domingo, junho 30, 2013

Compreender um texto é como compreender um cão - assim pensava Maria Gabriela Llansol, Goya, José Tolentino de Mendonça e... eu. Acrescento as perplexidades de Mattia Pascal pela mão de Pirandello que, por sua vez, vem pela mão de Pedro Mexia. 'Liberta de todos os laços, absolutamente senhora de mim, tendo perante mim um futuro que poderei moldar segundo os meus desejos', posso escrever sobre estas coisas [parafraseei Mattia Pascal mas acho que ele não se vai importar]


Gosto muito de ler José Tolentino de Mendonça. Conhecia-o da sua poesia e só agora que ele tem uma crónica semanal no Expresso, com o sugestivo nome que coisa são as nuvens, é que começo a conhecer a forma límpida como pensa.




A crónica deste sábado é muito bonita (são sempre muito bonitas). 


[Penitencio-me sempre que, ao querer exprimir o quanto gosto de um texto ou poema, só me ocorre dizer que é bonito. Parece-me fraquinho, poucachinho. Mas, por mais que me esforce, é isso que me ocorre.

Deveria ser capaz de usar palavras mais rebuscadas ou mais técnicas - e, agora que escrevo isto, ocorre-me a palavra oxímoro que acho uma palavra enviesada porque quase se pode confundir com oxímero, que não tem nada a ver, ou, quem diz isso, diz que talvez fosse interessante dissecar melhor a coisa, retalhá-la, etiquetá-la. Mas tudo isso me parece artificial, parece que é estragar tudo.


No outro dia, um colega meu contou-me que, estando a atravessar a China, deparou com campos e campos e campos cheios de chineses e chineses e chineses e andavam todos curvados a espetar flores de plástico na terra. Ficou admirado. Os chineses com quem ele ia explicaram, então, com o ar mais natural e emproado do mundo, que, como o mau tempo tinha devastado as colheitas, para a terra ficar mais bonita estavam a enchê-la de flores de plástico. Para os chineses isso era normal. 

Eu acho que olhar para um texto puro e belo e desatar a despejar palavreado por cima é a mesma coisa que espetar flores de plástico numa terra lavada pela natureza.

Mas, claro, admito que isto seja prova da minha rusticidade. Mas, rústica que sou, parece-me que dizer que uma coisa é bonita é uma boa coisa.]


Ler a bonita crónica do Padre José Tolentino de Mendonça confortou-me um pouco. Deu-lhe ele o título de O que é compreender.


Não vou transcrevê-la toda pois bom mesmo é lê-la toda, em papel, mas, para os que o não poderão fazê-lo, trago aqui um pouco:


(...) Talvez porque compreender seja outra coisa, peça de nós outro tempo, distinto daquele que estamos habituados a usar, nos exponha na nossa pobreza, encaminhe a nossa inteligência e o nosso coração por territórios porventura mais próximos do silêncio do que da palavra.

Penso muitas vezes naquela pintura de Goya que retrata um cão. Não sabemos exactamente o que é que o cão está ali a fazer: apenas vemos o seu focinho que sobressai, solitário, projectado num céu vazio. Dir-se-ia que ele fareja não já o mundo, mas a fronteira do mundo, à maneira de um detective metafísico.




Quando penso nesse cão de Goya acontece-me associá-lo a uma frase da escritora Maria Gabriela Llansol sobre o texto (que não há-de ser diferente do trabalho de compreensão do mundo e de nós próprios). A frase diz: 

                                             Compreender um texto é como compreender um cão...
                                             ou seja,
                                             é aceitar que não se fala,
                                             que não se compreende,
                                             excepto pela companhia

Armámo-nos de instrumentos sofisticados de análise, estratificamos, decompomos, observamos através de lentes que reputamos infalíveis, e esquecemo-nos desta verdade básica: a compreensão passa, necessariamente, por um avizinhamento, por uma descoberta mútua que só a reciprocidade vai tecendo e aclarando. 

A compreensão é um jogo jogado na consciência de que estamos perante o vivo, que se dá a ver na dobra, no intervalo, na interacção afectiva, na dedução incalculável daquilo que cada um traz escondido, sem nos deixarmos capturar pelas expectativas, sem impormos nada do que sabemos ou pretendemos saber.


Llansol tem razão: não compreendemos nada nem ninguém, excepto pela companhia.

(...)

O objectivo é poder alcançar aquela plena liberdade da definição que Montaigne propõe: 'Se me intimam a dizer porque o amava, sinto que só o posso exprimir respondendo: Porque era ele. Porque era eu'. 

companhia constrói-se, em seguida, na aceitação. Aceitar, aceitar - que exercício tão difícil. Aceitar a noite e o nada, o silêncio e a demora, aceitar a graça e a fraqueza, a diferenciação e o desapego. 

De tudo fazer caminho. 

Aceitar ver o todo apenas na parte, na visão incompleta, no gesto inacabado. 

A ansiedade de dominar é um equívoco.

(...)

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Dominar um texto? Dominar a compreensão de um texto? Dominar o conhecimento técnico da língua, de um estilo? ... Não. Não quero. Isso não me interessa. Dominar é menorizar o que se domina. Não se deve menorizar o que se respeita. Muito menos o que se ama.

Gostar de uma coisa (tal como gostar de uma pessoa) é deixá-la livre. Não tentar dominá-la, compreendê-la, possuí-la. É deixá-la ser. Apenas isso. É observá-la na nossa incompreensão. É gostar porque sim.


««»»




"Não sei como vim ao mundo, nem o que é o mundo, nem o que sou eu; vivo numa ignorância terrível de tudo; não sei o que é o meu corpo, os meus sentidos, o que é a minha alma, nem esta parte de mim que pensa aquilo que eu digo (...)". Isto escreveu Pascal. Blaise Pascal.

[E isto escreveu Pedro Mexia, também no Expresso, ao falar sobre "O falecido Mattia Pascal" de Luigi Pirandello. E vem mesmo a propósito do que José Tolentino Mendonça disse em que coisa são as nuvens.]


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As pinturas e a gravura são de Goya. Francisco José de Goya y Lucientes (Fuendetodos, 30 de março de 1746  — Bordéus, 15 ou 16 de abril de 1828) foi um pintor e gravador espanhol.

Na transcrição dos excertos da crónica de José Tolentino de Mendonça tomei a liberdade de acrescentar algumas consoantes. Palavras com letras a menos parecem-me palavras que saíram à rua sem cuecas. Pode ser que um dia me habitue mas, por enquanto, ainda não estou aí.

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E com isto me vou que já são horas. Tenham, meus Caros Leitores, um domingo muito bom. 
Que o excesso de calor seja compensado com belos banhos, frescas bebidas e outras coisas boas!

sábado, junho 29, 2013

A minha tia boazona


Ontem, de tarde, quando vinha para casa, telefonei à minha mãe como sempre faço. Sabia que uma das minhas tias lá ia e, por isso, perguntei à minha mãe se ela sempre lá tinha ido. Disse-me que sim, toda contente, e disse-me, 'ainda cá está! e está boa! olha quer falar contigo, vou passar' e passou-ma. Apareceu-me ela, então, voz risonha, tratando-me pelo meu diminutivo como faz desde que eu nasci, e disse-me 'olha, sinto-me boa... estou uma boazona!!!' e soltou uma das suas gargalhadas bem dispostas.

Qual o espanto disto tudo e porquê toda esta nossa alegria? Eu conto.





Quando eu era pequenina e ficava em casa da minha avó enquanto a minha mãe estava na escola, quase junto ao quintal da minha avó estava o quintal de um vizinho que tinha muitos filhos, entre eles uma rapariga magrinha e sempre alegre. Na altura, ela namorava um jovem simpático. Com um tom um pouco depreciativo, eu ouvia dizer à minha avó que ele era caixeiro viajante. Não sei. Ela gostava muito de mim e eu dela e, talvez por simpatizar comigo, arranjava maneira dele trazer amostras de shampoo de ovo, mesmo com um cheirinho a ovo. Eu gostava muito desse shampoo e ela aparecia lá em casa sempre com aquelas pequeninas embalagens que me deixavam toda contente. A minha avó dizia com ar um pouco superior, 'onde é que ele arranja tantas amostras de shampoo?', quase dando a entender que, para além de caixeiro viajante, ele ainda devia ser dos fraquinhos, dos que vendem shampoos, e pior, dos que em vez de darem as amostras aos comerciantes, as davam à namorada. Tudo antes de eu ter 4 anos.

Na altura, o irmão mais novo da minha mãe era um rapaz alto, bem constituído, jogava vólei, tinha uma mota grande cheia de cromados. Quando saía e fazia uma curva, acelerava, e a mota, toda ela, tombava e eu achava-o o máximo, um aventureiro cheio de ousadia. A minha mãe ameaçava-o, 'não quero que andes de mota com a menina; ouviste?' mas eu andava, com ele e com o irmão mais novo do meu pai, que tinha uma mota quase igual. O meu tio ria-se e dizia para a irmã estar descansada, enquanto me piscava o olho. Andava sempre na boa-vai-ela, não parava em casa. Quando estava, lia muito e houve uma altura em que pintava. Pintou um retrato meu, sentada num banquinho, eu com um vestido de veludo encarnado, com uma golinha de renda branca.

Até que a filha do vizinho deixou o caixeiro viajante e começou a namorar o meu tio. Era expectável. Eu adorava-os. Eles levavam-me a passear, conversavam comigo.

Depois, quando entrei para a escola infantil, tive a sorte de ela ter começado a trabalhar lá. Era quase o meu anjo da guarda. Como eu, nessa altura, era um bocado niquenta e nunca tinha fome para comer em casa, ela arranjava maneira de, quando chegava o pão ainda quentinho, me arranjar uma fatia com manteiga que se derretia toda. Ainda hoje, quando como pão caseiro com travo a fermento e a forno, me recordo das fatiazinhas que ela me levava quase como se estivesse a fazer uma coisa proibida - o que ainda tornava o pão mais saboroso.

Quando se casaram, claro que fui a menina das alianças. Vejo-me nas escadas da Igreja S. João de Deus na Praça de Londres. O meu tio, enorme e feliz, ela franzina e sorridente, eu de vestidinho de renda, curto, de saia rodada, cabelo apanhado com uma coroazinha de flores brancas, os meus pais também felizes (a minha mãe sempre de sorriso aberto, o meu pai mais sisudo, que nunca foi de riso fácil).

Toda a vida vi estes meus tios na boa, um casal cool, cúmplice. A minha tia, se hoje fosse nova, teria sido comediante, está sempre a dizer piadas que lhe ocorrem com uma graça e espontaneidade que só visto. O meu tio sempre a contar, na maior das naturalidades e felicidades, o que sabia a propósito de cada coisa (e sabia muito de tudo!).

Depois a minha tia engravidou. Uma amiga minha, quando estávamos no recreio da escola, disse-me que tinha sido o meu tio que se tinha posto em cima dela, na cama. Rebati com convicção: impossível, a minha tia não é capaz de o ter em cima, ele é muito grande, o dobro dela. Lembro-me como se esta conversa tivesse sido ontem. Por mais que a outra insistisse, eu concluía sempre que a minha tia seria incapaz de ter o peso do meu tio em cima dela.

Depois nasceu o meu primo. Foi um parto fácil. Ela, que era magrinha, deu à luz um rapagão enorme, sem ter tido dores, quase que o miúdo nascia no átrio do hospital.

Anos depois, com uma diferença de uns oito anos, salvo erro, eu já andava no liceu, a minha tia engravidou de novo e foi uma felicidade para todos. Nasceu uma menina e eu pedi logo para ser a madrinha. Escolhi o nome de que toda a gente gostou e que assenta na minha prima como uma luva.

A minha tia sempre foi minha cúmplice, era como se o seu espírito adolescente se mantivesse íntegro, inocente, jovial. Conhecia os meus namorados, fazia comentários, por vezes brejeiros, sobre eles, e eu gostava sempre de saber qual a sua opinião.

Quando comecei a namorar o que viria a ser meu marido, ela disse 'Eu logo vi que não tinhas deixado o X para ficares sozinha, calculei logo que houvesse outro mouro na costa'. Depois, quando o conheceu, decretou  com ar conhecedor: 'Olha lá, este ainda é mais giro que o outro. É muita giro...' e eu, depois dela o sancionar, fiquei ainda mais apaixonada pelo meu Cristo de olhos cor de mel.

O meu tio nem me fez qualquer comentário, falou desde o primeiro dia com esse meu novo namorado como se nunca me tivesse conhecido outro, com familiaridade e simpatia.

Claro que os convidei para meus padrinhos de casamento.

Nunca os vi aborrecidos, nunca lhes ouvi uma palavra desagradável. De vez em quando passavam-se com os meus primos, independentes, pouco convencionais, e contavam-me as suas preocupações mas tudo saudável, natural. Sítio onde estes meus tios estivessem, era sempre, por causa dela, um sítio de paródia. E ele ria-se, deliciado, das graças da mulher. Outras vezes, era ele que desfiava as suas erudições e ela ria, bem disposta, 'eu já podia ter aprendido alguma coisa com ele, mas não, continuo uma burra...'. 

Quando o meu pai teve o último e mais grave AVC, já lá vão mais de 3 anos, eles foram incansáveis a ir ao hospital e depois a casa dos meus pais. Como a capacidade locomotora do meu pai ficou seriamente condicionada, era este meu tio que os ajudava sempre que era preciso ir a algum médico. Respirava saúde. Muito alto, bem constituído, sempre bronzeado pelos passeios que dava, sempre a falar muito alto, um falador bem disposto, com uma memória prodigiosa.

No casamento do meu filho, o meu pai muito limitado, ele foi uma ajuda preciosa. Estavam tão felizes os dois, esse meu tio e essa minha tia. Ali estão na mesa, todos bonitos, bem encarados, sorridentes. Ou ao lado dos noivos, todos risonhos, e tanto que eles gostam dos meus filhos, como se fosse uma coisa do além, eu, a sua sobrinha ainda pouco mais que pequenina, e já com filhos tão grandes.

Frequentemente, quando à tarde eu ligava para a minha mãe, ouvia vozes a falar alto, risos, e já sabia que eram eles que lá estavam.

Mas um dia, inesperadamente, a minha mãe desatou num pranto. Quase não conseguia falar. Depois lá ganhou coragem. 'Estou tão triste. O meu irmão está muito doente'. Fiquei perplexa. O meu tio tão saudável... Ainda dias antes estava tão bem. Mas a minha mãe continuou 'tinha uma tossezita de vez em quando, pensava que era da sinusite, nada de especial, sempre teve. Depois às vezes sentia como que um leve sabor a sangue na boca, coisa de nada, pensava que era das gengivas, foi ao dentista, tratou-se. Mas no outro dia, achou que tinha mesmo um bocado de sangue na boca e a tua tia assustou-se, convenceu-o a ir ao hospital. É nos pulmões, está avançado'. A minha mãe contou-me isto a chorar e eu fiquei branca. O meu tio nunca fumou. Nunca o ouvi com tosses, falta de ar, sempre foi um homem possante, forte, dizíamos que ele era um poço de saúde. 

Mas o meu tio encarou as coisas com grande serenidade, dizia que já tinha vivido muito e muito bem, que estava satisfeito com a vida que tinha tido, que há quem viva vidas chatas e que ele não, sempre se tinha divertido e sido feliz e que, daí para a frente, cada dia seria uma vitória. E assim foi. 

Fez quimioterpaia e a quimioterapia não lhe provocou abalo nenhum. Continuou sem tosse, a respirar bem, bem disposto, como se estivesse saudável. A minha tia e a minha mãe, vendo-o assim, tão descontraído, aceitaram também bem e toda a gente andava optimista. Quando eu ligava à tarde, continuava, de vez em quando, a ouvi-los em conversa alta, animada, como sempre.

De facto, ao fazer exames, o mal parecia que tinha regredido. Parou os tratamentos e tudo voltou ao normal (de que, de facto, parecia nunca ter saído, tão bem os tratamentos tinham corrido e tão descontraidamente que todos estavam a encarar a situação).

Até que, por essa altura, a minha tia se queixou de uma incómoda dorzita no abdómen mas dizia não tinha paciência para ir a médicos, que com isto do meu tio estava farta deles. A minha mãe, dizia, é melhor ires, que é que te custa? Lá acabou por ir a uma médica amiga dela. A médica mal apalpou, sentiu logo que havia ali um volume estranho. Mandou-a ir rapidamente a um cirurgião (por coincidência, a um ligado à nossa família). Para surpresa de toda a gente, quando fez exames, teve que ser operada de urgência. Tinha um enorme tumor nos intestinos que já estava quase a causar obstrução. Pelo tamanho, admitiram que já devia estar em formação há uns 10 anos. Uma coisa incrível. Durante esse tempo tinha feito exames ginecológicos de rotina, e inclusivamente uns dois anos antes tinha feito uma intervenção cirúrgica ao útero. E nenhum dos médicos tinha dado por aquela massa que se estava a formar um pouco acima.

Quando foi operada, não apenas lhe tiraram o tumor como uma parte dos intestinos pois já havia metástases, as quais já tinham chegado ao fígado. 

Quando isto aconteceu, o meu tio, que andava feliz, foi-se completamente abaixo. Saber a minha tia doente, internada, com uma coisa destas, derrubou-o. Ainda me disse, tentando fingir o seu habitual bom humor: 'tu já viste uma destas? pensávamos que éramos os dois tão saudáveis e afinal uma destas... Olha, é para não nos ficarmos a rir um do outro' e riu-se. Mas já era um riso triste. 

A minha tia passou mal depois da operação. Tinha perdido muito sangue, estava anémica, a intervenção tinha sido profunda. O meu tio, que tinha encarado tão bem a sua doença, foi-se completamente abaixo ao ver a minha tia assim, fraca, com dores. E sabia que tinha ficado com o mal no fígado, para tratar depois de se recuperar da intervenção e depois de fazer quimioterapia. 

A partir daí o meu tio começou a piorar, acho que andava apavorado com isto da minha tia. Tinha que ir fazer um exame e não foi logo, deixou passar algum tempo, sempre muito preocupado com ela. Depois começou a ficar cansado. Entretanto, começou a minha tia a fazer a quimioterapia e ela tão preocupada também com a mudança que se estava a operar nele. Estavam os dois psicologicamente fragilizados. Quando ele fez o exame dele, o mal tinha avançado. 

Lembrei-me, então, daquele tratamento que há em Cuba e que parece estar a ter sucesso no tratamento do cancro do pulmão. Falei para a Embaixada. Depois da Embaixada, fui encaminhada para um médico. Depois passei  a informação ao meu primo para que ele falasse com o médico do meu tio. O médico não sabia de que se tratava, disse que se ia informar. Voltei a recolher informações. O estado do meu tio deteriorava-se de dia para dia. Cansado, não queria saber disso de Cuba. Como poderei ir, com a tua tia a fazer quimioterapia? E eu dizia-lhes que ela ia também, que ficavam lá a tratar-se. Mas ele não via como, e dizia que achava que não valia a pena. Mas eu não desistia, insistia com os meus primos, que falassem com o médico de cá, que o convencessem a ele. A minha mãe também apreensiva, 'mas como pode ir ele para Cuba, quando ela está naquele estado?' Eu insistia: 'vão os dois'. E a minha mãe, derrotada: 'mas como? uma viagem tão longa...' e eu irritava-se com eles a quererem desistir.

O meu primo ligou-me num domingo, estava muito preocupado, que os pés do meu tio estavam a inchar, que ele parecia que estava com pouca força, que já não queria ler, que já não se interessava pelas notícias, que a voz parecia já um pouco apanhada, que tinha estado a ver no google e que estava com medo que já estivesse na cabeça. Mas eu insisti: 'os tratamentos em Cuba estão a revelar uma taxa de sucesso muito grande'. Ia com o pai ao médico na terça feira de manhã porque o meu tio já lhe custava a ir sozinho já que a minha tia também estava fraca, e que iria, então, falar ao médico nos novos dados que eu tinha sobre o tratamento em Cuba, e eu já tinha elementos também sobre como tratar da viagem e estadia. Senti o meu primo mesmo preocupado, falava pouco. Insisti, uma vez mais, que encarassem seriamente a hipótese de tentarem ir. E pedi que me ligasse, depois da consulta.

Ligou-me nesse dia, à hora de almoço, a chorar. Pensei que o médico tivesse dito que não valia  a pena. Senti-me vencida. Mal percebia o que ele dizia. Depois percebi: 'o meu pai acabou de morrer'. Morreu no hospital, à entrada, quando ia à consulta: uma embolia encurtou-lhe o caminho. Fiquei sem fala. Meti-me no carro a chorar, pedi ao meu marido que avisasse os nossos filhos.




Saí dali para ir dar a notícia à minha mãe. Ficou desfeita, não queria acreditar. Depois foi, a chorar, dizer ao meu pai. O meu pai também começou a chorar. 

A minha filha foi também logo lá ter. Enquanto ela ficou com a minha mãe, fui ao hospital ter com a minha tia que já lá estava. Quando eu ia a entrar, passaram uns empregados com um caixão de metal. Iam para a capela mortuária que era ali quase ao lado. Não comentei com ninguém até hoje. Não sei se era o meu tio que ali ia. Senti uma aflição e um desgosto imensos. Fui ao encontro da minha tia. De repente, tinha envelhecido. Estava sem reacção. 

Foi um dia terrível. Nessa noite fomos velar o meu tio. A minha tia dizia 'acreditavas que ele ainda se podia curar, mas ele já não acreditava, tinha-se desinteressado da vida, foi-se abaixo com o que me aconteceu, dizia que não valia a pena andares a tratar daquilo tudo'. 

Nessa noite não fui capaz de escrever nada aqui. Aparece um texto escrito mas foi porque foi publicado à primeira hora da manhã, escrevo sempre à noite, as coisas aparecem geralmente já com a data do dia seguinte.

O dia depois foi ainda pior, a minha tia já estava a reagir, chorava, num desconsolo que dava pena. O meu tio foi cremado e as suas cinzas foram atiradas na Arrábida, serra que ele amava demais e onde gostavam de ir passear os dois. Lá no crematório, a minha tia dizia, como se ele ainda a ouvisse, "porque é que não esperaste por mim? o que é que eu vou fazer agora sem ti?". Nunca tinha visto a minha tia triste. As suas lágrimas ainda me fizeram sentir mais a súbita morte do meu tio. Os meus primos estavam devastados, tanta a tristeza. Estavam também lá vários sobrinhos dele, alguns por afinidade, do lado da minha tia. Todos estavam muito tristes, todos gostavam muito dele. Um chorava muito, afastado. Conheci-o pequeno, quando eu era também pequena, um pouco mais velha que ele. É agora director de uma grande empresa, chegou num grande carro, executivo. E abraçou-se à minha tia a fazer-lhe festas e depois foi para longe e chorava convulsivamente. Fez-me muita impressão.

Depois o meu primo levou a mãe para casa e eu levei a minha prima para casa da minha mãe, pois ela não tinha sido capaz de saber o seu irmão querido transformado em pó e tinha ficado em casa com a filha da minha prima.

Nesse dia, à noite, despedi-me aqui do meu querido tio. 

Custou-me muito. Ainda me custa. Ainda me custa acreditar. Tanta saúde que ele tinha, tão cheio de vida.

Mas a vida continua. A minha prima, quando o pai morreu, estava grávida, acabada de saber. Não quis dizer nada na altura. Chorava muito, por tudo, e por o pai não ter sabido que vinha outro bebé a caminho. 

Entretanto, a minha tia teve que voltar a ser operada, agora ao fígado. Foi há uns meses. Estava no hospital quando nasceu a bebé da minha prima. Teve um grande desgosto por não poder estar ao pé da filha num momento tão especial. Tiraram-lhe uma parte do fígado. Sem o meu tio, de quem era inseparável, sozinha, sem estar habituada a tratar de uma série de coisas, a ter que andar a tratar-se, a minha prima a viver longe, o meu primo a trabalhar e com duas crianças pequenas, não podendo ocupar-se da mãe a tempo inteiro, não tem sido nada fácil. Mas a sua natureza é de optimista, de lutadora. Diz que gostava de viver ainda um bocadinho mais para poder ver um pouco mais o crescimento dos quatro netos.

Quando foi operada, longe de casa, longe dos amigos, tentei suprir as ausências, indo visitá-la todos os dias. Embora combalida, estava animada, é forte, conversávamos imenso ali na sua cama de hospital. Ao fim de poucos dias teve alta e foi para casa sozinha. Não sei como teve força para isso. Mas teve. 

A seguir veio o calvário de nova série de quimioterapia. Desta vez foi-se muito abaixo, muito fragilizada, vinha de lá agoniada, sem força, a sentir-se doente, tonta, mal, mal, mal. A minha mãe sem quase poder sair de casa por causa do meu pai não lhe pode valer, eu também estou longe. Tem uma amiga viúva que a ajuda, que vai lá a casa todos os dias. Mas, enfim, a vizinha também tem a sua vida. Então eu telefonava-lhe e, ao princípio, aparecia-me ao telefone quase sem força, a voz débil. Depois animava-se e, para o fim, já estávamos as duas na palheta, como sempre, já o bom humor a despontar.

Agora parou a quimioterapia, o organismo já não aguentava. Chegava estar lá quase um dia inteiro, tanta a dificuldade. E com anemia. Parou. Vai fazer exames em breve mas diz que voltou a ter apetite, que come que se farta, que já engordou dois quilos, esteve toda a tarde na conversa e na paródia com a minha mãe e diz que já está boa, uma boazona. E eu fico tão feliz por ela.

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Tenham, meus Caros Leitores, um belo fim de semana. 
Desejo-vos muita saúde e que tentem ser felizes. A vida é curta. Mas pode ser boa.


sexta-feira, junho 28, 2013

Andrea Pirlo, jogador de futebol no Juventus, considerado um dos melhores jogadores italianos de todos os tempos, produtor de vinhos, conhecido por 'o arquitecto': um homem com muita pinta, um verdadeiro sexy man, essa é que é essa. [E era para vos falar da minha tia mas não consigo; a ver se fica para amanhã]


Como expliquei abaixo, estive em jejum a ver se acabava o jogo de futebol Itália-Espanha.Vá lá saber-se porquê, aqui em casa os jogos de futebol têm que ser vistos com concentração, não se aprecia jantar enquanto se vê o jogo.


Contudo, como a coisa foi para prolongamento, lá se abriu uma condescendente excepção.

Ou seja, jantei enquanto decorria a primeira parte do prolongamento (ou a segunda? ou as duas?). Como a coisa também não se desenvencilhou por ali, voltámos à sala enquanto decorriam os penaltis.

E o que me ficou da parte do jogo que vi?

Andrea Pirlo.



Andrea Pirlo
 nascido em 1979,
joga no Juventus
e é considerado um dos melhores jogadores italianos de sempre




Todo suadão, em esforço, todo ele entregue à luta - chamou-me a atenção. 

A cara não me era estranha. 'Quem é aquele?'. Resposta: 'Já no outro dia perguntaste a mesma coisa. Pirlo. Produz vinhos'.

Bem me queria parecer que não era a primeira vez que o via. Não faço a mínima ideia de quando foi mas é verdade, sou pessoa de gostos constantes. E de fidelidades, como se vê.

Fui agora conferir o seu CV na wikipedia não vá acontecer-me como quando disse que achava o Bruno Alves o máximo. O meu filho olhou-me com ar de censura e perplexidade 'O Bruno Alves?! O maior sarrafeiro!'. Não sabia que o Bruno Alves era um sarrafeiro mas devo confessar que isso ainda o elevou mais (secretamente, claro...) aos meus olhos. E se ele se elevava bem, senhores.



Bruno Alves,
um sarrafeiro com muita pinta e que sempre achei que tinha ar de boa pessoa



E tinha um ar aciganado. E agigantava-se, e ia à luta. Um bravo. Praticamente só via os jogos da selecção para o ver a ele. Agora foi não sei para onde, nunca mais o vi. Os jogos da selecção perderam graça.

Adiante.

Volto ao Andrea. O Andrea tem atitude de senhor. Muita pinta. Estilo. Carisma. 



Andrea Pirlo, pinta dentro e - pelos vistos - fora do campo
(das quatro linhas, diriam os entendidos)


É assim que eu lhes tiro a pinta: basta-me vê-los um bocadinho em campo para perceber se têm presença, se fazem a diferença. Carisma. Já com aquele francês foi a mesma coisa. Como é que ele se chama? Aquele argelino? Já sei, o Zidane. Uma energia e uma focalização extraordinárias. 



Zinedine Zidane: francês mas com sangue argelino

(e a diferença que isso faz...)


Uma pantera em acção. O que eu torcia pela França por causa dele... Depois soube que, num inquérito internacional, as mulheres o elegeram como o homem mais sexy do mundo. Claro. Acho que também jogava bem futebol. Melhor ainda (para ele).

Uma vez desatinou, deu uma cabeçada noutro. Foi um escândalo. Mas eu gostei de ver. Quer dizer: percebo que o desporto não é isso, e tal. Mas aquilo não foi uma questão de desporto, aquilo foi um acesso agudo de testosterona. Desculpei-o, claro está.

Este Andrea também tem um estilo, um garbo... Uma masculinidade, não sei. Muita pinta.



Andrea Pirlo e Deborah Roversi, sua mulher

(havia de ser solteiro com uma pinta destas?)


Li na wikipedia que diziam que ele descende dos Sinti, ciganos. Ele diz que não. Mas tem ar disso. Lá está: gosto dos homens assim, aciganados, ou com uma certa pinta árabe, ar perigoso.

E pronto, não sei dizer mais nada sobre o tema. E, de qualquer forma, é prudente não dizer mesmo mais nada. (O que é que vocês agora vão ficar a pensar de mim...?)

O meu marido é que costuma dizer que as mulheres quando chegam a uma certa idade, ficam malucas. Não desminto mas, para ser sincera, acho que sempre fui assim.

STOP.

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[PS: Se quiserem seguir para bingo é descerem um pouco mais, até ao post a seguir a este]

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Era para vos contar hoje da minha alegria pela minha tia que hoje me disse por telefone que agora estava muito boa, uma boazona

[Mas estou verdadeiramente cheia de sono (tenho-me deitado sempre às 2 e tal e, como me levanto cedo, tenho dormido umas escassíssimas horas; além disso, este calor ainda me espapaça mais; e ando cheia, cheia de trabalho; estou aqui a escrever isto e a ouvir os mails a chegarem ali no meu smartphone e a resistir para não os ir ler e pôr-me a trabalhar).] 

A ver se fica para amanhã pois gosto muito desta minha tia e o que ela tem passado não é coisa pouca. Mas haviam de ouvi-la ou vê-la: sempre animada. Conheci-a quando ela ainda nem namorava o meu tio, já já vão milhares de anos, e era uma jovem alegre e namoradeira. Depois de tantas agruras que tem vivido, continua a mesma jovem, pronta para uma vida longa, cheia de alegria. Até eu, que sou como sou, me impressiono com a força animíca desta minha tia.

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Convido-vos ainda a irem dar uma espreitadela ao meu Ginjal. Hoje estreia-se por lá um novo Poeta, Nuno Costa Santos e, de mão dada com ele, escrevi um pequeno texto. Escrevi, não: escreveu-se ele sozinho pois estava de olhos quase fechados, já mais a dormir que acordada, nem sei bem como é que a coisa se passou. A seguir há uma música em festa: Gustavo Dudamel dirige a Orquestra Juvenil Simón Bolívar.

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E fico por aqui antes que caia aqui em cima do teclado e vocês, quando abrirem o Um Jeito Manso, dêem de caras comigo em carne e osso a dormir dentro do vosso computador. Imaginem o susto que apanhavam. 

Tenham, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira! 
Posso sugerir-vos que apreciem muito bem cada pequeno instante da vossa vida?

quinta-feira, junho 27, 2013

Um homem nu a correr no desfile da dupla Dolce & Gabbana Men Fashion Show Spring/Summer 2014? Que mal tem? Não vejo nenhum mal, acho até que teve mais graça que os outros que desfilaram naqueles trajes todos amaneirados (bem, tenho que ser justa: alguns, em roupinha interior e informal, também não estavam nada mal). Ora, se fazem favor, confiram no Dandy Diary.


Enquanto dura o futebol e enquanto espero que aqui em casa se possa ir jantar, entretenho-me com coisas inapropriadas. Mas dar futebol à hora de jantar não é ainda mais inapropriado? 

Para ver se me deito mais cedo, já estive aqui a ver se adiantava a minha empreitada diária, a pensar sobre o que haveria de escrever hoje mas, que querem?, só me puxa a mãozinha para ao disparate... Ou é da fome ou do calor ou de ter tanto trabalho numa altura destas, não sei. 

Ontem, como poderão ver no post a seguir, a conversa já desandou para as couves que fazem melhor as contas que o Gaspar e para os galos, coitados, a quem não cresce o pénis. 

Hoje, por enquanto, estou melhorzinha, obrigada, mas, enfim, não completamente bem.

Mas isto é o calor. Só me apetece andar sem roupa e, por isso, para não destoar, só me apetece ver gente sem roupa. E, assim sendo, sinto-me mais fresquinha da cabeça com a 'cena' que aqui abaixo se pode ver e que se resume facilmente: na semana da Moda de Milão, quando o desfile da dupla Dolce & Gabbana estava já a acabar, um homem nu, com um corpinho bastante jeitoso, invadiu a passerelle, correndo como se estivesse a festejar um golo. Lionel Messi, que estava na plateia, ficou admirado assim como todos os outros. Não descansaram enquanto não o tiraram de lá. Não sei porquê.








Ainda cá volto, acho eu.

O gene Bmp4 que, cá para mim, se alojou na cabeça do ex-Doce; a fraca inteligência matemática de Vítor Gaspar quando comparada com a de uma couve; o meu gosto por chapéus; e não me lembro se mais alguma coisa (... ah, já sei, os pénis dos galos)





Estava eu a escolher chapéus em Ascot, indecisa sobre a (in)oportunidade do tema em dia de greve geral, e preenchendo a minha indecisão com o Manifesto de YSL (conferir no post abaixo, sff), quando vejo que a Margarida acabara de publicar um post justamente sobre chapéus. Fiquei perplexa. Sintonia? Telepatia...? Diz ela que nada disso: "les beaux esprits---" trá-lá-lá...;)

Mas eu não sei...

Confesso que, depois da estupefacção, sobreveio uma hesitação ainda maior. Às tantas, alguma mentezinha limitada, daquelas que gostam de andar por aí armadas em moralistas de serviço, ainda me aparece aí a pregar - que isto não se faz, que é uma coisa muito feia, que é plágio e o escambau - sem perceber que o que eu sou mesmo é mediúnica. 

Mas, mais do que mediúnica, o que eu se calhar sou mesmo é loura burra: tanto que batalho contra estes incompetentes que nos desGovernam e, logo hoje, em dia de greve geral, um dia depois dos próprios patrões virem publicamente dizer que percebem as razões dos trabalhadores (ao que, Passos, na AR, lhes respondeu que se está nas tintas tanto para uns como para outros) só me dá para ligeirezas destas. Vá lá perceber-se a mente humana. Eu não percebo. Nem a humana, nem a minha (pois, como é sabido, não é certo que eu seja humana; pode muito bem acontecer que, à semelhança do manuel, seja apenas germana, maria germana).





Mas adiante. Não sei se é do calor, se é que uma cabecinha fraca como a minha pede alguma coisa que a proteja ou se é mesmo já ela a entrar em greve - o facto é que hoje estou mesmo é numa de chapéus. Nada a fazer (a menos que, lá mais para baixo, consiga esparvoar sobre outra coisa qualquer).

Adoro chapéus. Fosse minimamente hábito por cá e sairia sempre de chapéu. Assim, tenho que me contentar em invejar aqueles maravilhosos e imaginativos chapéus ingleses. 




Tenho vários, confesso. Não, infelizmente, dos artísticos, despudorados. Não, nada disso: normais. Um dos que prefiro é do mais simples que há: um chapéu basco, com fita encarnada. Comprei-o em Biarritz.

O último que comprei é lindo, de uma palhinha muito macia, clara, quase parece um tecido espesso, abas largas que só visto, direitas mas arredondadas, uma fita de sede beige em volta da copa. Fica elegante. Ainda não o usei. Acho que ficaria bem com um vestido branco comprido, sem mangas, decotado. A ver se me aparece para aí uma ocasião onde se proporcione. É que o drama é que raramente os posso usar. Ainda por cima, todos os casamentos a que ultimamente tenho ido são à tarde, agora é tudo na base do cocktail de fim de tarde, com jantar e ceia. E, chapéus em casórios, só se forem até à hora de almoço, claro.




No último casamento a que fui ao final da manhã, já há que tempos, ainda a minha filha era miúda, estava tentada a levar um à maneira. Mas, da sondagem que fiz antes, não sabia de quem fosse de chapéu. Por isso, não me arrisquei a ser a excêntrica do festim. Mas eis que, quase de véspera, a noiva me avisou que as (imensas) primas e cunhadas tinham, à última hora, resolvido ir de chapéu, que umas já os tinham e outras andavam a correr Lisboa à procura deles, nem que fosse a alugá-los. Por isso, que eu estivesse à vontade, que fosse de chapéu.

Mas assim, mesmo em cima da hora...?

Não me atrapalhei. Resolvi improvisar.

Na altura tinha o cabelo mais comprido que hoje e imaginei logo um contraste entre o cabelo e o artefacto. Fui a uma loja de tecidos e comprei uma faixa de tule preto para mim e uma faixa de tule cor de rosa para a minha filha.

Depois comprei lantejoulas pretas para o meu enfeite.




À minha filha, que ia com um vestido em tons de rosa e branco, fiz-lhe um bruto laço, farfalhudo, vaporoso, enorme, de lado. Como era uma faixa larga, depois do laço feito, desdobrei-o, enfolei-o e ele ficou todo artístico. Não apenas lhe segurava o cabelo como lhe dava uma graça especial: ficava extravagante, moderna, gira.

Para mim, cosi as lantejoulas na faixa de tule preto, que era grande, larga, depois apanhei uma parte do cabelo atrás, em cima, e fiz um laço imenso, também fofo, empoladíssimo, transparente, exuberante, vaporoso, cheio de brilhantes. Uma vez que o tule é aberto e a as lantejoulas reflectiam a luz, não ficava escuro e sobressaía sobre o cabelo. E como o vestido era justo, em tons prateado e cinza a escurecer para cima e todo coberto de brilhantes, com um grande decote, quase sem costas, aquele remate no alto da cabeça ficava mesmo a calhar. Acho que ficou bem. 

Tenho no meu quarto uma fotografia de nós quatro (eu, o meu marido, o meu filho e a minha filha) lá no palácio onde se realizou o casamento, estamos à frente de um quadro enorme que vinha até ao chão, com figuras religiosas. O décor é do mais clássico que há, o meu marido também clássico, do mais clássico que podem imaginar - que ele nem um pesponto a mais admite num casaco, tem que ser tudo absolutamente clássico - o meu filho também clássico (outro que tal: desde pequeno que nunca admitiu qualquer peça de vestuário que pudesse dar nas vistas). E depois estou eu e a minha filha com aqueles artefactos na cabeça, completamente ascotianas.




**

Ok. Agora que já mostrei um pouco da minha futilidade, já me sinto um pouco mais aliviada - é que não quero enganar ninguém. Não fossem vocês pensar que eu sou uma chata, só números, só política, só livros, pior: só poesia - assim já estamos entendidos. Não sou nada disso. Chapéus, colares, perfumes, blusinhas, carteirinhas: c'est moi.


E, já que estou numa de leveza, volto-me agora para as florzinhas. Ou para a hortaliça, para o caso vai dar ao mesmo. 

Tenho a dizer-vos que acho que uma couve sabe mais de aritmética que o Gaspar. E que um girassol põe não apenas o Gaspar como o Moedas, o António Borges, (do Passos e do Portas nem vale a pena falar), o Carlos Costa do BdP, e o Cavaco - todos juntos - num chinelo. 

Qual deles domina de olhos fechados as sequência de Fibonacci? Pois um girassol nem pestaneja. E agora não estou a brincar que eu não brinco com coisas sérias.

Os cromos que referi andam à nora, a correr atrás do prejuízo como o ex-doce gosta de dizer, sem acertarem num único número. 

O défice já devia ser 3%? Impossível, a coisa derrapou. Corrige-se e passa para 4%. Não dá? Corrige-se e passa para 5%. Azar... já vai em 10%. Ora bolas. A dívida já vai a caminho dos 130%. Ó caraças. E o desemprego que era para ser 13%, depois 14%, depois 16%, vá lá, uns 17%, ora gaita, que já passou os 18% e, de verdade, já vai acima dos 20%. Raça de números, que nunca batem certo.

Enquanto isso, as couves, os girassóis, uma humilde couve-flor ou mesmo qualquer simples alcachofra fazem cálculos, usam regras da física quântica e sei lá que mais, sem falharem um.




Transcrevo um pouco (e sugiro que não percam o artigo completo) para não pensarem que isto é o chapéu a escrever e não eu: 

Modelos matemáticos usados por uma equipa de cientistas do Centro John Innes, em Norwich (Reino Unido), provaram que a quantidade de amido consumido pelas plantas de noite é calculada com precisão através de operações de matemática.



A revista "Sience" revelou recentemente que investigadores da Universidade do Arizona (Tucson, EUA) demonstraram que as sementes do girassol se organizam em espiral na flor, da forma mais eficiente para maximizar a sua capacidade de captar a luz do sol.


E para isso, os números sucessivos de espirais no sentido dos ponteiros do relógio e no sentido retrógrado em que estão organizadas as sementes do girassol são números da famosa sequência de Fibonacci (1, 1, 2, 3, 5, 8, ...), em que cada número é igual à soma dos dois anteriores.   

Cientistas do Instituto de Ciências Fotónicas em Castelldefels, Espanha, descobriram também que as plantas usam as regras da física quântica (ramo da física que lida com os fenómenos à escala atómica e subatómica) quando captam os fotões (partículas) da luz solar e os injectam nas suas células, convertendo a energia com um grau de eficiência muito grande.


Acho o máximo. A si que me está a ler pergunto-lhe: sabe alguma coisa de física quântica? Não...? Pois pergunte a um nabo que ele lhe explica.




E, já que o assunto dos chapéus me transportou para o fascinante mundo da biologia, tenho a dizer-vos que acho uma outra coisa: desta feita, ocorreu-me que na cabecita do ex-Doce se lhe alojou o Bmp4, um gene que é do caraças.

E, quem diz na cabeça do ex-Doce, diz na cabeça de mais uma data deles. Mas, enfim, na do ex-Doce a coisa talvez seja mais notória.




Sabem o que é a fotografia acima? Não? Já viram bem? Ainda não? Não vos parece vagamente familiar? Não...?

Pois. Então, não queiram saber.

É uma coisa que era para ser mas não foi - é o que eu posso dizer.

Adoptemos, então, um registo mais académico que o assunto é, uma vez mais, muito sério.

O gene, chamado Bmp4, codifica para uma proteína que leva à morte celular. Parece que é esse gene levado do diabo que se alojou no pénis dos galos, não deixando o órgão crescer. 


Transcrevo uma parte: O galo perdeu o seu pénis ao longo da evolução, assim como os machos de outras dez mil espécies de aves que têm pénis rudimentares ou não têm de todo. Agora, os cientistas conseguiram perceber o que se passa a nível do desenvolvimento embrionário do Gallus gallus: há uma morte celular programada que não permite que o seu pénis cresça. O artigo com a descoberta feita por uma equipa de investigadores do Instituto Médico Howard Hughes, em Maryland, nos Estados Unidos, foi publicado na revista Current Biology desta semana.

“A nossa descoberta mostra que a redução do pénis durante a evolução das aves ocorre pela activação de um mecanismo normal que resulta no programa de morte celular, mas que aqui aparece num local novo, a ponta do pénis emergente”, explica Martin Cohn. Os cientistas experimentaram ainda impedir a expressão deste gene naquela região do embrião do galo e verificaram que os pénis cresciam normalmente nos embriões mutados.


Ora se isto tem este nefasto efeito nos pénis dos galos, imagine-se o que faz na cabeça dos primeiros-ministros. Na volta é mesmo por isso que o doce tem tão poucos miolos: o Bmp4 impediu-os de se desenvolverem.

Mas, enfim, isto sou eu para aqui a apalermar, madame mais dada a imaginar-se de artefactos na cabeça que a raciocínios elaborados. Ou então é também efeito do calor. Não tenho onde andar de chapéu e depois dá nisto, muito sol na moleirinha nunca fez bem a ninguém.





E mais nada por hoje. Beijinhos e abraços. 

***


Já me esquecia: lá para as bandas do meu Ginjal, a meio caminho entre o estar presente e pronta para vos receber e já um bocadinho em greve solidária, tenho comigo o Luís Miguel Cintra que, com a sua bela voz, nos diz Camões. Olari.

E agora é que é mesmo: o que eu estimo é o que eu desejo. Vou ali e já volto. A vitória é difícil mas é nossa.



Manifesto

A versão oficial




A versão não oficial por James Bort



We gave carte blanche to the photographer James Bort (http://www.jamesbort.com) in order for him to create a video clip for the launch of the Manifesto fragrance.

"This movie is a little tale with no morality. It speaks of Art and Desire and is featured in Paris and New York. It is also a woman's manifesto, the YSL woman I imagine deeply in love with freedom and creation"


quarta-feira, junho 26, 2013

Levem-me para Gliese 667Cc, por favor. Que os seus habitantes me venham buscar ou visitar. Quero estar bem longe do incompetente Vítor Gaspar e do seu colossal défice de 10%, do seu ataque sistemático a quem trabalha ou trabalhou para entregar o fruto do seu roubo ao sistema financeiro, a quem venera; quero estar bem longe do cínico e mau Nuno Crato que atenta contra a dignidade dos professores e enfraquece a posição dos sindicatos. Quero acreditar que, perto de nós, no sistema estelar onde se admite haver vida, habitam seres puros, normais. E, para me animar, vou buscar o João Vasco Coelho para me falar d' O amor de agora.




Gliese 667Cc


Tomara que, algures, em Gliese 667Cc, só haja seres civilizados, vivendo em harmonia, vivendo felizes, entre rios frescos que corram entre árvores frondosas, que os jardins tenham flores magníficas, sombras macias, e que digam entre si palavras muito belas. Tomara que a vida lá seja tão acolhedora, tão repleta de afabilidade que ninguém tenha que se afastar da realidade para se sentir em casa. Tomara que todos vejam a alegria e a bondade no olhar uns dos outros, que genuinamente estendam a mão a quem percebam que sentirá prazer num gesto assim tão simples. 


Send us a quiet night, por favor




Tomara que por lá o ar seja ainda muito puro, a água muito límpida, a luz seja doce, clara às vezes, coada outras. Ou que as noites sejam secretas, mágicas, habitadas por doces ilusões, desejos ardentes. Tomara que haja um dia inteiro cheio de luz para os que gostam de viver de dia e um dia inteiro cheio de noite para os que gostam de se mover entre as sombras. Ou que seja fácil deslocarem-se de um lugar para o outro, talvez bastando o pensamento.

Tomara que os habitantes de Gliese 667Cc estejam perto de mim, que me vejam, que me conheçam, que sorriam com compaixão quando me excedo, que me olhem com ternura quando deixo que a imaginação me leve. Tomara que um dia me venham visitar. Tomara que estejam, até, aqui do lado de fora da minha janela, dançando sobre o rio. 

Tomara que desconheçam a mesquinhez, a mediocridade. Que sejam artistas, uns pintando, outros compondo, outros tocando, outros escrevendo, outros dizendo poesia. Ou cientistas que construam caminhos de amor, caminhos de palavras e de luz. Tomara que um dia eu acorde rodeada por eles como se estivesse dentro de um sonho.



This artist’s impression shows a sunset seen from the super-Earth Gliese 667 Cc.
The brightest star in the sky is the red dwarf Gliese 667 C, which is part of a triple star system.
The other two more distant stars, Gliese 667 A and B appear in the sky to the right.
Astronomers have estimated that there are tens of billions of such rocky worlds orbiting faint red dwarf stars in the Milky Way alone.


(Caption and image courtesy of the ESO/L), daqui


Não é impossível. Hoje soube uma coisa que me encheu de sonho: Astrónomos identificaram um sistema estelar, muito próximo da Terra, com pelo menos sete planetas, três dos quais a orbitar uma estrela numa região onde a água pode existir em estado líquido, informou, esta terça-feira, o Observatório Europeu do Sul.





Segundo uma nota do OES, organização da qual Portugal é um dos países-membros, trata-se do "primeiro sistema que se descobre onde a zona habitável se encontra repleta de planetas", o que os torna "bons candidatos à presença de vida". 

A estrela tem cerca de um terço da massa do Sol e faz parte do sistema estelar triplo Gliese 667, localizado a 22 anos-luz de distância na constelação de Escorpião, encontrando-se, por isso, muito próximo da Terra, na "vizinhança solar", adianta o Observatório Europeu do Sul. 






Três dos sete planetas revelados são super-Terras, planetas com mais massa do que a Terra, mas com menos massa do que Urano ou Neptuno. Estão na zona habitável da Gliese 667C, "uma fina concha em torno da estrela onde a água líquida pode estar presente", se estiverem reunidas as condições adequadas. 

De acordo com o Observatório, os três planetas situados na zona habitável e dois outros que se encontram mais próximo da estrela "apresentam sempre a mesma face virada à estrela", o que quer dizer que "o seu dia e o seu ano têm a mesma duração, e num lado do planeta é sempre de dia, enquanto no outro é sempre de noite". 



Tudo nisto me parece do domínio do encantamento, uma fina concha em torno da estrela, planetas que têm uma das faces sempre virada à estrela, na vizinhança solar, bons candidatos à presença de vida. Que belas palavras. Que boas notícias. Que bom.

Sempre acreditei que não estamos sozinhos neste infinito caldo estelar, neste imenso espaço no qual rodamos sobre nós próprios. Mas saber que os outros podem estar muito próximos enche-me o coração de alegria, de esperança, de expectativa. Que venham buscar-me, quero ver como é.


^^^^

Sei que, depois disto, não faz sentido falar aqui da mediocridade que tomou de assalto o meu País. Não faz sentido falar de criaturas mesquinhas, eu sei; não faz sentido falar, por exemplo, do mau perder de Nuno Crato, sujeitinho mau, muito mau, criatura execrável que, nem no momento em que chega ao acordo possível, sabe estender a mão. Não. Teve que rebaixar os sindicatos, enfraquecê-los, dizer que a greve era escusada. Para salvar a sua pele conspurcada, não se ensaia nada em denegrir a imagem dos professores.

Num planeta em que a água ainda corresse límpida, um Ministro da Educação honraria os professores, zelaria por que todo o País sentisse orgulho neles, por que as famílias se sentissem solidárias para com as suas dificuldades e reivindicações, por que os alunos os olhassem com muito respeito. Aqui, desgraçadamente, acontece o contrário.




Criatura desprezível a que fala como ele falou depois dos Sindicatos terem levantado a greve - quando devia dizer palavras de apaziguamento, vem atiçar os professores contra os sindicatos, a população contra os professores. Criatura desprezível a que, por pura maldade, atenta contra a dignidade de toda uma classe. 


Por aqui, no planeta Terra, a natureza por vezes degenerou e a algumas criaturas já lhes corre nas veias  fel, um fel gelado, em vez de sangue puro e quente.


Nem faz sentido falar do psicopata social Gaspar que - comprovando-se que o dinheiro está a ser roubado a quem trabalha para o entregar aos especuladores financeiros (as receitas com o IRS subiram vergonhosamente, quase tanto como subiu a despesa, nomeadamente a que se refere a juros da dívida), que sobe a verba gasta com os que se viram espoliados do seu trabalho (sobe a despesa com o subsídio de desemprego) - vem, amoralmente, gabar-se de vitória, dizer que está tudo a correr muito bem. Desprezível. Muito, muito desprezível.





E nem faz sentido salientar a falta de vergonha dessa desprezível criatura (que tem tranquilamente destruído o País) ao dizer que um défice trimestral da ordem dos 10% não tem problema nenhum, que isso se deve à capitalização do Banif (coisa de somenos, na sua boca infecta). 


10%?!?! 10%?!?!?! É de loucura. E ainda goza. Dizendo alarvidades sempre no mesmo tom árido, Vítor Gaspar há muito tempo que anda a gozar connosco.


Para fazer tudo o que as instituições financeiras querem, há sempre dinheiro. Aquilo do 'Não há dinheiro. Que parte é que não percebeu?' não se aplica quando há que limpar swaps que poderiam ser resolvidos na justiça, pagar como despesa certa o que o não era, salvar bancos que andaram a brincar com ratoeiras, pagar juros agiotas a quem deles gosta de viver. Só se aplica quando deita a mão aos ordenados de quem trabalha, às pensões de quem trabalhou uma vida inteira e fez descontos, quando aumenta impostos sem qualquer pudor, quando resolve não pagar subsídios, quando atira para o desemprego centenas de milhares de pessoas e entrega ao estrangeiro os nossos melhores jovens. 


No planeta Terra a natureza por vezes degenerou e produz criaturas assim, desavergonhadas, perigosas, cruéis, sem moral.

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Por isso, porque não faz sentido falar mais destas insignificantes criaturas, mesquinhas, medíocres, pérfidas, volto-me de novo para Gliese 667Cc. 

Abri agora a janela, tentei adivinhar onde está. Onde estão os seres transparentes, suaves, bondosos, que a habitam? Não sei. Olho em volta sem saber onde focar o meu olhar.

Mas, no imenso céu, a lua irradia uma luz branca que se reflecte no rio. Estive à janela. Está uma noite branca, quente, boa para afogar tristezas, para incendiar os corpos, para esconder todos os segredos.



Não me apurei muito, a fotografia ficou desfocada. É pena.
O luar sobre o rio numa noite quente como a de hoje é de uma beleza imensa.
Transmite bem estar, vontade de sonhar.



                                                                           Não sabemos
                                                                           se o amor de agora
                                                                           implica juros
                                                                           ou sentença de pagamento
                                                                           retroactivo,

                                                                           seja como for,
                                                                           respiramos melhor
                                                                           com um amor, agora,
                                                                           nas vezes em que anoitece devagar.


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O poema acima chama-se 'O amor de agora' e consta do belo livro 'Na ordem do Dia' de João Vasco Coelho. A música lá em cima é 'Send us a quiet night' e é de June Tabor, a quem muito admiro.

Os cartoons do Crato e do Gaspar, esses tristes exemplares do desGoverno de Passos Coelho, provêm, uma vez mais, do profícuo blogue We Have Kaos in the Garden.


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Gostaria ainda de vos convidar a uma passeata pelo meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje, por lá, um homem espera uma mulher que lhe enviou uma mensagem dizendo que ia aparecer. Fui levada pelo João Vasco, poeta de quem estou a gostar muito (acho que já o disse no outro dia). A seguir o Maestro Gustavo Dudamel enche o Tejo de uma intensa musicalidade.


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Desejo-vos, meus Caros leitores, um dia muito feliz. 
Está muito calor mas existe sempre uma sombra para nos acolher.

terça-feira, junho 25, 2013

Segundo o Washington Post, Portugal é um país triste, sem vitalidade, onde já não se nasce. Entretanto, os juros da dívida portuguesa sobem para perto dos 7%. Os empresários juntam-se para pedir ao Governo que mude de rumo, que baixe os impostos, que deixe a economia respirar, que reconheça que a receita falhou. Debalde. Passos Coelho já respondeu que não muda de rumo. E, enquanto a desgraça continua, a Alemanha importa jovens formados em Portugal. Até quando, senhores? Até quando??!?!??!?!?!


No post a seguir a este conto-vos uma fofoca. Coisa feia. Não sei se daqui a nada não a apago. Não gosto nada de contar fofocas - mas esta tem tanta graça, que não resisti. Pena que não possa contar-vos tudo. Se calhar, assim, omitindo uma parte, nem tem tanta graça.

A seguir há uma festa de anos. Se quiserem, apareçam. Com sorte, se se apressarem, talvez ainda encontram por lá um dos maiores comediantes do nosso tempo. 

Adiante que isso é a seguir. Agora, aqui a conversa é outra.



Mafalda Dioho Sabino is held by her mother, Susana Diogo, in Vila Velha de Rodao, Portugal.
The local newspaper heralded her birth last September with a half-page spread and a goodie basket of oils and lotions delivered to her door.
Every day since, seemingly everyone has wanted a piece of the little celebrity.
In this graying corner of the Iberian Peninsula, the 9-month-old’s claim to fame is merely being born.


Matt McClain / The Washington Post


Tanta campanha que o Moedas e o Gaspar e o Rato e a Maria Luís dos Swaps e outros inteligentes têm andado a fazer pelos States e, afinal de contas, eis que o Washington Post retrata Portugal como um palco de decadência, desolação, abandono. E, inteligentes como são, dão um tiro na mouche: com esta taxa de natalidade e com este estado de coisas, maiores problemas haverá no futuro.


Com um artigo destes, realista e desapaixonado, os mercados, os sacrossantos mercados, vão fugir a sete pés. Afinal aquilo do sucesso é tudo mentira?Afinal o ajustamento não passa de conversa da treta? Sem gente no país, só velhos e desempregados, como vão poder pagar o raio da dívida?, perguntarão enquanto se preparam para sacar de cá todo o dinheiro ou pedir juros ainda mais agiotas.

Ah pois.

Aliás, não é que os juros da dívida já estão outra vez a trepar? Já perto dos 7%? Não é só por causa das asneiradas do Coelho ou do Gaspar, claro. Mas também é.



Além de razões endógenas específicas a cada país - por exemplo, risco de nova crise política na Grécia, com o enfraquecimento da coligação governamental, e probabilidade de nova alteração sucessiva de metas de défice orçamental para Portugal -, a volatilidade global nos mercados financeiros da zona euro e nas economias desenvolvidas advém do efeito do preanuncio na semana passada de um plano de abrandamento e depois descontinuação da política de "alívio quantitativo" por parte da Reserva Federal norte-americana para além da incerteza sobre a situação financeira na China ameaçada por uma alarmante crise de crédito, segundo muitos analistas.


Sobre a volatilidade nos mercados financeiros, Richard Fisher, presidente da Reserva Federal de Dallas, disse hoje em entrevista ao jornal "Financial Times" que os grandes investidores estão a organizar-se como "porcos selvagens" para testar a Fed.



Chama-lhes também porcos selvagens,
chama o que quiseres mas, ó Coelho,
vê se percebes alguma coisa do que se passa à tua volta
antes que os porcos selvagens devorem o país de uma ponta a outra 


Está bonito, isto, está. Dois anos de empobrecimento, de desgraça de tantas famílias, de venda de empresas estratégicas e rentáveis a Estados estrangeiros, para nada...?, perguntar-se-ão alguns ingénuos.

Ah pois é.



Até os patrões...! Até os patrões...!


Entretanto, coisa nunca vista, e passo a transcrever: O Governo está a tempo de “salvar o país da recessão e do abismo”, mas para isso tem de “reconhecer, com humildade, que algo falhou”, consideram as quatro confederações patronais representadas na Concertação Social, que pedem ao executivo medidas urgentes e concretas que invertam a recessão e reanimem o tecido empresarial.


Num documento conjunto em defesa de um compromisso para o crescimento económico, apresentado nesta segunda-feira em Lisboa, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) não poupam críticas às políticas de austeridade seguidas pelo Governo nos últimos dois anos e pedem um equilíbrio entre a redução do défice público e uma eventual redução dos impostos acompanhada por medidas de estímulo à economia, ao investimento, à competitividade e ao emprego.


“Não se vê uma luz ao fundo do túnel” para o fim da recessão, alertou o presidente da CCP, João Vieira Lopes, para quem a estratégia de estímulo económico apresentada pelo Governo não vem dar resposta imediata aos problemas de curto prazo das empresas, do desemprego e da queda do investimento e da procura interna. “Assistimos a um definhar de um conjunto de empresas”, ao aumento do desemprego, da recessão, vincou este responsável, durante a apresentação do compromisso Novo Rumo para Um Portugal de Futuro, numa conferência de imprensa na qual estiveram os líderes das quatro confederações.


Tenho, pois, razão quando digo que este Governo, ao contrário do que por vezes ouço dizer, não está a governar para os patrões. Os que conheço estão estarrecidos com o que se está a passar. Patrões modernos querem que, na sua empresa, as pessoas sejam bem remuneradas, andem bem dispostas e confiantes, se sintam motivadas. Talvez em algumas empresas mais pequenas, mais familiares, ainda subsistam os patrões que não se importam de explorar os trabalhadores. Mas nas empresas grandes, que são as que conheço melhor, os patrões e gestores fazem seminários internos sobre a felicidade, sobre o amor como critério de gestão (coisas que me fazem sorrir, claro - mas isso agora não vem ao caso), fazem de tudo para ver os trabalhadores de boa cara e, mal se ouve falar em que o Governo vai proceder a mais um confisco, já eles se estão a preocupar em ver como podem compensar os que vão ser sacrificados.

E não é só pelo bom ambiente interno: é que as empresas precisam de economias saudáveis, de gente com dinheiro no bolso, para poderem progredir.

Por isso, não me admiro com esta tomada de posição pública e conjunta das quatro confederações patronais. 



Custos de trabalho baixos, direitos nulos, garantias nenhumas
- o modelo económico de António Borges, Vítor Gaspar, Carlos Moedas, Passos Coelho, Paulo Portas
(e talvez, também, dos coisinhos que mais recentemente entraram para o Governo)

O Governo de Passos Coelho não governa para os portugueses, sejam eles empregados ou patrões (e, muito menos, para os desempregados ou pensionistas). Governa apenas para os angolanos, para os chineses, para os brasileiros, e, talvez, sobretudo, para os alemães: para que possam vir cá comprar empresas baratas, em saldo, com custos a preço da uva mijona.





Merkel e o bom aluno: a imagem diz tudo


E, a propósito disto, deixem que vos conte. Estive a falar com uma amiga com quem não falava há algum tempo. Contou-me que uma sobrinha acabou o curso de enfermagem e, sabendo que cá não arranjaria trabalho ou, se arranjasse, seria precário e mal pago, fez o que os amigos a aconselharam a fazer: foi ao Instituto Alemão inscrever-se para aprender alemão. 

Lá recebem candidaturas para ofertas de trabalho na Alemanha. Ela entregou o curriculum. Combinaram que primeiro fazia uns meses do curso de alemão pois só querem pessoas que saibam a língua, disse a minha amiga.

Ao fim de poucos meses, tendo tido aproveitamento, foi a uma entrevista. Depois informaram que tinham emprego para ela num hospital, com residência garantida nas próprias instalações. Lá foi. Pagam-lhe os estudos de alemão pois querem que fique a falar e escrever bem o alemão.

Já lá está, efectiva. Diz que os alemães trabalham menos horas que os portugueses, têm mais feriados. Diz que os enfermeiros portugueses têm muito mais habilitações que os alemães. 


Com ela foram mais uns quantos. Entretanto, já lá conheceu engenheiros que foram pelo mesmo processo.


Ouço isto revoltada. Estamos a formar os nossos jovens para eles irem servir a Alemanha, descontar para os alemães. Portugal definha, soçobra, ajoelha, enquanto os alemães nos sugam o sangue fresco.


Fico doente com isto, palavra que fico.

Até quando vamos permitir uma coisa destas? Até quando, senhores? Que tristeza.


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Tinha ainda mais uma coisa para vos dizer mas isto já está imenso. Fico-me por aqui.

Relembro que, para saberem de uma fofoca, é descerem até ao post seguinte. Se lá chegarem e não encontrarem, é porque a apaguei.

E muito gostaria ainda de vos convidar e irem dar uma espreitadela até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje, por lá, já que estou numa de segredos, descubro um pouco a ponta de um. Mas não contem a ninguém. A poesia de João Miguel Fernandes Jorge puxou por mim, foi o que foi. A música chega-nos, uma vez mais, pelas mãos do Simón Bolívar String Quartet.


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Resta-me desejar-vos, meus Caros leitores, uma bela terça feira. 
E nada de baixar os braços, sim? Não nos podemos deixar vencer. 
Muito menos, deixar-nos morrer por delicadeza.