sábado, junho 14, 2025

Conversa de vizinha


As televisões mostram ataques aéreos de Israel, do Irão. Os comentadores saltaram para os balcões para opinarem sobre a gravidade, sobre os objectivos, sobre os impactos. Mas a mim estas crises entre estes intervenientes deixam-me praticamente indiferente. Sei que é estranho mas é o que é. Não sei se é por ter memória de outros ataques, se é porque tudo isto me cansa porque me parece demasiado estúpido. Não sei. A mim parece-me que o único objectivo que interessa na estratégia dos países é o de atingir melhores índices de desenvolvimento, de justiça, de felicidade. Tudo o que seja invadir outros países ou atirar mísseis para cima de outros países parece-me uma aberração, uma coisa inexplicável.

Custa a compreender como ao longo de anos perduram guerras e guerrilhas, espionagens, provocações, ameaças, entre alguns países. Parecem aqueles vizinhos que disputam uma extrema, que se envolvem em discussões, por vezes mortais sobre a posição de um marco ou de uma vedação. Uma irracionalidade absurda, injustificável. Parece-me insultá-los, chamar-lhes burros, trogloditas. Não me apetece preocupar-me com gente assim.

Parece-me que apenas a paz, a cooperação, a livre circulação, a investigação científica orientada para a qualidade de vida e para a preservação do planeta fazem sentido.

Por isso, não vou falar no assunto.

Vou antes falar de algumas pessoas que, aos poucos, por estas bandas, temos vindo a conhecer.  

Quando eu vivia num prédio mal conhecia quem lá vivia. Também é verdade que trabalhava todo o dia. Mas cada um estava no seu apartamento. Lá calhava coincidirmos no elevador mas eram cumprimentos quase de circunstância que duravam até que o elevador parasse para que algum de nós saísse.

Aqui é diferente. As casas estão separadas por jardins e as pessoas também pouco se veem. Uns trabalham todo o dia, outros só veem a estas casas de vez em quando. Ainda assim, há pessoas com quem nos cruzamos quase diariamente e que cumprimentamos já com alguma familiaridade.

O senhor que cuida amorosamente do seu jardim é daqueles com quem mais simpatizo. Todo o seu jardim é um mimo, todo primorosamente arranjado. Não há uma folha caída, não há uma flor ou uma folha seca. E há caminhos de pedrinhas, há vasos harmoniosamente dispostos. Todas as manhãs vai comprar qualquer coisa ao minimercado, presumo que pão ou fruta ou legumes, e vai à papelaria comprar o jornal. Nunca vi a mulher mas o meu marido diz que já a viu algumas vezes, inclusivamente que no outro dia nos cruzámos com eles no supermercado. Devo passar por malcriada porque parece que não reconheço as pessoas quando as vejo fora do local onde as vejo habitualmente. E, como sou míope, para não me pôr a olhar fixamente para as pessoas para ver se conheço ou não, desabituei-me de olhar com atenção. Por isso, não vejo o que o meu marido vê.

Hoje também passou por nós uma ciclista que nos cumprimentou com uma familiaridade que só poderia ser de quem já nos conhecia. A voz não nos foi estranha. Era lusco-fusco e ela ia de capacete. pareceu-nos que entrou para uma certa casa. Se for, ficamos admirados. Naquela casa morava um casal um bocado hippie, ele mais que ela. Aliás, ele é um bocado estranho. Não cumprimenta, passa sempre na dele. Mas ela era uma simpatia. Víamo-lo muito a passear um grande cão. Falava-nos muito bem, muito simpática. Depois desapareceu. Há bem mais de um ano que não a víamos. Pensávamos que se tinha fartado de aturar aquele antipático. Pois hoje pareceu-nos que era ela. 

Também estamos sem saber o que aconteceu a um senhor de idade. Todos os dias, ele e a mulher iam de braço dado até ao café. Tenho ideia que muitas vezes almoçavam por lá e por lá ficavam durante a tarde na conversa com outras pessoas, a senhora a ler o jornal. A senhora cumprimentava-nos com muita simpatia. O marido, quando via a mulher a cumprimentar-nos, também nos cumprimentava. Tínhamos a impressão que o senhor estaria a ficar com alguma demência pois parecia cada vez mais ausente e com mais dificuldade de autonomia no andar. Nunca mais os vimos. No outro dia, vimos a senhora no jardim, só ela. Estava a regar os vasos. Como estava lá mais para o fundo, não deu para perguntar pelo marido. Mas também receamos que a resposta fosse triste.

Depois há uma casa aqui perto de nós. Cumprimentamo-nos muito amistosamente. O meu marido é que os conhece bem. Eu, se os vir fora do contexto, não os reconhecerei de certeza. Há o homem, a mulher, pelo menos uma filha e um filho. Mas a mulher é igual à filha e há o que pensamos ser a namorada do filho e o que pensamos ser o namorado da filha. E há o que pensamos serem amigos do filho e da filha. Ou seja, há sempre um entra e sai de jovens. Mas também pode ser a dona da casa e eu confundi-la com a filha. O único que é mais ou menos inequívoco é o homem.

Sobre os vizinhos de uma das casas ao lado da nossa nem sei que diga. Falo deles no livro 'Um ordenado paraíso'. 

Não conseguimos perceber a dinâmica desta casa nem conseguimos compreender estes personagens. Já aqui viveram diversas pessoas e, de cada vez, é um mistério absoluto. Grande parte do que descrevo no livro é verídico. Há uma mulher, em particular, que quase parece filha do homem, que por vezes parece a empregada dele, outras vezes parece a patroa, e não conseguimos perceber se é brasileira, se é portuguesa, pois tanto fala um brasileiro cerrado como um português de gema. Tudo o que se passa nessa casa vai para além do nosso entendimento. Acredito que um dia ainda hei de escrever outro livro sobre esta casa -- logo que consiga desvendar o verdadeiro mistério. Porque há mistério, lá disso não tenho dúvida. 

Bem. É tarde. Estão os israelitas e os iranianos às turras e estou nisto, a fofocar sobre os vizinhos. Não se faz.

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Um bom sábado

sexta-feira, junho 13, 2025

Momentos tristes

 

Hoje voltámos à clínica veterinária pois assim tinha ficado combinado há uma semana. 

Mal entra na sala de espera, vindo à trela pela mão do meu marido, o doguezinho-mais-fofo dirige-se para junto de mim, para se sentar entre as minhas pernas. Sempre assim foi. Quando tem medo, procura o meu conforto. Fica ali, meio escondido, sentindo-se protegido por mim. 

Mal me sentei, pareceu-me ouvir um choro. Só de pensar no que estará a acontecer, fico de rastos. Perguntei ao meu marido: 'Não estás a ouvir chorar?'. 

Ele confirmou: 'Porra, temos sempre esta sorte'. Contrariei: 'Sempre? Que disparate. Aqui, acho que é a segunda vez. Na outra clínica, outra vez.'. Ele estava incomodado: 'E achas pouco?'. 

Claro que não. É horrível. Uma vez que fosse já seria demais.

O choro e os soluços ouviam-se cada vez mais.

Eu ia fazendo festas ao meu fofo que ali estava encolhido, metade debaixo da cadeira, metade entre as minhas pernas. Felizmente não percebe o que se passa.

Na sala de espera, um senhor com ar infelicíssimo. Na cadeira ao lado uma mala de transporte de animais, uma mala bem grande. Mas devia ser de um gato pois não vejo que se transportem cães em coisas assim. Mas não sei. 

Passado um bocado, uma das auxiliares saiu do gabinete da médica, amparando uma senhora que tremia de choro, inconsolável, as lágrimas correndo, soluçando. Depois foi buscar-lhe um copo de água. 

Quando a senhora já estava sentada ao lado dele, o senhor disse: 'Já sabias que ia acontecer...'. Ela encolheu os ombros ao de leve, como querendo dizer que não era por saber que ia acontecer que se tornava menos doloroso. 

Ele também estava com um ar consternado. Passado um bocado, quase a medo, pediu a confirmação: 'Mas.... já aconteceu?'. Ela fez que sim com a cabeça e o choro redobrou. 

Ele tentou acalmá-la: 'Então... Vá, bebe água...'. Ela, quase sem conseguir falar, passou-lhe o copo de água: 'Não consigo beber.'

Passado um bocado, com o copo na mão, o homem voltou ao mesmo assunto: 'Mas... já está tudo...?'. A senhora tapou o rosto com as mãos e acenou que sim. Soluçava desconsoladamente. 

Só me apetecia chorar. Ou ir consolá-la. Mas sei que, em situações assim, não há consolo possível.

A assistente veio perguntar se estava melhor. Ela não disse nada. 

O homem perguntou: 'Já posso pagar?'. A assistente disse que sim. O homem mexeu na carteira da mulher para tirar o cartão. A mulher perguntou se ele sabia o código. Ele respondeu: 'Claro'.

Depois de ter pago, voltou para junto dela e perguntou-lhe: 'Vamos?'.

Ela chorou mais, soluçou. Ele hesitou. Estava comovido. Depois vi que se enchia de coragem para segurar a pega da mala transportadora. A senhora pareceu que ia quebrar de vez. 

Foi à frente, a soluçar, sem querer ver. 

Ele saiu, atrás dela, em silêncio, com a mala vazia desoladamente na mão. 

Quando saíram, olhei para o meu marido. Estava a evitar olhar e não disse nada. Eu também não. 

Depois eu disse: 'Para os veterinários isto também não deve ser fácil...'. Ele disse: 'Já estão habituados. Faz parte do trabalho deles.'. Pensei que, de facto, não têm vínculo emocional com os animais. Mas, ainda assim, não deve ser nada fácil.

Quando nos chamaram, o nosso cãomaisfofo não queria ir. O meu marido teve que puxá-lo com toda a força. Foi a deslizar, recusando-se a andar.

Felizmente está bem melhor mas ainda vai usar o colar isabelino até ao fim de semana, até estar tudo bem cicatrizado, não fosse ele pôr-se a coçar-se ou a lamber aquela zona ainda fragilizada. Mas, lá em cima da marquesa, não rosnou, não tentou morder a veterinária, esteve relativamente tranquilo.

Quando saiu de lá, veio encostar-se a mim, a dar ao rabo e, já todo aliviado, a olhar para mim. Fiz-lhe festas e elogiei-o: 'Muito lindo, portou-se muito bem, a dona está muito contente, muito, muito. Menino lindo.'. O rabinho a dar a dar, todo ele orgulhoso pelo seu comportamento.

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Entretanto, como depois de ter falado deste momento tão triste não me apetece falar de outras coisas, limito-me a partilhar um vídeo que me pare tocante.


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Um feliz dia de Santo António

quinta-feira, junho 12, 2025

Neste nosso tempo em que os cidadãos regrediram à subtil designação de seguidores

 

Até não há muito -- talvez até antes de haver uma concorrência desmedida entre os canais de televisão, nomeadamente os de cabo que têm que manter as emissões em contínuo e deitam a mão a tudo o que é gato-sapato, ou até ao advento das redes sociais que vieram dar a voz a tudo e a todos por mais ignorantes e estúpidos que sejam -- só era dada oportunidade de se pronunciar em público a quem reunia um mínimo de características positivas que os fizessem distinguir do comum dos mortais. Tinha que se ser gente de cultura, com alguma coisa a acrescentar, para se poder chegar a um púlpito e falar para as massas.

Agora não. Veja-se Marcelo que, num dos seus momentos de deriva populista, chamou a discursar no 10 de Junho o João Miguel Tavares. Anedótico. E tal como a Assembleia da República é agora lugar em que um bando de grunhos tem assento, também as televisões se enxameiam com gente desqualificada. Vejam-se os Big Brothers desta vida, os programas de comentário do 'social' e muitos outros. E veja-se a cambada que invade os youtubes. 

Quando os meus netos cá estão, quando se póem a ver televisão, o que eles gostam de ver são youtubers ordinários a comentarem jogos ou parvoíces, a dizerem toda a espécie de disparates. Por mais que se tente impedi-los é por isso que eles se sentem atraídos. E imagino que os tiktoks desta vida estejam também pejados de porcarias idênticas. A mim, no instagram, não me aparece disso porque o algoritmo percebe que gosto de outras coisas e não me mostra grunhices mas, fosse eu de me interessar por maledicência, populices, racismos ou outras desconformidades e, certamente, seria alimentada com milhões de coisas dessas.

Não sei como se poderá parar estas enxurradas de desinformação, de superficialidade, de ordinarice, de aberração. Faz-me lembrar aquelas praias ultra-poluídas, como algumas dos países mais pobres de África, uma desgraça sem limite, as águas carregadas de lixo, as praias inundadas de detritos de toda a espécie e feitio, as pessoas, como animais, a esgravatar no meio da porcaria. Assim a comunicação nos dias de hoje. Lixo, lixo, lixo. E meio mundo a foçar no meio dessa imundície.

As instituições democráticas acabam por soçobrar perante a força da avalancha. Veja-se o que acontece com estes grupos ultra-nacionalistas, gente com aspecto troglodita, gente que nem sabe de que fala, sem conhecimentos de história, certamente gente com alguma perturbação mental, talvez traumas de infância, talvez gente mal-amada, gente que odeia os outros, gente que parece que tem prazer em fazer mal a pessoas indefesas, gente que odeia a decência, a democracia, a cultura, a inclusão, gente incapaz de gestos de bondade, de generosidade. E, no entanto, por aí andam e, estranhamente, conseguem que haja outros tantos que os apoiem. E ouvi que os serviços secretos sabem da existência destes grupos de gente má, de gente que incita e pratica a violência, e, pelos vistos, nada faz. Ouvi que há países em que estes grupos são proibidos. E acho bem. Mas não deve ser possível controlar verdadeiramente a sua existência pois este nosso mundo dispõe de alçapões e labirintos para toda a gente que gosta de se mover no mundo das trevas. A dark web, os chats e outros corredores sombrios permitem a movimentação desta gente maldosa que, em vez de se tratar, anda a espalhar o mal.

Ouço dizer que o populismo, o racismo, a xenofobia, o ultra-nacionalismo e coisas que tais se combatem com uma informação correcta, com educação, com pedagogia. Ajudará mas é lirismo pensar que isso é suficiente. Meio mundo não frequenta a aprendizagem rigorosa, não frequenta o conhecimento, não frequenta a comunicação social séria, não frequenta o mundo dos livros, não frequenta os espaços em que as pessoas falam sobre assuntos sérios e falam com vagar. 

Por isso, por muito que se queira educar os ignorantes, a pedagogia não chega até eles: uns porque trabalham e chegam tarde e cansados a casa, outros porque se desabituaram de ponderar, outros, os mais jovens, porque a realidade das redes sociais, dos whatsapps e dos youtubes é a única que conhecem.

E, no entanto, eis que, no meio disto, surge uma mulher que, vestida de branco, com voz pausada e serena, diz palavras sábias, límpidas, radiosas, inteligentes.

No dia 10 não ouvi o discurso de Lídia Jorge mas mão amiga fez-mo chegar. E, embora esteja a ser amplamente divulgado, faço questão de tê-lo também aqui. Uma maravilha. As escolas deveriam divulgar amplamente estas palavras. As televisões deveriam passá-las de vez em quando. De alguns excertos deveriam ser feitos cartazes para espalhar por todas as terras. 

Os países escolhem datas de referência para celebrarem a sua história, contemplando memórias de batalhas, ações de independência, encontros civilizacionais, momentos importantes em torno dos quais concitam a unidade dos cidadãos e promovem o orgulho patriótico.

Mas, em Portugal, é a data da morte de um poeta que protagoniza o nosso momento cívico de unidade mais relevante.

Muito se tem discorrido sobre o significado desta nossa singularidade e, muitas vezes, é difícil explicar que não se trata de um sinal de melancolia, mas sim do seu oposto.

Há a assunção de que um poeta do século XVI nos legou uma obra tão vigorosa que acabou por ser adotada no seu conjunto como exemplo da vitalidade de um povo e que a própria biografia do seu autor se oferece como exemplo não só de um percurso português, mas se transformou em símbolo universal da nossa peregrinação prometeica sobre a terra.

A fidelidade que Camões manteve em relação à pátria, quando se encontrava em paragens remotas, alimenta a simbologia que lhe é atribuída como exemplo da proximidade que os portugueses que se encontram longe mantêm com a sua cultura de origem.

O país retribui-lhes, reconhecendo, desde há muito, que as comunidades portuguesas são o corpo essencial do nosso ser identitário.

Mas as celebrações deste ano de 2025 têm um cunho muito particular. Em primeiro lugar, porque voltam a ter lugar na cidade de Lagos. No século passado, foi cidade anfitriã em 1996.

Passados 29 anos, esta cidade do Algarve continua a ser democrática, livre, próspera.

O que mudou e o que justifica que, de novo, tenha sido escolhida para ser palco das celebrações foi a nova consciência de que Lagos passou a representar um lugar obrigatório quando se pretende avaliar as relações entre os povos ao longo dos séculos.

É sabido que Lagos, lugar de saída para a África e lugar do comércio prático, tem como símbolo complementar o Promontório de Sagres.

A escassos 40 quilómetros de distância, Sagres e Lagos representam historicamente uma dualidade contrastiva cujo papel se encontra em avaliação.

A comunicação digital que se afirmou a partir dos anos 90 permite agora uma divulgação ampla dos estudos que os arqueólogos, antropólogos e historiadores estão a realizar neste espaço geográfico designado por Terras do Infante.

Era a altura de atribuir a Lagos, de novo, o estatuto de cidade vencedora e de apoiar estas celebrações de importância ou de interesse cultural.

Mas há outro motivo para que, este ano, a celebração deste dia seja particular. Desde há dois anos que estamos a invocar o nascimento de Camões, ocorrido há 500 anos, presume-se que entre 1524 e 1525. Calcula-se que assim tenha sido, mas vale a pena refletir sobre o facto, pois, tal como não sabemos como decorreu a sua infância, nem a sua formação, também desconhecemos o local e o dia em que o poeta nasceu.

Para sermos justos sobre a sua vida inicial, apenas podemos dizer o que um certo maestro célebre disse de Beethoven: Um dia Camões nasceu e nunca mais morreu. Nunca mais morreu.

Provam-no a forma como, passados cinco séculos, tem sido revisitado ao longo destes dois últimos anos. As escolas, a academia, o mundo da edição, os vários campos das artes e das ciências humanísticas em Portugal têm dado rosto a toda uma espécie de comemoração espontânea e informal em torno do nosso poeta maior.

Novos autores têm surgido, atualizando a exegese sobre os seus poemas e o conhecimento acumulado em torno da vida de Camões.

O jovem ensaísta Carlos Maria Bobone pôs recentemente em relevo o papel decisivo que Camões desempenhou ao fixar uma língua nova à altura de um pensamento novo que resultaria definitivamente na Língua Portuguesa moderna que hoje usamos.

Demonstrou como a língua portuguesa, manobrada no seu esplendor, resultou como uma dádiva que devemos ao grande cantor do Oceano, como lhe chamou Baltasar Estaço.

Por sua vez, a biógrafa Isabel Rio Novo, numa visita recente, profusamente documentada que faz à vida de Camões, no final, não deixa de se comover com os testemunhos sobre os últimos dias do poeta, demonstrando que as histórias que correm sobre certos passos da sua vida, afinal, não são lendas, são verdades.

O receio de sermos românticos não nos deveria afastar da realidade testemunhada. E assim, a mim, não me pareceria errado que os adolescentes portugueses conhecessem o comentário que Frei José Índio redigiu na margem de um exemplar d’Os Lusíadas, presumivelmente oferecido pelo próprio autor na hora de partir. Escreveu o frade: Yo lo vi morir en un hospital en Lisboa sem tener uma sábana com que cobrisse, despues de haver navegado 5.500 léguas per mar.

Assim foi, sem um lençol. Terá sido um amigo quem lhe enviaria a sábana, já depois de morto.

Não me parece que daí se devam retirar conceitos patrióticos ou antipatrióticos. Conceitos sobre a vida humana e seu mistério, isso, talvez.

Entretanto, por contraste, sobre a obra que deixou, milhares de páginas de novo têm sido escritas, confirmando a dimensão invulgar do poeta que foi.

Hélder Macedo, um dos seus leitores mais subtis, disse recentemente numa entrevista que, se Camões tivesse continuado a viver, ninguém mais em Portugal teria sido capaz de escrever um verso. Essa hipérbole é linda.

Assim como é reconfortante saber que os professores deste país continuam a ler às crianças epigramas, redondilhas e vilancetes de Camões, como se fossem filos modernos, feitos de palavras, o que mostra que os portugueses continuam vivamente enamorados do seu poeta maior.

Mas se o patrono destas celebrações é o poeta do virtuosismo verbal e do amor conceptual, o amor maneirista, o poeta do questionamento filosófico e teológico, como é em “Sôbolos rios que vão”, e o poeta dos longos versos enfáticos sobre o heroísmo dos viajantes do mar, ao regressarmos a todos esses versos, escritos há quase 500 anos, encontramos coincidências que nos ajudam a compreender que os tempos duros que atravessamos têm conformidade com os tempos em que o próprio viveu.

Camões, tal como nós, conheceu uma época de transição, assistiu ao fim de um ciclo e, sobre a consciência dessa mudança, no conjunto das 1.102 oitavas que compõem Os Lusíadas, 22 delas contêm avisos explícitos sobre a crise que se vivia então.

Aliás, hoje é ponto assente que o poema épico encerra um paradoxo enquanto género, o paradoxo de constituir um elogio sem limites à coragem de um povo que havia resultado da criação do Império e, em sentido oposto, conter a condenação das práticas que, passados 50 anos, impediam a manutenção desse mesmo Império.

E nesse campo pode-se dizer que Os Lusíadas, poema que no fundo justifica que o dia de Portugal seja o dia de Camões, expressa corajosas verdades dirigidas ao rosto dos poderes que elogia.

É bom lembrar que, entre os séculos XVI e XVII, três dos maiores escritores europeus de sempre coincidiram no tempo apenas durante 16 anos e, no entanto, os três desenvolveram obras notáveis de resposta ao momento de viragem de que eram testemunhas.

Foram eles Shakespeare, Cervantes e Camões. De modo diferente, mas em convergência, procederam à anatomia dos dilemas humanos e, entre eles, os mecanismos universais do poder, corpus que continua válido e intacto até aos nossos dias: sobre o poder grandioso, o poder cruel, o poder tirânico, o poder temeroso e o poder laxista.

No caso de Camões, de que se queixa ele quando interrompe o poema das maravilhas da história para lembrar a mesquinha realidade que envenenava o presente de então? Queixava-se da degradação moral, mencionava “o vil interesse e sede imiga/Do dinheiro, que a tudo nos obriga”, e evocava, entre os vários aspetos da degradação, o facto de sucederem aos homens da coragem que tinham enfrentado um mar desconhecido, homens novos, venais, que só pensavam em fazer cultura. Mais do que isso, queixava-se da subversão do pensamento, queixava-se da falta de seriedade intelectual, que resultava depois, na prática, na degradação dos atos do dia a dia.

Escreve o poeta no final do canto oitavo: “Este deprava às vezes as ciências,/ Os juízos cegando e as consciências./ Este interpreta mais que sutilmente/ Os textos; este faz e desfaz leis;/ Este causa os perjúrios entre a gente/E mil vezes tiranos torna os Reis”.

Na verdade, Camões, Cervantes e Shakespeare, de modos diferentes, expuseram os meandros da dominação, envolvidos com o tempo histórico dos impérios que viveram.

Por essa altura, sobre os reis de Portugal, Espanha e Inglaterra, dizia-se que lutavam entre si pelo domínio do globo terrestre. Ou mais concretamente, dizia-se então que os três competiam para ver quem acabaria por pendurar a terra ao pescoço como se fosse um berloque.

Os três autores perceberam bem que, em dado momento, é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência.

Escreveu Shakespeare no ato IV do Rei Lear: “É uma infelicidade da época que os loucos guiem os cegos”.

Enquanto isso, Cervantes criava a figura genial do alucinado Dom Quixote de La Mancha, que até hoje perdura entre nós como o nosso irmão ensandecido.

Por seu lado, Camões, no corpo d’Os Lusíadas, não falou da loucura, mas a vida haveria de lhe demonstrar que as páginas escritas por si mesmo haviam sido proféticas, em resultado dela, da loucura. O desastre de Alcácer-Quibir, ocorrido em 1578, estava assinalado numa das últimas estrofes do Canto X. Era a história, como sempre, a confirmar o pressentimento experimentado pela literatura.

No entanto, o fim do ciclo, que neste caso aqui interessa, não é mais uma transição localizada que diga apenas respeito a três reinos da Europa.

Nos dias que correm, trata-se do surgimento de um novo tempo que está a acontecer à escala global. Porque nós, agora, somos outros.

Deslocamo-nos à velocidade dos meteoros e estamos cercados de fios invisíveis que nos ligam para o espaço.

Mas alguma coisa desse outro fim de século, que se seguiu ao tempo da Renascença malograda, relaciona-se com os dias que estamos a viver. O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra redonda é disputada por vários pescoços em competição, como se mais uma vez se tratasse de um berloque.

E os cidadãos são apenas público, que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores. E os seus ídolos são fantasmas.

É contra isso e por isso que vale a pena que Portugal e as Comunidades Portuguesas usem o nome de um poeta por patrono. Por isso mesmo, também vale a pena regressar a Lagos.

Sobre estes areais, aconteceram momentos decisivos para o mundo.

No início da Idade Moderna, Lagos e Sagres representaram tanto para Portugal e para a Europa que à sua volta se constituíram mitos que perduram. O Promontório e a silhueta do Infante austero que sonhou com o achamento de ilhas e outros descobrimentos, como parte de uma guerra santa antiga, e tudo realizou a poder de persistência férrea e sagacidade empresarial, transformou-se numa figura de referência como criador de futuros. À sua figura anda associado um sonho que se realizou e depois se entornou pela terra inteira e a lenda coloca-o a meditar em Sagres.

Numa referência um tanto imprecisa, mas que permite a sua evocação, Sophia escreveu: “Ali vimos a veemência do visível/ o aparecer total exposto inteiro/ e aquilo que nem sequer ousáramos sonhar/ era o verdadeiro”.

Esta ideia de que, na mente do Infante, se processou uma epifania, anda-lhe associada enquanto mentor de uma equipa mais ou menos informal que teve a capacidade de motivar e dirigir. Sagres passou, assim, para a história e para a mitologia como lugar simbólico de uma estratégia que mudaria o mundo.

Mas existe uma outra perspetiva, como é sabido, e hoje em dia o discurso público que prevalece é, sem dúvida, sobre o pecado dos Descobrimentos e não sobre a dimensão da sua grandeza transformadora.

É verdade que a deslocação coletiva que permitiu estabelecer a ligação por mar entre os vários continentes e o encontro entre povos obedeceu a uma estratégia de submissão e rapto, cujo inventário é um dos temas dolorosos de discussão na atualidade.

É preciso sempre sublinhar, para não se deturpar a realidade, que a escravatura é um processo de dominação cruel, tão antigo quanto a humanidade.

O que sempre se verificou foi diversidade de procedimentos e diferentes graus de intensidade.

E é indesmentível que os portugueses estiveram envolvidos num novo processo de escravização longo e doloroso.

Lagos, precisamente, oferece às populações atuais, a par do lado mágico dos Descobrimentos, também a imagem do seu lado trágico.

Falo com o sentido justo da reposição da verdade e do remorso pelo facto de que se ter inaugurado o tráfico negreiro intercontinental em larga escala, como polos de abastecimento nas costas de África, e assim se ter oferecido um novo modelo de exploração de seres humanos que iria ser replicado e generalizado por outros países europeus até ao final do século XIX.

Lagos expõe a memória desse remorso. Mostra como, num dia de agosto de calor tórrido de 1444, desembarcaram aqui 235 indivíduos raptados nas costas da Mauritânia e como foram repartidos e por quem.

Alguém que, muito prezamos, encontrava-se em cima de um cavalo e aceitou o seu quinhão de 46 cabeças. Esse cavaleiro era nem mais nem menos do que o próprio Infante D. Henrique.

Lagos não se furta a expor essa verdade histórica.

Lagos também mostra o local onde depois levas sucessivas iriam ser mercadejados os escravos. E mais recentemente relata-se como eram atirados ao lixo quando morriam sem um pano a envolver os corpos. Até agora foram retirados desse monturo de Lagos os restos mortais de 158 indivíduos de etnia Banta.

Lagos mostra esse passado ao mundo para que nunca mais se repita. Talvez por isso estejamos aqui, no dia de hoje.

Aliás, a UNESCO criou a Rota do Escravo e inscreveu Lagos na Rota da Escravatura, para que saibamos como os seres humanos procedem uns com os outros, mesmo quando se fundamentam em religiões fundadas sob os princípios do amor e sob a lei dos direitos humanos.

Lagos mostra esse filme e faz-se parente de quem escreveu na porta de um lugar de extermínio moderno o pedido solene: Homens não se matem uns aos outros.

É verdade que só conhecemos o que sucedeu naquele dia 8 de agosto de 1444 porque o cronista do infante Dom Henrique o narrou. Eanes Gomes de Zurara não conseguiu evitar um sentimento de compaixão e comentou, de forma comovida, como a chegada e a partilha dos escravos era cruel. Felizmente que dispomos dessa página da “Crónica dos Feitos de Guiné” para termos a certeza de que havia quem não achasse justo semelhante degradação e o dissesse.

Aliás, sabemos que sempre houve quem repudiasse por completo a prática e o teorizasse.

O que significa que Lagos, a cidade dos sonhos do Infante de que Sagres é a metáfora, passados todos estes séculos, promove a consciência sobre o que somos capazes de fazer uns aos outros. Esta tornou-se, pois, uma cidade contra a indiferença.

É uma luta nossa, contemporânea.

Em Lagos, hoje em dia, está presente de outro modo a mensagem do cartoon de Simon Kneebone, datado de 2014, que tem corrido mundo.

A cena é nossa contemporânea. Passa-se no mar. Num navio enorme, aparelhado com armas defensivas, no alto da torre, está um tripulante que avista ao longe uma barca frágil, rasa, carregada de migrantes.

O tripulante da grande embarcação pergunta: de onde vêm vocês? Da lancha, apinhada, alguém responde: vimos da terra.

Sugiro que os jovens portugueses, descendentes de cavadores braçais, marujos, marinheiros, netos de emigrantes que partiram descalços à procura de trabalho, imprimam este cartoon nas camisas quando vão ao mar.

Consta que em pleno século XVII, 10% da população portuguesa teria origem africana.

Essa população não nos tinha invadido. Os portugueses os tinham trazido arrastados até aqui. E nos miscigenámos.

O que significa que por aqui ninguém tem sangue puro. A falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade. Cada um de nós é uma soma.

Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou. Filhos do pirata e do que foi roubado. Mistura daquele que punia até à morte e do misericordioso que lhe limpava as feridas.

A consciência dessa aventura antropológica talvez mitigue a fúria revisionista que nos assalta pelos extremos nos dias de hoje, um pouco por toda a parte.

Agora que percebemos que estamos no fim de um ciclo e que um outro se está a desenhar, e a incógnita existencial sobre o futuro próximo, ainda desconhecido, nos interpela a cada manhã que acordamos sem sabermos como irá ser o dia seguinte.

A pergunta é esta: quando ficarem em causa os fundamentos institucionais, científicos, éticos, políticos e os pilares de relação de inteligência homem-máquina, entrarem num novo paradigma, que lugar ocuparemos nós como seres humanos? O que passará a ser um humano?

Comecei por dizer que Camões nasceu e nunca mais morreu.

Regresso à sua obra para procurar entender que conceito tinha a poeta sobre o que era um ser humano. Sobre si mesmo, toda a sua obra o revela como vítima da perseguição de todas as potestades conjugadas. A sua obra lírica é uma resposta a esse abandono essencial.

Em conformidade com essa mesma ideia, ao terminar o canto I d’Os Lusíadas, Camões define o ser humano como um ente perseguido pelos elementos: “Onde pode acolher-se um fraco humano,/ Onde terá segura a curta vida/ Que não se arme, e se indigne o Céu sereno/ Contra um bicho da terra tão pequeno”.

Nestes versos, se reconhece o conceito renascentista, o da grande solidão do ser humano e a sua luta estóica contra, centrada na confiança em si mesmo.

Mas, na prática, essa atitude representava uma orfandade orgulhosa que facilmente a fortuna não reconhecia. Curiosamente, no final da vida, o corpo nu de Camões só teve um lençol, o oferecido, a separá-lo da terra. Igual à sorte do seu corpo, essa sorte não difere daquela que mereceram os corpos dos escravos aqui em Lagos.

Mas entretanto, no século XIX, o direito à proteção beneficiada pelo Estado começou a emergir. Criaram-se documentos essenciais tendo em vista o respeito pelos cidadãos. Depois das duas guerras mundiais do século XX, foi redigida e aprovada a Carta dos Direitos Humanos e, durante algumas décadas, foi tentado implantá-los como código de referência um pouco por todo o mundo. Só que ultimamente regride-se a cada dia que passa.

O conceito de representatividade respeitável da figura do Chefe de Estado, oriundo do povo grego, princípio que sustentou a trama purificadora das tragédias clássicas, a que se juntou depois o princípio da exemplaridade colhida dos Evangelhos, essa conduta que fazia com que o rei devesse ser o mais digno entre os dignos, está a ser subvertida.

A cultura digital subverteu a regra da exemplaridade. O escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende.

Um Chefe de Estado de uma grande potência, durante um comício, pôde dizer: adoro-vos, adoro os pouco instruídos. E os pouco instruídos aplaudiram.

Pergunto, pois, qual é o conceito hoje em dia de ser humano? Como proteger esse valor que até há pouco funcionava e não funciona mais?

Hoje, dia de Portugal, de Camões e das comunidades, não será legítimo perguntar, sem querer ofender quem quer que seja, perguntar como manteremos a noção de ser humano respeitável, livre, digno, merecedor de ter acesso à verdade dos factos e à expressão da sua liberdade de consciência?

Nós, portugueses, não somos ricos. Somos pobres e injustos. Mas, ainda assim, derrubámos uma longuíssima ditadura e terminámos com a opressão que mantínhamos sobre diversos povos e com eles estabelecemos novas alianças e criámos uma comunidade de países de língua portuguesa. E fomos capazes de instaurar uma democracia e aderir a uma união de países livres e prósperos que desejam a paz.

Assim sendo, por certo que ainda não temos as respostas, mas, perante as incógnitas que nos assaltam, sabemos que temos a força.

Leio Camões, aquele que nunca mais morreu, e comovo-me com o seu destino, porque se alguma coisa tenho em comum com ele, que foi génio, e eu não sou, é a certeza de que partilho da sua ideia, de que um ser humano é um ser de resistência e de combate. É só preciso determinar a causa certa.

Muito obrigada.

 

[Discurso de Lídia Jorge. Lagos, 10.Junho.2025] 

quarta-feira, junho 11, 2025

Para mim, um 10 de Junho sem discursos -- mas, do que já vi, um grande discurso de Lídia Jorge

 

Tal como tinha dito, o meu dia começou bem cedo. Pouco passava das oito e já a casa se enchia das vozes que nos enchem de alegria -- a nós e ao cãomaisfofo que salta, rodopia, em volta deles, surpreendido e feliz. Os pais foram para fora, embarcavam bem cedo, e, neste dia feriado, ficaram cá. Nos outros dias ficam nos outros avós que vivem mais perto das escolas. 

Portanto, foi dia cheio, sempre algum a querer fazer alguma coisa, ela na cozinha a querer estar ao comando. Despachada, rápida, impaciente. Eu, que também sou rápida, vejo-me grega para acompanhar aquele ritmo. Está-lhe nos genes querer fazer tudo rapidamente e várias coisas ao mesmo tempo. 

Não apenas fez parte do almoço como fez uma limonada e um bolo que estava francamente bom. Pesquisa a receita, vai vendo os ingredientes necessários, vai buscá-los ou pede-os, ao mesmo tempo vai partindo ovos, batendo os ingredientes, comentando o que vai fazer a seguir. Um ritmo que vai lá, vai. Ao jantar, voltou a fazer a parte principal enquanto o mais novo se ocupava do acompanhamento. Uma animação, uma agitação, uma alegria.

E, de tarde, estivemos no jardim e dançámos e jogámos à estátua e rimo-nos, e, entre eles, também estiveram entretidos. Dia bom. 

Pensávamos que ia estar de trovoada e chuva mas não, para a tarde até abriu. Nada dos calores dos outros dias mas razoável.

O cãoamigo agora está com as pilhas todas carregadas, super interventivo. Mal me vê agarrada a algum deles, na beijoquice, aparece logo a interpôr-se entre nós. Mas, embora venha a rosnar baixinho, vem a dar ao rabo, encosta-se também a mim. Eu digo: 'Então, quer ver que já não posso dar beijinhos...?' e ele dá ao rabo, todo encostado. Só falta rir. O dia todo nisto.

Quando se iam embora, os meninos puseram as respectivas mochilas às costas, pegaram nas malas (como vão ficar uns dias fora da sua casa, de manhã trouxeram logo a bagagem e as coisas da escola para o resto da semana), e foram para o jardim, para o pé do portão, à nossa espera. O dog estava ao pé deles, a dar ao rabo. Pensava que também ia. Tive que refrear o seu entusiasmo e disse-lhe: 'O cão (de facto, disse o nome dele, não disse 'cão') não vai. Fica cá a tomar conta da casa, está bem?'. Pois, de imediato, o rabinho parou de abanar e, com ar infeliz, foi para o lado, sentado, meio deitado, a olhar para outra direcção. E, até sairmos, ali ficou, a olhar na direcção oposta. Conheço-o: estava decepcionado, triste. A sua capacidade de compreensão, as suas emoções e raciocínios surpreendem-me a toda a hora.

Fomos, pois, levar os meninos a casa dos outros avós. 

Quando regressámos a casa, ainda fomos tratar o problema da perna do cãobeludinho e ainda fomos dar uma voltinha boa.

Ou seja: não vi televisão o dia todo. Para dizer a verdade, nem me lembrei de tal coisa tal como nem me lembrei que era dia de cenas.

Portanto, não sei como foram os festejos oficiais, desconheço o que o Marcelo disse, desconheço quem esteve ou deixou de estar. 

Só agora, através do instagram, tive conhecimento que a Lídia Jorge fez um discurso inteligente e poderoso. Fico contente. Tenho que tentar encontrar o discurso inteiro. 

Não costumo ligar a mínima aos discursos do dia 10 mas dá ideia que este discurso teve substância, acrescentou, ficará na memória de quem o ouviu.

Tirando isso, nada mais me ocorre pois o conhecimento do que está a passar-se por aí (ruas de Los Angeles, comportamentos trogloditas contra adeptos ou contra actores de teatro ou outros sucedidos por terras de aquém e além mar) é diminuto. 

Por isso, não opino. Vou descansar.

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Como é bom de ver as imagens mostram imagens geradas pelo Sora (IA) a partir do que lhe pedi.
Não é bem o que eu queria mas não tenho capacidade para aqui ficar até 'ele' acertar.

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Dias felizes para todos

terça-feira, junho 10, 2025

As ralações que este cãobeludo nos dá...

 

Claro que, depois de ter estado a dormir ferradamente no sofá, segundo o meu marido cerca de uma hora, cheguei à cama sem sono. Só consegui adormecer de madrugada. É impressionante como uma hora bem dormida durante o dia pode roubar umas quatro horas de sono durante a noite. Não percebo. 

Além disso estava preocupada. Como já aqui contei, o nosso fofo e felpudo cãobeludo arranjou uma grande infecção no quadril de uma pata posterior. Por isso, anda com um daqueles horríveis colares isabelinos. Como é óbvio, aquele funil incomoda-o pois bate em todo o lado. Não sei se por isso ou se por efeito secundário do antibiótico, não comeu nada de nada no domingo e praticamente também não bebeu água. A casa estava cheia de animação pelo que não deu para lhe prestarmos grande atenção mas, ao deitar-me e ao ver que a tigelinha da ração estava intacta e a da água também quase, fiquei apreensiva. 

Como vem sendo hábito, nestas situações recorro ao Chatgpt. Disse que mais do que 24 horas sem tocar na comida e na água pode ser sinal de preocupação. O meu marido também já tinha chegado à mesma conclusão. Por isso, pensámos que se, de manhã, estivesse tudo na mesma, poderia haver crise.

Além do mais, como ele andava desorientado com aquela coisa a bater em todo o lado, tínhamos já arranjado tigelinhas mais pequenas, que coubessem dentro do funil, já tínhamos tentado pô-las mais altas. Mas sem sucesso. Por isso, a esse nível já não sabia o que mais fazer.

E aconteceu mesmo: de manhã continuava a não ter comido nada. 

Tentei dar-lhe à mão. Nada. Estava murcho, apático, nada do que ele é. Continuou em jejum.

Entretanto, fomos ao ginásio já a pensar que de tarde teríamos que voltar ao veterinário. Sem comer e sem beber e com tanto calor, ainda ficava frágil e desidratado. 

Mas eis que, ao regressarmos a casa, a nuvem negra tinha desaparecido: a tigela da comida estava vazia e a da água já tinha um bocado a menos. Respirámos de alívio.

Quem não tem animais de estimação pode achar um exagero eu preocupar-me tanto com a doença do cão. Para muitas pessoas, um cão ainda é um instrumento que ladra para estar no exterior a afugentar estranhos. E ainda haverá quem os tenha presos por uma corrente e não perceba que isso é uma violência, uma maldade muito grande. Mas quem os tenha e os saiba estimar, compreenderá que é um ser vivo que faz parte da nossa vida, da nossa família, um amigo a quem deveremos estar gratos e que depende de nós, pelo qual somos responsáveis.

Fiquei, pois, felicíssima.

Desinfectar a pele infectada e aplicar a pomada continua a ser complicado pois teme à brava o spray, aquilo faz um barulhinho que o assusta e é frio. Mas o meu marido segura-o bem e aquilo que nem lhe dói. Incomoda-o e creio que agora lhe dá comichão, mas está menos inchado, já a cicatrizar.

Lembrei-me de pôr água numa daquelas tigelinhas pequeninas de plástico do IKEA, daquelas coloridas que se usam para fazer as papas dos bebés. Pus no chão. Andou ali de volta a ver como haveria de fazer a abordagem, entornou algumas vezes até que atinou. Agora já bebe dali nas calmas e está farto de beber. 

Ele come sempre ração de manhã e ao fim da tarde. Mas, à noite, não comeu. Contudo, quando estávamos a jantar, ele já todo arrebitado, pôs-se a dar saltos à minha volta, depois ia até à cozinha ao pé da ração e voltava para o pé de mim, depois ia para o pé da ração, dava saltos e voltava para o pé de mim, a olhar fixamente para mim. Pensei: está a querer que seja eu a dar-lhe a ração. O meu marido disse: alguma é. Fui buscar a tigela e pus um bocado de ração na minha mão e pus a minha mão em concha por dentro do colar. Bem... comeu, comeu, comeu tudo num instante. E ficou a olhar para mim. Percebi que queria mais. Fui ao saco buscar uma mão cheia e dei-lhe. Devorou. A dar ao rabo, feliz da vida. 

Depois de jantar, fizemos o tratamento e fomos fazer uma caminhada para dar tempo a que a pomada seja absorvida antes que ele chegue a casa e se deite. Ia feliz, só aos saltos, a brincar connosco. E eu também feliz. Está a voltar a ser ele.

Tirando isso, fomos às compras e tive expediente diverso a tratar. Adquirimos mais algum equipamento e maquinaria e o meu marido tem tido muito com que se ocupar. Diz que, de cada vez que compramos mais máquinas, mais sobra para ele. Mas gosto de o ver assim. Quando digo isso, ele responde: 'Isso sei eu, achas sempre muito bem pores-me a trabalhar...'. Brinca pois não sou eu que o ponho a trabalhar, é ele mesmo que cada vez está mais proactivo e diligente neste tipo de actividades de exterior.

E só espero que esta noite consiga dormir bem pois este dia feriado começa bem cedo, tenho que estar a pé muito antes do que me é habitual. Mas é por bom motivo!

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Desejo-vos um dia feliz

segunda-feira, junho 09, 2025

Era eu? Sou eu?

 

Quando eles saíram -- e é sempre aquela alegria de estarmos juntos, os rapazes falando insaciavelmente de futebol, toda a gente conversando, muito apetite em volta da mesa, depois uns vendo a final do Roland Garros, outros jogando vólei ou badminton ou descansando e sempre muito movimento e boa disposição -- deitei-me no sofá e adormeci. Ferrada. Na televisão estava a dar futebol, claro. Mas não dei por nada. 

Às tantas, ouvi, remotamente, uns apitos e não percebi de que se tratava, mas também não acordei.

Só depois de o meu marido me chamar várias vezes, dizendo que depois não durmo de noite, é que consegui começar a despertar. Percebi que os apitos eram do microondas, ele a aquecer o jantar. Acho que lhe disse que eu não jantava mas não me lembro de nada. Quando consegui levantar-me do sofá, comi uma banana e uns miolos de amêndoa. Também tinha lanchado, era normal que não tivesse tido fome para jantar. E, ao lanche, imagine-se..., até comi umas fatias de brownie que dois dos meninos tinham feito. Ai a minha dieta... Como nunca como doces, aquelas fatias de bolo souberam-me ainda mais maravilhosamente.

Depois, estive a ver televisão e a ler um pouco mas ainda estou com sono. Creio que foi porque acordei mais cedo do que devia. Passou um carro com uma sirene e os cães da vizinhança desataram todos a uivar. Como durmo de janela aberta, ouve-se tudo. Ainda tentei dormir mas já não consegui. E fiquei em défice. Longe vão os tempos em que dormia umas cinco horas ou cinco e picos, vá lá seis, e ficava para as curvas. Agora tenho que dormir no mínimo sete horas. Dá ideia que acumulei e que que estou a pôr em dia. Ou isso ou ainda é efeito covid, já aqui falei nisso muitas vezes.

Estou a escrever e a ouvir a rega. Gosto de ouvir regar. Gosto de sentir o ar fresco e húmido que vem da terra. É quase como chover. Gosto de ouvir a chuva, gosto do cheiro da terra molhada. 

Estava aqui a pensar que os meus filhos me contam coisas dos seus trabalhos. Falam-me de situações pelas quais também passei, identifico-me com o que dizem, com os stresses em que se vêem, reconheço os dilemas que enfrentam ou a que assistem. Sinto-me solidária. Compreendo-os muito bem, já estive no papel em que eles estão agora. Mas, estando tudo ainda tão presente, a verdade é que me parece que era outra-eu ou, então, que eram outros tempos, tempos que atravessei por acaso, ou outras geografias que frequentei também por acaso. 

Acomodamo-nos a tudo, é certo. Para mim, começar a trabalhar em ambiente empresarial aos vinte e dois anos, vinda de uma realidade académica (estudar e ao mesmo tempo ser professora) foi natural. Ver-me metida em projectos de grande complexidade e ser acompanhada por especialistas do Banco Mundial que vinham dos Estados Unidos para se reunirem comigo e verem a evolução do meu trabalho era natural. Ter filhos pelo meio era natural. Arranjar tempo para uma dedicação que sempre foi absoluta era natural. Ocupar cargos dirigentes aos trinta e poucos era natural. Seleccionar empresas internacionais para trabalharem comigo em projectos inovadores e disruptivos era natural. Mudar de área profissional ou de empresa ou acumular áreas ou trabalhos em várias empresas era natural. Trabalhar horas a fio, fazer apresentações para muita gente, participar em projectos de reorganização que implicavam 'libertar' milhares de pessoas era natural. Sempre foi tudo natural. Sempre me adaptei sem esforço, sem 'teorias de cão caça', sem me vitimizar ou sem me achar especial. Sempre me senti bem na minha pele. Travei montes de lutas, fui contestada, contestei, parti louça, virei mesas, atirei granadas para cima da mesa (pelo menos, era o que diziam que eu fazia). Mas para mim isso era natural. Não me enervava, não me zangava, não me tirava o sono. Parecia que ser assim e viver assim era a minha natureza. E era.

Mas a verdade é que, agora que larguei tudo, me sinto ainda melhor. Não sinto falta, não tenho saudades. Se calhar, mudei. 

Talvez que uma possível explicação seja que, durante todos aqueles muitos anos, sempre me mantive próxima da minha família, eles sempre foram a minha primeira e inquestionável prioridade, o meu verdadeiro propósito. Ou seja, se calhar toda a minha vida profissional sempre foi uma adjacência, uma circunstância, talvez uma necessidade mas não a minha verdadeira natureza. Não sei, é uma tentativa de explicação. Além disso, também sempre consegui compatibilizar todo aquele frenesim com um espaço meu, vital, para ler, para escrever, para bordar, para pintar. Roubava ao sono. Para não prejudicar o meu tempo com a família, era quando todos dormiam que eu ia fazer aquelas coisas de que sentia falta. 

E ainda é assim. Ainda não consegui desligar-me do hábito de ser quando a casa está silenciosa que eu abro o computador (digo que abro porque é portátil e o fecho quando acabo de escrever) e solto as mãos e me entrego a estes momentos só meus. 

Claro que é bizarro dizer que os momentos são só meus e, ao mesmo tempo, estar a soltá-los aos sete ventos, para que quem quiser os conheça. Mas isso já são outros quinhentos, são os paradoxos destes tempos em que podemos comunicar com o mundo inteiro em tempo real e, ao mesmo tempo, fazer com que todas as palavras e imagens fiquem a pairar por aí até ao fim dos tempos.

E pronto, já estou a divagar. Nem sei se alguma destas coisas que estou para aqui a dizer faz grande sentido. Vou mas é dormir.

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Boa semana

Dias felizes. Saúde e boa disposição.

domingo, junho 08, 2025

Vá, força, make my day -- desafia Musk, dirigindo-se a Trump

 

É com perplexidade, mas uma perplexidade existencial, que assisto ao expectável: a zanga entre Trump e Musk. E pode parecer um paradoxo (e é) mas o facto de eu (eu e creio que toda a gente) antever que aqueles dois não iriam conseguir aturar-se durante muito tempo não significa que imaginasse a violência, a intensidade e a exposição pública do desentendimento.

-  Ter um fulano que é um narcisista extremo, um mentiroso compulsivo, com um poder quase ilimitado, a ser contestado, publicamente desafiado, publicamente humilhado não pode ter boas consequências.

-  E ter o fulano mais rico do mundo, com um poder também brutal, um fulano assumidamente com a síndrome de Asperger e que condimenta o seu comportamento com um cocktail de drogas que conflituam entre si, a sentir-se atacado, prejudicado e ameaçado pelo outro também não pode ter boas consequências.

Pensar que o país mais poderoso do mundo está entregue a pessoas de tal forma perturbadas, mentalmente nada sãs, assusta. Tem que assustar.

Até um certo ponto, a estupidez, o disfuncionamento, a aberração, o permanente disparate conseguem prestar-se à paródia. É tudo tão ridículo e impensável que os criativos se sentem inspirados: há anedotas, memes, vídeos humorísticos, tudo em catadupa. É raro o dia em que os meus amigos não partilham piadas sobre esta dupla. Mas tudo deixa de ter graça quando a linha vermelha da decência é pisada. Aí, as ameaças explodem è vista desarmada deixando que todo o mundo perceba a fragilidade do mundo. Milhões de pessoas à mercê da vontade de doidos varridos. 

Havia casos delirantes como o Kim Jong-un, um caso com o seu quê de pândego. Depois ficou claro o delírio imperialista e psicopata de Putin. Já conhecíamos o narcisismo de Trump durante o seu primeiro mandato. Mas o delírio de que o seu narcisismo agora se reveste, o espírito revanchista, também imperialista, o desprezo absoluto pelos outros e pela verdade e o apoio a assassinos  são assustadores. Já não há um único maluco capaz de pôr o mundo em risco. Agora há vários.

Musk, sob o efeito de drogas, destravado, sem ter quem o segure, a desafiar Trump, sabendo-se o poder da sua rede social, o X, o imenso poder aeroespacial, a sua imensa fortuna, tudo deixa perceber como todos somos frágeis, indefesos, sem mecanismos para nos defendermos quando o país em que se vive está à mercê de pessoas assim e quando o mundo, todo ele, de uma maneira ou de outra, pode depender de decisões de qualquer dos malucos com um poder tão imenso como Trump ou Musk detêm.

Há uns anos eu acharia que tudo isto seria impossível. Não acreditava que Trump voltasse a ser eleito. Não acreditava que um qualquer Musk pudesse pagar eleições, e pagar a quem votasse como ele queria, nem acreditava que a um qualquer Musk fosse concedido um poder tão total e tão descontrolado como o que Trump lhe atribuiu. Da mesma maneira, não acreditava que a Rússia invadisse à bomba um país livre e independente e muito menos acreditava que ninguém conseguisse detê-lo. Nem acreditava que um fulano tão incredível como Netanyahu pudesse continuar à frente de Israel depois de tudo o que tem acontecido, uma insegurança vergonhosa em toda a região e um genocídio tão brutal que envergonha qualquer ser humano.

Julgava eu, até há não muito tempo, que o mundo caminhava para melhor, para ser um lugar de paz, de desenvolvimento e sabedoria, um lugar inclusivo e feliz. Afinal o que vejo é que parece que estamos a andar para trás, para o tempo das trevas.

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Partilho alguns vídeos que ilustram o momento absurdo que atravessamos.

Lawrence: Trump humiliated globally while Musk live-tweets Trump's Oval Office 'stupidity festival'

MSNBC’s Lawrence O’Donnell details how the escalating battle between Donald Trump and Elon Musk over the Republican budget bill now turning personal is the “world's two craziest and most dangerous rich people each trying to find the way to destroy the other.”


Musk-Trump Feud Goes Nuclear | DHS's 22-Year-Old Terrorism Chief


‘It never ends well for anybody’: Michael Cohen on Trump and Musk’s fallout

President Trump told NBC News Saturday his relationship with Elon Musk is over after the two had a public disagreement over Trump’s domestic agenda. Michael Cohen, who had his own falling out with Trump, says Trump is motivated only by self-interest. “It's the lean in by Trump, the whisper, and then that gaze into your eyes where you think that he's looking at you. No.” He continued, “What he's looking at is his own reflection in your pupils.”



Trump used Musk 'magnificently': Kara Swisher makes a prediction on friendship fallout

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Apesar de tudo, desejo-vos um feliz dia de domingo

sábado, junho 07, 2025

O meu dolce fare niente, o meu pequeno almoço, a overdose biográfica de Herberto Helder servida por João Pedro George e etc.

 

A minha cabeça parece que entrou em férias. O corpo já tinha dado sinais que era o que queria mas a cabeça teimava em meter-se em trabalhos. Mas agora, para além de festejar a ausência de horários, apetece-me não ter maçadas de qualquer espécie. 

Claro que elas aparecem e não há como não enfrentá-las: uma coisa que se avaria e que custa a encontrar quem a arranje, um outro estore elétrico que não funciona, agora este problema da infecção na perna do nosso amicão, afazeres que aguardam que alguém se ocupe deles. Isso acontece independentemente da nossa vontade e, se não formos nós a resolvê-los, não haverá quem mais o faça. Mas depois havia aquilo em que eu sempre fui pródiga: arranjava sempre ocupações com objectivos apertados que me obrigavam a uma disciplina que se sobrepunha à minha vontade (ou necessidade) de descansar.

Agora não. Agora sabe-me bem, cada vez melhor, poder passar a tarde a ler, ao sol ou à sombra, a fotografar, a olhar para a copa das árvores. 

Claro que antes disso fiz uma máquina de roupa, estendi-a, fui ao ginásio, estive a varrer o terraço, a regar os vasos, fiz o almoço, recebi e estive à conversa com uma pessoa que cá veio a casa, etc. Mas, a seguir, por mim está feito! e deixo-me levar pelo prazer de estar na boa, sem mais nada que fazer. Claro também que a seguir aparece o meu marido a dizer que está na hora de irmos fazer a nossa caminhada da tarde e vou e sabe-me lindamente e, uma vez regressada, vou fazer o jantar e depois vamos fazer o tratamento ao nosso fofo, que reage mal e o meu marido tem que o agarrar com força para ele não se virar, e depois vamos todos fazer um passeio nocturno, passeio mais curto, coisa para não mais que meia-hora e que também me soube bem. 

Ou seja, não é que não faça nada. Faço. Mas, pelo meio, permito-me estar descansada sem sentir que estou a ser improdutiva. Quase desde que me conheço que tinha a pancada de fazer coisas que se vissem, que fossem úteis, que ficassem. Agora não. Estou uma ou duas ou três horas na boa e não me sinto mal por isso.

O meu marido também está muito diferente. Está um jardineiro exímio. Anda sempre com a máquina da relva ou com o corta-sebes ou com a roçadora. Antes não tinha o mínimo dos mínimos de apetência para a jardinagem. Zero, zero. Agora, nem tenho que lhe pedir. Pelo contrário, tenho é que pedir que não corte tanto. 

E, como se isso não bastasse, hoje, quando entrei em casa vinda de estar a ler, cheirou-me a bolo. Pasmei. Tinha feito um daqueles simples que se fazem numa tigela, no micro-ondas. Diz que pediu ao chatgpt a receita de um bolo saudável, rápido e simples, que se fizesse no microondas. Fez de alperce com iogurte grego, ovo, mel, uma colher de azeite e flocos de aveia. Estava bom mas com pouco sabor, talvez por estar pouco doce. Então pôs-lhe uma colher de compota por cima, levou-o mais uns segundos ao microondas. Ficou melhor. Depois fez um que improvisou, com cacau em pó, mas deixou-o cozer de mais, ficou rijo, uma bolacha dura. Mas sou de boa boca, como de tudo de bom gosto. Só que não quero alargar-me nos doces. Como nunca faço doces, a cozinha nunca cheira a bolos. Por isso, gostei imenso de sentir aquele cheirinho. O mais parecido que faço são papas de aveia . E ficam boas. O meu marido agora, ao pequeno-almoço, para além de comer uma banana, come uma taça dessas papas.

Já contei como faço mas agora introduzo uma pequena variante: num tachinho ponho água a ferver com uma pitada de sal, um pouco de canela, casca de laranja (ou de limão) e agora tenho juntado também umas três ou quatro tâmaras. E, claro, flocos finos de aveia. Vou mexendo. Quando começa a fazer bolhinhas, mexo bem e deixo estar ali em ebulição controlada durante uns dois ou três minutos. E já está. Solidifica com uma textura de que gostamos. A aveia é muito saudável. Não faço com leite nem ponho açúcar. 

Eu, ao pequeno almoço, como uma laranja e depois preparo um copo de kefir ao qual junto uma colher de sopa cheia dessas papas de aveia, um pouco de mistura de sementes e um pouco de pó de latte dourado que compro no Celeiro (curcuma, gengibre, pimenta, noz moscada). Mexo tudo bem. Adoro. Começo sempre o dia com o prazer de ter um pequeno almoço que me sabe mesmo bem. Remato com café expresso, longo, sem açúcar. O cheirinho bom do café e o prazer de o beber ajudam a que o dia seja inaugurado a preceito. Agora só bebo esse café por dia. 

Quanto à leitura: continuo (e continuarei, nem que seja intercaladamente) com a biografia do Herberto Helder. É daqueles que leio saltando frases de quando em quando. É uma overdose. É como se ele tivesse juntado referências, opiniões, recordações de outras pessoas, documentos, recortes de jornais relacionados, correlacionados e nem por isso e, no fim, tivesse vertido tudo para o livro, tudo, sem edição. Mas ouvi que, no original, era quase o dobro. Uma loucura, portanto. Mas, o que mais me chateia nem é isso: o que mais me incomoda é quando ele, o João Pedro George, volta e meia se pôe a inventar pensamentos para o Herberto Helder, admitindo que é provável que, naquelas circunstâncias, ele tenha pensado aquilo. Ora isso parece-me não apenas estulto como desnecessário, até descabido.

Bem. Isto está uma bela mescla de assuntos... É que estou a ver notícias enquanto escrevo. A macacada entre Trump e Musk é daquelas que há de dar filmes, séries, paródias, dramas, tratados de política, de psicologia, sei lá. Como só me dá para ligar o computador às quinhentas e me ponho a escrever às tantas, já perdida de sono, chego aqui e já me falta o pedal para desarrincar todo o muito que haveria a dizer. A ver se um dia destes tenho a pachorra suficiente para escrever o no blog a meio da tarde para me pronunciar sobre esta desconformidade. Entretanto, partilho um vídeo:

Donald And Elon Attend Couples Therapy


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Os meus limões andam a cair, estão pesados, maduros. Não apenas os aproveito para temperos e etc. como para servirem de modelos fotográficos. As rosas, já se sabe, estão sempre disponíveis para serem amadas, adoram pôr-se a jeito para uma sessão fotográfica
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Olhem, é isto.

Desejo-vos um belo sábado

sexta-feira, junho 06, 2025

Nem Montenegro, nem Trump nem Musk.
Hoje o tema é o meu cãobeludinho fofo que está com um problema aborrecido.

 

Volta e meia trocam-me as voltas. Pensava eu que esta quinta-feira, tirando um compromisso à tarde, teria um dia tranquilo. 

Estava eu ainda a digerir os alertas do Leitor a quem muito agradeço e cheia de receio pelos javalis, sapos, cobras e carraças quando constato que o nosso cãobeludo estava a lamber mais freneticamente do que antes uma qualquer coisa no quadril.

No domingo, tinha chegado da rua desencabrestado, como se tivesse que arrancar qualquer coisa ali naquele quadril. Não vi. O meu marido é que viu e pensou que ele tivesse alguma coisa ali presa no pêlo. Nessa manhã já tinha estado a puxar qualquer coisa de uma pata e tanto puxou e repuxou que acabou por tirar uma daquelas espigas maganas, ditas praganas. Pensámos que, fosse o que fosse, ele acabaria por também conseguir tirar. No domingo tivemos a maltinha toda cá em casa, uma animação, grande movimento e alta algazarra  -- por isso, não deu para lhe prestar grande atenção.

Na segunda-feira vimos que continuava a lamber-se ali. O meu marido disse que o pelo, naquele sítio, estava seco e duro, que, na volta, era outra vez resina. Esfrega-se em todo o lado e brinca com pinhas e, às vezes, fica com resina no pêlo. Demos-lhe banho. O meu marido disse que, se não saísse com o banho, tentava-se cortar ali o pelo. Mas, quando eu estava a lavá-lo, percebi que não era nada no pêlo. Tinha era um inchaço por debaixo. Ficámos intrigados. Pensámos que teria sido picado mas que, tal como acontece connosco, o inchaço acabaria por passar.

Entretanto, com as picardias com os cães do lado, andou sempre por fora, longe da casa, e admitimos que lhe tinha passado. 

Mas começou a comer menos. Nada de especial pois no verão tem sempre menos apetite. 

Só que hoje parecia mais murcho, mais por casa, pouco reguila, e sem tocar na comida.

De tarde, no jardim, o meu marido chamou-me para eu ver pois, com o pêlo molhado por continuar a  lamber-se ali naquele sítio, dava para perceber que havia ali um inchaço encarnado. 

Fui ver e não gostei do (pouco) que vi. Com o pêlo não dava para ver quase nada. Mas aquela pele encarnada e o inchaço causaram-me suspeitas. Fotografei. 

Mostrei a fotografia ao ChatGPT e descrevi o que se passava. Respondeu que poderia ser um abcesso, uma infecção, e que, dado que já estava assim há dias, deveríamos ir ao veterinário o quanto antes.

Claro que fomos. Mesmo que o ChatGPT não tivesse dito para irmos, iríamos pois estávamos a estranhar o sossego dele e não era normal aquele inchaço encarnado. 

Lá fomos. 

É sempre uma tourada. Temos que lhe pôr o açaime e o meu marido tem que o abraçar com toda a força para ele ficar imobilizado quando está na marquesa. Com a máquina, a médica tosquiou aquela parte. Quando vi o que estava por debaixo, fiquei mesmo incomodada. Inchado, já com pus, arroxeado, já com feridas de tanto lamber. Piedermite. Com o pêlo, não se via. Coitadinho. Como não haveria de estar incomodado...? Diz ela que deve ter sido qualquer coisa que o feriu ou picou e que de tanto lamber ali, certamente para se aliviar, a lesão infectou e espalhou a infecção. 

Desinfectou e tratou, deu-lhe uma injecção de antibiótico e outra de anti-inflamatório. E colocou o colar isabelino que ele, coitado, odeia. E agora, durante 7 dias, tem que tomar antibiótico e desinfectar e tratar duas vezes por dia. 

Um pesadelo. Vira-se, mostra os dentes, rosna, salta. Quando ponho o spray, que é frio (e, se calhar, lhe arde), fica possuído. Mesmo com a trela e com o colar, impõe respeito e dificulta muito o tratamento. 

Mas entre idas ao veterinário, à farmácia, tratamentos e outros afazeres, pouco consegui fazer daquilo que tinha pensado. Lá consegui ler o início do 'tijolo' que João Pedro George pariu sobre a vida de Herberto Helder. Provavelmente vai satisfazer alguma da nossa cusquice mas tomara que eu não sinta que estou a violar uma privacidade que o Poeta tanto se esforçou por preservar.

Fiz um vídeo que publiquei numa story lá no Instagram. Só que me distraí e o vídeo tem mais de 1 minuto. Ora ali, só se vê o que 'cabe' em 1 minuto. Por isso, não se ouve a parte em que eu dizia que, no capítulo dos últimos momentos do biografado, achava que o biógrafo inventou para ali umas cenas -- por exemplo, que ele, antes de morrer, olhou para as molduras e pensou nisto ou naquilo, o que, obviamente, é impossível saber -- se calhar para apelar ao sentimento. E isso desagradou-me. Também, no pouco que li, encontro carradas de referências desnecessárias, o que torna a leitura, nesses pontos, enfadonha. Mas estou no princípio. Por isso, não quero já fazer apreciações sobre a qualidade da obra. Até porque, assim como assim, quando acho que tanta conversa sobre a tia, a avó, a bisavó, a casa ou a loja é desnecessária, tenho bom remédio. Sigo adiante.

Mas, com isto, não vi tomada de posse nem coisa nenhuma. E, há pouco, ao ver o Eixo do Mal, deu-me a pancada e apenas fui vendo umas por outras. Por isso, não posso pronunciar-me sobre os temas da actualidade política.

Também não faz mal. Sabe-me bem, de quando em quando, dar-me algumas tréguas. Até porque tourada e da boa, à espanhola, é a que está a passar-se entre dois dos mais malucos de que há memória: Trump e Musk. Há pouco, estava a comentar com o meu marido, interrogando-me sobre como poderá um arranca-rabo destes acabar. Ele disse: 'Fazem as pazes.'. Talvez. Parece que meio mundo anda a voar sobre um ninho de cucos.

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Mais uma vez, as duas fotografias que ali acima coloquei foram feitas apenas com recurso à minha inteligência que de artificial tem muito pouco.

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Uma feliz sexta-feira

quinta-feira, junho 05, 2025

Marcelo a agarrar uma jovem pelo pescoço e a sujeitar-se a uma tremenda humilhação -- um fim patético para um Presidente que, de tanto querer ser amado e de tanto falar e de tanto fazer e desfazer, vai acabar desprezado.
Mas, se me permitem, vou antes falar de javalis in heaven -- o que, não sendo surpreendente, é a confirmação que faltava

 

Hoje o dia começou com o meu marido a dizer que tinha visto um javali. Contei-o numa story no Instagram. 

Há um sítio em que a vegetação é um pouco mais fechada, um lugar sempre à sombra, sempre fresco. Há um grande cedro, uma azinheira, diversas aroeiras, erva diversa. A terra aí é fofa, negra. E frequentemente está remexida. 

O nosso cão anda sempre intrigado por ali. Põe o nariz no chão e anda de um lado para o outro. É frequente ver ali pegadas de bicho grande, terra levantada. Sempre me admirei: que bichos por ali andam e o que procuram? Dá ideia que desenterram coisas. Já pensei muitas vezes: trufas? Não faço ideia.

Esse lugar é numa extrema do terreno vedado (há uma outra parte, separada por uma estrada, que não está vedada). Ali, naquele sítio em concreto, a vedação não está danificada. Ou seja, não é por ali que os bichos entram. O javali que o meu marido viu estava ali, ao lado da vedação e ficou a olhar para ele. O meu marido diz que, pelo tamanho, não era adulto. 

O nosso vizinho que mora na entrada da rua, uma vez que falámos da nossa desconfiança, disse que de vez em quando acordavam com um grande barulho na estrada, animais a trote. Então, passaram a estar atentos e uma noite fizeram uma espera e conseguiram ver uma grande vara de javalis a correr na estrada, na direcção do vale, passando pela nossa casa.

Um conhecido já avisou algumas vezes: é preciso o máximo cuidado com as mães javalis ou com bichos que se sentem ameaçados. Por isso, hoje, ao andar por ali sozinha com o cão sempre por perto, pensei que se me aparecesse um bicho pela frente haveria de ser um festival, o cão aos saltos e a ladrar furioso e o bicho, assustado...

Bem. Não foi surpresa a constatação de que, na verdade, há javalis in heaven mas foi surpresa estarem à vista, de dia, tão perto.

Não tenho falado mas, em contrapartida, dos gatos nem sinal. Desapareceram todos. E dos esquilos agora não tenho visto vestígios, nomeadamente aquela fartura de pinhas roídas em baixo. Estive a informar-me e, nesta altura, as pinhas não estão boas para roer. Por isso, podem continuar residentes mas andarem a alimentar-se com outros acepipes.

Tirando isso e o expediente comum (o meu marido a roçar mato, eu em arrumações e varridelas e etc.), continuo, como sempre, fascinada com o efeito da luz através das flores. 

Que cores, que perfeição, que harmonia. 

Quanta beleza.

Nestes dias não se vê televisão, não se procuram notícias. Ao fim do dia, no carro, por acaso apanhámos o fim do noticiário, qualquer coisa sobre os novos ministros. Desejamos que, a bem do País, corra bem. Contudo, algumas escolhas parecem estranhas.

Quando chegámos a casa, já jantados, ainda demos, bem de noite, um passeio com o cão. Confesso que senti algum receio. O meu marido disse que não havia razão para isso e, por isso, confiei.

Com isto, a verdade é que não consigo ter disposição para falar de política. 

Só quero dizer uma coisa: quando a minha nora enviou para o grupo da família um vídeo com a cena do Marcelo a fazer um tristíssimo papel com uma jovem na Feira do Livro, ao ver tive dúvidas de que fosse real. Depois vi que é. E fiquei perplexa. Mau, muito mau, mau de mais. Começou por parecer um totó de roda da jovem, a querer rebater, a querer interromper, a não saber pôr-se no seu lugar. Depois, no fim, a forma como a agarrou pelo pescoço, com força, foi de uma agressividade inqualificável. Todo aquele comportamento foi de uma inconveniência inusitada, uma menorização da função presidencial como nunca antes se tinha visto. A jovem, de que não sei o nome, pelo contrário, manteve um sangue frio, uma atitude fantástica. Deixou-o nitidamente aos bonés. Se Cavaco acabou mal e retratado com a boca cheia de bolo-rei, Marcelo acabará ainda pior e retratado a agarrar uma rapariga pelo pescoço, acabando com ela a instá-lo a largá-la e a virar-lhe as costas. Cena mais macaca. Marcelo não se enxerga. Que fim mais triste.

A ver se amanhã me regressa a vontade para falar de política para me pronunciar sobre os membros do Governo e o que é que as escolhas podem significar. Preferia, contudo, esperar pelos Secretários de Estado, para ver se são melhores dos que os anteriores. Logo vejo.

E agora vou descansar, é tardíssimo. 

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Dias felizes

quarta-feira, junho 04, 2025

Isto é sobre uma história de amor

 

Às vezes acredito em coincidências. Outras vezes acho que qual coincidências, qual carapuça, o que se passa é que ele há coisas

Se o Instagram e o Blogger estivessem associados a uma plataforma comum, poderia dizer que o algoritmo caçava coisas num lado para influenciar ou impressionar noutro. Mas não é o caso. O Instagram é Meta e o Blogger é Google. Não se contagiam. De resto, não é a primeira vez que ando com uma em mente, sem deixar pistas no google, e, ao abrir o YouTube, me aparecem vídeos justamente relacionados com isso. Parece que o caraças do algoritmo do youtube consegue captar-me os pensamentos.

Hoje, como tantas vezes acontece, andava imersa na natureza, a sentir-me feliz, em paz, parte integrante do lugar, não mais importante que os pássaros, não mais relevante que os bichos que por ali andam, aspirando o ar limpo e perfumado, sentindo que sou abençoada por me ser dado sentir tão benfazeja comunhão, sentindo-me humilde, efémera, um conjunto de partículas que o acaso mantém unidas até que um dia se dispersem e se agrupem com outras, quaisquer, talvez provenientes de flores, de borboletas, de raios de luz, de musgos. 

Fiz um vídeo que publiquei no feed do Instagram sobre o cedro que caiu e que ainda ali está, enorme, digno, verde, belo. E fiz um outro, que publiquei numa story, sobre uma flor que parece um pompom (esta aqui ao lado) e disse que não tarda que se desfaça e fique a pairar, podendo eu respirar partes dela, flores dançando dentro de mim. 

Sinto-me feliz ao andar por ali, por pensar e dizer coisas assim -- mas não me alieno a ponto de não perceber que o mais certo é que quem me ouve ache que tenho uma pancada, e das grandes, nesta minha cabeça. Mas, como isto é inócuo, não sinto necessidade de disfarçar. Sou muito autêntica no que escrevo e no que digo.

Por exemplo, ao aproximar-se da casa, de longe, vi um losango dourado, flutuante. Achei maravilhoso, uma aparição. Não percebia o que era, mas adorei. Sou míope. Por isso, de longe a minha visão é impressionista. Quando cheguei mais perto, percebi que era a luz a incidir no tronco de uma azinheira. Achei lindo. A natureza, a luz, a sombra, as mutações cromáticas, as texturas -- tudo me parece arte, tudo me parece beleza.

Depois pensei: mas a casa e a azinheira estão aqui desde sempre; como é possível que eu nunca tenha visto isto? A verdade é que não. Se calhar, a esta precisa hora, nesta altura do ano, nunca me aproximei da casa por este lado. Parece-me pouco provável mas nunca antes tinha visto esta figura geométrica de luz sobre o tronco da árvore. Ou, então, os nossos olhos nem sempre veem o que está disponível para ser visto -- e hoje eu estava disponível para ver a luz que se concentrava no tronco e se espraiava pelo chão, nessa direcção.

Pois bem. 

Andei nisto e, depois, ao cair do dia, andei nas minhas regas -- ando de mangueira, rego e rego e rego --, depois jantei, vi um bocado de televisão, e, ao ligar o computador, fui ver os mails e espreitar as notícias e, de seguida, abri o youtube. 

Logo à cabeça, o vídeo que aqui abaixo partilho. Ao vê-lo, pensei: caraças, até parece que tinha visto este vídeo antes de fazer os meus. Como é isto possível? Como é que, logo hoje, depois de ter publicado aqueles meus vídeos, me aparece isto aqui?

Mas, depois da surpresa, estupefacção mesmo, fiquei contente. 

Não tinha dúvidas, sabia que aquilo de que abaixo se fala é mesmo verdade, mas gostei de o ouvir dito por uma cientista, gostei de ouvir dito como ela o diz. 

O vídeo está legendado. E é um prazer. Espero que também gostem.

Nature Isn't a Place - It's Who You Are | Laurence Nachin | TEDxGöteborg

When was the last time you "visited" nature? What if that whole concept is based on an illusion? Laurence Nachin reveals why our separation from nature might be the biggest myth we've ever created.

Discover how breaking down the illusion of separation from nature could be the key to creating a more joyful and sustainable future for all. From microscopes to mindfulness, Laurence's journey from completing her PhD in microbiology and cell biology to becoming a nature-based facilitator offers a revolutionary perspective on our relationship with the natural world. She demonstrates how we're constantly connected to other living organisms, whether we're in a forest or a city office. As the founder of Sense in Nature, Laurence helps organizations make nature their business partner, showing how this connection boosts wellbeing, creativity, and pro-environmental behaviors. Her insights reveal how acknowledging our inherent connection to nature isn't just about environmental awareness - it's about becoming fully human again. 


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Dias felizes!