sábado, janeiro 20, 2018

Meu querido algoritmo, leva-me a dançar


Vi as sondagens, vi algumas notícias, sim, teria muita coisa a dizer, claro, mas o depauperado estado em que me encontro reduz-me o débito cognitivo e pouco mais consigo fazer do que passear os olhos pelos vídeos que o algoritmo do youtube me propõe.

Somos bons amigos, eu e o algortitmo. Fosse eu dada a networkings e arregimentava-me no LinkedIn a ver se a Google vinha fazer serenatas à minha varanda, atirar pedrinhas à janela, a ver se me convencia a ir aperfeiçoar o algoritmo do YouTube. E eu talvez que fosse. Juntar-lhe ainda mais uns pós de inteligência emocional -- que racional já ele tem que chegue. Por exemplo, quando o algoritmo percebesse que a malta é daquela que está por tudo (que os algoritmos percebem tudo), volta e meia surpreendia-a com coisas malucas para caraças. Malta que está por tudo, pela-se por ser surpreendida.

Se bem que isso já ele faz. Algoritmo bem feito.

Ainda hoje. Eu na modorra, preguiçando pelos vídeos e adormecendo de minuto a minuto, e nisto dou com um em que nada a ver. Pois foi logo esse que me despertou.  Claro que, no meu íntimo, gostava que ele (ele, o algoritmo) fosse mais ousado. Que me adivinhasse, que fosse buscar coisas de gente que eu desconheço mas que vendo-os logo eu descobrisse quem é, coisas que me deixassem de queixo caído, olhos esbugalhados -- tudo para me desafiar. Ou actividades completamente desconhecidas. Ou mais. Coisas do outro mundo. Tem que ser de outro mundo para me cativar. 

É como nos blogues: só quem escreve coisas do outro mundo me cativa. E há quem. Por esses me deixo cativar. Por eles, eu me deixo trazer cativa.

Mas pronto, isto já sou eu a querer demais: algoritmos inteligentes, sensíveis, mediúnicos, maliciosos, divertidos, poéticos, sensuais, insolentes. Por detrás do vidro do computador milhares de mentes confluindo em palavras deliciosas, surpreendentes, em bailados nunca vistos, em artes inesperadas, em amores e gestos irrecusáveis, em gestos de bondade, em olhares atentos e felizes.

Bem. Isto tudo para dizer que estava eu aqui, pasmaçando, pensando no meu plano de festas para sábado, muita actividade para tão curto espaço de tempo, quando um vídeo me trouxe à memória. Digo-vos o quê.

Os meus pais eram jovens e tinham muitos amigos. De vez em quando havia bailes. Os meus pais não seriam bailarinos devotos mas dançavam com competência. Nesses dias a minha mãe arranjava-se de forma ainda mais apurada. Era, já de si, bonita e vistosa ou não fora o seu cabelo de um louro platinado natural, os olhos muito azuis, relativamente alta, elegante e alegre. O meu pai, outro registo, sempre com grande sobriedade, mas moderno, disponível para participar nas coisas que agradavam à minha mãe e onde estavam todos os casais seus amigos. O padrinho de casamento do meu pai tinha três filhos jovens e bem dispostos. Havia também o director da fábrica que tinha outros três filhos. Andariam todos por volta dos vinte anos, mais ano, menos ano. E havia outros que, com eles, formavam um grupo que animava sempre os bailes. E organizavam concursos. Do que melhor me lembro era do twist. O que eles faziam... Pareciam frenéticos, contorcendo-se de alegria.

Eu adorava aquilo. Andava com os meus amigos pequenos -- três, quatro, cinco anos -- a dançar no meio dos grandes ou simplesmente a observá-los. Não sei se os meus pais me levavam sempre com eles. O que sei é que aquelas noites eram para mim um delírio. As raparigas grandes e as mulheres, emgeral, iam com saias rodadas, os rapazes andavam elegantes, riam, dançavam, inventavam coreografias. Lembro-me de um que se chamava Orlando e que era o máximo. E a Guidinha, que saltava, rodopiava, dava reviravoltas no ar. Abriam-se alas para os ver dançar. No fim, a sala vinha abaixo, tanto o entusiasmo e a força dos aplausos. Os meus pais não eram nada esse género, era sempre um registo de sobriedade mas apreciavam a exuberância dos outros.

Havia outros bailes, ao ar livre, pelos santos populares, e aí também íamos e havia caracóis e laranjinas. Mas estes de que hoje me lembrei eram num grande salão. Pela Passagem do Ano também havia baile e ceia mas, que me lembre, não havia concursos. Não me lembro de dançar muito, nessa altura. Era pequena e andar a dançar ou a correr entre os adultos era um desafio.

O vídeo abaixo, que hoje o algoritmo tinha para me mostrar, não reproduz nada desses ambientes de festa tais como me lembro. Mas é uma alegria. E é break dance. Dá-me ideia de que deveria haver legislação que obrigasse toda a gente, pelo menos uma vez na vida, a participar em momentos assim. Não se fica o mesmo quando alguma vez se dançou perdidamente, o corpo à solta, a música a correr nas veias. E isso o algoritmo já sabe. O meu, pelo menos, sabe.

1930's Break Dancing (Mills Brothers - Caravan)


..........................

E queiram descer até ao post que se segue: tem drama que chega e sobra.

E se detectarem bandos de gralhas empoleiradas nos meus textos, por favor, relevem: é que já estou a dormir, já não dou por elas -- por isso nem as enxoto.

...................................