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segunda-feira, abril 27, 2020

Às vezes sou o tempo que tarda em passar e aquilo em que ninguém quer acreditar





O meu filho, no outro dia, perguntou-me como estava isto a correr e se me via a viver aqui. Disse-lhe que sim, mas não confinada. Em condições normais já eles teriam vindo cá várias vezes, já eu teria enchido os miúdos de beijocas e abraços melados, já eu teria ido ver o mar e passear à beira rio, já teria ido algumas vezes jantar fora, já andaria a ver que filmes por aí há para ir ao cinema, já teria cirandado pelas livrarias. Mas as circunstâncias, muitas vezes, não somos nós que as escolhemos e esta que todos vivemos é daquelas que a mim nunca me teria passado pela cabeça. Portanto, sendo as coisas o que são, do mal o menos, a ter que estar confinada, antes aqui.

Aqui, pelo menos, estou in heaven. E estar no paraíso é a ambição de qualquer crente. E crente é o que eu sou, tão crente que quero cá estar ainda em vida.


Nunca na vida fui de livros ou filmes de ficção dita científica ou de terror. Cenas de epidemias a tomarem conta do mundo é daqueles guiões de que sempre fugi a sete pés. Acharia improvável, absurdo. Se me tivessem perguntado se uma coisa destas seria minimamente provável teria respondido que não, sem pensar antes duas vezes. Pensaria que a ciência já dispõe de armas de defesa mais do que suficientes para que uma qualquer ameaça deste género fosse rapidamente debelada e, portanto, o risco de ficarmos como hoje estou seria nulo. Zero probabilidade. Next question...?

Não conhecia os receios de Bill Gates ou de outros, bem informados, que temiam que isto acontecesse. Se conhecesse, talvez tivesse tocado em mim alguma campainha. Mas não tocou. Por isso, estava a milhas.


Amigo bem informado tinha-me enviado os top risks identificados no World Economic Forum para 2020: guerras comerciais entre os super-poderes, aquecimento global, ciberataques, destruição de eco-sistemas, desastres naturais, incêndios descontrolados. Coisas nesta base. Pela cabeça dos inquiridos, supostamente os eleitos de entre os bem pensantes do mundo, também não passou que meses depois o mundo ajoelharia, sem reacção, sem defesas, vencido por um merdinhas invisível.

Vou espreitando as notícias sempre tentando descobrir indícios de boas novas. Mas elas tardam a aparecer. E sei que quando uso o verbo tardar estou a ser fútil porque numa luta destas o tempo não se mede na mesma escala que se mede a nossa impaciência. Mas também aqui, as coisas são o que são e eu penso com a impaciência que me toma, não com a bagagem científica de quem pode reverter o jogo.


E, por isso, enquanto a nível profissional participo nas discussões onde se avaliam as condições para o regresso à normalidade, sem que ninguém saiba bem o que isso é, a nível pessoal ando com a cabeça às voltas, tentando adaptar-me, tentando encontrar um ritmo que me seja quase natural, tentando manter a cabeça fresca para acorrer aos que trabalham comigo e começam a dar sinais de ruptura psicológica ou a outros que, de forma voluntarista, teimam em ignorar os riscos de saúde pois estão a entrar em estado de alarme com os riscos económicos e financeiros ou, ainda, a outros que parece que querem resolver em dois ou três meses assuntos que andam há anos a empatar.


Bem.

O sábado é sempre dia de muito trabalho, limpezas, arrumações. Mas o domingo é dia de descanso, dia de calmaria, de caminhar, de fotografar em silêncio e com vagar. E de tratar de outras coisas. Junta-se muita coisa para fazer num único dia. Mas deu para ler, para passear. E deu-me para fazer outras limpezas, desta vez atirei-me às juntas de azulejos das casas de banho. A minha vida agora é assim, nada mais que isto. Pelo meio, ligo duas vezes por dia à minha mãe e falo com os meus filhos, vejo os meninos. Durante a semana é outra conversa, é reunião e telefonemas em contínuo, uma correria insana sem sair de casa. 

Por isso, sim, podia viver aqui mas, se for enquanto trabalho, tenho que aprender a trabalhar menos para ter mais tempo para mim. Penso que o teletrabalho é uma grande solução para todas as funções compatíveis. Mas não pode ser este abuso de mais de dez ou doze horas diárias. Estamos todos a aprender e estamos a aprender debaixo de uma convulsão de circunstâncias, sem tempo para nos ajustarmos, é um ajustamento forçado, imediato, sem tempo para reflexão. E no meio de um mar e incertezas.


Amanhã de manhã, arranjar-me-ei com a preocupação de manter o look profissional. Talvez me aconteça como noutros dias, pensar que deveria pôr perfume. Numa outra era, eu não saía de casa sem me perfumar. Agora acho que não faz sentido. E custa-me isso. Perfurmar-me era um ritual tão meu. Agora parece-me inútil.

E troco a minha vida por um dia de ilusão

E penso aquilo em que já pensei tantas vezes: um dia que deixe de trabalhar, manterei o gosto em arranjar-me, em maquilhar-me, em perfumar-me? Conseguirei manter alguma disciplina? Ou deixar-me-ei entregue a rotinas simples como cozinhar, arrumar a casa, pôr a roupa a lavar, descansar, fazer umas caminhadas, tomar as refeições, ver televisão? Será essa a vida que me espera? Quando me sinto saturada por achar que trabalho demais, que outra vida gostaria eu de ter? 

Sinceramente não faço ideia. Melhor: neste momento, não faço ideia.

[Tamanho é o confinamento deste Abril acuado que até os cogumelos voltaram a nascer]

Está a começar uma nova semana. As semanas avançam inexoravelmente. Mal dou por elas. O tempo, para mim, acelerou. Talvez não apenas para mim, talvez para toda a gente que não estava habituada a viver fechada em casa. Talvez para toda a gente para quem o referencial que nos orientava tenha desaparecido.

Não sei bem o que nos espera. Não sei onde estão os top riscos que toda a gente temia. Estarão ainda por aí, à espreita? Será que a nossa vida vai ser isto, vivermos encurralados, enquanto o perigo nos cerca?

Não sei. Só sei que, se é isso, então não pode ser. Não pode ser.

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra
Ou é um grito
De um amor por acontecer




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Olhe, Desconhecido, veja como escolhi para o meu post de hoje uma banda sonora em português. Ia dizer que condiz com o meu estado de espírito mas não sou estulta a esse ponto. Não gosto de me pôr em bicos de pés. Esta canção está muito acima não apenas deste meu pobre post mas de quase tudo o que não passa da mediania, é uma grande canção, uma grande interpretação. Pelo menos, é o que eu penso. 

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Desejo-lhe, a si que está aí desse lado, uma boa semana. 
Saúde.

segunda-feira, maio 15, 2017

Silêncio e tanta gente


As minhas primeiras memórias da Eurovisão apresentam-se-me a preto e branco. Não havia muita oferta e estas coisas eram um happening que não se podia perder. A noção que eu tinha é que era uma luta desigual: Portugal obtinha sempre votações baixas e parecia que outra coisa não seria de esperar. A máquina da Eurovisão assentava num aparato mediático que rolava sobre engrenagens internacionais bem oleadas e contra as quais os pequenos portugueses jamais poderiam sobreviver. 

As delegações portuguesas, a meus olhos e a esta distância, eram voluntaristas mas havia ali qualquer coisa de auto-condicionamento, como se, à partida, partissem vencidos apesar das palavras de motivação. Mas era uma motivação que, a mim, do que me lembro, me parecia modesta.

Fui agora relembrar as participações portuguesas e lembro-me bem de algumas. Contudo, a partir de há muitos anos, desliguei-me e vejo ali nomes de artistas de que nunca ouvi falar e nem pelo nome da canção lá vou. Desconheço -- e nem a poeira que, na altura, certamente se levantou chegou até mim.

Tudo me parecia uma xaropada sem o mínmo préstimo. Nem a Eurovisão nem o nosso Festival da Canção. Tal como hoje não sou capaz de ver, nem por um minuto, a pangalhada que as televisões passam nas tardes de fim de semana, não sei se apenas ao domingo ou também ao sábado.
Dá-me ideias que são actuações aí pelo país, do mais pimba e rasca que se produz, umas moçoilas descascadas a bailar em cima do palco, uns desconhecidos a cantarem coisas sem cu nem pé nem bico. E as televisões transmitem isso. Um lixo.
Não percebo em que estudos de mercado se baseiam para acharem que é isso que dá share mas eu e todas as pessoas com quem me dou não nos detemos nem um minuto nessas porcarias. O que vejo é de relance e apenas porque, numa de zapping, alguém passa por lá.

Portanto, tal como rejeito visceralmente este tipo de espectáculos estupidificantes, também desaderi dos festivais eurovisteiros -- até a este último.

Mas, do período em que via -- e não querendo desvalorizar algumas que foram canções de óbvia qualidade --, há uma que sempro lembro com admiração. Já aqui a tive e hoje, dia do merecido regresso apoteótico do Salvador e da Luísa Sobral, gostava de a ter de novo.


Maria Guinot, compositora e intérprete de Silêncio e Tanta Gente




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Como ela própria viria a dizer anos mais tarde, a vida por vezes é madrasta e, apesar de sorridente e cheia de vontade, as limitações físicas impediam Maria Guinot de tocar, de compor a sinfonia ou a ópera que ela gostaria de ter composto.

Mas a dignidade da sua presença e a qualidade e sensibilidade da sua interpretação de Silêncio e Tanta Gente no Luxemburgo em 1984 estará, certamente, na memória de muita gente.

No dia em que nos alegramos com o facto de uma canção de qualidade ter rasgado os ditames da mediocridade que impera, é justo que nos recordemos desta outra.

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quarta-feira, fevereiro 03, 2016

Aquelas que, em tempos, foram mulheres muito belas


Bem, agora que que se ouvem tantas meninas a gritarem que vem aí o lobo e que eu já disse o que tinha a dizer sobre o assunto -- deixando umas sugestões para os senhores que nos governam -- vou intervalar.

De qualquer maneira, a quem não aguentar a espera e quiser já ouvir-me a dar conselhos ao Costa, ao Centeno (que, coitado, tão estafado parece estar, dá ideia de já mal poder com uma gata pelo rabo) e ao Mister Foreign Affair e, tagarela como sou, também a falar do orçamento, de caniches que não largam, de incontornáveis popotas e de galinhas bronzeadas e sei lá que mais, pois que salte já daqui até lá para baixo.

É que, aqui, agora, vou falar de mulheres. Da beleza das mulheres quando deixam de ir para novas. (Hélas, como é o meu caso).

 Jennifer Lawrence, 25 anos, e Jane Fonda, 78 anos -  por Annie Leibovitz para a Vanity Fair, 2016



Silêncio e tanta gente - Maria Guinot


Hoje fui ao supermercado à hora de almoço. Todas as semanas levamos as compras mais pesadas para que a terceira idade não tenha que o fazer. Quando me atraso, o meu marido despacha tudo num ápice: as compras cingem-se ao estritamente necessário. Quando eu vou, dou-lhe cabo do sistema nervoso porque o tempo é limitado e eu, sem querer, perco-me. 

Jane Fonda, 1978

Geralmente, mal o apanho de costas, pisgo-me a ver se há promoções na zona dos cremes. Vejo para que idades são eles recomendados para ver se são mesmo os que eu deveria usar, se apagam as rugas, se eliminam a flacidez, e mais qualquer coisa de que agora não me lembro. Vejo se são de dia, de noite, se são tratamentos reafirmantes, se são daqueles que simulam preenchimento, etc. (O que será a outra coisa de que não me lembro?) Adiante. Depois vou ver os mais caros, para ver as novidades. Um balúrdio. Arrepio caminho e, se estou a precisar, fico-me pelos mais básicos.

Volta e meia encontro na casa de banho do escritório algumas colegas retocando as maquilhagens. Só vejo coisas de marca. Eu não. Abasteço-me na fancaria e, de preferência, no que estiver em promoção. Perdulária só sou com livros (ou coisas para a descendência, claro).

Pois bem, hoje havia promoções das boas, 35% de desconto. Abasteci-me, claro está. Agora já apliquei um creme de noite, dos novos. Com um descontão destes, trouxe um daqueles que, só pela embalagem, a gente já vê que é coisa técnica, certamente mais eficaz do que um lifting.

(Só espero amanhã, quando me vir ao espelho, poder constatar que estou com a cara que tinha aos 15 anos, sem uma ruguinha, pele quase de bebé.)

Helen Mirren, 2016
Tenho na parede do meu quarto, umas fotografias de quando me casei, banhada de sol, eu de calças brancas, justinhas, túnica Augustus branca, quase transparente, com uns bordadinhos brancos, cabelo curtinho, risonha, completamente in love e abraçadinha a um moreno sóbrio parecido com um sírio cabeludo e barbudo. 

Helen Mirren por Lord Snowdon, 1995

Por baixo dessas fotografias coloquei uma minha e uma dele quando tínhamos eu um ano (quase careca, apenas uma penugem clarinha, e toda risonha) e ele com dois (cabelo escuro, muito penteadinho e muito sério).

Volta e meia páro a olhar: eu com 1 ano, eu com 20 anos e, depois, se me olhar ao espelho, eu agora. E tento perceber quantas das minhas células actuais sobreviveram desses meus verdes anos. Penso que já devem ter ido todas à vida e, no entanto, sou eu, a mesma.

Mas os traços da idade estão cá e mais virão. Melhor: tomaram que venham que será sinal que estou viva. E, de resto, com cremes milagrosos, quem sabe se não parecerá que cristalizei no tempo, sempre com carinha de vinte anos.

(Estou a brincar, bolas, não quero parecer um fóssil, senão, às tantas, ainda me confundiam com a Senhora Dona Lady).

Diane Keaton por Annie Leibovitz, 2016
Diane Keaton, 1985
Dantes eu pensava que as mulheres eram bonitas quando eram novas e que, depois, eram o que tinha sobrado. Agora já não penso assim. Agora já acho que há beleza em todas as idades. Além disso, quando me distraio, logo penso: olha, de qualquer maneira uma mulher aos 70 ainda é capaz de parecer toda gira aos olhos de um homem de 80. Mas é um pensamento parvo, claro, até porque o que não faltam são mulheres que despertam paixões em homens bem mais novos.

E o que se passa com mulheres, passa-se com homens. Contudo, a pele dos homens parece que resiste melhor ao passar do tempo. Ou, então, sou eu que sou mais benevolente com eles. Mas que os homens ficam mais interessantes, mais inteligentes, melhores companhias, isso é inquestionável -- isto, claro, se não ficarem velhos babacas, taralhoucos.

Mas volto às mulheres para referir aquilo que verdadeiramente penso a propósito disto: interessantes são as mulheres que não têm medo de parecer velhas, feias, sem graça. Interessantes são as mulheres que amam a vida e a querem viver, toda, tenham a idade que tiverem. Interessantes são as mulheres que ousam, que desafiam, que seduzem. Interessantes são as mulheres que gostam do seu corpo, que querem amar e ser amadas. Interessantes são as mulheres que têm prazer em despertar interesse e que estão disponíveis para se interessar pelos imprevisíveis instantes de felicidade que a vida tem para oferecer. Tenham 20, 40, 60 ou 80 ou mais anos.

Charlotte Rampling por Helmut Newton, 1974

Charlotte Rampling, Annie Leibovitz, 2016


Mulheres brancas e pretas, sempre belas em qualquer idade

As mulheres que dão cartas em Hollywood - por Annie Leibovitz para a Vanity Fair  2016

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Hoje, quando cheguei aqui à sala vinha numa de falar de um certo lobo com um filósofo à mistura. Mas, depois de umas boas charutadas (vide post abaixo), nada como dar uma espairecida e, por isso, desviei-me para isto das mulheres. A ver se amanhã venho, então, de lobo pela mão que agora, com o sono com que estou, vou mas é pregar para outras pradarias.

Caso estejam fartos de tanta mulherada, aceitem o meu convite e venham dar vivas a Portugal, enquanto as maria-amélias suspiram de saudades pelos algozes. É já aqui abaixo.

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quarta-feira, dezembro 12, 2012

Silêncio e tanta gente. Troco a minha vida por um dia de ilusão. (Catherine Deneuve por Bettina Rheims ao som de Maria Guinot)






Aqui sozinha em casa. Todos os dias sozinha. Em tempos fui bonita. Se calhar ainda sou mas já não o vejo nos olhos de quem me olha. Já ninguém me olha. Sempre aqui sozinha, perdida de mim.

Vestir-me para quem? Pintar os lábios para quem? Ver-me ao espelho para quê? Para ver o que mais ninguém vê? Uma mulher sozinha, que ninguém ama, que ninguém beija?

Mas hoje estou tão vazia que preciso da minha própria companhia, talvez assome alguma ilusão, talvez essa ilusão me sirva de companhia. 

Vou vestir-me hoje, vou pentear-me, vou ver-me ao espelho. 




Aqui estou. Roupas de há anos atrás. Já não se usa nada disto. Também eu já estou fora de moda, gasta. Era tão bonita, eu, quando me sentia desejada. 

Vejo-me ao espelho, saia curta, rosto triste, deixo descair uma manga, deixo que a alça do soutien se veja no ombro que se descobre, faço uma expressão que tenta sensual mas que é apenas triste.

Arqueio um joelho, faço uma pose que podia ser de sedução; mas não é. Para seduzir teria que me sentir confiante e não sinto, sinto-me sempre tão frágil, tão à beira do desmoronamento.

Há pouco escrevi uma carta. Dizia que estava farta, cansada, que ia partir para uma vida nova, que tinha um outro amor à minha espera, despedia-me, lamentava que tudo estivesse a acabar assim. Despedia-me em lágrimas e deixei que as lágrimas tombassem sobre as últimas palavras. 

Agora já me secaram essas lágrimas, agora tento pensar apenas no meu amor que lá fora me espera.




Pego na carteira que levarei. Não levarei mais nada comigo. Guardo o telemóvel, o pente, o baton, a chave do carro, os cartões. Nada mais. Deixo o passado para trás, quero esquecê-lo para sempre. Saio de mãos vazias.

Deito-me uma outra vez na cama, nas nossas camas unidas, desunidas, distantes. Olho-me no espelho que está em frente da cama, deixo que o decote descaia, os seios adivinhando-se, desenhando-se, eu ainda uma bela mulher, eu apetecível, sei que sou. Olho-me com um sorriso que apenas se insinuará, ao de leve, muito ao de leve, um olhar transversal, era assim que costumava seduzir, infalível.

Se fosses homem, aparecias agora aqui, sentavas-te à minha frente, olhar-me-ias com um olhar longo e desafiador, depois deixarias que a tua mão descesse pelo meu decote, puxarias a saia para cima, tudo farias e eu tudo consentiria.

A tua mão espreitaria o meu corpo e seria macia, e o meu corpo iluminar-se-ia para ti. Tu sabes isso, tantas vezes o soubeste.

Vou despir-me. Já que não o fazes, faço eu. 

Olho-me, sorrio-me. Em silêncio. E as tuas mãos não vêm. Já percebi que não virão nunca.

Daqui a nada sairei, e será para sempre. Não me peças que recue, que volte, que te perdoe. Não me peças. Não vale a pena. A minha decisão está tomada. Tantos anos este meu corpo aqui desperdiçado, abandonado, sozinho. Não perdoo, não perdoo.





Está frio. Enrolo-me num casaco macio, o casaco que usava quando vínhamos da ópera, dos concertos, o casaco que vestia sobre a pele nua quando chegávamos a casa e festejávamos o nosso amor eterno. Não foi eterno, afinal.

Envolvo-me agora nele e olho-me ao espelho. Um corpo que foi feito para ser amado, como todos os corpos. Como todos. Olho-me. Bela. Dizem que sou bela. O espelho devolve-me a imagem de uma mulher que se olha sem esperança. Olho-me e o meu coração grita a história do que eu sou. Grito. Mas do meu peito não sai um único som. Tanto silêncio. Tantas palavras por dizer.

Vou despir esta capa. Vou vestir um pijama infeliz, um casaco baço, sem história, sem graça. Vou apanhar o cabelo. Vou fechar o rosto.

Vou rasgar a carta. De qualquer maneira, ninguém a leria. Aqui não vive mais ninguém. Só eu e os fantasmas que habitam as minhas recordações. Há muito tempo que não existe amor na minha vida. Nem dentro de casa nem lá fora. Escrevo cartas para ninguém. Rasgo-as e sou eu que me despedaço ao rasgá-las.

Nem consigo já imaginar nada, nada, nem uma pequena ilusão. Vou enfiar-me na cama, luzes apagadas, ainda é de dia mas a noite já entrou dentro desta casa sombria, tão fria, tão fria. A solidão às vezes é tão triste.

E eu troco a minha vida por um dia de ilusão.


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Catherine Deneuve aqui é retratada por Bettina Rheims, fotógrafa francesa agora com sessenta anos.

A canção, que é tão bonita, é Silêncio e tanta gente, de Maria Guinot.


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Se me permitem o abuso, deixem que vos convide ainda para permanecerem um pouco mais na minha companhia. Hoje as minhas palavras estão assim, tristes, e no meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, não estão muito melhores. Uma fotografia que me custou a fazer fez-me escrever o que escrevi. Nem é que fosse o poema de Manuel António Pina e ditar-me o que escrevi, acho que foi mesmo a situação que retratei. Para ver se espanto tristezas, fui buscar Los Romeros para interpretarem La Malagueña de ernesto Lecuona.


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E, por hoje, nada mais. 
Apenas quero desejar-vos ainda uma bela quarta feira. 
As quartas feiras têm sempre tudo para serem uns bons dias.

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

O abúlico P do grupo dos PIIGS (ie, um elo pouco inteligente); Merkel, Alberto João Jardim e o piegas e complexado Passos Coelho; e, por falar nela: Merkel e Sarkozy, Dinner for One. E, para haver alguma coisa que se aproveite, o Staatsballet Berlin, a Maria Guinot, de Chirico e Richard Avedon (aqui há de tudo...)


Alinhado com o chefe Passos Coelho, diz Paulo Portas que nós não somos a Grécia e, como é seu hábito, contabiliza pelos dedos o número de razões que o comprovam. 


Nós somos quase a Irlanda, acrescentam em uníssono.

E todos, por aquelas bandas políticas, repetem esta mensagem. Querem demarcar-se dos gregos sarnentos, acham preferível colar-se aos irlandeses que são mais limpinhos.

Errado. Errado! Numa estratégia negocial (e o que eu gosto de negociar…?! vocês nem imaginam… ) o inteligente seria fazer justamente o contrário.

O nosso grande problema - e quando digo nosso refiro-me, por exemplo,  a Portugal, à Grécia, à Espanha, que também vai de mal a pior - é que os mercados ‘atacam’ quem lhes parece mais vulnerável. 

Uma vítima isolada é sempre uma vítima frágil.

  • [Abro aqui um parêntesis para voltar a recordar que os ditos 'mercados' se têm uma parcela racional e razoável, têm também um lado negro, funesto, especulador, ganancioso, apostando fortemente no incumprimento e isto porque têm fundos que ganham com isso e, por isso, fazem de tudo para que haja mesmo incumprimento, bancarrota – tal como agora há fundos que apostam na morte antecipada dos segurados. E se isto tudo vos parece necrófago e acham que estou a delirar, cliquem aqui e vejam com os vosso próprios olhos. E vamos ver qual o desenlace da tragédia grega em curso.)


Voltando à cold cow: Passos Coelho, como se tem vindo a demonstrar, é uma pessoa com algumas limitações* e as pessoas assim, para não se sentirem inferiorizadas, gostam de se rodear de gente mais fraca ainda, como é o caso, por exemplo, do grande guru da economia e finanças portuguesas, o engenheiro civil Moedas, do sonsinho trapalhão Gaspar, do atarantado Álvaro e outros que tais. Por isso, é gente que não pensa e que, de resto, também não tem experiência. Gente assim apanha-se à mão e isto é um perigo para nós, portugueses.

Tudo pequenino...? Ah isso não sei.
Mas que tem limitações, lá isso tem,
basta olhar-lhe para o fácies.

  • [Outro parêntesis, agora para falar das limitações de Passos Coelho. Há pouco vinha a ouvir na TSF o Proença de Carvalho e o Nogueira de Brito. A propósito do que Passos Coelho diz, nomeadamente, que os portugueses devem ser mais descomplexados e menos piegas, dizia o insuspeito Nogueira de Brito que como é sabido Passos Coelho tem algumas limitações a nível do vocabulário e que, portanto, usa palavras desapropriadas porque não conhece muitas mais]



Volto à cold cow: o que deveria ser feito era Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha, Itália, pelo menos estes (PIIGS, com muito orgulho e não inferiorizados), unirem-se, delinearem uma estratégia comum e, solidariamente, defenderem na UE uma solução conjunta que implicasse equilíbrio e desenvolvimento.

Os Gladiadores de Giorgio de Chirico

Havendo um bloco coeso de países em dificuldade, um bloco com o peso que este teria, de certeza que outro galo cantaria. A ver se andavam para aí de cimeira em cimeira atrás daquela galinha loura (galinha! estou a chamar-lhe galinha. Pensavam que a cow de que eu estava a falar era ela, jurem lá...) com cabelo cortado à tigela, filha de pai pastor luterano e educada no regime comunista - bela mistura como background - a ver se andavam anos neste faz que chove mas não molha, deixando a Grécia agonizar, deixando que Portugal para lá caminhe, deixando que a coisa vá piorando para toda a gente na Europa.

  • [Já agora por falar na Merkel: que não morro de amores pelo Alberto João é sabido e ressabido. Mas que admita que uma bardajona qualquer (e desculpem-me o linguajar...) ande por aí a dar lições de moral, apresentando como mau exemplo o que foi feito numa parte do território português, acho uma coisa intolerável. Onde é que pára agora o piegas do marido da D. Laura? Não os tem no sítio para vir a terreiro dizer àquela galinha intrometida para se ir meter lá com os da terra dela?]



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Bom, mas nem tudo é mau dos lados de Berlim. Não confundamos uma dirigente parva com uma nação.

Um exemplo? Vejam, por favor.



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E tenham, meus Caros, uma boa quinta feira!

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... e de bónus...

Audrey Hepburn por Richard Avedon

 Música*, por favor.

[* Já depois de ter publicado este post, voltei cá para incluir esta uma música, 'Silêncio e tanta gente' de Maria Guinot e agradeço à minha leitora Pôr do Sol que, no comentário à história de ontem a'o homem das mãos vazias' ma recordou; ficaria talvez melhor lá, ao pé daquele homem, mas apeteceu-me colocá-la hoje aqui - é uma voz dissonante na aridez dos temas destes dias de apreensão e isso é coisa que faz tanta falta. Precedi-a da belíssima fotografia de Avedon para ficar melhor acompanhada]