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sábado, novembro 26, 2016

Fidel Castro - o carisma de um guerreiro sonhador


Não sendo eu dada a ídolos ou a paixões assolapadas de cariz político, não tenho grandes arrebatamentos de alma nem a favor nem contra o regime castrista. Coisas boas, coisas más. Um ideal magnífico sem hipóteses de se concretizar, uma utopia sem motor -- qualquer coisa assim.

E a Castro sempre olhei como um combatente muitas vezes sem tropas suficientes, muitas vezes sem capacidade para avaliar melhores alternativas, muitas vezes cercado pelos seus sonhos.

A história o julgará. A mim falta-me competência para tal.

Mas sempre foi um inegável líder, um daqueles homens cujo carisma foi capaz de aguentar os quereres e os desquereres de um povo ao longo de décadas, um daqueles homens cujas palavras largas e gestos soltos atravessavam o coração de quem o ouvia -- quer se concordasse ou não com ele, já que a indiferença não foi reacção que ele tivesse aprendido a despertar nos outros.


Discurso poético de Fidel Castro na ONU em 1979



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quinta-feira, maio 05, 2016

Chanel em Cuba!
Ah... a doçura dos frutos proibidos


Gisele Bündchen, o rosto do Chanel Nº5 e uma eternamente fiel à casa

Destaca-se da mediania não quem faz tudo certinho mas quem faz diferente e quem tem a intuição de captar l'air du temps. A casa Chanel tem essa capacidade no seu DNA, digamos assim.

Carros antigos com os motoristas vestidos a preceito para transportarem os convidados

E com Karl Lagerfeld essa capacidade de inovar, essa capacidade de ver qual a direcção a seguir para começar a trilhar o que irá virar tendência, isso está bem marcado.

Karl Lagerfeld, sempre uns passos à frente

Karl Lagerfeld é, no mundo da moda e da arte de bem vestir, um génio. Também tem obra na fotografia e na realização de vídeos mas eu destacaria a sua importância sobretudo na criatividade absoluta ao serviço da moda, no gosto pela ousadia, na irreverência de quem mantém a juventude de espírito.

As modelos dançam no fim do desfile

E não são apenas os desenhos das roupas, as cores, o cuidado da sua confecção: é também o look em geral, o cabelo, a maquilhagem -- e é o tom que imprime nos desfiles, a forma de lhes dar corpo. 

Por altura das manifestações de indignados, o desfile assumiu a forma de uma manifestação, as modelos, no final, com cartazes, passo de protesto. Agora que Cuba está a abrir ao mundo, o desfile é lá, na rua, com as boinas revolucionárias, as cores, a alegria contagiante dos cubanos reflectida na insolência e boa disposição dos modelos e da forma como desfilaram no Paseo del Prado.


E é ter o neto de Fidel, Tony Castro, a desfilar.

Karl Lagerfeld: chapeau.




Cuba e o glamour Chanel. Quem diria?

Muito bom.
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Permitam-me um convite: desçam até aqui para verem se eu e a Rosa não temos olho para o negócio. Digam lá se não está aqui um extraordinário nicho de mercado.


terça-feira, abril 19, 2016

Espasmos vaginais, a vida feliz quando ninguém sabia que ia deixar de o ser, noites azuis, tangos, amores impossíveis


Depois de ter visto aquele vídeo do hospital na Porta dos Fundos, lembrei-me daquela cena minha a ir à maternidade a meio da noite queixar-me de uma coisa que não tinha nada a ver. E, porque nisto, umas puxam as outras, agora lembrei-me de mais uma. Mas nem sei se conte. Não é coisa minha, é coisa de intimidade alheia.

Vou escrever com jeitinho, para não revelar mais do que devo e, no fim, logo vejo se vai para o ar ou se fica no limbo.

Vamos lá.
Noche azul que en mi alma reflejó 
La pasión que soñaba acariciar 
Vuelve de nuevo a dar paz a mi corazón 
No ves que me muero de dolor 



Quando andava a estudar, para além da minha colega alentejana que, sendo tão diferente de mim, era tão minha amiga, eu tinha uma outra muito boa amiga. Era minha colega de curso e namorava um rapaz de medicina que era uns dois ou três anos mais velho. Acabou o curso, ele, ainda nós estávamos a estudar.

A vida que ela teve depois não se deseja a ninguém, tudo o que poderia haver de mau ela testemunhou e viveu. Tantas, tantas vezes a apanhei desesperada, lavada em lágrimas, metida em situações horríveis, do pior que há. E quando se pensava que nada de pior lhe poderia acontecer, acontecia. Muitas vezes não era directamente a ela mas a pessoas muito próximas, que viviam com ela, horrores inimagináveis. Era uma corajosa pois sobreviveu, inteira, a tudo. Uma vez, depois de ter estado algum tempo sem a ver, encontrei-a na Avenida da Liberdade. Por essa altura já ambas tínhamos, cada uma, dois filhos, ambas tínhamos sido mães muito cedo, até certa altura as vidas paralelas. Estivemos para aí uma hora de pé, no passeio -- nem nos ocorreu procurarmos um banco -- e ela arrasada, a contar os sofrimentos, as coisas horríveis que estava a viver. Eu, que sou frágil (ou assim me imagino), interrogava-a quase a medo: 'E tu assististe a tudo? Até ao fim? E conseguiste?' E ela tinha assistido, a tudo, até ao fim, tinha conseguido. Já estava calejada, pronta para qualquer coisa, sem fatalismos, já então sempre preparada  para o pior.


Pouco tempo depois, estava eu a almoçar nas Amoreiras, encontrei uma amiga comum. Perguntou-me se eu tinha sabido do que tinha acontecido à nossa amiga. Pensei que se estava a referir àquilo que ela me tinha contado, naquele encontro na Av. da Liberdade. Mas não. Era algo ainda pior. Desta vez tinha sido o marido o atingido pelo infortúnio. Uma coisa horrível. Nem conseguia imaginar como podia ter acontecido aquilo a uma pessoa com tanta energia, sempre tão alegre. Nem conseguia imaginar como estaria ela a reagir a uma desgraça daquelas com o seu tão grande amor. Pensei que ninguém merecia tamanha pouca sorte, tamanha dose permanente de acontecimentos infelizes, irreversíveis, dolorosos.

Mas, na altura a que se refere aquilo que vou contar, ainda ela era despreocupada e feliz, não imaginando o que iria ser a sua vida.

Eu tinha o tal namorado novo, estava apaixonadíssima, andava sempre abraçada e aos beijos, eram permanentes manifestações de grande amor. Ela tinha conhecido o meu namorado anterior, tinha testemunhado a minha atribulada situação de acumulação, e presenciava com divertimento, agora, o estado de arrebatamento em que eu andava. Ela e o namorado eram mais moderados, especialmente ela, já que ele era um speedado, magro, corpo elástico, um bacano, sempre com anedotas e graças, todo piruetas no andar, na conversa, na alegria contagiante. Ela andava encantada com ele, embora um bocado ciumenta. Homens assim, divertidos, inteligentes, bem humorados e brincalhões são uma tentação para as mulheres. Ninguém tem grande paciência para um telhudo, ensimesmado, macambúzio, metido a erudito. Ele era o oposto disso e ela temia o efeito daquela efervescência dele junto de jovens médicas e enfermeiras, em especial nas noites em branco, de 'banco'. Mais tarde viria a ter mesmo razões para sofrer com isso -- grávida, a estudar, a dar aulas e a tratar da casa e ele de cabeça virada, pronto para mandar o casamento para o alto, com um caso tresloucado com uma colega médica. Depois mudou de ideias e manteve-se casado, mas essa sua atitude durante a gravidez da mulher, deixou algumas marcas no casamento. Mas, na altura a que se reportam os factos de que vou falar, era apenas uma ciumeirinha boba a que ela sentia por ele.


Encontravamo-nos os quatro com frequência. Como ele começou a fazer aqueles estágios hospitalares, era sobretudo ao fim da tarde ou à noite que nos juntávamos. Eram noites de risota, noites sem sono, uma alegria, uma pândega pegada, especialmente por causa dele.

Um dia, contava eu aquela maluqueira de termos ido à maternidade para me queixar de dores de pescoço e diz ela: Ah, nem me fales em espasmos. Sabem lá vocês o que nos aconteceu...

Ela vivia então num daqueles quartos que algumas senhoras nas redondezas nas universidades (senhoras penso que geralmente solteiras ou viúvas), alugavam a estudantes. Por essa altura não me lembro se eu vivia também num quarto ou se vivia, por engano (já aqui o contei), na moradia feminina da Opus Dei. O meu namorado vivia com os pais (embora pouco lá parasse) e o namorado dela vivia numa residência masculina, talvez nas Forças Armadas, não me lembro bem.

E então, dizia eu, havia uma senhora que alugava quartos e ela estava num. Quando a senhora saía ao fim da tarde e ele já estava livre das aulas ou do hospital e não estava ninguém em casa, ele enfiava-se lá à socapa (era proibido, as senhoras não deixavam entrar rapazes para os quartos, quanto muito podiam ficar na sala). Para ele a transgressão era uma festa: subir pela escada a pular degraus, entrar à pressa, esgueirar-se pelo corredor e enfiar-se no quarto -- e, sem tempo a perder, truca-truca.


Só que um dia, estavam eles naquilo, pensando que tinham tempo para a função e para saírem de fininho antes que alguém chegasse a casa, quando ouvem a chave na porta e a voz da senhora que entrava com outra pessoa.

E aí, a minha amiga, apavorada, coitada, teve um ataque de espasmos vaginais. Não me lembro se ela falou em vaginite, ou talvez tenha sido ele, acho que sim, mas não garanto que tenha sido isso que lhe aconteceu. Só me lembro de ela contar que tão violentos eram os espasmos que ele ficou lá preso, entalado, ela cheia de medo de ser apanhada, cheia de medo de que ele não se conseguisse tirar de dentro dela, que a senhora os apanhasse naquela linda figura, e cheia de dores e contracções, com a preocupação de não falarem, e ele aflito, enfiado, sem conseguirem controlar a situação.

Lembro-me do meu espanto, nunca me ocorreria que isso pudesse acontecer, e ele a rir-se, gozão, gozão, e ela a contar: 'Vocês nem queiram saber... O pânico, o pânico...'


Depois, lá devem ter respirado fundo, ele lá a deve ter conseguido acalmar, lá conseguiram apartar-se. E, com o coração a mil, ali ficaram assarapantados, sem saberem como sair dali sem serem descobertos. Por fim, a senhora lá saíu com a outra e eles lá conseguiram raspar-se. 

Quando contavam a aventura, ele brejeiro, malandro, apimentava a coisa, transformava aquilo numa cena macaca, daquelas de que se iriam rir até ao fim da vida. Mas ela dizia, 'Não sejas parvo, não sejas ordinário. Vocês nem queiram saber o pânico que senti, já nos imaginava a ser levados para o hospital, agarrados um ao outro, na mesma maca, ele em cima de mim, um vexame, sabem lá a sensação horrível, eu a querer que ele saísse e apertada, apertada, ele completamente preso. E não sejas parvo, não gozes que também estavas em pânico'.
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Entretanto, as nossas vidas profissionais levaram-nos por caminhos diferentes e as desgraças que lhe sucederam depois acabaram por quase afastá-la do mundo em que eu me movimentava. Acabei por lhe perder o rasto.

Há algum tempo, num centro comercial, pareceu-me vê-la ao longe. Ela ia numa direcção e eu na oposta. Ainda pensei voltar atrás, correr, confirmar se era mesmo ela. Mas senti algum medo. Temi que lhe tivessem sucedido mais horrores, temi ouvir da boca dela aquilo que eu tinha sabido por outros. Mas pareceu-me bem, pareceu-me diferente, como se fosse outra, como se tivesse entrado num novo mundo. Tomara que sim.
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Estive a reler o que escrevi. Vou publicar. Pode ser que entre os meus leitores esteja ela. Se ela lesse, reconhecer-se-ia. E saberia que me lembro muito dela e dos tempos que vivemos tão intensamente, tão alegres, ela ainda tão ingénua em relação ao que a vida tinha guardado para a castigar sem que ela tivesse feito nada para o merecer. E lembro-me muito bem das suas duas filhas, tão queridas, tão amadas e a quem ela tanto tentou proteger. Tomara que também estejam bem.
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Apeteceu-me intercalar aqui fotografias de bailarinos cubanos dançando nas ruas de Cuba. Talvez seja porque, apesar das dificuldades que enfrentam, conseguem conservar a elegância e a força para seguir em frente, para voar. O seu autor é Omar Robles.

Admiro as pessoas que, mesmo quando teriam razões para se deprimirem ou afundarem em desesperança, conseguem manter a vontade de rir, de conversar, que são generosas em qualquer circunstância, que não perdem tempo com diferendos fúteis, com quezílias menores, admiro as pessoas que conseguem manter a alegria e a vontade de abraçar a vida e os outros. 

Talvez por isso seja nos cubanos que pensei não apenas para as fotografias mas também para a música: Ernesto Lecuona. Lá em cima, Placido Domingo cantou Noche Azul. E agora o Grupo Corpo dança No es por ti, cantado por Zoraida Marrero numa coreografia de Rodrigo Pederneiras.

Não sou dada a orações (ou talvez seja mas não me apetece assumir), sou mais dada a exorcizar tristezas, medos, perplexidades ou anseios através de devaneios, danças, alegrias, através do corpo a corpo. E, especialmente se falo de memórias que, de alguma forma, me trazem alguma melancolia, se há coisa que me apeteça ver são bailarinos como estes aqui abaixo a dançarem música como esta. 

Por isso, porque acho que ficam bem aqui, a festejarem a vida apesar das complexidades, labirintos e alçapões que, por vezes, a compõem, aqui vos deixo na companhia deste casal e desta música.


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E, por falar em cubanos, antes de me ir apetece-me ainda ouvir um poema de José Ángel Buesa

Poema del amor imposible


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E, se ainda não me visitaram na maternidade nem aos camaradas da Porta dos Fundos no hospital, então queiram, por favor, descer até ao post seguinte.


terça-feira, abril 05, 2016

Dançar nas ruas de Paris


A primeira vez que estive em Paris em turismo foi como se tivesse entrado dentro de um filme. A Torre Eiffel, o Louvre, o Arco do Triunfo, essas coisas, isso já não era novidade, mas andar com calma nas ruas, estar numa esplanada, andar a ver museus com tempo ou andar a cirandar pelas lojas, isso, era uma experiência toda nova.

E era uma festa, verdadeiramente uma festa.

Nos Champs-Élysées, numa esplanada, aproximou-se uma mulher gorda, alta, toda ela volumosa, com cabelo curto aos caracóis muito abertos, cara pintada, muito rímel, lábios de rosa choque e, o que era extraordinário, estava vestida de bailarina, mas bailarina de ballet clássico, tutu de tule cor de rosa, sapatilhas atadas em cor-de-rosa. Mas o mais extraordinário, de facto, nem era a vestimenta, era a naturalidade com que se movimentava e a indiferença dos circundantes, como se fosse a coisa mais usual do mundo.

Na zona des Halles fiquei também boquiaberta ao ver como casais masculinos se abraçavam e beijavam, de beijo na boca, em plena rua. E também perante isso ninguém mostrava estranheza.

Numa outra rua, prostitutas à porta chamavam os passeantes, riam, provocavam, e também ninguém ficava espantado. 

E as pessoas entravam com os cães nas lojas e levavam-nos no metro e tudo natural. A primeira vez que entrei numa Fnac foi em Paris, um delírio, livros, livros, livros e lembro-me que fiquei estupefacta por andar ao meu lado, também a ver as novidades, uma mulher com um enorme cão pela trela. Eu nem queria acreditar.

E, não me lembro se nessa vez, se numa das várias visitas que se seguiram, umas em trabalho, outras como acompanhante de quem trabalhava (ie, do meu marido - calma aí), outras em turismo, vi, como se fosse uma coisa do outro mundo, um homem que, no carro, ia a falar ao telefone. Cheguei a Portugal e relatei isso do telefone e ninguém sabia do que é que eu estava a falar. Os telemóveis ainda não tinham aparecido em Portugal. Algum tempo depois apareceram, uns tijolos enormes que se acoplavam junto das mudanças, nos carros.

Lembro-me de falar também numa coisa que estava anunciada por todo o lado e que se chamava Minitel e que, se não me engano, era o início da internet e que nem eu sabia explicar bem para que servia nem ninguém adivinhava o que pudesse ser. 
Todo um mundo novo que eu via nas ruas de Paris.

E muitos árabes e africanos e asiáticos e também muitos portugueses e toda essa gente andava pelas ruas, nos armazéns, nos transportes. E uns andavam de bicicleta e outros de carro e tudo parecia meio caótico, parece que andavam depressa de mais mas também ninguém se chocava com isso.

Gosto muito de ambientes assim, onde não se conhece ninguém, onde a familiaridade advém de toda a gente parecer estrangeira ou diferente e tudo ser aceite como igual.

Já não vou a Paris há algum tempo. A última vez que lá estive foi por alturas do natal, tudo iluminado, muito bonito, um frio antárctico, talvez há uns quatro anos, não me lembro bem, foi uma visita curta, creio que pouco mais que um fim-de-semana. Mas lembro-me bem deste ambiente, de que tudo é admissível, tudo é encarado com naturalidade por todos quantos passam.

Lembrei-me disto ao ver o vídeo que aqui vos mostro, tão alegre, tão bonito, em Paris, mon amour.

Transcrevo o texto que acompanha o vídeo:

CUBANS DANCING SALSA, RUMBA & REGGAETON IN ROMANTIC PARIS


Ever wondered what happens when a bunch of Cuban dancers arrive in the city of light? They paint the town red to the rhythm of Cuban music! 
« Cubanos In Paris » sees a few friends of DOT MOVE from La Havana turning lovely Paris into their very own dancefloor. Believe us, it was madness ! 
At a time when Cuba is opening up to the world, what better occasion to blend the cuban culture to the french one and have fun with their respective heritage?
This video is a celebration of art, love, life and most of all, freedom! 


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As fotografias foram obtidas via google, não são minhas -- bien sûr.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.

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sexta-feira, outubro 09, 2015

Que estás a fazer aí? Ai, mãezinha!
[A propósito de Rihanna - a nossa mulher em Havana]


Nos dois posts abaixo falo das orelhas homossexuais de José Rodrigues dos Santos, do rejuvenescimento vaginal da Cristina Ferreira, do saudoso Malaquias, do cérebro mal virgulado do primeiro e do Alexandre Quintanilha que não tem nada a ver com isto. Quem queira tomar o gosto a tão invulgar cocktail deverá espreitar o que vem depois do que agora se segue.






Eu vivia num sótão de um prédio no Malecón. No décimo segundo andar. Uns sessenta metros acima da rua. E habituei-me a sentar-me no beiral, com os pés a balançar no vazio. Era muito fácil. Bastava saltar do sótão para o beiral. Um bonito beiral reforçado com gárgulas lavradas em pedra. Em forma de grifos e de aves do paraíso. Era um prédio antigo, muito sólido, estilo Boston, mas agora cada vez mais em ruínas com tanta gente lá enfiada dentro a tentar sobreviver.

Era assim. Para mim era simples. Sentia-me como um pássaro e recordava o tempo em que tinha os tomates no sítio, e me lançava de asa delta do alto de uma colina para o vale de Viñales, e apertava o cu com medo de me estatelar no chão. Mas aquela geringonça nunca falhou. Agora, todas as noites, saltava para o beiral e sentava-me ali, ao fresco, e via tudo lá em baixo, na penumbra da noite. Apetecia-me. Sonhava saltar e ir voar e sentir-me o tipo mais livre do mundo.




Nessa noite chegou Carmita. Era uma aventureira. Tinha três homens ao mesmo tempo: um marinheiro, um mecânico e um oficial da alfândega. Carmita é um caso sério. Tem quarenta e um anos, mas age como uma miúda de dez. Tem uma paixão por sexo, dinheiro e pelas apostas. Se bem que não por esta ordem. Julgo que é: dinheiro, sexo, dinheiro, apostas e mais dinheiro. E fazer tramóias e ganhar seja lá como for. Vive num quinto andar com os filhos e os homens. Mas não sei como consegue alterná-los, de forma a nunca se encontrarem. Nessa noite, tive logo um pressentimento, propôs-se somar a quarta vítima à sua colecção de homens úteis. E, de súbito, lá estava ela aos gritos atrás de mim. E eu como um morcego à luz do luar. Havia uma bonita lua cheia e a noite estava muito clara, azul. O mar ondulava e o Malecón muito calmo, quase sem gente. Eu em êxtase, pendurado no vazio. A pensar em coisa nenhuma. É maravilhoso estar-se pendurado no ar, frente ao mar, com esta brisa fresca de Junho, e muito silêncio à volta. Começa-se a pensar em coisa nenhuma. Ponho-me a pensar em coisa nenhuma porque estou a flutuar, a entrar dentro de mim mesmo, sem procurar nada. Eu comigo mesmo. É uma espécie de milagre no meio desta tormenta e destes naufrágios. Um milagre dentro de mim.



E, de súbito, Carmita aos gritos:

- Vais cair, Pedro Juan. Que estás a fazer aí? Ai, mãezinha!

- Hei, calma, calma. Que gritaria é essa?

Esta mulher fala comigo como se fosse minha mãe ou qualquer coisa do estilo. E é a primeira vez que vem ao sótão. Se vivêssemos juntos, tirava-me do beiral à paulada.

Bom, não sei como foi, mas em poucos minutos desci as escadas, comprei um pouco de rum barato, com sabor a petróleo. Com gelo e limão fica bastante melhor. Bebemos dois ou três copos e falámos um bom bocado do milhão de pessoas que ficaram sem trabalho. Tudo a vender qualquer coisa no meio da rua, a tentar sobreviver. (...)

Três ou quatro copos depois, não sei porquê, tive vontade de acariciá-la. Sim, sei porquê: estive um bocado distraído porque ela falava de comida e de cozinha e de como o apartamento dela brilhava porque ela o limpa obsessivamente com um pano com que anda sempre na mão, e que o meu quarto era uma esterqueira cheia de lixo. "O que faz falta aqui é a mão de uma mulher. Hei-de pôr-to como um brinquinho, e mais umas cortininhas.". Ela a dizer aqueles disparates todos e eu a vacilar. Tem quarenta e um anos mas está muito bem. Levantei-me da cadeira e acariciei-lhe a cabeça e encostei o meu sexo ao rosto dela. Tirou-me então o cinto, desceu o fecho e aos poucos foi descobrindo os pêlos, o sexo, que lentamente se erguia, se desenrolava e olhava para cima como se perguntasse se alguém tinha chamado por ele.




- Ai, Pedro Juan, que c... mais lindo. Foi feito à mão!

Disse isto com ternura. Com tanta doçura como se fosse um caramelo. (...)

- Vamos para a cama, meu querido.

- Uf, não, espera. Deixa-me respirar.

(...) e queria continuar como se eu fosse um miúdo de quinze anos.

- Respirar coisa nenhuma, que tu tens língua e dedos. Depois de me teres sufocado, não me podes deixar pendurada. Anda lá!

Já tinha começado a tirar a roupa. Um corpo incrível! Com quarenta e um anos, a comer arroz com feijão, três partos, e sem nada de cremes, nem de ginástica nem de sauna. Era perfeito.

(...)



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O texto acima é um excerto de Lua cheia no sótão, um conto que faz parte de Trilogia suja de Havana de Pedro Juan Gutiérrez. Porque os meus filhos são leitores assíduos deste blogue, inibi-me um bocado e não transcrevi as partes mais ousadas do texto nem uma palavra em particular de que deixei apenas a inicial.

Todas as fotografias mostram Rihanna e todas, excepto a última, fazem parte da sessão feita em Cuba com Annie Leibovitz para a Vanity Fair de Novembro.




O vídeo lá em cima mostra Rihanna com Mikki Ekko a interpretar Stay em versão de salsa cubana

O vídeo abaixo mostra a festa que foi essa sessão fotográfica.

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Rihanna em Cuba fotografada por  Annie Leibovitz - o making of 



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Gosto dos livros de Pedro Juan Gutiérrez que também pinta e bebe e que se diverte com o que faz. Para quem nunca tenha ouvido falar dele, aqui deixo um vídeo, em que nos fala da sua escrita, da sua vida, dos prazeres da vida, da sua vida de cão ou de gato vadio.



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Relembro que, sobre José Rodrigues dos Santos que também gostava de ser escritor, poderão ler nos dois posts abaixo.

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sexta-feira, abril 27, 2012

A curiosa alegria dos cubanos, Pedro Juan Gutierrez um cubano livre, Matthieu Ricard, o homem mais feliz do mundo e os seus Habits of Hapiness e as flores de Sophia in heaven


Música, por favor

 Lágrimas Negras
(cena do documentário Cuba Feliz realizado por Karim Dridi)



Devo ser uma das únicas portuguesas à superfície da terra que nunca foi fazer férias para Cuba.

E nem posso dizer que não me desperte curiosidade, porque desperta.

Toda a gente que conheço relata o que lá viu, mostra fotografias. O meu filho também lá esteve, trouxe imensas fotografias e eu pude ver aquilo que é visível. As ruas pobres, as casas degradadas, as lojas vazias, os carros muito antigos… e as pessoas na maior alegria.

E é isso que me espanta e que desperta a minha curiosidade. Vivendo há tantos anos com tantas dificuldades como é possível parecerem todos tão felizes?




Das fotografias que o meu filho lá fez, imprimi em A4 algumas delas e encontram-se, em vidro, numa das paredes da escada. São fotografias com um colorido incrível e em que as pessoas que lá aparecem, um homem de blusa de alças à janela, um grupo de miúdos na maior galhofa numa rua, um casamento com os noivos e os convidados quase a correrem rua fora, uma mulher muito gorda e muito sorridente mal cabendo num atrelado de uma motoreta, revelam uma fantástica boa disposição.




Sabendo-se as condições em que vivem, pergunto-me como é isto possível?

Gostaria, pois, não de ver o que toda a gente vê, as praias, as ruas, mas, sim, as casas por dentro, gostaria de conversar com cubanos mas não na rua, nas suas casas, perguntar-lhes quais os seus principais valores para que mostrem ser tão alegres quando não têm o que comprar nem mesmo para comer decentemente, perceber mesmo como é, qual o segredo - mas como não vejo como seria isto possível numa viagem de dias e sem conhecer lá alguém, ponho de parte a ideia de lá ir.




Esta minha curiosidade sobre a natureza dos cubanos foi relativamente satisfeita com a leitura dos livros de Pedro Juan Gutierrez. Trata-se de uma escrita que, para as almas mais sensíveis pode ser chocante. Considerado um escritor de culto por uns, é também olhado como excessivo, de um realismo absoluto, quase folclore, por outros.




Da sua série Ciclo de Centro Habana li todos os livros e é, sem dúvida, um relato cru da vida difícil, de casas sem água, sem luz, de cheiro a esgotos, de esquemas para arranjar um bocado de carne ou de rum,  de calor, de miséria e de sexo, muito sexo. E uma escrita sobre a escrita na casa com varanda para o Malecón, e sobre os cheiros do Malecón, e sobre a boémia decadente no Malecón e sobre a miséria mais desconcertante e resistente nos muros do Malecón. 




Grande parte dos livros é marcadamente autobiográfica. Por vezes os feitos sexuais são tão extravagantes que chegamos a duvidar que os factos não estejam a ser polvilhados de whisful thinking. Mas maratonas ou piruetas sexuais à parte, a escrita de Pedro Juan revela o lado invisível a olho nu do temperamento cubano. Optimistas, pragmáticos, sensuais, os cubanos habituaram-se a encontrar a felicidade no ser e não no ter.

Um dia destes volto a Pedro Juan Gutierrez pois é um homem interessante e os seus livros também.

*

Mas hoje lembrei-me disto ao ler a entrevista a Matthieu Ricard, o homem que os cientistas que estudaram o seu cérebro consideraram o homem mais feliz do mundo.



Francês, doutorado em biologia molecular, com 65 anos, Matthieu Ricard é o braço direito do Dalai Lama.   É tradutor, faz fotografia, escreve e desenvolve trabalho humanitário.

Quando lhe perguntam qual a chave para se alcançar a felicidade a resposta aponta para coisas simples: querer ser feliz é o mais importante; perceber que a felicidade é uma forma de estar na vida; não viver fechado em si mesmo, educar-se para pôr de parte sentimentos negativos como egoísmo, arrogância, agressividade; gostar dos outros (mas gostar, também, de si próprio); reconhecer que o essencial é estar-se em paz, é a amizade, o sentir o coração cheio, é sentir a sensação de que a vida vale a pena ser vivida; perceber que a felicidade não está relacionada com o que se tem a nível material.

Para quem tenha tempo (20 minutos), aqui deixo o vídeo da intervenção de Matthieu Ricard, 'Habits of Hapiness', nas conferências TED.



*

Era preciso agradecer às flores
terem guardado em si,
límpida e pura,
aquela promessa antiga
de uma manhã futura.

*

Flores que guardam, límpida e pura, a promessa de uma manhã futura - in heaven


*
O poema é: 'As flores' e é de Sophia de Mello Breyner Andresen in 'No tempo dividido'

E, por falar em flores e em poesia, hoje lá para as bandas do meu Ginjal e Lisboa, a love affair, as minhas palavras valsam em torno de uma rosa de Ana Marques Gastão e, claro, ao som de Bellini. Se estiverem para isso, gostaria de vos ter por lá.

*

E, meus Caros, tenham uma bela sexta feira e, já agora, sejam muito felizes!