal o aspecto conta. É aliás um dos principais aspectos na escolha de um parceiro. Também não acho que a maquilhagem seja indispensável. Até aos trintas e tais pode ser dispensável pois a pele e o cabelo têm uma firmeza e brilho que valem por si. No entanto, a partir daí ou pelo menos de vez em quando, há que compensar com um colorido e uma graça que são fáceis de aplicar.

Julia Roberts: faz falta ou não um bocadinho de maquilhagem?

Voltando a esta mulher na livraria. Havia nela qualquer coisa de perdido, de carente, não era apenas a voz, era todo o aspecto. Aliás, acho que as mulheres (e os homens, também) que chegam aos trinta e tais e não se acertam com alguém ficam assim, com este ar vagamente desprotegido, de quem ficou esquecido para trás, de alguém que, num daqueles bailes de antigamente, está sentado à espera que alguém o venha buscar para dançar e, com angústia, vai vendo que quem se aproxima escolhe sempre outra pessoa.

Tenho conhecido pessoas assim, acabam por não conseguir disfarçar uma quase vergonha, como se fosse culpa delas o não conseguirem que alguém se interesse por elas. E depois carregam um tão grande peso, uma ansiedade, que assustam até potenciais interessados; e, com alguma frequência, algum relacionamento que conseguem, acaba por não vingar.

Mulher infeliz

Muitas vezes tentam compensar este estado de abandono que sentem, dedicando-se afincadamente a outros interesses, como se quisessem demonstrar que é por opção própria - e não por infortúnio - que estão sozinhos. Tenho visto quem se dedique sofregamente ao voluntariado, à igreja, à erudição, ao estudo de actividades alternativas, etc.

As divorciadas e viúvas (idem para os homens) são também um caso complicado, embora diferente.

Os divorciados ficam muitas vezes com um sentimento de derrota, ficam ressabiados, ressentidos, magoados, não se ensaiam nada para se vingarem a qualquer custo. Há neles uma fragilidade de quem está sempre em vias de fazer disparates de uma forma vagamente inimputável.

Já os viúvos ficam com aquele sentimento de vítimas da vida, sofridos, despojados, uma tristeza lá no fundo (e imagino que seja mesmo uma infelicidade e um sofrimento enormes, difíceis de aceitar), uma dificuldade em sair do estado de solidão -- por um lado porque não querem ser infiéis àqueles que sofreram e partiram e, por outro, porque receiam a opinião dos outros, não vá alguém pensar que curaram depressa demais o desgosto. Sentem a necessidade de lembrar a história de amor interrompida e, logicamente, se alguém se quiser aproximar, encontrará sempre uma fasquia demasiado alta.

Mas, em qualquer destes dois casos, será sempre uma questão de tempo. Como referi no post em que falei do último livro de Eduardo Punset, o amor não resiste à distância e, mais cedo ou mais tarde, a pessoa estará disponível para outra relação. Assim a sua auto-estima ou auto-censura o permita.

Agora o caso dos solteiros tardios é mais dramático (dramático para os próprios) pois desenvolvem um conjunto de complexos de que não será fácil sair, gerando-se frequentemente um ciclo vicioso (sentem-se infortunados, por isso perdem a auto-confiança, o que os leva a ensimesmarem-se, o que faz com que se fechem, o que leva a que os outros não os vejam, etc, etc).

Assim e porque a vida é melhor se for vivida em felicidade, a dois, com o coração quentinho, com amor, se possível com salpicos de paixão - mesmo depois da grande onda de paixão do início - aqui deixo a minha recomendação.
  • Mudança de visual - seja homem ou mulher: mude de corte de cabelo mas mude mesmo, no caso das mulheres, inclusivamente pode passar por mudança de cor, e, no caso dos homens, para além da mudança no corte de cabelo, deixe crescer barba ou pêra e bigode ou então, o inverso se já o tiver.
  • Roupas bonitas e não precisam de ser de marca - esqueça as roupas de velho(a) ou as roupas alternativas (^).
  • Um bom perfume também é essencial (aqui, santa paciência, tem que se gastar algum dinheiro pois só pode ser, se for bom; nada pior que um cheiro desagradável, intenso e vulgar).
  • E, agora uma coisa importante: olhar em frente, olhar de frente os outros - todo o amor carece de uma troca de olhares; nada de olhar para baixo ou olhar para ontem ou olhar para dentro. Nada disso. Cabeça erguida, andar confiante, corpo descontraído, disponível.
(^) Isto de esquecer as roupas alternativas é uma opção pessoal, claro. Eu acho-as geralmente destituídas de charme mas a verdade é que os alternativos buscam alternativos e, portanto, pode acontecer que, vestindo-se dessa forma, consiga despertar interesse noutro alternativo. Como a minha mãe costuma dizer quando vê um casal em que são os dois destituídos de graça: 'há sempre um pé coxo para uma meia rota'.

* Se é muito míope ou tem estigmatismo severo e tem necessidade de lentes grossas, esqueça: mude para lentes de contacto ou faça operação. Lentes de fundo de garrafa ainda acentuam mais o ar perdido, de quem anda à toa, à espera de ser encontrado. Óculos só se forem de lentes relativamente finas, que não desfigurem e que até podem valorizar.

* Se está muito gorda(o), balofa(o): faça caminhadas ou ginástica e, se necessário, alguma dieta.

* Se está muito magra(o): coma cerelac, ganhe peso - gente magrinha demais tem um ar frágil o que, a juntar ao resto, ainda agrava mais o ar de desamparo.

! Lembre-se: gente com problemas, perdida na vida, complexada, cheia de saudades, cheia de mágoas, insegura, etc, não desperta interesse nenhum. Quem é que quer arranjar um relacionamento com uma pessoa assim? Quem é que quer ter um relacionamento com alguém cheio de complicações na cabeça, ou com alguém sempre a lembrar-se de outra pessoa, ou com alguém cheio de inseguranças? Ninguém quer meter-se em situações complicadas. Mas é que nem pensar.

E quanto ao aspecto, a mesma coisa. Um tipo (ou uma mulher) mal arranjadinho, com ar acabado, esquisito, alternativo, ou com ar de quem, para dormir, veste um pijaminha à velho com calcinhas com cordão e casaquinho com botões (ou camisa de dormir à velha), que interesse é que pode despertar a uma pessoa normal? Zero.

E agora, para todas as mulheres que andam com a cabeça enfiada nos ombros, sem olharem de frente, sem conseguirem dar aquele requebro de ancas que se impõe, aqui vos deixo uma aula de cat walk. A professora é, of course, Miss Kate Moss. Aqui era bem novinha mas não arranjei nenhum video de duração razoável e que a mostre como ela está agora, perto dos 40, já com alguma celulite mas ainda com o mesmo ar de malandra, de bad girl.

(Depois a ver se me lembro de arranjar também uma aula prática para cavalheiros inseguros)




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PS: Nada do que escrevi se aplica às solteiras(os) por opção. Essas geralmente são mulheres livres, felizes, que não gostam de misturas e que estão muito bem assim.

PS2: Claro que isto também não se aplica às casadas(os) que parece que perderam a noção que são gente. Para esses, ainda um dia destes apresentarei um conjunto de conselhos matrimoniais que serão de ordem diferente.

PS3: Se quiser testar a eficiência dos meus conselhos pode enviar-me uma fotografia e a explicação dos seus problemas. Na volta receberá uma receita infalível. A sério: não falha.

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NB

Este post foi publicado há imenso tempo, 2011, estava eu nos primórdios do blog, já nem me lembrava de o ter escrito, coisa de uma outra encarnação. Provavelmente mais de metade dos que me lêem ainda não tinha nascido. No entanto, agora fui surpreendida pelas estatísticas ao ver que, só hoje, já foi visto mais de 1.100 vezes. Por isso, espantada, fui relê-lo e, para o caso de não se encontrarem entre os que já o leram hoje, aqui o passo para primeiro plano para que tentem perceber a razão deste súbito interesse.

Vou mas é arranjar um bichinho de estimação a ver se esqueço as minhas ralações...





Já falei muitas vezes: passei de ter medo de ter cão a, na hora, ficar rendida a uma cachorrinha fofa, cor de mel, que alguém nos apresentou. Tinha um ou dois meses, um latidinho de bebé traquinas. E eu ainda tinha medo de pegar. Os meus filhos andavam com ela ao colo e eu, nos primeiros dias, com medo. Ela dava saltinho brincalhão e eu encolhia-me, com medo, achava que ela ia atacar e morder. Os miúdos riam, o meu marido nem ligava, não havia compreensão que abarcasse tanta infantilidade e medriquice minha.

Depois o medo passou. Com ela eu era apaixonada, maternal, amiga, admiradora, inseparável. Foram quase treze anos e passaram a correr. Dela ficou uma saudade eterna. Saudade maior. Cãzinha mais meiga, mais amiga.

Jurei que nunca mais. Não suportaria outro amor assim, outra dor tamanha. 


De gato nunca quis proximidade. Tenho medo de tanta superioridade, de tanta altivez.  A minha mãe sempre teve medo de gatos, contava que se assanhavam. Falava no eriçamento deles, em como se arrepiava de medo. Pegou-me.

A namorada do meu filho tinha um gato que o atacava. Quando ele estava no sofá com a namorada, saltava-lhe para cima, por trás, o gato. Eu morria de medo do que o bicho traiçoeiro pudesse fazer ao meu menino.

Acho gato um bicho lindo, gosto de fotografar aquela inteligência, aquela subtileza. Mas não sou capaz de passar a mão, de fazer festa. Respeito a superioridade alheia.


E cavalo. Gosto de cavalo. Se, naqueles inquéritos armados em espertos, me perguntam que animal eu poderia ser, logo a resposta me sai pronta: cavalo. Aquela elegância, aquele sentido de liberdade, aquela beleza, aquele olhar doce e inteligente, aquele andar veloz e feliz. Ah. Quem me dera. Mas andar em cima, nunca fui capaz. 


Passarinho também não. Pássaro é bicho cantor, das alturas, das folhagens cheirosas.Não é bicho que aprisione em gaiolinha, em marquise. 

Peixe também não. Quando os meninos eram pequenos, tínhamos aquário bonito. Peixinhos lindos, coloridos, franjas douradas e ondulantes. Tinham nomes especiais mas só me lembro do nome dos menos bonitos: os limpa-fundos. Nadavam nas águas aquecidas onde havia algas, uma luz coada. Mas morriam. Eram ausentes em relação a nós, só acorriam quando levávamos a comida. Afecto interesseiro. Afecto desse não gosto.

Claro que há o bicho-homem mas esse não encaixa bem aqui. Não é bem de estimação. É outra coisa que não sei dizer bem. 

A minha filha sempre foi sossegadinha. Falo nela não porque alguma vez tivesse sido bichinho de estimação mas por outra coisa que já verão qual. Usava chucha. Gostava muito de bonecas. Queria-as para as despir e vestir. A minha mãe fazia vestidos e casaquinhos para as bonecas. Punha-as a dormir, levantava-as e as roupinhas como peça fundamental na ficção que criava. As bonecas que ficaram para a posteridade estão todas nuas. 

O meu filho sempre foi irrequieto. E nunca usou chucha. Arranjámos-lhe um coelhinho branco, de peluche, com umas calças. Chamei-lhe Chicão e desassossegado como era (o meu filho), aquietava-se se fosse fazer ó-ó com o Chicão. Sempre foi mais de carros, construções, jogos de bola mas o Chicão por ali andou até ele ter uns quatro ou cinco anos. E nunca se perdeu. Agora os meninos, quando aqui vêm, vão buscar o Chicão e o Chicão por aí anda. O cúmulo dos cúmulos é onde está agora. A senhora que cá vem uma vez por semana, ao arrumar a sala, resolver pôr o Chicão a meio do sofá que está junto à estante ondulada, em frente de umas almofadas, e pô-lo de perna traçada. Tem mais de trinta anos e ainda ali está todo pimpão. Só visto. tenho que fotografar aquele dispautério. Talvez seja o animalzinho de estimação que me está destinado.

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As fotografias com animais de estimação são de Arthur Mebius. Esta aqui abaixo também é dele e mostra um bebé que parece estar doido com as mamocas de estimação da passageira do banco de trás.


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A fotografia do chefe afectuoso e do empregado todo incomodado que está no post abaixo é também do dito Arthur

Uma fotografia que a modos que ilustra 'o meu assunto'*


Mal comparado, claro. Primeiro não é um, são uns quantos. E não há gordos nem carecas (e não que os gordos ou carecas tenham alguma coisa de mal, mas, de facto, os meus têm uma ar mais fashion, é tudo homem elegante, tudo orgulhosamente bem ginasticado, e, ainda por cima, com um certo toque de sofisticação). Contudo, embora sejam vários, é mais personalizado num mas, ainda assim, uma coisa colectiva. Dizem, para me convencer, que foi uma decisão tomada por uníssono. Quase acrescentam: por aclamação. E, como disse, estou a falar de um convite apresentado como a demonstração suprema da consideração superlativa que têm por mim. Já mil vezes tal me aconteceu e, mais ou menos entusiasmada, sempre aceitei dar o corpo ao manifesto, aceitando agarrar os desafios com que me têm contemplado (mesmo que sejam pepinos do caneco ou macaquinhos insurrectos que me atiram para o colo). Mas este é diferente. Não me agrada. E se me irrito com a insistência e mostro que não quero -- não, não e não -- noto neles o escândalo total, parece que estou a fazer uma ofensa.

Mas a verdade é que, perante tais situações, passo bem sem tamanhas demonstrações de apreço. Quase como este pobre coitado aqui abaixo que notoriamente não quer demonstrações de afecto por parte do chefe.


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Refiro-me, no título, ao meu 'assunto' pois é assim que a coisa vem para cima da mesa: 'temos que falar sobre o nosso assunto'. 

A fotografia é de Arthur Mebius

segunda-feira, setembro 24, 2018

O meu mundo anda agora um bocado ensombrado.
E o pior é que os astros o confirmam





Submersa por eventos que perturbam a minha existência e não encontrando explicação para tanta pressão em cima de mim, tenho tentado avaliar a situação.

Apareceu-me com elogios, os maiores, e como sendo o mais honroso dos convites. Pensei: honroso mas, mais do que um convite, um tremendo desafio. Depois pensei melhor: mais do que um desafio, um tremendo transtorno. Depois pensei ainda melhor: mais do que um transtorno, uma infinita canseira e um caminho cheio de permanentes escolhos. Ou, não querendo levar a sério, uma tremenda falta de ética da minha parte se, pensando que não me apetece tal caminho, o aceitasse para depois, pela calada, não o levar a sério.

Só que, ao comunicar que não, o não não é aceite. E, ao não ser aceite o não, a situação complica-se.


Desabituada de contratempos que não consigo ultrapassar e sem oráculos que me ajudem, fui espreitar a conversa dos astros. E, ao contrário do habitual em que, cá para o meu lado, é sempre tudo peace and love e alegria e energia e luz e o escambau, desta vez vejo astros que não costumam estar a pairar pelas minhas bandas e que, agora, por aqui andam a ensombrar a minha existência. Em vão me desloco entre sites onde a coisa costumar parecer bater certo (Vogue, Elle, Madame Figaro). Todos me dizem a mesma coisa. Aconselham-me a descontrair-me, a deixar as coisas fluirem, a esperar que a tormenta passe pois a bonança aparecerá. Tudo novo para mim. O estado normal é a bonança. Não que não apareçam problemas. Aparecem. Mas costumo, apesar de tudo, sentir-me dona do meu destino. Arquitecta do meu destino. E agora não. Agora oferecem-me um novo destino, desenharam-no a pensar em mim.

Mais. O meu não está a causar abalo. Sei de reuniões para o discutirem. Horas de reuniões para discutirem o meu não, reuniões nas quais não participo. Depois, sou de novo confrontada com o mesmo honroso convite. Reconheço: honroso convite. Se eu estivesse para, nesta altura da minha vida, embarcar nele. Mas, justamente, não quero.


Leio nos horóscopos: tormentos, pressões, insistências. Só lá para Abril a coisa se aligeira. No pico do verão uma descida louca ao vazio para dele vir como nova, reentrando fulgurantemente no meu mundo de bons auspícios.

Pergunto-me: mas que é isto? Quando busco consolo nos astros, o que encontro é a confirmação de que há sombras demais para o meu gosto a enlearam-se nos meus passos. Faço o quê?

Sou pessoa de soluções, não de problemas. Quando comecei a trabalhar, fui contratada para fazer modelos sob a supervisão do Banco Mundial. Modelos para resolverem questões complexas e estruturais no país. Uma dimensão estratosférica de condições, restrições, objectivos. Combinações infinitas de soluções e apenas uma óptima -- e era, justamente, essa que eu queria encontrar. Meses, largos meses de trabalho. Mensalmente chegava dos Estados Unidos um senhor simpático que analisava o que eu fazia, discutíamos as minhas dificuldades e os resultados que ia obtendo. Grupos de ilustres passavam horas analisando o meu trabalho. Eu ia arranjando soluções para os nós górdios que iam aparecendo. 

E isso foi o começo de uma carreira levada nisto: a encontrar soluções.


E agora não consigo encontrar a solução para o meu próprio caso. Dizem-me: não temos outra pessoa, pela relevância do lugar, pela natureza das situações, pelo equilíbrio de forças, pelas suas características, só pode ser você. E eu digo: seria se eu quisesse -- e eu não quero. E não saímos daqui. O tempo passa, o clima adensa-se e é isto. Parece uma equação impossível. O meu filho pergunta se estarei a ver bem as coisas, que talvez seja uma coisa fantástica. Talvez seja, sim. Mas eu não quero. 

Entretanto, hoje acordei depois de uma noite de sono profundo e, do nada, apareceu-me uma possível solução. Uma contraproposta de alto risco, a que me ocorreu. O meu marido diz: eles não devem aceitar -- e pensa bem antes de avançar.

Quanto mais quero libertar-me de teias e apertados laços mais tentam enlear-me, prender-me, usar-me. Chega a um ponto em que o que sinto é isto: chega de me usarem. 

Mas do outro lado, atónitos pelo não que não esperavam, quando esperariam agradecida aceitação e entusiástico reconhecimento, o pasmo não é menor. Penso que mais do que pasmo: desconforto. Pior: desagrado.

Estamos nisto.


Lêem-me, vocês, e não me percebem, talvez. Presumo que estejam aí desse lado, intrigados: 'De que raio está ela a falar?'. Mas não posso ser mais explícita. O meu mundo é cheio de coisas das quais não quero falar. Se falo é por meias-palavras e acredito que soe encriptado para quem não está por dentro. Aliás, quase ninguém está por dentro. Tudo isto se passa entre gabinetes silenciosos, em ambiente reservado, sigiloso. O meu mundo é um mundo em que mais de metade não se sabe. Quando há questionários para averiguar o grau de satisfação dos colaboradores, quase sempre se queixam que há um défice de comunicação. Então, reforçamos a dose de newsletters, portais internos, reuniões de feedback, encontros. Mas a mesma metade continua a não poder ser dita. Podem as pessoas trabalhar anos no mesmo lugar e não saber de metade do que lá se passa. Segredos, reservadíssimas combinações, compromissos, negociações, acordos não revelados. 

O que vale é que é domingo, que o outono entrou bem, que o dia está uma maravilha, que as minhas árvores estão grandes, cheirosas e cheias de pássaros, que a janta já está pronta que hoje é para todos, lotação esgotada e conversas e risos como se mais nada houvesse no mundo. A vida é cheia de enredos, de armadilhas, de labirintos -- mas também de jardins, de abraços, de cantos e de luz, de silêncios e afectos bons.


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As fotografias foram feitas este fim de semana in heaven


domingo, setembro 23, 2018

Extensão do pénis: a tendência mais quente na cirurgia plástica
[E, de passagem, o cogumelozinho cabeçudo de Trump, a birra de João Ribas e a estética sado-masoquista de Robert Mapplethorpe]


A descrição do pénis de Trump pela tempestuosa Stormy Daniels (e desculpem-me o pleonasmo), a ex-artista porno que teve uma perigosa liaison com o Donald e pela a qual ele pagou caro (e ainda mais caro há-de ter que pagar), num livro explosivo tem dado que falar.

Descreve-o de forma irónica. Como se imaginava, é uma pila pequenina mas, concede ela, não estupidamente pequena. O pior é a glande. Fica uma coisa estranha que ela descreve com piada, dando a entender que é um cogumelo cabeçudo com um insignificante pedúnculo. Aliás, mais vale eu transcrever:

It's “smaller than average” but “not freakishly small”.
“He knows he has an unusual penis,” Daniels writes. “It has a huge mushroom head. Like a toadstool…
“I lay there, annoyed that I was getting fucked by a guy with Yeti pubes and a dick like the mushroom character in Mario Kart... 
“It may have been the least impressive sex I’d ever had, but clearly, he didn’t share that opinion.”
Para um vaidoso compulsivo como Trumpo, imagino a dor de alma que deve sentir por ouvir e ler piadas por todo o lado sobre a sua não muito abonatória condição e desempenho -- não a nível político mas sexual. E imagino o nó no estômago que sente a mulher, a esfíngica Melania, ao saber que os relatados encontros aconteceram pouco depois de ela ter sido mãe.

Seja como for, a notícia veio relançar o célebre dilema: o tamanho importa?

Já falei disso algumas vezes e já referi que nem é só o tamanho propriamente dito: é o design. A estética é relevante em tudo e nisto também. E, claro, é o que se faz com ele. 

Mais: tenho para mim que, quem vê caras, vê pénis.

Olho um homem e, se o vejo como homem e não como uma mera criatura do sexo masculino (e devo dizer que, modéstia à parte, exigente e requintada como sou, não são frequentes as vezes em que isso acontece), consigo antever como será o seu pénis.

Isto dito, posso dizer que, sendo -- à vista desarmada -- Trump uma nulidade como homem, se me forçar a imaginá-lo como veio ao mundo, claro que era óbvio que aquilo lá nunca podia ser alguma coisa que se aproveitasse.

Mas, tendo o pénis saltado para a ribalta, logo se desmultiplicam as notícias sobre o tema. E penso que é neste contexto que o The Guardian avança com a notícia de que as intervenções para aumentar os pénis estão de vento em popa (‘I wanted a truncheon in my pants’: the rise of the penis extension). E há quem goste tanto do resultado que, como no caso das mulheres que se viciam em plásticas, também aqui há quem reincida.

Parece que a intervenção, embora não isenta de riscos, é simples e passa por injectar gordura tirada da zona abdominal. Não será só isso, claro, mas passa por aí. É rápida, coisa para uma hora e, na maior parte das vezes, parece que corre bem. Contudo, parece que o pós-operatório é muito desagradável. Recomendam que se tire baixa de uma semana, no mínimo, já que a coisa anda entrapada durante cerca de dez dias. Durante um mês não é possível ter relações. Portanto, não é propriamente uma pêra doce.

Para quem queira avaliar se precisa ou não de um boost, avanço com dados estatísticos. Dizem que, em repouso, um pénis normal mede cerca de 9.3cm e, quando erecto, atinge, em média, 13.1cm. A operação resulta, em geral, num aumento de cerca de 1,3 cm. No caso do pato Trump, não sei se seria suficiente. Na volta, parvalhão e exibicionista como é, ainda se vai submeter a várias, não se ralando de andar entrapado durante uns meses, para daqui por algum tempo, no twitter, mostrar a fera em todo o seu fulgor. Não um cogumelo anão e marreco mas um canhão ponteagudo (se é que isso existe)

E eu, perante tudo isto, nada mais tenho a dizer. Cada um sabe de si. E que a malta seja mas é feliz.


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Portanto, quando há algum tempo andava a gabar-se do tamanho dos genitais, Trump estava, uma vez mais, a exagerar




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Agora, no âmbito daquilo de que quem vê caras, vê pirilaus, uma coisa vos digo eu: no que se refere a Michael Avenatti, o interessante advogado da Stormy, já é outra loiça... (e mais não digo porque para bom entendedor uma meia palavra é mais do que suficiente). Dizem que ele pode candidatar-se a presidente dos Estados Unidos e nem é preciso a defunta Cambridge Analytics para adivinhar que a maioria das mulheres e alguns homens votariam nele. Mas, não sendo isso, também daria um belo parceiro da Stormy no ramo XXX da indústria cinematográfica. Podem crer. Nisto como noutras coisas de igual relevância, aqui a vossa Sta UJM não falha.


PS

Quanto à birra do director demissionário de Serralves, segundo consta, parece que João Ribas não apenas não tem razão como se portou como um menino mimado. Ao que consta, as duas obras que não constam da exposição são as que ele retirou e as que são mesmo hard core estão lá para quem as quiser ver, embora numa sala reservada a maiores de dezoito anos. E isto é o normal neste tipo de exposições e não é censura nenhuma, é bom senso. Robert Mapplethorpe (autor da fotografia acima) é muito cá de casa, tenho livros da obra dele desde há muito e aqui no blog são inúmeros os posts com fotografias dele. Gosto da sua estética. Gosto muito e desde há muito. Contudo, há imagens de grande agressividade sexual que é pura estupidez pôr crianças a vê-las e só quem já viu essas fotografias é que pode avaliá-lo. Portanto, estão lá para adultos -- e se houver pais que autorizem as crianças a apreciar aquela violência pois muito bem, é estranho que o façam mas é lá com eles, mas, da forma como as fotografias parecem estar resguardadas de olhares incautos, não poderão alegar que não estavam avisados.

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E disse. Vou agora pensar num tema mais erudito.