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domingo, julho 14, 2019

Mulheres nuas a ler.
Ou em topless.
E em grupo.





Há coisas que não percebo. Não estou com isto a dizer que não concordo, digo apenas que não percebo. Talvez porque tantos anos de falta de democracia e fechamento deixam marcas na sociedade, talvez ainda não tenha conseguido libertar-me de ideias que, na volta, só demonstram que sou antiguinha: é que associo o corpo não apenas a um invóluco assexuado dentro do qual se arrumam os órgãos e se esconde a alma mas a isso tudo e mais a um objecto de sedução e desejo, ou seja, tudo menos um objecto assexuado. E isto seja o corpo de uma mulher ou de um homem. Sendo hetero, se estiver ao pé de um belo corpo de homem, não posso deixar de olhar de gosto. E se, por acaso, calhasse estar sentada numa praia ou num parque e, junto a mim, estivesse um grupo de homens nus a ler, eu haveria de me ver grega para não me pôr a olhar à descarada. E mais: haveria de ter que me esforçar muito para não tirar todas as medidas, para não apreciar as posições, os gestos, a graça, a capacidade de malandrice.

Da mesma forma, se, numa tarde, no relvado de um parque ou à beira de um lago, visse um grupo de mulheres nuas, muito me espantaria que nenhum homem prestasse atenção, como se elas não passassem de um normal um bando de patos. 


Mas, lá está, na volta sou eu que sou antiquada. Se calhar por essas e por outras é que não consigo identificar-me com os movimentos feministas. Eu defendo a igualdade de oportunidades, a igualdade de direitos e deveres, entendo que uma mulher não é menos nem mais que um homem. Mas não consigo defender que o corpo de uma mulher seja um objecto assexuado tal como não acho que se um homem olhar com interesse para o corpo de mulher isso é sinónimo de machismo. Não aceitarei se for incorrecto, invasivo, estúpido, abusador. Mas olhar, mostrar interesse, ser simpático e não o esconder caso sinta que há reciprocidade, isso parece-me até saudável da parte de um homem.

E agora poderia dizer que há uma outra coisa que não percebo mas aí já hesito. Creio que já ouviram falar de clubes de leitura exclusivos para mulheres, sendo que elas se põem nuas ou em tronco nu para ler. E hesito porque percebo que se associe a nudez à leitura: um bom livro, quando verdadeiramente nos toca, é como se quisesse fundir-se connosco, como se a nossa disponibilidade para o receber fosse total. Mas isso é a única coisa que consigo perceber porque, de resto, também não percebo nada. Não percebo qual a graça de clubes só para mulheres ou só para homens. Nem percebo a lógica de um grupo de mulheres se juntar, em tronco nu ou todas nuas, para ler. 


Mas também admito que talvez pense isto porque nunca experimentei.
Quem sabe um dia não resolvo fundar o Clube das Leitoras Jeitosas? Traço um roteiro: Parque Eduardo VII, Jardins da Gulbenkian, Jardim Botânico, Jardim da Estrela, Jardim do Palácio de S. Bento, Jardim do Palácio de Belém, etc. Quiçá depois para outras cidades. Castelo Branco. Lousã. Faro. Vila Viçosa. Vila do Conde. Mértola. Sines. Coimbra. Porto. Etc. 
Uma vez por semana num dos Jardins, as Jeitosas todas nuas a lerem. Querendo poderiam ficar apenas em topless e querendo, para além dos livros, poderiam levar também farnel para um lanchinho. 
Mas adiante.

Como nunca me integrei em nenhum clube de leitura, não sei como se processa a escolha dos livros. Sei que há o livro sugerido mas não sei se o processo é rotativo, se uma semana escolhe uma, noutra semana escolhe outra.

E também não sei como se faz se o livro da semana for uma pepineira. Podem os membros exercer a objecção de consciência? Não ficará um clima de má onda entre os membros do clube se alguém, esforçadamente, seleccionar um livro e umas quantas flausinas se puserem a olhar de lado, a torcer o nariz?
[E imagine-se a cena com as flausinas de nariz torcido e com os mamilos em riste. Lindo. Ai, eu, o Valter Hugo Mãe não, pleeeaase, não é a minha praia, amigas -- e os mamilos espevitados, sem conseguirem disfarçar a irritação]
Bem.

Mas há outros tipos de clube: coisa mais discreta, menos (des)sexualizada, tudo mais na base da voz, gente que contribui com a sua leitura. E, de novo, não sei que diga pois estou habituada a ler em silêncio e não sei se esse prazer é substituível pelo da audição. Apenas de vez em quando, geralmente quando vamos de viagem, leio em voz alta para o meu marido. Não é frequente mas já aconteceu. Ele gosta. Fazemos quilómetros naquilo, eu a ler e ele atento a ouvir. Mas gravar? Cada uma ler um capítulo? Depois haverá pachorra para ouvir ler os capítulos que as outras leram? E se umas se armam em declamadoras do D. Maria? E outras, a despropósito, em hot women, dando cabo do lirismo que o autor queria imprimir ao texto?

Ou seja, não percebo.

[No entanto, agora que escrevo isto, há uma situação que percebo: para quem tem dificuldade de visão, ouvir ler é a alternativa possível e aí até será uma iniciativa generosa, a de ler para os outros]

© Mikael Jansson pour Vogue Paris

Mas isto a propósito do artigo Pourquoi les clubs de lecture sont-ils à la mode ? na Vogue francesa.
Portés par des célébrités influentes, des podcasts littéraires et une philosophie militante, ces groupes de discussion vieux du 19ème siècle connaissent une nouvelle vague de popularité. Bienvenue dans les clubs de lecture 2.0. [...]

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Com excepção da última fotografia que é da Vogue, acho que todas as outras se referem a um clube que aparece referido no dito artigo, The Outdoor Co-ed Topless Pulp Fiction Appreciation Society clube que, segundo percebo, defende o direito das mulheres a usar o seu corpo onde quiserem, mesmo que nu e mesmo que em público, como um corpo assexuado -- e isto para lerem onde muito bem lhes apetecer.

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Já agora:
Shakespeare a nu num dia de Tempestade

Members of Outdoor Co-ed Topless Pulp Fiction Appreciation Society put on a production of Shakespeare’s “The Tempest” — and the actors were all female and all nude


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E, já agora, reconheço: há alturas em que sabe mesmo bem ouvir ler.
E eu sinto-me agradecida pela amabilidade de quem me traz belas palavras lidas:

"No sorriso louco das mães" de e por Herberto Helder sobre música de Rodrigo Leão



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E a todos desejo um belo dia de domingo