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sexta-feira, agosto 05, 2016

Deve ou não o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Rocha Andrade demitir-se por ter ido à bola a França à pala da Galp?
E os outros dois?
E os outros todos, governantes e deputados, que desde sempre aceitaram oferendas e prebendas de generosas empresas?
E os deputados que fazem perninhas aqui e ali?
E só os actuais ou também os da anterior legislatura?
Pergunto. Só pergunto.




Penso que, no que ontem escrevi sobre o assunto, deu para depreender que eu nunca iria a França ver um jogo da Selecção por conta de uma empresa que não aquela na qual trabalho (caso essa empresa fosse patrocinadora da selecção). 

Patrocinar é isto; é ajudar a pagar publicidade, é financiar eventos, é adquirir ingressos (que depois serão distribuídos graciosamente pelos colaboradores, clientes, alguns fornecedores, 'opinion makers' - jornalistas ou gente que trabalha em agências de comunicação - e 'institucionais'), etc, etc. 

Isto é assim e existe desde sempre. Aplica-se a futebóis, a torneios de ténis, a provas de cavalos, concertos, you name it.

Se não houver patrocinadores, muito do que hoje se move de forma profissional, com divulgação profissional, não existiria. E, note-se, patrocinar eventos desportivos ou artísticos não tem mal nenhum.

Idosa como sou, trabalho em ambiente empresarial desde a pré-história. E sempre acompanhei como nos são solicitados patrocínios e como, concedendo-os, se fica em posição privilegiada para frequentar os eventos patrocinados e para fazer a gentileza de para eles convidar aqueles com quem empresa patrocinadora quer estar bem.

A Galp patrocinou a Selecção Portuguesa de Futebol e não sei se foi a única grande empresa a fazê-lo. Mas e a Nos patrocina o quê? Ou a EDP? E, uma vez mais, you name it. E nunca convidam gente de cenas institucionais para assistirem aquilo que patrocinam? Só convidam clientes e tal e coisa? 


Não sejamos ingénuos, ok?

... Nem sejamos fundamentalistas, ok?

Um presidente de uma empresa convidar alguém, dizendo que fazia gosto na sua companha para assistir a um determinado evento, é sinónimo de corrupção? De suborno? 

Não digo que sim. E não digo que não. Digo: não forçosamente. 

E digo, outra vez, que eu, mesmo em ambiente empresarial, não gosto de aceitar convites. Tenho este lado de não querer cultivar intimidades com quem posso ter que me indispor e com quem sinto que posso estar (ou vir a estar) no lado contrário. Sinto que me bato com mais energia pelos interesses de quem me paga o ordenado se não tiver sido levada a passear ou a frequentar grandes restaurantes por quem está a querer o oposto do que eu quero. Mas isto sou eu. Tenho colegas que não são corruptos e que, no entanto, não vêem mal nenhum em aproveitar o bem-bom que é posto à nossa disposição. Não os condeno nem critico. Apenas ajo de forma diferente. De resto, que fique também claro que quem me convida não está a querer corromper-me, está apenas a fazer aquilo que as empresas fazem na melhor das intenções: fomentar o networking. Criar um bom relacionamento entre os chamados stakeholders. Parece conversa armada ao pingarelho mas quem vive nestes meios usa este jargão. Uso-o apenas para que saibam que isto é normal nas empresas.

Ainda não há muito tempo recebi um convite para um concerto fantástico que estava, desde há muito, completamente esgotado. Convite para mim e um acompanhante. Não aceitei, claro, mas nesse caso fiquei a pensar que estava a ser burra pois foi com genuína gentileza que o convite me foi feito.

Quantas das pessoas que se vêem nos camarotes, nas tendas vip ou nas melhores filas dos espectáculos pagaram elas mesmo o bilhete? Nunca fiz inspecção mas diria que raras.

Contudo, atenção, não nos armemos em Catão (olá  Abraham Chevrollet!); essas pessoas não todas corruptas, de moral fácil ou deslumbradas. Muitas são apenas astutas na forma como sabem usufruir de benesses; ou simplesmente delicadas (ao não quererem recusar convites educados)

Estava a escrever isto e a pensar no Estoril Open. Acreditam vocês que aqueles vips que ali estão pagaram eles mesmo a entrada? Acreditam...?
Entre patrocínios, ofertas a clientes, despesas de comunicação e imagem (ou o que for nesta base) as empresas ajudam a viabilizar os eventos e, depois, tiram partido disso, criando laços com aqueles com quem acham que é importante ter um bom relacionamento.
Ou seja, faz parte. 

Reparem que não estou a defender nada disto, estou apenas a dizer como é que isto se passa. Contatação, apenas. Factos.

Não sei como é nos outros países mas, por cá, é assim. E fica ao critério de cada um alinhar ou não alinhar. Quando digo que eu não alinho, penso que está claro o que penso-

Dito isto, acrescento que, ontem, quando escrevi sobre o assunto, desconhecia a existência de um diferendo fiscal no montante de 100 milhões. Penso que só isso deveria ter aconselhado o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a manter alguma distância em relação à Galp. Mas, enfim, quem tenha algum gosto especial pelo futebol, sinta algum deslumbramento pelas mordomias que se lhe abeiram, quem tenha verbo fácil e um carácter mundano talvez encareum convite destes com alguma displicência. Deve ter sido o que aconteceu com Rocha Andrade.


Este assunto agora veio à baila e está a fazer.se uma tempestade como se o Rocha Andrade tivesse aceitado que a Galp tivesse posto um poço de petróleo em nome dele ou como se nenhum ministro, secretário de estado ou deputado de nenhum outro governo tivesse alguma vez ido à bola como convidado de alguém. Sabou-se, entretanto, que 5 deputados do PSD, incluindo o Montenegro, também foram. Olha quem... não iam eles aproveitar a borla.


Em síntese: eu não teria aceitado e acho que não foi presciente o Rocha Andrade e os outros dois ao terem aceitado o convite da Galp para irem à bola. Mas também tomáramos nós que, ao longo da sua governação, este seja o pior erro que cometam.

E acho bem que seja rapidamente craido um código de conduta ao qual todos se comprometam. Parecendo que não, isso ajuda a estar alerta.

Contudo, como em tudo na vida, há que ajuizar com conta, peso e medida.

Vou só dar aqui um exemplo real a que há tempos assisti. Estava eu no gabinete de um alto responsável de uma grande empresa e estava ele a instruir a secretária a devolver uma caixa que tinha recebido de presente de Natal, invocando o código de ética e conduta. Como sou cusca, enquanto ouvia a conversa, fui ver a caixa. Eram bombons de chocolate caseiro, bolachinhas com ar de serem deliciosas e uns rebuçados artesanais. Fiquei perplexa e pedi-lhe encarecidamente que não cometesse a indelicadeza de devolver um presente tão inocente. Sugeri ainda que, se não queria ele aceitar pessoalmente a caixita com medo que pensassem que estava a deixar-se subornar, então que pusesse o fruto do pecado na copa, para usufruto geral. Ficou na dúvida. Acrescentei que ainda ia arranjar um problema a algum funcionário dessa empresa que, na melhor das intenções, deve ter achado que tinha arranjado um presente simpático e que, afinal, tinha desencadeado uma reacção tão desconfortável. Este argumento tocou-o. Arranjar algum problema a algum funcionário da outra empresa é que não. Por mero acaso, tive oportunidade de, no dia seguinte, lá voltar e passar pela copa. Lá estava a caixinha - e quase vazia. Pudera. Felizmente ainda consegui comer um daqueles deliciosos bombons. Não faço ideia de qual a empresa que o pagara mas era irrelevante. Era um simples e simpático presente de Natal.

A ética não pode confundir-se com fundamentalismo. Nem o moralismo pode ser exacerbado a ponto de se perder a perspectiva e cada pequena insignificância ganhar proporções catastrofistas.

Mas também não nos tornemos passivos e permissivos.

Provavelmente, no caso vertente, a coisa teria corrido melhor se, em vez de virem com desculpas, Rocha Andrade e os outros tivessem vindo a público dizer que tinham agido imponderadamente, pedir desculpa aos portugueses (sobretudo, no caso do Rocha Andrade desculpa por ser tão parvo - apesar de, segundo tenho ouvido dizer, ser um bom fiscalista), pagar a despesa e, em privado, porem o lugar à disposição. Mas, não o tendo feito, ficamos a saber de que raça são feitos e esperamos que o código de conduta apareça rapidamente para que questões desta natureza não voltem a ser tema. Seria bom que, sobre eles, apenas tivessemos que nos preocupar com o que fazem no desempenho das suas funções.

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Com isto, a saudade que eu já tenho de me deleitar com poesia.

Mas que não seja por isso, respondo-me eu. É para já.


"How Fortunate the Man With None"
de Berthold Brecht (lido por Tom O'Bedlam)


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A música lá em cima também não tem nada a ver. Apeteceu-me estar a ouvi-la.
Janis Joplin interpreta Mercedes Benz
(Dangereuses liaisons que se se estabelecem na minha pobre mente. Fazer o quê?)

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira.

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sexta-feira, outubro 31, 2014

Os condenados de horário zero. O desespero. 'O balão' de outros tempos. O retrocesso. O caminho em direcção ao fim dos tempos?


Se, no post a seguir a este, a música, a sensualidade, a beleza e o glamour andam no ar, aqui, agora, a conversa é outra. Infelizmente muito outra.



Já não sei bem a quantas andamos com o físico-pop Maqueijo a contestar não sei o quê e mais uns quantos a inventarem outras tantas teorias. Mas, na última vez em que me pareceu haver um relativo consenso, tenho ideia que o universo estava em expansão. Ora, na minha simplística visão dos factos, se o universo se expande, também a vida dos que o habitam deveria seguir o mesmo percurso.

Up, up and better. 








Custa-me perceber que se ache normal que os humanos, como qualquer espécie, não caminhem no sentido positivo da sua evolução. Se antes os seres viviam em cavernas, morriam cedo, pereciam, indefesos, às garras de perdadores e, entre sobressaltos, vêm atravessando os tempos, tornando-se mais longevos e supostamente mais sabedores, como explicar que grande parte deles se deixe subjugar por estirpes daninhas que tentam o retrocesso? 

Os jornais e televisões trazem-nos notícias de actos selvagens, gestos bárbaros, e constatamos que há jovens que abandonam o mundo do conhecimento para se juntarem a seitas que praticam o mal como se a iluminação dos tempos não tivesse passado por elas.




Mas não me refiro apenas a sequestros e decapitações, ou mesmo a mutilações genitais, apedrejamentos até à morte, assassinatos conjugais e toda a espécie de violência doméstica. Não. Refiro-me também a outra espécie de retrocesso, um retrocesso silencioso, uma violência que esmaga e envergonha: a da exploração total de pessoas, a nova forma de escravidão - como a dos condenados que trabalham segundo contratos de zero horas*.

Leitor, a quem muito agradeço, enviou-me um artigo publicado no Le Monde cujo título é Au Royaume-Uni, les damnés des « zero hour contracts » e que é da autoria de Philippe Bernard


Começa assim (o artigo completo apenas será acedido por quem for assinante e eu não tenho como anexar o PDF; além disso, está em francês e sei que já não há muita gente que domine a língua; ainda assim, coloco-o aqui):


Candice Roberts n’a pas besoin de parler pour expliquer à quoi sa vie ressemble. Elle brandit son antique téléphone portable Huawei comme une pièce à conviction, où les six mots du SMS qu’elle a reçu samedi après-midi sont restés inscrits: « Mission annulée. Mettez-vous en attente ». La quadragénaire aux yeux cernés et au sweat-shirt en éponge saumon n’est pas astronaute. Elle est emballeuse de biscuits secs à l’usine Jacob’s, une énorme bâtisse de brique sur laquelle flotte l’Union Jack, à Aintree, au nord de Liverpool. Lorsque son patron a besoin de ses services, Candice, 46 ans, place dans leurs boîtes les cheese crackers ou les club chocolate, qui défilent sur un tapis roulant. Sinon, elle attend la prochaine « mission » de l’agence de placement Prime Time, qui sert d’intermédiaire. Un simple SMS pour la convoquer au travail, parfois dans l’heure qui suit. Un autre, éventuellement, pour annuler sa venue. Et des journées entières à attendre qu’on la sonne, en pensant à la paie qui rétrécit à chaque heure perdue.
Appelée ainsi vendredi pour rejoindre l’équipe du dimanche matin à 7 heures, elle a appris la veille que, finalement, on n’avait plus besoin d’elle. « I’ve been cancelled » (« J’ai été annulée »), explique-t-elle en un terrible raccourci. Le long silence qui suit n’est troublé que par les applaudissements du jeu diffusé par la télé, allumée en permanence. 

Como se viu, o que ali se descreve não decorre na África profunda, nas montanhas secretas da América do Sul, nos confins dos planaltos tomados pelo terror islamita ou em qualquer outro local distante que nos sossegue a alma. Não é longe nem podemos dizer que não nos acontecerá a nós ou aos nossos: é aqui ao lado, no coração da Europa civilizada, em Inglaterra.

Cresce o número de pessoas profissionalmente desprotegidas, à mercê de um telefonema, de um qualquer chamamento. Não têm garantia de nada. Inscrevem-se numa empresa que angaria trabalhadores e os coloca nas empresas que os requisitam. Podem ser contactados por sms para se apresentarem numa empresa no espaço de 1 hora. O artigo fala das pessoas que embalam bolachas. Quando a fábrica precisa de gente, contacta uma dessas empresas que, por sua vez, contacta uma pessoa da sua base de dados.

Nós somos como os bolos que embalo na fábrica: caímos numa caixa para deixar espaço para os seguintes, diz um operário dessa fábrica, a Jacob's. 
Certamente que, para os gestores da fábrica, o que importa é reduzir custos, aumentar a eficiência. Seja de que forma for, os meios não interessam, o que interessa é que os custos sejam baixos, para a margem ser confortável, para que o artigo seja competitivo face à concorrência. As pessoas que embalam os bolos valem tanto como os bolos, como se os clientes que compram os bolos tudo merecessem, como se os clientes não fossem pessoas tão frágeis quanto os operários de horário zero.

Os trabalhadores sujeitos a este infame regime, trabalham as horas que calharem. O valor horário é mínimo e nunca sabem se vão ter trabalho na semana seguinte, no mês seguinte. Claro que, quem diz trabalho, diz rendimentos. É a precaridade levada ao extremo, a desprotecção, a insegurança.

Imagino a angústia de quem aguarda um sms que não chega quando não tem outra forma de rendimento, quando tem família para sustentar ou quer formar uma e não vê condições para o fazer.





No artigo, alguns dos ouvidos dizem que se sentem até preteridos por serem ingleses e brancos já que há imigrantes que pacificamente se sujeitam a tudo, sendo ainda mais dócil carne para canhão.

Todo o excelente artigo é uma punhalada no peito. Pelo menos para mim é. E acredito que o seja para todos quantos sentem como sua a tragédia que isto é.

Como se chegou aqui? Que voltas tresloucadas é que o mundo deu sobre si próprio para que se tenha chegado a este triste ponto?

Muitas vezes o tenho aqui perguntado: se não se governa para bem das pessoas, governa-se para quê?

Como é que a humanidade iniciou uma trajectória contrária à do universo no qual se insere? E que loucura. Como se pode pretender que os tempos andem para trás? 




Há alguns anos conheci um senhor que me contou que antes, há muitos, muitos anos, na antiga CUF, no Barreiro, havia uma figura designada por ‘o balão’. 


Quando era preciso mais gente para as fábricas, alguém chegava ao portão e dizia que precisava de não sei quantos homens. Enchia-se o balão. Contava ele que muitas vezes queriam gente para carregar sacas de 100 kg de adubo ou outros trabalhos pesados que davam cabo da saúde de qualquer um.

Junto ao portão esperavam muitas e muitas dezenas de homens desempregados, ansiosos por serem chamados. Depois havia ainda a escolha. A olho eram escolhidos os mais fortes. Os mais fracos continuavam sem trabalho, aguardando dia após dia.

Mais tarde, quando não eram mais precisos, eram postos fora. Era como se o balão se esvaziasse. Chegavam a ser dispensadas centenas de pessoas que, sem trabalho, seguiam, rua fora, em busca de qualquer outra coisa, talvez nos campos, o que aparecesse.

Passou-se isso várias décadas atrás num país retrógrado, nuns tempos longínquos. A pobreza, a desprotecção, a ditadura, tudo contribuía para que os mais desafortunados se vissem à mercê de um chamamento, vivendo sem direitos, sem direito a um futuro digno.

Mas eis que, aqui chegados, tanto tempo depois, é para trás, para esse negrume, que estamos a ser empurrados.

A mediocridade é geral, a impunidade campeia, a ignorância parece tudo cobrir como um manto denso e opaco que destrói a vida, que impede que a luz e o oxigénio passem para as camadas inferiores.

E tudo vamos aceitando, como se não fosse connosco, como se não nos pudesse acontecer, como se os outros não fôssemos nós.




Primeiro levaram os comunistas,
mas eu não me importei
porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
mas a mim não me afectou
porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
mas eu não me incomodei
porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir chegou a vez
de alguns padres, mas como
nunca fui religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim
e, quando percebi,
já era tarde.






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  • O primeiro vídeo é Stephen Hawking - The Expanding Universe (ie, the expanding universe, the doppler effect, introduction to the birth of the universe)
  • Tinha o poema por ser 'A indiferença' de Bertold Brecht mas o André diz que não, que faz parte de um sermão de  Martin Niemöller e eu acredito nele.
  • O último vídeo é Despair, sendo a música da autoria e interpretada por Johan Troch.

* Leitor atento chama-me a atenção para a forma como escrevi: zero horas e corrige para zero hora. Admito que seja correcto dizer zero hora (hora no singular) mas a verdade é que não me soa bem e, portanto, neste caso, mantenho por me parecer que a habituação oral talvez justifique a imprecisão da escrita. Contudo, vou ver se me informo pois, se o que estou a escrever for um disparate completo, corrigi-lo-ei.

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Relembro: no post abaixo o ambiente aligeira-se. É tempo de festa de aniversário, de beautiful people, de glamour. Acho que talvez até saiba bem um sopro de leveza depois do peso da realidade.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta-feira. 
Saúde e alegria é o que vos desejo a todos.

...

quinta-feira, dezembro 05, 2013

Morreu Nelson Mandela? Tenho para mim que não. Madiba continuará na memória das pessoas de todo o mundo a dançar, a sorrir, a mostrar a extraordinária alegria e força de querer e perdoar, a agraciar o mundo agreste com a sua ingénua amabilidade


Não gosto de obituários. Geralmente mal morre alguém conhecido, logo as redes sociais se apressam a registar a notícia. Raramente alinho pois gosto de festejar a vida e, pelo contrário, entristece-me e quase prefiro ignorar a morte.

Mas hoje morreu uma pessoa especial, de uma grandeza extraordinária. Grande na força, na coragem, na determinação e, depois, na capacidade de perdoar, na abertura de espírito, no humanismo absoluto, na alegria: Nelson Mandela.


Por isso, para recordar a sua extraordinária grandeza, aqui fica o registo. Que para sempre continue a inspirar as pessoas do todo o mundo.



No final de Maio de 2012 milhares de pessoas da África do Sul juntaram-se na Praça Nelson Mandela em Sandton para gravar um tributo de parabéns para o seu 94º aniversário em 18 de Julho. 

Aqui fica hoje esse festejo que transborda de ternura no dia morte de Nelson Mandela aos 95 anos. Long live Madiba!

.
Sing for Madiba

*

A palavra aos Leitores de Um Jeito Manso
 (a quem, em nome de todos, muito sinceramente agradeço a generosidade e a beleza das palavras):

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Madiba

Hoje, no terreiro grande,
nesse misto de comoção e festa,
homens de olhares coloridos
te sentem e cantam
livre sem cor
com sorrisos
sem dor
de ti preso nascidos,

é o nosso canto
de encanto
libertando amor
durante a tua sesta,

é comoção
feita quase festa
de humana libertação…


[José Rodrigues Dias, 2013-12-06]

<><><>

Um CRISTO NEGRO visitou a terra
braços abertos
sorriso calmo
alma lavada
e a cruz à sua espera

roubaram-lhe
vida
conforto
dias de luta desejada
o pôr do sol austral
(nunca lhe roubaram liberdade)

e ainda veio a tempo
(sobrou-lhe idade)
para acender na escuridão o seu sinal
para viver os seus tantos amores
e deixar o seu olhar sereno num terno abraço à humanidade

quem dera tenha adormecido a sonhar com anjos de todas as cores


[Era uma Vez, 2013-12-06]

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E Bertold Brecht pela mão do jrd


OS QUE LUTAM

Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons; 
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; 
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; 
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.

domingo, novembro 24, 2013

Cavaco Silva fez o inevitável: enviou para o Tribunal Constitucional, para fiscalização preventiva, o diploma da 'convergência' das pensões (estúpido eufemismo para 'corte' das ditas) e, face a isso, o Governo prepara uma alternativa (ou vingança?): novo aumento de impostos. E o violento aqui é Mário Soares...?!?! Poupem-me.



Até que nível de pobreza querem Passos Coelho e Paulo Portas conduzir Portugal?

O Ricardo Araújo Pereira no Governo Sombra é que classificou bem estas pessoas que - perante a devastação que o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas sinistramente vem levando a cabo no País - criticam os alertas de Mário Soares, achando que o que ele disse no encontro das esquerdas foi um apelo à violência. Chama-lhes ele os mariquinhas da política. E diz que é como criticarem um tipo que, levando com um pingo de solda num olho, grita de dor ou solta um palavrão, ou seja, criticam o grito ou o palavrão ignorando que a causa foi o pingo de solda no olho.


Eu, que não sou do Norte, não me sinto muito à vontade a dizer palavrões e, por isso, fico-me por aqui porque, mentalmente, ocorrer-me-iam epítetos muuuiiiito menos carinhosos. Mariquinhas? Quais mariquinhas? Cobardolas - no mínimo.


Quanto mais quer Passos Coelho empobrecer-nos?
Tudo o que leio, tudo o que sei, tudo, tudo, me faz pensar que este Governo é perigoso, insensível, vingativo, e atenta contra a vida e a dignidade dos que trabalharam e deveriam ser respeitados e queridos, dos que trabalham e deveriam sentir-se motivados e confiantes e dos que deviam trabalhar mas não têm como.

Aos desempregados cortam o subsídio de desemprego, às crianças cortam o abono de família, aos doentes cortam as baixas, aos pensionistas cortam as pensões, a quem trabalha cortam os ordenados, aos jovens mandam-nos para fora do país. 


Cambada de vendidos, anti-patriotas. Cambada. Raios os partam.


Quando estaremos suficientemente explorados e pobres
 para que Passos Coelho e Paulo Portas se sintam saciados?
Toda a revolta que manifestemos é pouca. 

De facto, o que se está a passar é que o País está a ser arrasado e nós não passamos de um bando de carneiros mal mortos que não tugimos nem mugimos. E, mal alguém levanta a voz para se rebelar, logo aparecem as virgens ofendidas, as beatas de sacristia, os ratos de esgoto a protestar contra os que clamam. 

Como não clamar? Como?!

O País inteiro transformado num bando de cobardes...? Em ovelhas silenciosas a caminho do matadouro...? É isso que os Marques Mendes e os João Miguéis Tavares desta vida querem?

Ora caraças!

Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.
Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.


Bertold Brecht

PS: E onde pára o Tozé Seguro que não é capaz de vir a terreiro levantar a voz contra os Passos Coelho e Paulo Portas (que não desistem de atentar contra a Pátria de todas as pérfidas formas que lhes ocorrem) e atacar os mariquinhas da política que tão assustados estão com a violência das palavras de Mário Soares? Ou está também assustado...? Bolas.


*

As fotografias a preto e branco são da autoria de Sebastião Salgado. Desconheço a autoria da fotografia  dos homens no meio do lixo

*

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo.

(Nem que, para tal,
tenham que fazer de conta que já nos vimos livres da praga de que acima falei
e que já podemos respirar de alívio)

terça-feira, maio 21, 2013

Sobre o Conselho de Estado que ainda dura já lá vão sete horas - já devem estar a discutir o pós-euro ou o século XXII... só pode... - não há nada a dizer. Jorge Miranda, Guilherme de Oliveira Martins, Bagão Félix e toda a gente com dois dedos de testa já não vêem é a hora de estarmos no pós-Passos e pós-Cavaco. Por isso, dou a voz a Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem", e poema "Aos que virão depois de nós", e sobre "O analfabeto político" e "Nada é impossível de mudar". E, agora, vou tomar um comprimido para a constipação e enfiar-me na cama.


A quem protesta contra o roubo, a insensatez, a incongruência, a incompetência, o empobrecimento, há quem chame indelicado. E o que se deve dizer dos que, com a sua insensatez, incongruência e incompetência, roubam todo um povo?

"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem", escreveu Bertold Brecht.



Sob o olhar admirado de uma gaivota, à beira do Tejo, árvore arrancada a uma margem e arrastada por um rio embravecido
Ou seria a árvore que estava numa margem que comprimia o rio?



À hora a que escrevo ainda dura o Conselho de Estado. Já sabemos que José Mourinho vai sair do Real Madrid, as televisões encheram-nos a casa com directos, oh que coisa tão importante!, mas se o incompetente que nos desGoverna sai, isso aí, não, que isso desestabiliza o País. Já ninguém acredita na capacidade desta gente - mas dar-lhes um pontapé no rabo, isso, está quieto. 

Imagino que a esta hora reine a confusão em Belém, com o brilhante Cavaco a querer consensualizar o inconciliável... não agora... mas para o pós-troika. Agora, pode a cova estar a ser cavada à força toda, e meio país já lá com os pés enfiados, que é deixá-los continuar... que o importante agora é discutir o que se vai passar depois do verão do ano que vem. Do além!

Jorge Miranda, esse etéreo ser que geralmente apenas se pronuncia sobre a constituição, hoje saíu-se com esta: que está terrivelmente preocupado porque estamos sem Governo, sem Presidente da República, sem Banca, sem Economia, sem Jovens. Concordo.

Guilherme de Oliveira Martins diz basicamente o mesmo, que esta austeridade está a destruir o País já que austeridade só pode ser levada a cabo em ambiente de desenvolvimento. Claro. E acrescenta que "A disciplina tem sempre de se fazer num horizonte de justiça distributiva, articulando eficiência com equidade". Obviamente.

Bagão Félix, como todos sabem, pede a plenos pulmões a saída de Gaspar pois diz que este errou demasiado e que o seu papel está esgotado. Claro.

Podia continuar citando vozes insuspeitas. Mas ia ficar aqui até amanhã de manhã. Ou melhor, até ao pós-troika.

No meio do coro generalizado que pede o afastamento deste desGoverno que está a destruir o País de forma dramática, continuam a aparecer as 'bocas' dos ministros através dos jornais. 

Pasme-se: no meio da barafunda sobre os cortes de 11% nas pensões, sobre a taxa dita TSU dos reformados que sim, talvez, só se for preciso, e mais o que por aí anda, eis que aparece Paulo Portas a lançar outro cenário para a mesa: O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, defende que a fixação de um tecto para as pensões actuais deve ser discutida em concertação social, considerando-a uma boa alternativa para o Governo ganhar margem orçamental e para procurar melhores consensos sociais e políticos, avança hoje o SOL. 

A pensão máxima seria de 5.030 euros, diz ele.

Não contesto nem deixo de contestar esta ideia, mas contesto a forma, o momento, a forma leviana como se fala de uma coisa destas. Assim, pelos jornais, são bocas e contra-bocas sobre um assunto que exigiria contenção, que é tecnicamente complexo, que se mede através do recurso a técnicas actuariais, a projecções demográficas. Assim, são achas para a fogueira, nada mais - e mostra a mais absoluta descoordenação. Uma vergonha. Se ele acha isto, seria dentro do Governo que o deveria defender e não na praça pública. Quando a confusão já está generalizada, que espera ele conseguir em lançar mais cartas para cima da mesa? Aumentar a balbúrdia? Não percebe que já ninguém sabe a quantas anda?

E ainda não perceberam que isto se dirige a gente? A gente de carne e osso, quero eu dizer... A gente que anda aflita sem saber se vai ter dinheiro para fazer frente às despesas... Ainda não perceberam?

Que impressão que isto me faz.

Mas vou deixar-vos com dois poemas de Brecht. Estou constipada ou engripada ou lá o que isto é, sinto-me doente, meio febril, com dores de garganta, um pingo constante. Estou toda encasacada como se estivesse no inverno - eu que sou uma encalorada. Não sei se foi do frio que apanhei nestes dias, se foi dos babies a tossirem-me para cima, se é de outra coisa qualquer, mas tanto faz. Tenho que ir tomar um ben-u-ron de 1mg, beber um chá quente e enfiar-me na cama que amanhã me espera um dia dos valentes.

E estar aqui a escrever para desanimar ainda mais quem me lê e já anda preocupado, também me chateia. Mas vocês desculpem-me: estou preocupada com isto. Um país ser governado por um fulano que não sabe nada de nada, que nem sequer sabe ser líder, é uma desgraça. E, sendo como é, podia ter arranjado uma equipa boa e apoiar-se neles. Mas não, encostou-se a um fulano esquisitíssimo e que nem contas simples sabe fazer. Claro que poderíamos ter no presidente da república uma válvula de escape, mas não, é o contrário: não atina, anda desfasado, acobardado ou lá o que é. Outra desgraça.

Não é que eu tenha perdido a esperança. Não perdi. Mas é que não perdi mesmo. A Igreja também não esteve tanto tempo tolhida, manietada, com a sua prática virada do avesso, e, de repente, não aconteceu isto de ter aparecido um Papa que é uma lufada de ar fresco? E por cá? Não é também uma lufada de ar fresco a vinda de D. Manuel Clemente para Patriarca de Lisboa?

Então? Porque não há-de de repente, sem que a gente perceba como, aparecer alguém decente, uma solução capaz para tudo isto?

Eu acredito nisso. E farei tudo o que estiver ao meu alcance para o conseguirmos. Acima de tudo não nos podemos demitir das nossas responsabilidades - porque nós temos a responsabilidade de escolher bem, de exigir justiça, de lutar contra a destruição das nossas vidas e do nosso País.

Mas, então, fiquemos com estas belas interpretações de Bertold Brecht [Cia. do Porão (Núcleo 33 de teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul) para apresentação do espectáculo A Padaria]. 




Léia Nogueira diz:


Bertolt Brecht - Aos que virão depois de nós


Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, 
Uma testa sem rugas é sinal de indiferença. 
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, 
Quando falar sobre flores é quase um crime. 
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça? 
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
Já está então inacessível aos amigos
Que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado. 
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe! 
Fica feliz por teres o que tens! 
Mas como é que posso comer e beber, 
Se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? 
Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? 
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.

Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: 
Manter-se afastado dos problemas do mundo
E sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; 
Seguir seu caminho sem violência,
Pagar o mal com o bem,
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. 
Sabedoria é isso! 
Mas eu não consigo agir assim. 
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

II

Eu vim para a cidade no tempo da desordem, 
Quando a fome reinava. 
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
E me revoltei ao lado deles. 
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra. 
Eu comi o meu pão no meio das batalhas, 
Deitei-me entre os assassinos para dormir, 
Fiz amor sem muita atenção
E não tive paciência com a natureza. 
Assim se passou o tempo
Que me foi dado viver sobre a terra.

III

Vocês, que vão emergir das ondas
Em que nós perecemos, pensem, 
Quando falarem das nossas fraquezas, 
Nos tempos sombrios
De que vocês tiveram a sorte de escapar.

Nós existíamos através da luta de classes, 
Mudando mais seguidamente de países que de sapatos, desesperados! 
Quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos: 
O ódio contra a baixeza
Também endurece os rostos! 
A cólera contra a injustiça
Faz a voz ficar rouca! 
Infelizmente, nós, 
Que queríamos preparar o caminho para a amizade, 
Não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos. 
Mas vocês, quando chegar o tempo
Em que o homem seja amigo do homem, 
Pensem em nós
Com um pouco de compreensão.





Renata Vasquez diz:

Bertold Brecht - O analfabeto político 


O pior analfabeto é o analfabeto político. 
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. 
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, 
do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio 
dependem das decisões políticas. 
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia 
a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, 
o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, 
pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo." 


Bertold Brecht - Nada é impossível de Mudar

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. 
E examinai, sobretudo, o que parece habitual. 
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de 
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem 
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, 
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural 
nada deve parecer impossível de mudar. 



**

Hoje, no meu Ginjal e Lisboa, a love affair, tenho uma interpretação fabulosa de Bassekou Kouyate e, antes disso, três poemas cantados pel'A Naifa: um de José Luís Peixoto, outro de Adília Lopes, e outro de Eduardo Pitta. Vale a visita, acho eu. Assim, doente como me sinto, não me dá para outros voos. Mas, reparo eu agora, no mesmo post consegui incluir dois ódios de estimação da Ana Cristina Leonardo. Isto se ela também não tiver também uma aversãozita à Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, aka Adília Lopes... 

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E, desejando sinceramente que, entre mortos e vivos, escape algum, vou esperar pela manhã de amanhã para saber das brilhantes conclusões do Conselho de Estado.

Tenham, meus Caros Leitores, uma bela terça feira!


quinta-feira, setembro 22, 2011

Sobre os insubstituíveis, sobre si, sobre a vida breve, sobre o tempo que foge


Depois de ter acabado de escrever sobre Júlio Resende que, tal como todos os artistas, era maioritariamente constituido por células imortais e que, por isso, para sempre viverá entre nós, pensei naqueles outros que, tal como eu e talvez você, não somos artistas. Somos simples mortais.

Pensei nas nossas agruras diárias, nas nossas angústias e expectativas, nas nossas ilusões e desilusões. É em mim e em si que agora estou a pensar e é sobre nós que agora vou escrever.

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Você, meu caro leitor, minha cara leitora, acha que vê as coisas melhor que os outros. Você acha os outros todos uns medíocres. Você, se mandasse, mudava tanta coisa. O seu trabalho, você fá-lo melhor que qualquer outro. Você acha que é importante, e acha que não lhe dão o devido valor, você acha que, no dia em que desaparecer, os outros vão notar a diferença, quem sabe até se o mundo não parará.

Ou então, não é isso, é o contrário. Você atravessa a sua vida, desperdiçando o pouco tempo de plateau que lhe foi reservado, com angústias, ansiedades, saudades, antipatias, invejas ou ciúmes, desconfianças. Você vive na ilusão de que um dia lhe darão valor, aparecerá a sua alma gémea, que um dia tudo vai mudar para melhor.

Pois, não sei.

Eu, pelo menos, não acho nada disso.

Acho que o que lá vai, lá vai. Acho que o que importa é aqui e agora. Acho que se quero, é melhor que seja já.

E tenho para mim que fazem falta os que aqui estão porque tenho visto que mal uma pessoa imprescindível vira costas mais ninguém precisa dela.

Não guardo ressentimentos, não desconfio, não espero milagres. Nada disso. O que quero é que aqui e agora seja bom e que não se faça nada que magoe os outros ou que comprometa a qualidade do futuro.

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Estou a escrever isto e estou a lembrar-me de duas pessoas imprescindíveis com quem tive relações pessoais e de trabalho.


O primeiro é um homem ambicioso, voluntarista. Nunca se detinha a pensar nos outros porque queria acima de tudo, ele próprio, chegar lá, sempre mais, sempre mais alto. Tive muitos antagonismos com ele. Não concordava com algumas posições que ele tomava e uma vez, quando ficámos sozinhos no gabinete dele, depois de termos estado reunidos com uma outra pessoa, cheguei a dizer-lhe que à minha frente ele não voltava a falar assim com ninguém. Zangas sérias as que tivemos. Era o protótipo do quero, posso e mando e à bruta. Com o tempo e com alguns revezes profissionais, foi ficando mais moderado, e acabámos a dar-nos bem. Era agora administrador numa multinacional. Com os filhos criados, tinha tempo para, a seguir ao trabalho e ao fim de semana, se dedicar aos desportos de que era adepto. É uma pessoa alta, com um físico jovem e invejável, ninguém lhe dava a idade que tem, perto dos 60, e a própria imagem física contribuía para impor autoridade e respeito. Pela sua maneira de ser, era um bocado centralizador, ainda um bocado prepotente, insubstituível, absolutamente seguro de si próprio. Um homem realizado e vigoroso e ainda vagamente temido pelos colaboradores.

Aqui há algum tempo vi na televisão a notícia de que um homem vinha do trabalho, estacionou o carro junto ao passeio à porta de casa, num bairro de Lisboa, e foi assaltado. O ladrão, que estaca encapuzado, tinha-lhe roubado o computador e fugido. E, como ele deve ter oferecido alguma resistência, deu-lhe dois tiros na cabeça.

Este homem forte, seguro, enérgico, voluntarista, ficou estendido no passeio a esvair-se em sangue.

Para minha estupefacção, soube no dia seguinte que o homem da notícia era ele. Podia ter morrido porque as balas ficaram alojadas na cabeça, algumas veias e artérias destruídas, perdeu muito sangue, uma desgraça. Esteve em coma, foi operado, manteve-se em coma, prognóstico absolutamente reservado. Vai morrer, preparem-se. Ou se sobreviver, ficará como morto.

Mas, forte como é, sobreviveu, recuperou a consciência, a lucidez. Está numa clínica a reaprender tudo, as coisas mais simples.

Na empresa tudo continuou normalmente, não se perdeu uma venda, não se aumentou um custo, não se perdeu um papel.


Um outro, também uma relação profissional, esta mais forte, grande empatia, admiração mútua, total confiança. Um líder. Um homem de visão, de estratégia, um empreendedor.

Por onde passou, deixou marca. E foram vários os sítios por onde passou, desde governos até à administração de grandes empresas, tudo sempre transformado em caso de sucesso, espaço cativo nos media, nas visitas oficiais. Insubstituível. Ultimamente um caso extraordinário de achievment, um exemplo a seguir. Planos para o futuro, mil. Expansão, diversificação, consolidação. Sempre a mil e assim é que se sentia bem. Com mil compromissos uns em cima de outros, viagens consecutivas e sempre fresco, sempre a saber de tudo, sempre com tempo para tudo, para uma graça, para conversar. Uma cabeça, uma energia, uma coisa que custava a acreditar. E também uma figura a nível físico, enxuto, ágil, alto, uma disposição que transparecia em todo o corpo.

Um dia chamam-no e dizem. Gostámos muito, não podia ser melhor, mas a partir do mês que vem já não contamos consigo.

Toda a gente pregada ao chão, Como? Porquê? O que aconteceu? Como é que é possível? Todos e ele próprio também, pregado ao chão. Mas não tinha acontecido nada. Apenas que, face a um rearranjo de portfolio, houve uma reestruturação noutra empresa, era necessário arranjar um lugar para outro, o que deixava um outro disponível para o qual era preciso arranjar poiso, e, mudanças em cadeia, acabou nele, dado que até já estava na idade, então adeus, bye-bye, gostámos muito deste bocadinho, foi óptimo, nunca lhe poderemos agradecer o seu excelente trabalho. Simples. Nada demais. É a vida.

E o homem fantástico, aquele que tinha mil compromissos durante 24 horas por dia, 7 dias por semana, de repente, sem aviso prévio e sem que nada o fizesse esperar, viu-se, assim, de repente, sem nada que fazer. Desapareceram as reuniões aqui, ali e acolá, o jet lag, os telefonemas, os jornalistas, as mil solicitações. Desapareceu tudo.

Claro que ficou vazio, atónito, sem chão, sem horizontes.

A empresa continuou a laborar normalmente, agora sob a orientação do novo presidente.

ooooooooooooo


É assim, meus Caros, a vida é injusta. Ah pois é. Mas nós temos que estar preparados para isso.

Recordemo-nos, a propósito, deste poema de Brecht:

A propósito da notícia da doença de um poderoso estadista
Se este homem insubstituível franze o sobrolho
Dois reinos periclitam
Se este homem insubstituível morre
O mundo inteiro se aflige como a mãe sem leite para o filho
Se este homem insbubstituível ressuscitasse ao oitavo dia
Não acharia em todo o império uma vaga de porteiro.

oooooooo




Moral da história: meus amigos, vivam bem cada momento.

Não fiquem atormentados a pensar no que vos aconteceu, na injustiça que vos fizeram, porque isso são pensamentos que só servem para vos tirar a alegria de viver; nem vos iludais a pensar que amanhã é que vai ser bom porque sabemos lá se vai haver amanhã; nem se achem muito importantes, nem muito poderosos porque o poder e o prestígio são efémeros, porque 'todo o prestígio do mundo não vale uma noite de amor'.

Sejam bons, felizes, ajam de acordo com a vossa consciência, concedam-se o direito a ser felizes, procurem a felicidade, perdoem, sorriam, apreciem a vida, não hesitem, não temam.


E olhem, eu não sou nada, mas nadinha mesmo de andar a bater com a mão no peito, nem caridosa, nem beata, nada, nadinha, nem sou daquele género de andar etérea tipo peace and love, com livrinhos de auto ajuda e essas tretas que só servem para dar de ganhar dinheiro a quem as faz. Nada disso.

Mas penso isto, e até à data, não me tenho dado mal. Ou seja, por favor não se julguem eternos, não se julguem melhores que os outros, não se sintam vítimas, não se sintam devedores, nem credores, não se sintam medrosos, não se sintam cerceados pela opinião dos outros,não se sintam inseguros, mas também não se sintam impunes, não se sintam presos à monotonia de uma vida entediada. Façam o que vos apetece, arrisquem, vão à procura, estejam disponíveis, apreciem, ofereçam, recebam. Sorriam, riam. Divirtam-se. aproveitem a vida. Mas agora, já.


Be happy.


Um desenho simples, de cores suaves, tentativamente Julio Resende alike, para lhe dizer, meu amigo, minha amiga: nunca é tarde.