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segunda-feira, março 14, 2016

Pedras parideiras, água jorrando de frechas, animais em liberdade, serras multiplicando-se horizonte afora, uma beleza imensa.
Arouca. Serra da Freita.




Este post vem na continuação do outro lá mais para baixo, onde mostrei um belo cavalo, uma cabra dourada em contra-luz, um boi a cortejar uma vaca e uma paisagem linda, de fazer ajoelhar os incréus. 


Quando regressei, e estava a preparar-me para continuar a reportagem, vi na televisão as imagens da nova equipa do CDS constituída pelas velhas caras irrevogavelmente portistas e não resisti à tentação de aqui tecer considerações. Mas, agora, estou de volta à bela Serra da Freita, às suas cores e macias elevações e aos prodígios que por lá há.


Já por cá tinha andado, ainda com os miúdos. Adolescentes, então, sempre impacientes com a duração das viagens e o não haver nada que fazer, uma seca tanta curva serra acima, e nós, impacientes com a impaciência deles acrescida do facto de não haver sinalizações para lado nenhum, nem desfrutámos bem.

Depois vão-se metendo outros passeios e as coisas vão caindo no esquecimento. Mas no outro dia, ao ler as elogiosas palavras a propósito destas montanhas mágicas e prezando eu muito a opinião do Fernando Ribeiro, autor de A Matéria do Tempo, blog de que sou leitora fiel, pensei que estava na altura de voltar. E, portanto, este domingo por cá andámos, de novo. Não há tempo para viagens de degustação, têm que ser passeios curtos mas de alta dosagem. E, decorridos estes anos, o que tenho a dizer é que está tudo diferente e para melhor, tudo bem sinalizado, tudo melhor protegido, o património acarinhado. E a beleza a mesma, intacta.


Não é daquelas serras, como a do Gerês, densamente florestadas. Não, aqui há muita rocha, muita pedra à vista, muito xisto, rochas que cintilam à luz do sol, e mato curto, árvores apenas de vez em quando. De facto, por vezes, há zonas de grande arvoredo, e vi cedros imensos, belíssimos, ou esguios pinheiros ou estranhamente pálidos eucaliptos -- mas não é a maioria. 


A principal beleza não está pois, nisso. A grande beleza está na morfologia da serra, na forma como as vertentes se adernam, como se juntam, como parece que o planeta é feito de seios, ombros macios, regaços acolhedores, colos suaves. E as cores diluem-se, misturam-se, fundem-se com o nosso olhar embevecido. 


Um dos lugares maravilhosos é Mizarela. A rocha ali abre uma fenda e, dessa abertura na rocha, jorra um poderoso jacto de água que canta e mergulha, despenhando-se por ali abaixo. É a Frecha da Mizarela. 


Há qualquer coisa de majestoso nisto. Um alvo véu, feito de água, com que a serra se embeleza. Eu, que sou dada a estados de êxtase, olho maravilhada e, depois, com reverência, fotografo, tentando guardar a memória do que os meus olhos vêem. 

Por isso, sinto-me sempre chocada quando vejo chegar grupos de pessoas, de pau de selfie em punho e que, sem qualquer devoção, se limitam a fotografar-se a si próprias com a paisagem por trás. Estas pessoas estão onde eu estou e, no entanto, diria eu, não vêem metade do que eu vejo pois, vão onde forem, parece que apenas se querem ver a si próprias. Mas, enfim, tantas são as pessoas que fazem isso, selfies, com ou sem pau, que tenho que assimilar o facto de que é desta forma que o género humano está a evoluir, narcisos sem glória.


Num lugar mais adiante, fica um outro lugar de prodígios: as pedras parideiras. Agora há miradouros, passadiços, casas onde se explicam as coisas, e, coisa rara neste país, tudo muito bem sinalizado.

As rochas formam cavidades de onde nascem pedrinhas. Ouvi que os antigos lhes chamavam 'as joguinhas'. É um fenómeno raro. No entanto, ouvi algumas pessoas com vontade de levar de lá estas pedras únicas. Há ainda um comportamento vândalo em parte da população portuguesa, dá ideia que ainda não aprenderam a venerar a terra em que vivem.


E há as pequenas aldeias, pequenos amontoados de pontos brancos, abrigados num privilegiado lugar de remanso na montanha, assentes em verde, banhadas pela afável luz dourada da tarde. Olho e penso que em lugares assim as pessoas devem ser muito felizes, parece uma parcela de céu, de paraíso, um lugar mágico de leite e mel sobre a terra.


Penso isto e logo me forço a pôr os pés em terra firme. Quem aqui vive, em lugares em que a única estrada é estreita, com acessos difíceis, longe de tudo, deve passar por momentos difíceis, deve sentir-se, muitas vezes, isolado, carente de companhia, de movimento, de livrarias e cinemas, talvez até de supermercados, sujeito a frios cortantes, a terras enlameadas, dificuldades a sério.
É aquela diferença entre a visão crua e, por vezes rude, de John Williams em Butcher's Crossing e a bucólica visão de Emerson.
Mas, tudo sopesado, eu que vivo uma vida climatizada entre os melhores edifícios do país, com acesso a todas as mordomias, e com todas as facilidades que uma vida urbana proporciona, não sei o que é melhor, não sei mesmo, cada vez sei menos. Talvez, por isso mesmo, cada vez mais procure a proximidade de lugares assim, lugares de recolhimento e beleza em estado puro.


Depois começou a entardecer. O céu começou a ficar rosado, os contornos dos montes a diluir-se, tudo ainda mais belo. Um pássaro enorme voou junto a nós, belo demais para ser verdadeiro. O silêncio era total, religioso.


Quase não se viam os montes ao longe e o céu desenhava linhas de água acobreadas onde só havia um espaço infinito habitada por suaves neblinas.

Quero parar a cada quilómetro, o meu marido impacienta-se. Peço-lhe que não tenha pressa, que veja, que se sinta feliz por testemunhar uma coisa assim. Beijo-o. Condescende, então, 'isto é bonito, sim' e beija-me também.


Quando regressamos, a luz começa a caprichar nos dourados, por todo o lado encontro recantos onde o entardecer petulantemente pousa sobre as casas. Sento-me então, numa varanda, e olho a formosura do casario banhado por um sol que se põe, penso na elegância do caos que gerou lugares assim. E sinto-me em paz, feliz.


Queria ainda mostra-vos umas igrejas lindas, de uma riqueza artística e cromática quase escandalosa. Mas fica para amanhã, agora já estou com sono.
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Relembro que se quiserem saltar directamente para outras imagens da bela Serra da Freita, podem clicar aqui.

Caso queiram intercalar com a minha opinião sobre os primeiros passos da nova líder do CDS é só deixarem-se deslizar até ao post já a seguir.

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