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quarta-feira, março 08, 2017

Conversa de mulheres
[Onde a Prima conclui que Dindinha não é sapiossexual
-- e onde a criadora de ambas se demarca daquela conversa]




Dindinha diz:  "É dia da Mulher e parece que só se fala do lado chato e duro de se ser mulher. Não acha, Prima?"

Diana concorda: "É que, tantas vezes, não é mesmo fácil ser mulher, Dindinha. Sabes lá. Sei de casos. Tão duro. Às vezes, tantos disfarces para se conseguir suportar. E os medos, menina, sabes lá. Tantas dores que se engolem como se fossem lágrimas. Nem sabes, menina. Mas estou contigo. Prefiro festejar o facto de ser Mulher. E acho que dá mais força às mulheres se forem fortes, confiantes. Mas deixa. Olha, já pensaste como é que vais festejar o dia, Dindinha?"

Dindinha faz beicinho: "Não, Prima, não sei mesmo. O Tom anda armado em estúpido, agora deu em sonhador, diz que prefere sonhar com uma certa musa. Nem fotografias me quer tirar. Nem poesia me quer ensinar. Já lhe pedi: 'ao menos gramática, Tom...' Não quer, diz que tem mais que fazer, que eu dê pontapés na gramática à vontade. Já viu, Prima?"

Diana faz-se de desentendida: "Deixa, menina. Também tem idade para ser teu pai. E se calhar cansou-se de ser professor. Na volta pôs-se nas mãos de alguém que o ensine a ser gente"

Dindinha não é dada a subtilezas. Por isso, não presta atenção à ironia da prima e continua: "É um parvo. Um traidor. Hoje mandei-lhe uma sms a chamar-lhe isso, traidor. O estúpido respondeu 'Traduttore, Traditore'. Parvo. Sempre a querer armar-se em bom. Também não quero saber. Tenho um colega novo que é o máximo. Não sabe latim, nem grego, odeia filosofia, não vê boi de história, acho que nunca leu um livro. Mas é lindo de morrer e tem um corpo que me faz desfalecer"

Diana ri: "Não és, portanto, sapiossexual, Dindinha..."

Dindinha arregala os olhos: "Credo, Prima, não sei o que é isso mas digo já que não. Sou bi. A minha sexualidade é fluida, Prima. Confesso. Mas a sua também, não é não, Prima?"

Diana responde: "Não sei do que falas, menina."

Dindinha ri e diz, toda ela malícia no passar da língua pelos lábios: "Sabe, Prima, sabe sim, então não sabe...?"

Diana aborrece-se: "Qual fluida, menina. Sólida. Mas deixa. Olha, conta lá, que me quero divertir: o que mais aprecias num homem?"

Dindinha não hesita: "Num homem gosto do corpo, gosto da forma como me olha, da forma como mostra que me quer, gosto da forma como me agarra, gosto que me faça rir, que me faça ver estrelas, que não me faça sentir burra, que goste de estar comigo".

Diana fica a pensar. Depois diz: "E não gostas de quem goste de conversar contigo, que te escreva longas cartas, que te leia poemas de amor, que te surpreenda com as suas contradições, que te provoque, que te deixe a pensar, que goste de livros e de música e de arte e que te encha de dúvidas e de estremecimentos?"

Dindinha responde: "Oh Prima, até podia ser, mas só em doses ligeiras. Odeio, Prima, odeio aqueles chatos que, a propósito de cada coisa, se lembram de livros, que acham que toda a gente é igual a personagem de livro, que acham que são mais espertos que toda a gente, que gostam mais das histórias dos livros do que das histórias da gente. Odeio. São uma seca. O Kikinho, este meu colega novo, é o oposto. E tem umas mãos, Prima, umas mãos. Grandes, fortes, sábias. Passe a mão aqui no meu peitinho, Prima, veja como está uma seda... Pôs-me uma loção de alfazema, sabe, Prima. Cheire, veja como cheira bem".


Diana diz: "Não me atentes o juízo, menina."

Dindinha insiste: "Prima não queira ser essa tal sapiossexual que isso não me parece coisa boa. Descontraia, Prima, descontraia. Daqui a nada chega o Kikinho e vou dizer para ele passar a loção de alfazema na sua pele, Prima. Vá mentalizando o seu corpo, Prima. E depois vou dizer para ele lhe fazer também um estremecimento já que gosta tanto disso, Prima. Aposto que isso ele sabe. Aposto um beijinho, Prima."

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E, aqui chegada, a criadora de Diana e de Dindinha sai das águas em cujas profundezas habita, sacode as exíguas vestes, encolhe os ombros e, suspirando, lamenta-se: 'Estas duas, senhores, sempre a moerem. Como se eu tivesse alguma coisa a ver com estas parvoeiras. É que já começam a cansar a minha beleza. A história já acabada e mais que acabada e estas duas que não me largam, credo. Eu a querer debruçar-me sobre as cartas do Séneca e estas para aqui, troloró-troloró, só a distrairem a minha atenção'.

E, perscrutando o horizonte, demarca-se das suas crias e, segura e confiante, avança noutra direcção.


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De seguida, quando ninguém a vê, num inesperado volte-face, a autora arranca a máscara, uma e outra, todas as máscaras, todos os disfarces, todos, todos e, olhando os Leitores nos olhos, diz: "Esta sou eu. Com mil vidas, mil anos, mil mundos, coberta por mil palavras, mil recordações, mil rugas. Nua. Coberta por véus. Envolta em cores e em sonhos. Eu, aqui inteira perante vós. Uma mulher. Mil mulheres"


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A última fotografia é de Steve McCurry.
Lá em cima Sona Jobarteh interpreta Saya.


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E queiram, por favor, descer caso queiram conhecerem um Segredo muito especial.

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terça-feira, janeiro 24, 2017

Coisas verdadeiramente inenarráveis



Kristen Stewart é conhecida, na actualidade, não apenas por ser uma boa actriz ou por ter um rosto fotogénico que a torna apetecível por parte de marcas como a Chanel, mas também por ser uma tomba corações.

São vários os que já estilhaçou e deixou, partidos, pelo chão.






Um dos que fez correr mais tinta foi o segundo de que se fala depois de começar a ser conhecida, Robert Pattinson. (O primeiro de que se ouviu falar foi Michael Angarano). Casal na tela, casal na vida real, a surpresa, quando Kristen rompeu o romance com Robert, foi geral. Ali havia química. Mas contra factos não há argumentos: o romance chegara mesmo ao fim. De Robert Kristen passou para Rupert Sanders. A partir daí os romances mudam de contornos. Quem se segue não é um senhor mas uma senhora: Soko. Seguiu-se Alicia Cargile de quem já se falava tempos antes de 'assumirem'. Quando o mundo estava a habituar-se à ideia e a pensar que Alicia era a mulher da vida de Kristen eis que aparece com  St. Vincent, a ex de Cara Delevingne. Mas ela não é de sossegar (ia dizer: sossegar a passarinha como diziam lá na minha terra) e, perto do fim do ano, nova surpresa.  Agora é Stella Maxwell, uma das anjinhas da Victoria Secret que mais câmaras faz disparar, a cair nas garras da felina Kristen.

Nada disto interessaria não fosse dar-se o caso de Trump, na altura em que ela se separou de Robert Pattinson, ter resolvido comentar publicamente, via tweet, a situação. E com isto percebemos, ainda melhor, a craveira do bicho. Que homem é este que assim se mete na vida privada de jovens artistas...? Fico banza com isto. Juro que fico.


Estávamos em 2012 quando Donald Trump decidiu recorrer ao Twitter para comentar a vida pessoal de Kristen Stewart. "Robert Pattinson não deve aceitá-la de volta. Ela traiu-o como um cão e fá-lo-á outra vez. Vão ver. Ele consegue arranjar muito melhor", escreveu na altura o recém-eleito presidente dos EUA, pouco depois de ter sido descoberto o envolvimento da atriz com o realizador Rupert Sanders.

Pois agora, cinco anos depois, Stewart reagiu publicamente ao ataque. "Ele estava zangado, estava mesmo obcecado comigo há uns anos, o que é de loucos. Nem sequer consigo perceber. É um conceito tão fora que nem quero acreditar que aconteceu, é de malucos", frisou, numa entrevista à Variety, que decorreu horas depois da tomada de posse de Trump, esta sexta-feira.
Questionada sobre como se sentiu depois do tweet do multimilionário, Stewart desvalorizou a situação. "Naquela altura, ele era apenas uma estrela de reality TV. Não lhe dei importância", garantiu.
Sabendo da forte presença de Trump nas redes sociais, Stewart apercebeu-se rapidamente de que esta sua intervenção poderá, uma vez mais, despertar a atenção do agora chefe de Estado. "Ele vai, provavelmente, fazer um tweet sobre isto", brincou. 

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Este Donald é o homem que, por enquanto, ainda tem mais poder no mundo.
E digo por enquanto pois imagino que rapidamente alguém há-de arranjar maneira de o tirar de lá.

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domingo, janeiro 10, 2016

Cada vez mais mulheres americanas declaram a sua bissexualidade (ou sexualidade fluida, como se diz). Só americanas? E isto é tendência recente? --- Olhem que não, olhem que não.



Já aqui há pouco tempo o tema veio à baila, não a propósito do que aqui vou falar, que é de natureza estatística, mas, sim, de natureza psicológica (- ou fisiológica, digamos assim). Na altura, levei quase na brincadeira. Agora, se a coisa mete estatística, mudo de tom e tento aumentar a amostragem.

Um estudo publicado há dias nos Estados Unidos mostra que há três vezes mais mulheres que homens a declararem-se bissexuais. O estudo mostra também que este número cresceu desde a última avaliação, poucos anos antes.

Não é que o número seja elevado (5,5% nas mulheres, 2% nos homens) mas, ainda assim, as proporções e a evolução merecem atenção.

Para além disso, se perguntadas se alguma vez tinham tido um contacto sexual com alguém do mesmo sexo (e isto, de um contacto, pode ser uma coisa esporádica e não uma orientação permanente), também o número de mulheres que responde positivamente é bem maior nas mulheres que nos homens -- 17,4% contra 6,2% -- e é significativo.

Também desde há alguns anos se vem verificando uma tendência crescente na assumpção por parte de figuras públicas da sua condição de bissexuais. Alguns exemplos:

Kristen Stewart e a sua namorada  Alicia Cargile

Depois de viver vários anos com Robert Pattinson,
agora é Alicia que faz vibrar a talentosa Kristen

Angelina Jolie não esconde o caso amoroso que viveu com Jenny Shimizu

Cara Delevingne e St. Vincent
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Mas, pergunto eu, qual a novidade? E porquê tanto destaque à realidade americana?

Respondo - Nenhuma novidade, desde sempre, em todo o lado.
(Mas às escondidas, claro... O manto do pecado pesava, a clandestinidade impunha-se)

Gravure Galante, XII ou XIII?

La Nymphe Callisto, séduite par Jupiter sous les traits de Diane, François Boucher,  (1759).


Le sommeil de Gustave Courbet, 1866 (também chamado: Les deux amies Paresse et Luxure)


Les deux amies, oil, ca. 1894-5; Henri de Toulouse-Lautrec

Egon Schiele - Two Women, 1915
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E estava tentada a fazer avançar as mulheres malditas do Baudelaire mas o poema é longo, longo e, portanto, por hoje não. Avanço para o cinema.

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Violette (Violette Leduc)


Carol



Adele



Ou seja, a bissexualidade, tal como a homossexualidade ou a heterossexualidade -- ou whatever -- existem, não dá para as escamotear. Mas são matérias do foro íntimo, pessoal, orientações com as quais ninguém tem nada a ver a não ser os próprios. E eu, pela parte que me toca, di-lo-ei vezes sem conta: não é pelo facto de eu ser hetero que alguma vez poderei sentir-me no direito que censurar quem quer que seja por ser diferente de mim tal como não aceitaria ser censurada ou ser condenada por eu ser hetero, uma vez que é coisa que não é voluntária ou controlável.

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E estava para vos mostrar como estava belo, belíssimo, o mar nesta tarde bravia de sábado mas, dado o adiantado da hora, limito-me a sugerir-vos que deslizem até ao post seguinte para saberem esta agora do Marcelo a abafar um palmier ao Nóvoa, dando assim início à sua excêntrica Campanha do Coração.
Se ele se apanhasse ao pé de mim neste momento, estava capaz de jurar que me dava razão, haveria de jurar a pés juntos que isto da bissexualidade é que está a dar e que ele próprio, até, enfim... (e sorriria e pigarrearia, todo malicioso, para ver se me ultrapassava, ora não, quiçá até para ver se ultrapassava em fluidez sexual a Angelina Jolie. Menino para isso é ele).
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domingo, novembro 08, 2015

Dizem-me que ou sou lésbica ou bissexual - e eu não sabia


Gigi Hadid, uma das modelos mais sexy da actualidade (apesar das formas generosas)


No post abaixo disse que falaria nesta revelação. Não é uma questão de sair ou não do armário, é mesmo uma questão mais perturbante.

Acho que já uma vez aqui o contei: uma vez um homem disse de mim que eu era a mulher mais mulher que ele tinha conhecido. E eu fiquei contente porque, de facto, me sinto muito mulher. Não é que as lésbicas ou bissexuais não o sejam mas tenho esta ideia (na volta uma ideia peregrina) de que uma mulher muito mulher gosta mesmo é de homens. Eu gosto. Não tenho ideia de alguma vez ter sentido atracção por uma mulher. 

Mas eis que um tal Dr. Gerulf Rieger do Departamento de Psicologia da Universidade de Essex conduziu um estudo que incluiu 345 mulheres e concluiu que todas reagem animadamente a estímulos femininos, embora algumas também a masculinos - e, vai daí, conclui que não há mulheres completamente hetero, são todas homo ou sexualmente fluidas.

Depois vi que isto foi medido a partir da dilatação das pupilas aquando da visualização de vídeos em que apareciam homens ou mulheres nus.

Conclui ainda que as mulheres que abrem o olho quando vêem uma mulher nua parecem mulheres normais, ou seja, não se vestem forçosamente como se fossem sapatonas assumidamente empedernidas.

Pasmo com este raciocínio primário por parte de um doutor cientista. Só por isto já me apetece dizer que o tipo deve ser mas é parvo.

Pois eu, cá para mim, acho que quando uma mulher vê outra nua ou em lingerie, olha-a com atenção (mesmo que subrepticiamente) para ver se ela está mesmo bem, para ver se tem defeito, para ver se há razão para invejinha, para ver a marca da roupa interior, coisa assim - ou seja, não forçosamente porque quer alguma coisa de mais.

E agora vou ver um vídeo com a bela Gisele Bündchen numa sessão sexy e logo a seguir vou ali ver ao espelho se estou com a pupila toda aberta.


GQ - Gisele Bündchen (Julho 2008)

 
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Olha: os olhinhos bem normais. Devo ser a excepção.
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E, como excepções há poucas, devem ser vocês, Caras Leitoras, que encaixam no estudo. .. :)
Seja como for, está tudo certo, que o Um Jeito Manso é um blog amigo de toda a gente que venha por bem. Tão simples quanto isto.


quarta-feira, novembro 14, 2012

De novo aqui, no Um Jeito Manso, Tamara de Lempicka, uma pintora nascida polaca com uma expressão de virgem depravada, com um rosto deslumbrante no seu descaramento total (a palavra a Gina Picart que sobre ela escreveu em 'O príncipe dos Lírios')


No verão de 1924 conheci em Nice Tamara de Lempicka, uma pintora polaca na moda entre a aristocracia de Paris. 



Tamara Lempicka (1890 - 1980)


Eu tinha chegado de Cuba há uma semana e naquela manhã tomava um aperitivo com Colette num café da costa, debaixo de um desses toldos às riscas que protegem os turistas do sol mediterrânico.



Colette (1873 - 1954)


Enquanto bebíamos, coscuvilhávamos e entretínhamo-nos a observar as pequenas figuras dos veraneantes que se deslocavam languidamente pelo Passeio dos Ingleses. Reconhecemos Cocteau e Radiguet pelos seus andares de bailarina e as condessas de Polignac e Noailles pelos seus chapéus ridículos. 

(...)

Uma mulher aproximou-se da nossa mesa. Chamavam a atenção a sua face nórdica de maçãs-do-rosto altas e os seus olhos cor de jacinto, com uma expressão de virgem depravada. Um rosto deslumbrante no seu descaramento total e, no entanto, ameaçado por esse peculiar matiz de lonjura que se adivinha precocemente naquelas pessoas a quem o futuro reserva a demência. Vestia calças e casaca pretas, camisa branca e um leve cachecol de seda sem nó sobre a lapela. Parecia-se a George Sand e supus que, tal como outras mulheres a quem Colette já me tinha apresentado, esta também teria sido sua amante. Beijou Colette nos lábios com naturalidade e de seguida sentou-se entre nós. Cruzou as pernas e com um gesto graciosamente masculino fez sinal ao empregado.

(...)

Contemplei-a dissimuladamente, fascinada pelo seu ar soberbo e impúdico ao mesmo tempo. Uma rajada de vento agitou o seu cabelo de um loiro muito pálido, com esse tom acinzentado que Dante atribui às asas dos anjos. Ela susteve o meu olhar com aprumo, e percebi, escondida no fundo das suas pupilas, essa espécie de preia-mar sub-reptícia que flui quase sempre de todos os que desfrutam de mais de um sexo.


*

Este é o início do conto 'O príncipe dos lírios', pertencente ao livro 'Óleo sobre Tela' da autoria de Gina Picart, escritora cubana de 56 anos, formada em arte, filologia e jornalismo. 



Gina Picart, aqui sem óculos


Este conto recebeu a Menção Honrosa do Prémio Ibero-Americano de Conto Júlio Cortázar. 

Talvez volte a ele  pois tem que se lhe diga. Além do mais, como deverão estar lembrados (os que me lêem e têm memória de elefante), Tamara de Lempicka é outra das pintoras cuja vida dava um filme.


Este não é o meu único post do dia. Há pouco já escrevi um desabafo que pressupõe que visualizem alguma mímica da minha parte (ou deverei dizer expressão gestual?). Por isso, aqui a seguir, um pouco mais abaixo, lá o encontrarão. 


*

E, como habitualmente, ainda quero convidar-vos a deixarem-se ir na minha conversa, vindo comigo até ao meu Ginjal. Hoje o tema é a fina haste da melancolia, tal como a ela se referiu Eugénio de Andrade. Para espantar melancolias, temos uma animada música de Rameau.

*

E, por hoje, já chega. Tenham, meus caros Leitores, uma bela quarta feira!

sábado, junho 09, 2012

A venturosa vida de Tamara de Lempicka, la belle polonaise, a mulher das mãos de ouro, a Baronesa de Kuffner também conhecida por Baronesa dos Pincéis



Em 1898 em Varsóvia, Polónia, no seio de uma família importante e próspera, nascia Maria Górska.

O pai era advogado, a mãe uma mulher de sociedade. Maria Górska tinha dois irmãos e a vida que fazia, em jovem, era a dos jovens abastados. Estudava na Suíça, passava férias em Itália e na Riviera Francesa. Quando os pais se divorciaram foi viver com uma tia rica na Rússia e quando a mãe voltou a casar-se, Maria decidiu ser independente.  Quando tinha 15 anos deitou o olho ao que viria a ser o seu marido, Tadeusz Lempicki. Três anos mais tarde, estavam casados. Tadeusz era o chamado estroina e um mulherengo. Para além do mais, estava encantado com o dote da noiva.

Em 1917, durante a revolução russa, Tadeusz foi preso pelos bolchevistas. Maria procurou-o durante semanas e, com ajudas diplomáticas, conseguiu a sua libertação. Dali saíram para a Dinamarca, depois para Inglaterra e finalmente chegaram a Paris.


S'il vous plaît


Can Can



Adopta, então, o nome Tamara de Lempicka.

Aí venderam jóias da família já que Tadeusz não quis ou não conseguiu arranjar trabalho. A irmã dela, arquitecta, desenhou o apartamento em que o casal viria a viver, decorado ao estico Art Deco.

Entretanto nasceu Kizette, a filha do casal.

Foi por essa altura que Tamara começou a pintar e a impor o seu estilo elegante e sensual. Pintava rapidamente e também muito rapidamente adquiriu enorme fama entre a aristocracia, a alta burguesia e a gente de sociedade. Dado que pertencia ao meio, tinha acesso fácil aos salões de pintura e as suas exposições eram sucesso, vendendo as obras por valores bastante elevados.

Foi por essa altura que foi apresentada a um homem das letras com fama de bom amante, Gabriele d’Annunzio.



Gabriele d'Annunzio


O relacionamento entre os dois foi, dizem, quase burlesco e sobre ele, Tamara confidenciou: 'Eu era uma bela rapariga que tinha pela frente aquele velho anão metido num uniforme'. Ele queria mais uma amante e acabou apaixonado por ela. Ela queria um retrato do velho mulherengo, sabia que isso lhe traria fama mas acabou também admirada pelo seu talento. Entre ambos travou-se uma guerra, cada um queria dobrar o outro (a ver se um dia aqui conto a história deste 'velho bode'). O que parece é que nunca chegaram a consumar os actos (nem o sexual, nem o retrato).

Mas não era o primeiro amante 'público'. O marido 'sabia que ela só pintava retratos dos amantes, como o do marquês de Sommi Picenardi com quem viajara para Turim'.

'No primeiro dia fomos à ópera. No dia seguinte fomos para a cama. Da primeira vez ficámos três dias sem sair da cama', contou ela com sinceridade desarmante.

 Tinha 27 anos quando pintou o conhecidíssimo auto-retrato, Tamara no Bugatti Verde.



Autorretrato (Tamara no Bugatti verde), 1929


Assim se via Tamara: bela, fria, livre. De facto não possuía nenhum Bugatti verde, mas sim um Renault amarelo mas, coquette, sedutora, dizia que a toilette que vestia tinha que condizer com o carro que usava e vice-versa.

Aos 29 anos ganhou pela primeira vez um prémio.



Kizette na varanda, 1927


Com o retrato Kizette na Varanda, Tamara ganhou o 1º prémio na Exposition Internationale de Beaux Arts.

Durante esses loucos anos 20, Tamara passou a integrar a vida boémia de Paris. Conheceu André Gide, Jean Cocteau e, claro, Pablo Picasso. Tamara era sensual e provocante, era la belle polonaise, a 'beldade de olhos de aço'. Os seus romances davam brado e tinha-os quer com homens, quer com mulheres. As suas pinturas eram como ela: eram ambíguas, sugestivas, provocavam, excitavam e ela fazia-o de propósito. 



Primavera, 1930


Algumas críticas rodeavam a sua obra, que era excessivamente influenciada por Ingres. Mas, se influência havia, outras influências como o cubismo, estavam patentes. E algumas mulheres eram tão reais que se dizia recearem que abrissem a boca... Diziam que a sua pintura era uma mistura inteligente de pós-cubismo, neoclassicismo, uma pitada de Ingres e devaneios eróticos em doses qb - o que veio a revelar-se uma receita de sucesso. Alimentava o estilo pecaminoso o que despertava grande interesse numa burguesia abastada com um certo gostinho pelas perversidades.



A camisa de noite cor-de-rosa, 1927


A partir do corte com d' Annunzio começou uma verdadeira caça às mulheres, caçava-as na rua, pedia-lhes para posarem para ela. Nuas. A atracção que desenvolveu por elas ficou conhecida. Começou também a conviver de perto com mulheres bissexuais e lésbicas, tais como Violet Trefusi e Vita Sackville-West (elas próprias amantes entre si) e com Colette. 



Retrato de Suzy Solidor, 1933


Tamara teve inúmeros casos, incluindo um affaire com uma cantora nocturna, Susy Solidor (que obviamente também pintou e que deu origem a um quadro de grande beleza e inocência maliciosa).

Tadeusz, farto da vida boémia da mulher, separou-se, tinha ela, então, 29 anos. Divorciaram-se dois anos mais tarde.



Retrato de um homem (incompleto), (Retrato de Tdaeusz Lempicki), 1928


De propósito deixou por acabar uma das mãos do retrato (a que supostamente teria a aliança) que tinha andado a fazer dele e, de propósito, deu ao quadro o nome de Retrato de um homem (incompleto). Por essas alturas, tratava-o por ruína, beberrão, imbecil.

Totalmente absorvida pela vida de boémia e de criação artística, Tamara também pouquíssima atenção dedicava à filha. No entanto, imortalizou-a em numerosas pinturas.

Tamara era ambiciosa, uma predadora, só se relacionava com gente rica, poderosa. 



Tamara de Lempicka, 1929


Ganhava muito dinheiro, gastava-o em jóias e vestidos luxuosos, queria tudo do bom e do melhor Saía de noite e regressava tardíssimo (e muitas vezes, vindo excitada, eufórica, ficava a pintar até de madrugada depois de acordar a filha para lhe contar o que tinha andado a fazer). Mas era, reconheça-se, uma trabalhadora incansável: pintava, pintava, pintava e as suas pinturas, realizadas com aparente facilidade, revelavam uma perfeição espantosa. Era uma pintura 'limpa'.

Aos 30 anos o Barão Raoul Kuffner encomendou-lhe o retrato da amante. Tamara pintou-o da forma mais desfavorecida que se possa imaginar e, de seguida, passou a perna à amante e ocupou o seu lugar junto do Barão.

Em 1929, os anos da grande Depressão, Tamara esteve nos EUA para pintar um retrato e para organizar uma exposição.

Os museus começavam a adquirir os seus trabalhos.

Quatro anos mais tarde conheceu Georgia O’Keeffe, Williem de Kooning, introduzindo-se, pois, no meio artístico dos pintores americanos de quem se falava na altura.

Tinha 36 anos quando se casou com o amante, o Barão (que tinha enviuvado um ano antes), começando, então, uma vida menos boémia. Passou então a ser Baronesa, título que a envaidecia e consolidava a sua ambição aristocrata.

Quando deflagrou a Segunda Guerra, seguindo a sua intuição e embora contando com algum receio e resistência por parte do Barão, venderam propriedades, puseram o dinheiro a salvo e mudaram-se paras Estados Unidos. Em boa hora o fizeram.


Play, if you please
Rita Hayworth



Passado pouco tempo, Tamara já se tinha tornado a pintora preferida das estrelas de Hollywood. Por essa altura ocultava parte do seu passado, havendo algum mistério à sua volta. A pose que adoptava contribuía para que associassem a sua imagem à de Greta Garbo.



Rapariga a tocar viola, 1963


Anos mais tarde, resolveu mudar um pouco de estilo, pintou motivos religiosos, gente pobre, aligeirou o traço. Contudo isso não foi bem aceite. Tamara habituada a reinar incondicional não aceitou a crítica e resolveu não voltar a expor.

De facto, o glamour permanente da sua vida tinha talvez secado o glamour sempre presente na sua pintura. Tamara tinha perdido a malícia, tinha deixado de ser capaz de provocar. Era vista como uma baronesa algo excêntrica que sabia pintar, uma estrela vagamente decadente. Isso foi muito duro para ela. Ficou amarga, difícil de aturar.

Em 1961, tinha então Tamara 63 anos, o Barão morreu. Tamara vendeu quase tudo o que tinha e fez 3 viagens à volta do mundo, em navio.

No fim, mudou-se para o Texas para estar com Kizette que viria a tornar-se a secretária, agente e gestora da mãe.  Kizette sofria com o feitio prepotente e arrogante da mãe.

Em 1978 Tamara mudou-se para o México. Quando algum tempo depois ficou viúva, Kizette mudou-se para junto da mãe.

Tamara morreu em 1980 enquanto dormia. A seu pedido a filha transportou as suas cinzas num helicóptero de aluguer e espalhou-as sobre a cratera do vulcão mexicano Popocatépetl.


***

Os apontamentos que acima escrevi, necessariamente breves face ao espaço natural de escrita num blogue, deixam de fora numerosos aspectos interessantes da vida de Tamara de Lempicki. Para os escrever socorri-me essencialmente da Wikipedia e do livro 'De Lempicka' de Gilles Néret.

***

E tenham, meus Caros, um belo sábado. 
Cherchez la beauté. Enjoyez!

sexta-feira, junho 08, 2012

Retrato de um casamento (aberto), a história de Vita Sackville-West e Harold Nicolson: apenas um amuse-bouche para posts que escreverei mais tarde sobre os próprios e, também, sobre Tamara de Lempicka


Escrevi há pouco sobre as misérias nacionais, sobre a indigência que grassa no país - sendo que a maior das quais é a governativa - e sobre outros temas igualmente deprimentes. Por isso, quem estiver afim de ler sobre o que acho da redução de salários, flexibilização da legislação laboral, medidas de austeridade e outros ingredientes da receita relvo-passista (e não estiver para imagens ou bailaricos de natureza suspeita) pode passar directamente para o post seguinte.



Women at the Bath - Tamara de Lempicka



É a história de duas pessoas que se casaram por amor e cujo amor se intensificou a cada ano que passava, ainda que fossem infiéis um ao outro constantemente e por mútuo consentimento.

Ambos amaram pessoas do seu próprio sexo, mas não exclusivamente, e o seu casamento não só sobreviveu à infidelidade, à incompatibilidade sexual e a longas ausências, como se tornou mais forte e melhor em resultado disso. Conseguiram dar um ao outro liberdade total, sem perguntas ou censuras. O casamento teve êxito porque só na companhia um do outro encontravam uma felicidade permanente e completa, e, se for visto como um porto de abrigo, os outros casos de amor eram meros portos de escala. Era para esse porto de abrigo que ambos voltavam, era aí que ambos tinham a sua base.


[Nigel Nicolson, falando do casamento dos seus pais, Vita Sackville-West e Harold Nicolson, na introdução do livro 'Retrato de um Casamento' - tema a que voltarei oportunamente]



Vita (1892 - 1962) e Harold (1886 - 1968) na sua casa em Sissinghurst, Kent, em 1960


Lembrei-me de referir este trecho, por me lembrar que Vita foi uma das amigas de Tamara de Lempicka (1898-1980), pintora de que, se puder, vos falarei amanhã ou um outro destes dias e que, em termos de estilo de vida, teve alguns pontos de similitude com Vita Sackville-West.

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E, a propósito ou talvez não, convido-vos agora a ver mais um bailado pelo Grupo Corpo, Onqotô, este um pouco diferente dos outros que aqui tenho partilhado convosco. A coreografia é de Rodrigo Pederneiras sobre música de Caetano Veloso e José Miguel Wisnik. Belíssimo.



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Bom, mas já sabem, no post seguinte, escrito há pouco, há conversa sobre a actualidade portuguesa e aí a coisa fia mais fino. Caso queiram testemunhar as fúrias que, de vez em quando, se apoderam de mim, desçam, portanto, um pouco mais.

Já agora e como de costume, gostaria muito que me visitassem também na minha outra casa, o Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje as minhas palavras voam levantadas por um ventinho que sopra de leste e que nasce da poesia de Daniel Filipe. A música é uma maravilha, vozes divinas ao serviço de Mozart em Cose Fan Tutte.

***

E tenham, Caríssimos Leitores, uma bela sexta feira!