Também gosto do Chance. Ou do Nº 19. Nos perfumes, já aqui o confessei diversas vezes: sou Chanel. Mas nada chega aos calcanhares do Nº 5.
Dizem que é quente. Não é. Nada. Subtil, misterioso, único. Metamorfoseia-se. Pelo menos em mim, na minha pele, isso acontece,
Um toquezinho e chega. O que é bom pouco basta.
Chamo a atenção para o vestuário da Margot Robbie, um maravilhoso tecido, um maravilhoso corte, uma maravilhosa cor.
In the new N°5 film, See You at 5, Luca Guadagnino's lens follows Margot Robbie along the roads of California. The story of two lovers' missed connections, where the road to get there is just as important as the rendez-vous itself. Will there be a rendez-vous waiting at the end of the journey? Or is the rendez-vous itself the journey?
Dia preenchido e bom mas com uma componente triste.
Deste vez resolvemos encontrar uma solução para não estarmos dependentes dele e ele de nós. A experiência é de curta duração. Pesquisámos, fomos ver, e, para dizer a verdade, a única solução que nos agradou minimamente estava esgotadíssima. Esta foi a segunda escolha. Grande parte das outras vive, quase de certeza, no mais puro amadorismo (e, antecipo, no gostoso mundo paralelo em que não há facturas, não há ivas, não há irs, nadinha, ou seja, o glorioso muito da economia paralela). Alguém que tem um bocado de terreno, arranja umas coisas, alguém que tome conta e está feito, um hotel para cães.
Até fomos dar com uma espécie de Zoo privado, uma coisa que me pareceu inimaginável, desolada, para não dizer sinistra, com camelos, lamas, póneis, cabras, gansos e tudo o que se possa imaginar. E, num bocado, umas quantas jaulas que funcionam como 'hotel para pets'.
Outro, com umas instalações fantásticas, quase parecia uma aeronave asséptica e, na zona de 'hotel', umas jaulas, sobrepostas, ínfimas. Tudo limpo, imaculado. E os animais ali enjaulados.
Este, que escolhemos, está associado a uma clínica veterinária e, do mal o menos, pareceu-nos razoável.
E sabemos que temos que fazer este teste pois não podemos fazer com o ano passado em que o trouxemos para o Algarve e que foi cansativo e stressante para ele e para nós. Mas dói-me a alma deixá-lo, sendo ele tão apegado a nós e nós a ele. Aliás, quando estávamos em casa a preparar as coisas (levámos a cama dele, onde ele já não dorme há um ano pois anda pela casa e escolhe onde quer dormir, ultimamente junto a um cortinado e a uma janela no andar de cima, e levámos os dois brinquedos preferidos dele) já ele devia estar a desconfiar que não vinha dali boa coisa. Deitou-se no corredor, de barriga para baixo, o queixo encostado ao chão, ar infeliz, impotente.
Quando o deixámos lá, tive vontade de me abraçar a ele, arrependida da maldade. Mas disfarcei, disse-lhe só: 'Os donos já vêm, está bem?'. Mas só me apetecia arrepiar caminho. E chorar. Custa-me imenso fazer mal a um ser indefeso. A única coisa que me faz aceitar melhor é que penso que, às tantas, aceita bem, habitua-se, e, de resto, é coisa ultra breve. E, se correr bem, habituar-nos-emos a isso e poderemos ter mais liberdade.
É tudo uma questão de encontrarmos o ponto de equilíbrio.
Tirando isso, está tudo bem.
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Uma terra pode ser visitada com foco nas suas belezas naturais. Ou na arte sacra. Ou na gastronomia. Ou na arquitectura. Ou no comércio. Ou... Ou na arte de rua, nomeadamente nos graffitis. A fotografia lá de cima mostra uma porta pintada, numa rua, numa cidade. Acho-a uma beleza.
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E, porque de um correcto balanceamento e de tentar encontrar o ponto de equilíbrio, aqui partilho um vídeo Chanel
The J12 Series. Chapter 2: A Balancing Act – CHANEL Watches
Não tenho muito a dizer. Apesar de cansada só devo ter adormecido por volta das seis. Uma espertina das antigas. A meio da noite lembrei-me: o café. Só posso beber café de manhã senão está o caldo entornado. E, com a animação da churrascada e da cantoria festiva, tinha-me distraído e bebido um belo e encorpado café. Fatal.
Mas depois dormi bem e, a seguir ao almoço, adormeci de novo. E a dor no joelho desapareceu. Já não é a primeira vez que isto me acontece: estou cansada, aparece-me uma dor e, depois de dormir bem, a dor desparece.
Mal me levantei o meu marido disse-me que tinha visto um esquilo a beber água. Diz que, de longe, não percebeu. Temeu que fosse um gato morto. Depois o esquilinho levantou a cabeça, levantou o rabo, subiu o muro e desapareceu. Diz que era castanho e que o rabo é muito grande.
Ainda andei de cabeça no ar a ver se o descobria mas não. Devem estar escondidos nos esconsos dos pinheiros ou das azinheiras.
O chão está coberto de pinhas roídas. Em contrapartida, vejo poucas bolotas no chão. Na volta comem-nas.
Não consigo perceber como lá apareceram. Vêm andando, andando, quilómetros e quilómetros, até descobrirem o habitat ideal? Vieram de onde até chegarem aqui? Gostava de perceber.
Antes de nos virmos embora, fui buscar a banheira onde lavávamos os meninos quando eram pequenos, enchi-a de água e coloquei-a debaixo do telheiro para terem água limpa para beber. A ver se não aquece muito. O meu marido disse para não encher com tanta água se a ideia não fosse os esquilos tomarem banho. Mas receio que se evapore.
Também andei a apanhar mais orégãos. Mas não muitos, há poucos e estava muito calor. Os da semana passada já estão praticamente secos mas como basicamente passei o dia a dormir ainda não os escolhi nem embalei. Para a semana trato disso.
Há muitas lagartixas, muitas mesmo. E borboletas. E abelhas. E cigarras. Adoro estar in heaven. É campo, campo. Em dias assim, só nós dois, descanso e reponho energias que é um regalo.
De ameixas já nem vestígio. As que caíram alguns bichos as devem ter comido e das que resistiram nas árvores os pássaros devem ter-lhes chamado um figo.
As uvas sofreram com o calor. Os cachos, com bagos ainda minúsculos, estão quase secos. Os calores travaram o crescimento, desidrataram-nos.
A ver como saem os figos. Tomaram que medrem e fiquem doces. Adoro carnalmente os figos.
Olho à volta e só vejo coisas para fazer. E só espero que faça menos calor para ver se deitamos mão à obra.
(É deste plural, que é tudo menos majestático, que o meu marido se queixa: vejo coisas para fazer mas, quando é para fazê-las, falo no plural. Ou seja, ele também vai ser chamado a fazê-las. Tem que ser. A casinha que foi pintada de verde a pensar que era no tom das árvores afinal tem um verde garrafa que fica ali mais chamativa do que devia. Pensei em pintá-la de verde muito escuro ou mesmo de preto e, depois, pintar-lhe, por cima desse fundo, umas flores em verde mais claro. O banco de pedra que tem na parede que dá para o caminho também merece alguma reflexão. Quiçá no mesmo tom escuro mas com florzinhas como se estivessem a nascer do chão. O murinho baixo também precisa de ser pintado de branco. E lá em baixo nem se fala, montes de coisas a precisarem de repintura. E isto já para não falar em varrer os caminhos. Geralmente varro os cá de cima, mais próximos da casa e os lá de baixo, coitados, ficam entregues a si próprios. Também acho que deveríamos levantar muito mais as copas dos pinheiros. Levantámo-los até onde conseguimos alcançar mas acho que devemos ver se encontramos daqueles brasileiros que trepam às árvores e cortam os ramos lá em cima. Falo de brasileiros pois, sempre que ouço falar disto, só ouço falar 'nuns brasileiros que sobrem até ao cimo das árvores'. Claro que o meu marido nem quer ouvir falar em nada disto pois o grande anseio dele é ter uns dias ou um período em que não tenha nada que fazer. Contudo, acho que não vai ter sorte.)
Dentro de casa, quando chegámos, estava um calor absurdo, de sauna, desconfortável. Felizmente o ar condicionado resolve o problema em dois tempos. Anos de frio e calor absurdos porque me parecia que os aparelhos iam desfear a casa. Afinal nem damos por eles. Há coisas que comprovam a minha burrice e esta é uma delas.
Talvez devesse dizer: uma de muitas. Assim de repente poderia referir outra: antes de começar a escrever isto, estive a despachar assuntos. Poderia deixá-los para daqui por uns dias, talvez até mesmo para esta segunda-feira de manhã. Mas começo a pensar que sou viciada. Apareceu-me há pouco um mail daqueles que me irritam: microsoft viva. Ninguém pediu nada mas eles aparecem a resumir-me a semana e a aconselhar-me. Dizem que devia intervalar mais e não trabalhar nas horas de descanso. Metediços, abelhudos, os tipos da microsoft. Só me apetece mandá-los bugiar mas, ainda assim, não mando. Tenho a secreta e inconfessável esperança que um dia me dê para lhes prestar atenção.
Cornelia Parker is one of Britain's best loved and most acclaimed contemporary artists. Always driven by curiosity, she reconfigures domestic objects to question our relationship with the world. Using transformation, playfulness and storytelling, she engages with important issues of our time, be it violence, ecology or human rights.
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Fotos feitas in heaven.
Mademoiselle por Sébastien Tellier com Charlotte Casiraghi (e com um touch Chanel)
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Desejo-vos um boa semana a começar já nesta segunda-feira
Há uma coisa que sempre se ouve dizer: que o odor de um perfume depende da pele que o acolhe. Eu, por exemplo, não gosto de perfumes doces, parece que, em mim, o sinto enjoativo. Aliás, em mim e em toda a gente. Mas, lá esta, provavelmente o meu olfacto também difere do das outras pessoas pois não acredito que tanta gente use cheiros enjoativos sem que tal lhes agrade.
Gosto de florais e cítricos. Sinto-os leves, frescos e agradáveis ao longo de todo o dia. Sou também muito sensível ao nome dos ingredientes e à poética da sua promoção. Por exemplo, se leio que contém tangerina de Marraquexe. lírios do deserto, bergamota colhida ao romper da aurora ou outras coisas assim (e estive a inventar porque não me apeteceu ir ler o descritivo dos perfumes de minha eleição) é certo que me deixaria tentar. Escrevo isto a pensar num tempo passado. Tenho perfumes que provavelmente durarão até ao fim dos meus dias (até porque em casa ou em ambiente informal não costumo perfumar-me), a menos que tenham prazo de validade inferior a cem anos.
A elegância dos frascos também não me deixa indiferente. Mas nâo é determinante: atrai-me mas é como os livros em que sentia, na outra vida, a necessidade de folhear antes de me decidir. Nos perfumes é idêntico, tenho que experimentar.
Gosto de muitos perfumes e tenho uma certa hierarquia. Se, por exemplo, vou para reuniões no 'terreno', ambiente que me parece poder derrapar para a 'pesada', aí escolho um Lowe ou um Marc Jacobs, por exemplo. Parece uma coisa mais informal, menos comprometedora.
E isto em mim é recente. Recente de alguns anos. Até lá era sempre Chance para o dia a dia e Nº 5 para os momentos com o seu quê. Depois inverteu-se: Nº 5 para quase sempre e o Nº 19 ou o Cristalle ou o Chance para intercalar. Parece que, em mim, apenas os perfumes Chanel respeitavam a minha idiossincrasia. Até que comecei a experimentar e gostei. Tornei-me desleal na maior ligeireza. Talvez isto resulte de estar muito claro para mim que, por muitos que experimente, sempre voltarei ao Nº 5. Esse está num outro patamar. Intemporal, eterno.
E não é por mais nada: é que, em mim, ao longo do dia, o perfume se modifica e, na minha imodesta opinião, para melhor. Vai ficando subtil, íntimo, um cheirinho único que não identifico em mais ninguém mesmo se também o usam.
Dizem que a principal característica do Nº 5 é que não se parece com nenhum outro nem fica parecido entre as mulheres que o usam.
Muitas vezes, quando o uso, chega-me um aroma tão especial, tão pessoal que me intriga como se transforma desde que o ponho até se tornar um perfume tão meu. Por vezes diziam-me que sabiam por onde eu andava porque ficava um suave perfume a flores no ar. Mas o Nº 5, ao longo do dia, não tem nada a ver com flores. Eu achava que tinha a ver comigo. Uma vez mais falo no passado pois, no último ano, nunca me pareceu que houvesse ocasião que o requeresse ou merecesse. Tenho destas coisas.
Um que trabalha na empresa de onde saí há cerca de um ano também usa um perfume característico, um Dior. Conheço-o há uns vinte anos e sempre o usou. Por vezes, eu chegava ao meu gabinete e parecia sentir o seu odor no átrio junto à entrada. Perguntava se ele lá tinha estado e diziam-me que sim, que tinha lá estado à minha procura.
O meu marido também usa o mesmo perfume desde que me lembro. Não quer outro. Põe muito pouco mas o seu cheiro é também inconfundível e muito bom.
Pessoas que usam um mau perfume estão para mim ao mesmo nível das que dão pontapés na gramática ou das que não sabem estar à mesa. Sei que os bons perfumes são muito caros e ao alcance de não muitas bolsas. Mas um bom creme corporal ou um bom sabonete são preferíveis a perfumes vulgares que transmitem a sua vulgaridade a quem os usa.
Mantendo o glamour sofisticado da publicidade de sempre, em que se mistura romance, independência e um visão poética do mundo, a casa Chanel vem divulgando testemunhos pessoais, em que se sente aquela serenidade e respeito pela beleza, aquela quietude sofisticada, aquela simplicidade elegante que se tenta que seja também a imagem da marca, a imagem da obra de arte que veste uma mulher, revelando-a em todo o seu mistério.
Marion Cottillard é o rosto do Nº 5 para os atípicos dias de hoje. E eu gosto bastante de a ver nesse papel.
Estes dias são muito absurdos. Vivo num lugar que até é agradável mas, estando confinada, tanto poderia estar aqui como noutro lugar qualquer. Quando, no confinamento do ano passado, nos mudámos para o campo também estávamos ali como se o mundo fosse apenas aquele lugar. Agora também. Saímos para fazer uma caminhada aqui à volta e, de momento, este é o nosso mundo.
Tem estado, por aqui, muito frio, vento, húmido, chuviscoso. Desagradável. Saí para dar uma volta pelo jardim por volta das seis e, pouco depois, tive que reentrar, o frio estava mau, triste, escuro.
Aos sábados gosto de dormir até mais tarde para pôr o sono em dia. Mas tinha-me esquecido de desligar o despertador pelo que acordei cedo e já não consegui voltar a adormecer. De tarde, reclinei-me no sofá, pensando repor a situação. Contudo, estava a começar o Samba no canal Hollywood, filme que em seu tempo tinha visto no escurinho de uma sala de cinema, e não quis deixar de rever. Por isso, não dormi de tarde a agora ainda estou com sono.
E mais? Que dizer mais? Nem sei bem.
Talvez que os dois aquários da família já fizeram anos e festejámos -- que é como quem diz -- através de videoconferências. Em qualquer das vezes foi aquela complicação do costume para a minha mãe se pôr a bordo. Cantámos os parabéns em coro, a várias vozes, em total desafinação. Por estes tempos, os presentes chegam por correio e os beijinhos são dados por palavras. No outro dia, dizia a um menino pequenino que nos desse uma fatia de bolo. Disse que não podia ser. Dissemos que estendesse a mão que nós agarrávamos o bolo. Ele assim fez com a sua mãozinha. Encolheu os ombros e disse: é um bolo invisível. E o meu coração derreteu-se em ternura. Estão todos mais crescidos. Há muito tempo que não os abraço à vontade. Ultimamente abraçava-os pelas costas, beijava-os na nuca. Será que ainda vão aceitar que eu os puxe para o meu colo e os abrace e os encha de carinhos? Não sei. Se calhar ficam com receio que os contagie. Este vírus é diabólico, sequelas all over mesmo em quem não é directamente infectado.
No outro dia, fartos desta monotonia, resolvemos ligar para um dos restaurantes onde íamos, às vezes, jantar. Não faz entregas aqui, apenas ali perto. É o filho que vai entregar. Resolvemos ir nós lá. Fiquei no carro. Contou o meu marido que o restaurante, antes cheio que nem um ovo, estava (obviamente) vazio. A mulher na cozinha, como sempre esteve, mas sem ajudantes, só ela. Ele cá fora na sala a atender os pedidos (por telefone). E o filho a ver se tinha que ir fazer entregas. Diz o meu marido que estavam de máscara, o senhor com um cabelo muito grande. Não se deve ajeitar a cortar em casa. Nesse dia, uma vez chegados a casa, preparámos um gin, depois refastelámo-nos com um belo jantar que não tive que confeccionar e, no fim, para acompanhar a bela sobremesa que também veio de lá, bebemos uma bela ginja de Óbidos. Ao ver a garrafa, lembrei-me que a comprámos lá, num passeio que lá demos entre o Natal e o Ano Novo de 2019. Passeámos com vagar, subimos e descemos as ruínhas, entrei nas livrarias. Parece que foi há uma eternidade.
Era, para nós, muito natural passearmos. Agora, mesmo que, dentro de algum tempo seja levantado o confinamento, já teremos adquirido outros hábitos. Já não iremos com a mesma naturalidade a restaurantes, quereremos verificar se estão arejados, se há distanciamento, estaremos atentos às máscaras, teremos receio que alguém tenha tossido e deixado gotículas no lugar ou nas coisas em que vamos mexer.
Estranho, tudo isto.
Enfim.
No meu jardim reina o silêncio. Mal se ouve algum pássaro. De vez em quando, algum lá bem no alto, muitas vezes ao longe. De todos aqueles que tanto cantavam agora nem um pio. Não sei onde andam. Estarão transidos de frio, sem vontade de alegrias?
Há ainda laranjas nas laranjeiras e são muito, muito doces. E tangerinas. Mas estas caem muito. O jasmim está a ficar florido. Não consigo deixar de lá mergulhar o rosto para aspirar o perfume que é intenso demais para o meu gosto. Ainda assim cheiro. Quero perceber se o perfume vai evoluir.
Uma outra trepadeira, uma que deixou a anterior proprietária espantada pelo que cresceu, está agora a florir, uma flor com uma cor inesperada, muito bonita.
Também fiquei admirada com outra coisa. Ainda não compreendi a dinâmica dos meus novos vizinhos. Dá ideia que é uma comuna de rapaziada. Não consigo descortinar a lógica do grupo. O meu filho diz que deve ser malta que está a formar uma empresa. Espanto-me: iriam alugar uma moradia destas...? O meu marido, para quem nada disto interessa e que goza com a minha curiosidade, para apimentar o mistério fala de outras hipóteses, qualquer delas improvável e estapafúrdia. Mas, dizia eu, estava a sair da sala para um passeio pelo meu jardim, dou de caras com um dos jovens, saindo também da sua, de boné. Devia ir pôr comida nos cães, digo eu. Não sei se anda em casa de boné. Pelos vistos, anda. Sol não há na rua e, em casa, muito menos. Mas, então, ao dar de caras comigo, sorriu abertamente, fez-me adeus com a mão, e disse-me um 'olá, bom dia'. Fiquei muito admirada pois parecem-me sempre muito lá na deles, sempre enfiados em casa, se saem para o alpendre é para estarem na conversa uns com os outros, totalmente alheados em relação à casa do lado. Juraria que nunca antes me tinha visto. E, no entanto, cumprimentou-me com um ar surpreendentemente amistoso.
E eu estar a relatar isto revela bem a falta de assunto que envolve estes meus dias. Nada mais há a relatar. Li, vi televisão, fiz o almoço, fiz um jantar ligeiro, fiz alguns pagamentos, tratei de algumas coisas que, durante a semana, ficam por fazer, fiz os meus telefonemas. O dia correu devagar. Nem é o ser devagar. É a sensação de inutilidade. Parece que estou num buraco inespacial, intemporal. Antes, os meus dias estavam preenchidos de mil coisas para fazer, ia aqui, ia ali, alguém vinha cá, não tinha tempo para mim nem para descansar. Tantas vezes me queixei: gostava de ter um bocado só para mim. Agora é o oposto. O oposto mais oposto que é possível.
Várias vezes ao longo destes dias também me apetece ir passear. Meter-me no carro e ir por aí. Descobrir lugares, olhar pela janela do carro, ter vontade de parar para fotografar, deleitar-me com a beleza que sempre me surpreende. Quando poderei voltar a passear? Íamos passear, íamos descobrir restaurantes, íamos descobrir hotéis. Agora, se formos passear se calhar levamos farnel. Não sei. Parece que não sei pensar nem fazer planos. Parece que acho que não vale a pena fazer planos. E o vazio parece que fica ainda maior.
No outro dia estava a pensar que deveria ter mais uma mesa debaixo do alpendre. O meu marido disse que não, que a mesa que lá está é muito grande, cabemos todos, e ainda temos a mesa desdobrável e mais a outra pequena, redonda, de ferro. Mas eu fiquei a pensar que antes nos encostávamos todos uns aos outros e que, se calhar, nem tão cedo vamos sentir-nos à vontade com essa proximidade. Pelo Natal dividimo-nos por três mesas, distantes umas das outras. Será que, nos próximos tempos, será sempre assim? E sê-lo-á durante tanto tempo que nos esqueçamos que, antes, o normal era estarmos próximos, conversando, rindo, sem receio, descontraídos?
Ao ver o grupo abaixo, um grupo de belas e elegantes mulheres -- todas mulheres Chanel -- conversando em volta de uma grande mesa, todas distantes umas das outras, pensei que vão passar a ser precisas mesas de uma dimensão bem maior do que as anteriores. A vida aos poucos irá distanciar-se do que era, não irá? E todos nos distanciaremos uns dos outros.
O charme discreto da Casa Chanel, o charme discreto da burguesia
A roundtable conversation hosted by Caroline de Maigret with ambassadors and friends of the House Penélope Cruz, Marion Cotillard, Charlotte Casiraghi, Vanessa Paradis, Alma Jodorowsky, Lily-Rose Depp, Izïa Higelin, Blesnya Minher and Joana Preiss.Filmed after the CHANEL Spring-Summer 2021 Haute Couture show at the Grand Palais in Paris
No parapeito desta sala há agora um pequeno monte de livros. Esta casa tem isto de que gosto bastante: parapeitos baixos. Claro que tenho que me conter para não fazer de todos eles uma prateleira. Parece que tenho sempre coisas que não sei onde pôr e que ali é que ficavam meio a jeito. Evito. Tento não me esquecer que é suposto aqui respeitar algum minimalismo. Mas aqui teve que ser, não tinha outro lugar onde pudesse pôr os livros que quero ter aqui ao pé de mim. Fui trazendo um, depois outro e agora aqui estão. Um cocktail que não sei se diz muito de mim ou se prova é que reina aqui a confusão. Só não mostro pois podem algumas almas mais sensíveis ficar incomodadas com a visão de livros misturados com décors. Livros são livros são livros e mostrá-los numa estante ou num parapeito pode ofender a sensibilidade das mariazinhas de serviço. Melhor, pois, ser prudente pois, nisto, nunca se sabe. E, depois, há quem pense que os livros são tudo e outros, armados em pretensos cínicos, dizem que são é coisa nenhuma. Claro que o tema é controverso e uns são a favor e outros, em especial os que mais valia que usassem aparelho nos dentes ou botinhas ortopédicas, são do contra.
Disclaimer despachado, passo aos factos.
Ao fim de semana, à tardinha, gosto de me reclinar neste sofá e, antes, ir ali ao parapeito escolher um livro. Quando chego a casa, se o estore estiver levantado, vejo a pilha de livros. Gosto de ver. Do lado de fora as flores e, do lado de dentro, livros e a cortina que pouco mais deixa ver.
Agora, aqui a meu lado, Manguel fala de Borges. Gosta de falar dele. E percebe-se. Quando alguém nos impressiona, a gente gosta de recordar o que conversou com essa pessoa.
Hoje de manhã, um amigo ligou-me. Só para saber se estou bem, então, que é feito?, essas coisas. Falou-me dele, do filho, de amigos comuns. Depois relembrou uma coisa que um amigo comum, pessoa invulgar e verdadeiramente superior, uma vez tinha dito. Também me recordo muito das conversas que tive com esse ser tão especial. Foi com ele que aprendi que havia uma coisa chamada bird watching. Lembro-me bem do meu espanto quando o sabia a ir em expedição. Conhecia o país por dentro. Serras, beira de rios, orla marítima, dunas, falésias. Era em estado de felicidade que falava nisso e nas espécies que pensava ir encontrar. Na altura, sobrepunha-se em mim o espírito utilitário, desconhecia o prazer da contemplação.
Para fotografar? Poderia ser mas no meu caso não, só para ver. Nem desenhar? Não, só para ver. Não percebo. Vai a um sítio só para olhar? Sim, isso, só para olhar. E depois regressa, sem mais nada? Sem mais nada, não. Já vi os pássaros.
Deve ser chato...
Não, nada. Ai... não percebo. Experimente.
Neto de uma das pessoas relevantes da nossa cultura, herdeiro de várias obras, herdeiro, por exemplo, de uma das casas icónicas desse avô. Casado com uma brilhante pianista, pai de muitos filhos, todos virados para as artes, ele era uma pessoa verdadeiramente especial. Havia quem o achasse um bocado etéreo. Talvez fosse mas só às vezes. Tinha um lado muito pragmático. Era, sobretudo, uma pessoa de cultura e uma pessoa de bem.
Quando o mundo anda infectado com pessoas más, de má índole, pessoas cruéis, maldosas, é com alguma saudade e alegria que penso em todas as pessoas extraordinárias e com bom coração que tenho conhecido. Esta pessoa de quem hoje falámos era dessas pessoas. De uma enorme delicadeza, de uma enorme humildade. Conversávamos e eu ouvia-o, encantada. Este outro que me ligou também é um pouco assim. Telefona-me sempre no dia dos meus anos. A mim que nunca consegui fixar o dia dos seus anos. Liga-me pelo Natal. E liga-me quando quer saber de mim. E eu, que fico sempre contente quando ele me liga, nunca me lembro de ser eu a tomar a iniciativa. Outras vezes para me dar más notícias, mas isso eu sei logo pela sua voz, quando me diz o primeiro olá. Conhecemo-nos há nem sei quantos anos e sempre foi uma amizade sem mácula. Há pessoas que atravessam a vida deixando boas recordações, partilhando a elegância de uma irrepreensível maneira de ser.
Queixava-se hoje que, vivendo agora essencialmente no campo, com estas restrições nem consegue ir ver exposições na cidade mais próxima, ir à livraria de cujo livreiro já se tornou amigo ou ao atelier de um amigo que vive noutra cidade. Nem pode vir a Lisboa, cidade da qual se sente cada vez mais distante mas onde tem casa que lhe serve de base quando vem a concertos ou a conferências. O filho também procurou uma vida que nada tem a ver com a formação de base e vive agora entre França e uma outra pequena cidade do país profundo, não muito longe dele.
Hoje contou-me que um dos seus infinitos sobrinhos vive agora não muito longe de mim, depois de ter vivido vários anos fora. Tinha ido para lá renegando o país, achando que lá fora é que era bom. Afinal, estando lá, desiludiu-se, sentiu falta dos amigos, da família, do seu país. Gostei de ouvir.
Custa-me muito saber quando alguém sai do nosso país e se porta como um deslumbrado, como uma saloio, renegando o seu próprio país. Custa-me sobretudo que falem mal do seu país usando a língua portuguesa. Acho isso de uma cobardia e desrespeito vergonhosos. Gente assim não merece perdão. Em contrapartida, fico feliz quando alguém conhece a vida noutros países e regressa, com saudades, feliz por vir viver entre os seus. Trabalha comigo um jovem assim. Conheci-o ainda vivendo lá. Namora uma jovem de lá. Custou-lhe deixá-la lá mas não conseguiu deixar de vir. Gosto muito quando ele fala de lá e de como não se arrepende de ter regressado. Sem lhe confessar, sinto-me agradecida, quase emocionada.
Bem.
Quanto ao dia de hoje, nada a reportar. Continuo a apanhar as camélias que caem, pondo-as nos vasos ou, as mais amarelecidas, na caleira da própria cameleira. Estava entretida nisto, passou um casal, a caminhar, desejando-me uma sorridente boa tarde. De manhã, quando andávamos a caminhar, do jardim de uma casa veio um sonoro bom dia infantil. Era uma sorridente menina com longos cabelos espalhados pelos ombros que nos fazia adeus. Estava sentada perto da entrada da casa, a brincar com uma boneca. Perto dela, o pai arranjava um arbusto. Sorriu-nos e disse também bom dia.
E pouco mais aconteceu digno de registo, pelo menos que me lembre. Cirando por aqui, cozinho, lavo e estendo roupa, trato da casa, falo ao telefone, fotografo, ando por aqui neste desconcertante fare niente.
Antes de me ir, partilho convosco o que diz Charlotte da sua relação com os livros. Fez-se uma mulher muito bonita. Não é de estranhar: quer do lado da mãe, quer do pai só poderia ter herdado beleza. E, para além de bonita, parece muito simpática, tem um ar doce, por vezes um pouco sonhador. Sorri enquanto fala. Mas a voz grave e o maxilar bem desenhado deixam prever uma personalidade forte. Lindamente vestida, Charlotte não é apenas a bela nova embaixadora Chanel, é também alguém que gosta de livros e, por isso, é com todo o gosto que lhe passo a palavra:
Agora, aqui, não vou falar do Trump. Já o fiz no post abaixo e, ao ver o pequeno vídeo que ali partilho tal como de cada vez que observo aquele psicopata, fico irritada. Portanto, por hoje já chega. Quanto muito vou acender uma velinha a ver se todos os santinhos intercedem junto da Suprema Autoridade Divina no sentido de os americanos darem uma valente corrida em osso ao palhaço Donald.
Também não vou falar do modo de actuar do BE nesta coisa da votação do OE2021. Não me apetece. É mais do mesmo. São, uma vez mais, iguais a elas próprias. Por petulância, vendem a alma ao diabo se necessário for. Não digo que por vezes não tenham razão. Mal fora se nunca a tivessem. Digo é que não olham a meios para atingir os fins e, nessa demanda, esquecem-se dos interesses do País para defenderem os interesses do partido. Como meninas birrentas, metem uma na cabeça e ficam a fazer finca-pé enquanto não lhes fazem a vontade. Agarram-se com unhas e dentes a uma árvore sem quererem saber se o resto da floresta está a arder. Querendo fazer-nos crer que têm uma visão moralmente superior aos comuns mortais, a verdade é que passam a vida a mostrar à saciedade que têm uma visão pequenina e medíocre do que é a política.
O que elas defendem parece simpático? Claro que parece. Céu azul todos os dias? Claro que quero, é bom, levanta a moral, toda a gente deve ter direito a isso. Ir à praia todos os dias? Claro que é bom, claro que todos devem ter direito a isso. Pôr o carteiro a deixar um envelope com mil euros todas as semanas na caixa do correio de toda a gente? Claro que é bom, claro que toda a gente deveria ser contemplada. Mas, se não conseguirem isso, faz sentido fazerem birra? Ah... não me parece. Mas sei lá. E do que não sei não falo. Nem me apetece falar das manas Mortágua, em especial da arrogante Mariana, nem da artista encartada Catarina. São apenas, em permanência, um desnecessário e desagradável déjà-vu.
E muito menos vou falar dos merdinhas dos totós cor-de-rosa que por aí andam em vara, destravados, escoiceando, empinados, indomáveis. Apesar de invisíveis, conseguem fazer ajoelhar o mundo. Pelo andar da carruagem, talvez o verão do ano que vem não traga o pesadelo que este trouxe. Pode ser que, até ao próximo outono, haja vacina para todos (mas quem vai pagá-la? a segurança social, cada vez mais a tender para a descapitalização...? -- melhor nem pensar nisso), quiçá tratamento. Isto se passado algum tempo não aparecer outro corona e a história voltar a repetir-se. O futuro não será radioso. Se não forem os coronas, será a falta de insectos, a falta de polinização. Se não for isso, será o degelo. Se não for o degelo serão os microplásticos. Se não for...
Portanto, afigura-se-me que é muito bem capaz que o melhor que temos a fazer seja manter esses pensamentos racionais bem sossegados atrás de uma cortina que, de vez em quando, corremos. Olhos que não vêem, coração que não sente. Portanto, com os assuntos reais e concretos bem escondidos, a gente pode divagar e alienar-se à vontade como se o mundo fosse perfeito, céu azul todos os dias, praia ao dispor para todos, gaivotas dançando e inspirando lindas canções, velhinhos saudáveis e eternos, crianças felizes e sempre com boas notas, casais sempre amantíssimos até ao fim dos tempos. E perfumes maravilhosos. E, de entre eles, o meu preferido: o Nº5, claro. Está a fazer 100 anos e é como se ainda fosse um jovem.
O Natal -- que provavelmente este ano também vai ser o novo Natal (para rimar com o novo-normal) -- está a aproximar-se e, com ele, os bons sentimentos transformados em cadeaux. E, portanto, já aí está na calha a publicidade de qualidade. Perfumes, claro. Chanel, obviamente.
Marion Cotillard é a diva que dá corpo ao que se idealiza como sendo o espírito Nº 5. Vejamos. E deixai-nos sonhar, Senhor.
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As fotografias são da autoria de Annie Leibovitz e a fotografada é Cate Blanchett
Às vezes escrevo para dizer o que digo. Mete-se-me uma na cabeça e, pimba catrapimba, lá vai disto.Talvez nesses casos, e só nesses, se possa dizer que os meus posts têm uma mensagem. Ou que, redundantemente falando, os meus posts são mensagens. Mas, noutras vezes, os meus posts são meras palavras tresmalhadas que se acolhem, por si, à minha beira e se amancebam em total fluidez (no pun intended) por forma a parecerem um todo minimamente coerente. Bem, não totalmente coerente. Evito isso. O excesso de coerência, especialmente em textos à toa, parece-me coisa kitsch. Por isso, talvez apenas fractalmente coerentes: a little bit coerentes com derivações a little bit coerentes até chegar à sílaba. Também levemente coerente, claro está. Ou fractalmente. Ou, talvez, impressionisticamente coerente. Ou whatever, que a mim tanto se me dá. Não desfazendo, não sou dada nem a taxonomias nem a filosofias.
Modelo Chanel
E ponho imagens nos posts não para isto ou para aquilo ou, sequer, para erotizar ou pseudo-erotizar a conversa mas porque sou dos sentidos e gosto de ouvir, ver, tocar, sentir, provar. Se pudesse perfumar os textos melhor ainda. Bergamota, pinheiro, rosa, turquesa selvagem, aragem de fim da tarde -- um bouquet assim. Se, então, lhes pudesse dar um sabor, ah que bom seria. E seria um sabor a figo doce e carnudo ou a ameixa polposa, sumarenta e doce, ou a canela e mel. E se as imagens distraem alguns leitores só posso ficar contente: ficaria arreliada é se o texto fosse uma seca não permitindo nem uma distração, nem um ponto de fuga. Podem elas não ter a ver com o texto (se é que não têm mesmo) mas sobre isso eu nada posso fazer. Pôr aqui texto seco sem imagem ou música seria como sair à rua sem brinquinho, sem perfuminho. Gosto de caprichar. Não é para ninguém, é mesmo só porque sim. Se estou em casa, sem visita, sem reunião, ando por aqui que nem a boa selvagem que, de facto, de facto, sou. Descalça, sem fantasia, sem vaidade. Com calor, até nua ando. Pelo meio da rua e tudo. Passarinho, por aqui, está por tudo: não só não faz fofoca como não torce o nariz a descaramento.
E se estou com estes inuendos todos não é por ser dada a metáforas ou a blablablas; é apenas porque estou numa de disclaimers. Não gosto de vender gato por lebre. Se alguém mais distraído pensa que por aqui é tudo muito by the book, mensagem estruturada, obedecendo a uma lógica cartesiana e que hei-de, ainda, servir as palavras com despojamento, pois não. De asceta tenho pouco, de bem comportada ainda menos.
E, agora, adiante.
Tirando esta introdução, o que posso dizer é que se concretizou no outro dia mais uma mudança na minha vidinha. Mas são tantas mudanças e todas tão em sobreposição que parece que, cada uma, por si, de pouco vale. E esta é de ordem material, não me diz muito. Mas é coisa boa e de coisas boas a gente não deve desdenhar.
Acresce que, nestes dias de calor em que as cigarras parecem ter enlouquecido e os pássaros disputam todas as ondas sonoras -- uma cantoria pegada, cantoria à desgarrada de manhã à noite -- a casa tem estado cheia. Os meninos brincam e riem e chamam por mim e, frequentemente, chegam-se à minha beira e sentam-se ao meu colo. Coisa mais boa. Mais bôinha, mesmo. Meninos queridos. Ou uns ou outros ou todos juntos -- têm sido tempos não de distaciamento mas de boa e terna proximidade. De vez em quando, lembro-me do corona. Nessas alturas, mergulho os meus lábios nos seus cabelos, beijo-os na nuca, na parte de trás do pescoço, tentando assim que a minha respiração não se misture com a deles. Mas penso que aqui é tudo aberto, total largueza, ar circulando em liberdade, não há-de haver problema. Problema devem ser os espaços confinados, o ar recirculado, o ar condicionado em circuito fechado. Aqui, pelo contrário, o ar é sempre novo, limpo, tudo é arejado, oxigenado, clorofilado, saudável. E somos todos cuidadosos no contacto com o exterior. A covid não pode anular o afecto, não pode destruir a proximidade de quem se quer bem.
Claro que exfiltrando do dia, para aqui colocar, apenas o lado lúdico ou afectivo, poderá ficar-se com a ideia que isto, por aqui, é tudo devoção, zero obrigação. Mas não. Com excepção dos meninos que já estão de férias, todos estamos a trabalhar e, para alguns, de sol a sol. Cruzam-se realidades distintas, preocupações disjuntas, palavras que não convergem. Os meninos vão absorvendo tudo. Vais usar o quê? O Teams? O Zoom? O Webex? e logo manejam a coisa, Qual o teu ID, para te juntares? Sem mistério. Pronto, já estás.
E, passado um bocado, enquanto eu estava na dita reunião, devidamente aperaltada (noblesse et coquetterie obligent), ela, a minha menina mais doce e mais linda, ali ao meu lado, fora do ângulo de visão, a espreitar, a ouvir. Passado um bocado, às tantas, perguntou-me em voz baixinha: 'Isto não é um bocadinho seca para ti...?'. Estava sem som, claro, pelo que pude confirmar: 'Sim, um bocadinho'. Ela fez um sorriso de apoio solidário, como que a querer consolar-me. Passado um bocado, de forma disfarçada, as mãos à frente da boca para que do outro lado ninguém percebesse, perguntei-lhe: 'Quando fores grande, querias ter um trabalho como o meu?'. Ela hesitou e depois fez um trejeito levemente entediado, associado a um leve encolher de ombros que indiciava sérias dúvidas: 'Não sei...' Percebo-a. Agora é que estava na altura de eu ir fazer um teste vocacional. O que é que daria...? Juro: gostava de saber. Que profissão escolheria eu para mim se fosse agora começar uma vida profissional?
E quem não tem destas frescuras são os intervenientes deste vídeo maravilhoso. Há alturas em que penso que este mundo tem bocadinhos que parecem ainda valer a pena.
Já toda a gente que por aqui me acompanha deve estar careca de saber: para perfumes não encontro nada que se compare aos Chanel. Não que não use outros. Uso. Não gosto de fundamentalismos e, se antes era fidelíssima, agora sou uma mente aberta e, se me agrada, pulo a cerca por dá cá uma. Por exemplo, um Marc Jacobs com cheirinho a violeta ou um Lowe rico em bergamota são dois que me agradam e que me levam na calminha. Mas não os coloco no mesmo altar que aos Chanel. E, se posso usar o Chance, o Cristalle ou o 19, de longe a minha preferência vai para o Nº 5.
Ao contrário do que algumas pessoas referem -- que é intenso, quente, pesado -- em mim sinto-o suave, íntimo, subtil. E vai variando ao longo do dia. E eu vou gostando ainda mais dele à medida que as horas passam. Pode parecer que é parvoíce minha mas não é.
A nossa pele tem características (temperatura, hidratação, oleosidade, etc) que faz com que as diferentes fragâncias interajam de maneiras diferentes de pessoa para pessoa. Quiçá terá a ver com as hormonas. A minha pele tem tendência a tornar adocicados alguns perfumes e disso eu não gosto. Para doce basto eu, não preciso de me caramelizar por fora. Têm os perfumes que ser leves, florais, cítricos. Claro que o Nº 5 tem aquela tal substância de que nem é bom falar não vá ainda alguém se lembrar de proibir.
Transcrevo a descrição da fragância:
Notas de Cabeça: Aldeídos, bergamota, limão, neroli e ylang-ylang.
Notas de Coração: Jasmim, rosa, lírio do vale e íris.
Notas de Fundo: Vetiver, sândalo, baunilha, musgo de carvalho, âmbar e patchouli.
Transcrevo o que li algures: dizem que a inspiração para a criação desta fragrância veio de uma visita ao Círculo Polar Ártico e do cheiro da água à meia-noite. Este aroma único, vindo dos lagos e rios congelados, fascinava tanto que foi decidido replicá-lo.
E vem isto a propósito do último post de Bois de Jasmim:
“I know what we need. We need a bed, and we need white silk sheets – they must be silk. Frank Sinatra records, and Dom Pérignon champagne.”
When the young photographer Douglas Kirkland arrived to photograph Marilyn Monroe for Look Magazine, he had no idea what to expect when meeting a mega star. Least of all did he expect silk sheets and champagne. In his book, With Marilyn: An Evening/1961, he described the photo shoot and shares the images he took. I can’t think of another photographer who captured better Monroe’s vulnerability and sensuality. It’s almost paradoxical. Even in the moments when she looks surrendered, she’s in control.
Monroe was known to say that she wore to bed nothing but a few drops of Chanel No 5. Although I’ve known this for a long time, I always found it hard to associate No 5 and Monroe. No 5, though elegant and beautiful, struck me as uptight and austere. Monroe, with her voluptuous beauty, fragility and intensity, somehow seemed to belong to another universe. (...)
PS: Por acaso nunca dormi em lençóis de seda, não faço ideia da sensação. Mas não a desejo. Imagino-os frios, escorregadios, com vida própria. Prefiro-os de algodão encorpado, macio, segunda pele. Mas, enfim, isso não vem ao caso.
Desde que me conheço que sou muito sensível a perfumes. Sempre os usei. Os cheiros produzem em mim um efeito que não sei descrever. Efeito abrangente, talvez. Uns trazem-me memórias, outros transportam-me para outros mundos. Não sou capaz de sair de casa sem me perfumar. Aliás, até sou. Mas só em férias ou ao fim de semana, e isto se não tenho nenhum programa social. Mas, nesses casos, compenso com cremes corporais com bom cheirinho.
Durante muito tempo fui experimentando. Uma vez, conheci uma amiga da minha filha, uma miúda gira, moderna, muito alegre. Cheirava mesmo bem e tinha um toque de irreverência. Não descansei enquanto a minha filha não lhe perguntou o que era. Era o Light Blue que ainda mal se conhecia. Usei-o durante algum tempo. Outra vez conheci o One do Calvin Klein. Gostei. Era bom, leve, quase neutro, coisa para o dia a dia.
Até que descobri o Chance da Chanel. Usei-o quase em exclusivo durante anos. Pareceia-me indissociável da minha existência. Mas não sou dada a fidelidades gratuitas, especialmente quando a diversidade é tanta, tão boa, tão apelativa. Ia sarabandeando com outros, mas, obviamente, mantendo a base Chance.
Até que ousei o Nº 5. E aí foi o coup de foudre. Não há outro como o Nº 5. É verdadeiramente intemporal. E o aroma não se adultera ao longo do dia. Há muitos perfumes que, ao fim do dia, já viraram adocicados, outros vulgarizam-se com o contacto com a pele, com a transpiração natural. O Nº 5 não. Altera-se, sim, mas levemente e para melhor, torna-se mais íntimo, mais feminino, diria que mais sensual. Haverá peles onde o Nº 5 se adultere mas na minha não. Do que sei de perfumes, cada pele absorve e transforma o perfume de uma maneira muito própria. Em mim, o Nº 5 é assimilado de forma muito pessoal, muito minha, muito boa. Pelo menos, é assim que o sinto e, naturalmente, falando de sensações, tenho que falar das minhas que são as únicas que conheço na primeira pessoa.
Nos últimos anos, contudo, tenho-me aberto totalmente a novas experiências: há Hermès maravilhosos, há outros Chanel também bons (Nº 19, Allure, Cristalle, CoCo, por exemplo), há um de que gosto muito, Loewe, o que é bergamota, um aroma cítrico que se mantém perfeito ao longo do dia, fresco, elegante. Gosto. Ou o Daisy de Marc Jacobs que tem um toque a violeta. E outros. Experimento. Têm que ser florais, frescos, nada adocicados, nada quentes. Por exemplo, os Armani acabam sempre por se tornar um bocado intensos, intrusivos. Talvez a Acqua di Gioia seja a excepção, porque é, de facto, agradável.
Enquanto escrevo, seguindo o oportuno conselho do Paulo, estou a ver o documentário sobre o Nº 5. ouço que é abstracto. E é isso mesmo. Acho que nenhuma outra característica se lhe aplica tão bem: é abstracto. Aldeído, jasmim. Seja. Mil outras faíscas, também. Mas é a combinação elegante que faz a diferença.
Sou também muito sensível ao lado estético. Os frascos dos perfumes são fundamentais. É como a encadernação, a gramagem do papel, a paginação num livro. Uma coisa deve vestir bem a outra. O corpo certo para encadernar a alma. O frasco do Nº 5 é o certo. É lindo. Sóbrio, elegante, equilibrado.
Quando saíu o Gabrielle fui logo ver, cheia de curiosidade. A Casa Chanel é cheia de novidades, gente arejada das ideias, gente com bom gosto. Mas não me atraíu. É bom, claro. Todos os perfumes Chanel são bons. Mas parece-me um bocado incaracterístico, nada que me apeteça muito ter a cobrir as zonas do corpo onde gosto que me beijem (o que, caso não saibam, é o conselho de aplicação para o Nº 5). Falta-lhe carisma, falta-lhe lampejo, falta-lhe corpo, falta-lhe a inspiração que, quando envolvendo a transpiração, vira arte.
Saíu agora o novo vídeo publicitário e como todos os vídeos Chanel é um encanto. Refere-se ao lançamento do novo Gabrielle: Essence. Realização de Nick Knight, 'uma ode à luz e à liberdade', com a graciosa Margot Robbie a encarnar a mulher Chanel, uma mulher que, segundo dizem, se caracteriza pela sua graça e carisma. Leio que o filme pretende corresponder à la fragrance aux notes de jasmin, de tubéreuse de Grasse, d’ylang-ylang des Comores et de fleur d’oranger de Tunisie. Um filme muito bonito.
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E aproveito o post para aqui deixar uma fotografia de Diane Kruger feita pelo talentoso Peter Lindberg (falecido ontem) para a Chanel
De saída para mais um dia, e depois de ontem à noite não ter conseguido espraiar-me nem tão pouco responder aos comentários, tendo-me ficado pelo bom humor possível em torno da tristeza do Brexit (e que inclui o tão aguardado e delirante encontro com a Rainha), venho aqui numa fugidinha retomar algumas escolhas para um fim de semana tranquilo e alegre.
Primeiro, Mauro Morandi, o homem que em 1989 chegou à Ilha de Budelli, na Sardenha. Gostou e foi ficando. Vive sozinho no paraíso.
Agora, não é por mais nada a não ser porque gosto do vídeo: a coleção Pharrell para a Chanel
E pela beleza serena de tudo, os fatos Dior para o bailado ‘Nuit Blanche’
Não sou dada a obituários, epitáfios ou adágios. Dito assim até parece tolice pois a beleza estética pode sobrepor-se ao sofrimento que, supostamente, lhes esteve subjacente e eu, escusaria de me repetir, prezo bastante a estética da beleza. Mas a verdade é que prefiro celebrar a vida a entregar-me a despedidas.
Mas tantas vezes Lagerfeld aqui me fez companhia, tantas vezes o seu traço se estampou nas peças Chanel que aqui trouxe que hoje não poderia deixar de o ter aqui comigo. Há pessoas cuja obra transcende a sua própria vida e Karl Lagerfeld com os seus pecadilhos (como, por exemplo, o da fuga ao fisco), sendo ele mesmo um personagem icónico (aka Logofeld), deixou uma obra tão magnífica que lhe sobreviverá por muitos e bons anos.
Não foi só a moda -- mas, a moda, senhores, que imensas, belíssimas, intemporárias e diversas peças ele concebeu!
Mas foi também a fotografia. Um equilíbrio sempre tão perfeito entre a subtileza e a sensualidade, entre o claro e o escuro, entre o clássico e o contemporâneo.
E as suas histórias, vídeos criados e realizados por ele. A fantasia e a elegância suspensas no tempo.
E as suas casas. Obras de arte. O apartamento de Paris, a maravilhosa casa de Hamburgo rodeada de verde.
Olha-se e pensa-se: que exagero. Mas é um exagero tão elegante, tão bonito.
E os livros. Milhares de livros. Li: trezentos mil livros. Duas bibliotecas imensas. Vi fotografias: uma loucura. Lagerfeld dizia que apenas tinha um vício: o dos livros. Sucumbia ao vício dos livros. Dizia que um dos melhores perfumes é o de livros acabados de fazer.
Era também dono da 7L, uma livraria em Paris, e de uma editora dedicadas à arquitectura, à fotografia, à arte em geral.
Mas a moda... Fosse couture, haute couture, fosse streetwear, fosse quase prêt-a-porter, todas as suas criações resultavam sempre perfeitas, sempre fascinantes.
E os seus desfiles! Sempre um acontecimento, sempre uma total surpresa. Um criativo absoluto. Tendo sabido manter o classicismo, a irreverência e o look de mulher independente, Lagerfeld conseguiu aliar a matriz original da fundadora, Coco Chanel, ao permanente devir do air du temps.
Como bem é sabido por todos quantos por aqui me acompanham, sou grande admiradora dos produtos Chanel. Posso não ter poder de compra para poder fazer o gosto ao dedo mas olhar e admirar não custa dinheiro.
Mas Lagerfeld era também um homem que se impunha pela indiferença à opinião alheia sobre si próprio, alguém que, depois de perder o amor da sua vida, se habituou à vida a sós com a sua muito amada Choupette.
A fama da sua língua afiada vinha de longe e há inúmeras frases que lhe são atribuídas. Escolhi algumas para aqui colocar mas há dezenas, algumas bem divertidas.
Ser feliz? Não, não sou tão ambicioso.
Gosto de saber, saber tudo. Estar informado. Sou uma espécie de porteira universal, não um intelectual.
A juventude é um clube em que todos os membros serão excluídos, um dia ou outro