segunda-feira, outubro 31, 2011

Bem vindos à minha cozinha, vejam alguma cerâmica portuguesa e, já que isto não é a sério e não vos posso convidar para almoçar, fiquem com a minha receita de frango do campo no forno com marmelos e alecrim


In heaven a minha cozinha é espaçosa, luminosa. Tem uma janela larga que dá para a grande figueira e para o horizonte onde o sol se põe e tem, noutra parede, um rasgo de luz. Os móveis são baixos, não há armários na parede.

Ao meio, há uma mesa onde habitualmente tomamos as nossas refeições. A cozinha é um lugar onde se está bem, onde apetece estar.

Por cima do fogão há uma chaminé. Quando cozinho, o perfume da comida vai lá para fora pela chaminé.

Li esta semana no Expresso uma entrevista em que se dizia que Portugal deveria apostar no que tem de característico como, por exemplo, a cerâmica e as peças em cortiça, reinventando-as com design. Concordo.

Eu, aqui na cozinha, tenho várias peças de cerâmica, pratos sobretudo e, de facto, eu gosto muito de coisas que são nossas, portuguesas, produção nacional. Vou mostrar-vos um pouco. Entrem, por favor. Tenho todo o gosto em receber-vos em minha casa. Esta é uma casa de campo - por isso, não levem a mal que vos traga para a cozinha. 

Na parede, à volta do rasgo de luz, pratos comprados em Sagres

O candeeiro que aqui se vê resulta de um pé das Louças de Sant'Ana, muito antigo, herdado, no qual coloquei um abat-jour banal. Como sou amante de poesia, em cada uma das faces do abat-jour resolvi escrever um poema.

Soneto de Amor de Jorge de Sena no abat-jour
(Na minha casa, felizmente, ninguém me impede de fazer o que me apetece)

Nas paredes coexistem peças tradicionais e peças de artesanato urbano.



Bordallo Pinheiro das Caldas da Rainha e Cerâmica Popular


 
Este pesado e grande prato é dos meus preferidos.
Ofereceu-mo a minha mãe há alguns anos.
É do Fortuna, Artes e Ofícios em Azeitão

Hoje, ao ler um comentário da Luísa ao meu post da poesia e fotografias do Sebastião Salgado, no qual ela falava da sua ementa de almoço, ocorreu-me falar da minha cozinha e do que eu aqui gosto de cozinhar. E, assim, não querendo rivalizar com as especialidades que ela confeccionou, vou dar-vos conta do que hoje fiz para o almoço dominical.

Gosto de cozinhar mas não tenho paciência para seguir receitas, nem para coisas muito complicadas. Na cozinha, como em tudo o resto na minha vida, guio-me pela intuição. Ao contrário do meu filho - que, esse sim, tem veia de chef, faz coisas elaboradíssimas e é capaz de fazer the extra mile à procura de um ingrediente - eu deito mão ao que tenho por perto e, na hora, invento uma forma de conjugar as coisas.

Hoje fiz frango do campo do forno. Como tenho ainda alguns marmelos no marmeleiro e como tenho alecrim e louro, foi essencialmente com isso que aromatizei o frango.

Fiz assim:

Liguei o forno e aqueci-o a 250º. Entretanto, parti o frango, que era bastante grande, em duas metades. Num tabuleiro de louça, fiz uma cama de cebola cortada em pedaços, louro, salsa, alho, marmelos descascados cortados aos pedaços. Deitei por cima as metades de frango com a pele para cima. Salpiquei com pimentão doce, um pouco de sal, e reguei com azeite. Cobri com uns pequenos ramos de alecrim. Meti no forno. Ao fim de uns 3 ou 4 minutos, reduzi para 220º, mais uns 3 ou 4 minutos e passou para 200º e ao fim de outros 3 ou 4 baixei para 170º e assim ficou por um bom bocado, até ficar tenrinho, cheiroso, saboroso, e com a pele estaladiça, crocante e perfumada pelo alecrim .

Entretanto, num tacho, refoguei cebola em azeite e depois juntei os miúdos do frango e um pouco de água. Ficou a cozinhar durante um bocado. Quando a carne estava cozinhada, juntei água e um pouco de sal e deixei ferver. Nessa altura, juntei arroz agulha (basmati) e deixei que levantasse fervura. Depois baixei o lume. Quando estava quase sem caldo, juntei pequenos cubinhos de marmelo. Quando estava sem caldo, desliguei o lume e juntei um pouco de vinagre balsâmico. Poderia ter levado um pouco ao forno para o secar mas não levei, e estava bom.

A refeição foi, pois, o frango no forno com arroz de miúdos e salada de tomate. Modéstia à parte: bem bom. E um cheirinho a sair pela chaminé que não vos digo nada.

Acompanhámos com um Tinto de Azeitão.

Claro que nisto nunca uso balança, é tudo a olho.

Já agora mostro-vos a minha balança, linda, linda, uma coisa que está na família há bem mais de um século e que nunca me lembro de usar.

Balança de Pratos, uma peça especial para nós.

Boa semana, meus Caros.
Que consigamos ir dando valor aos pequenos prazeres desta vida, é o que eu desejo.
Enjoy!

  

(PS: Como digestivo não será o mais aconselhável mas, se quiserem ler sobre as diabruras do menino Pedrocas no Paraguai, desçam um pouco mais; e se, a seguir, quiserem ouvir a Callas, desçam um pouco mais)
  

domingo, outubro 30, 2011

Cavaco Silva e Passos Coelho na Cimeira Ibero-Americana: os excursionistas alegres dão-nos notícias lá de longe, do Paraguai. Por exemplo, ficámos a saber que o Governo, para o mês que vem, vai pedir mais dinheiro à Troika. Lindo.


Saloiamente lá foi o Estado todo de excursão até ao Paraguai. Cavaco Silva, Passos Coelho e restante comitiva, talvez uns 30 ao todo, lá foi tudo para a Cimeira Ibero-Americana (o ar incomodado de Paulo Portas fala por si; faço ideia a quantidade de vezes que ele terá tido vontade de se esconder debaixo da mesa).

Mas o Aníbal e o PPC, com aquele espírito solto e desinibido que costuma caracterizar os excursionistas, desataram a dizer coisas.

Cavaco disse coisas várias, irrelevantes, das quais apenas recordo que 'inaugurou o estilo de não divulgar o teor das conversas que tem o Primeiro-Ministro'. Seria bom que tivesse inaugurado coisas mais relevantes mas, enfim, já não se espera muito mais de tão empertigada figura.

Agora o Pedrocas fez das suas. Já o disse aqui uma vez. Passos Coelho faz-me lembrar aqueles cãezinhos enervantes que, de cada vez que se atira um osso, um pau, uma pedra, uma porcaria qualquer, vão entusiasticamente, ladrando, num grande alarido, a correr nessa direcção.

O Expresso divulgou que o dinheiro negociado com a troika é curto. E, vai daí, sem reflectir dois minutos, ele aí está. Depois de andar com ar doutoral a afirmar, convicto, que ainda não é altura para renegociar seja o que for com a troika, eis que bastou a notícia do Expresso e um jornalista perguntar-lhe por isso, para ele, lá do Paraguai, já vir dizer que claro que vai negociar com a troika, talvez para o mês que vem. Cabeça de vento, credo.

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Claro que é preciso negociar e claro que os 78 mil milhões devem ser insuficientes e claro, sobretudo, que o plano deveria ser a 5 ou a 7 ou a mais anos e claro que os juros calculados com base na taxa antes da redução deveriam ser recalculados para as taxas mais baixas negociadas a posteriori, e claro que um ajustamento estrutural jamais se conseguirá fazer em 3 anos.

De que riem estes dois bacanos...?!
Que habilidade terá o Gaspar engendrado desta vez para o PPC se rir tão escancaradamente?

Mas, ó senhores, há dois dias negava e batia no peito que não ia renegociar coisa nenhuma com a troika e agora já vem dar o dito por não dito. E diz isto no Paraguai?!?!? Este homem não tem tino, que impressão! Como é que se pode confiar num homem que é uma cabeça de vento?

 

  

MÚSICA NO GINJAL - Maria Callas

 
Inicia-se hoje no 'Música no Ginjal' a semana 5 Árias e Duetos. A grande música e as grandes vozes.  D. Carlo a abrir o ciclo.


A abrir este ciclo só poderíamos ter Verdi e Maria Callas. Venha, pois. A seguir à Maria Teresa Horta, que canta o amor e o corpo, ouviremos um pungente lamento. Tu che le vanità conoscesti del mondo, vem comigo.
  

A palavra dos poetas: Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade, António Ramos Rosa, Miguel Torga. As imagens do fotógrafo poeta: Sebastião Salgado. O som de um músico poeta: Rodrigo Leão




















Bom domingo!

sábado, outubro 29, 2011

Dia de entrevistas: António Lobo Antunes que é melhor como entrevistado do que como escritor de romances; Clarice Lispector, a fantástica escritora brasileira; Pedro Paixão, that crazy guy e, porque é fim de semana e humor é coisa boa, para finalizar numa apoteose de cultura: Cátia na Casa dos Degredos com os fantásticos Manuel Marques e Maria Rueff


Não gosto dos romances do António Lobo Antunes, mas gosto muito das Crónicas, género no qual o acho uma maravilha.

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Clarice Lispector, uma mulher escritora muito especial



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Pedro Paixão no 5 para a meia-noite com outro crazy guy, o Alvim



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Manuel Marques e Maria Rueff tão bons que apetece nem ver os originais, a Cátia e a Teresa Guilherme



   Enjoy!!!!

sexta-feira, outubro 28, 2011

Hair cut de 50% na Grécia, reforço do fundo de resgate, capitalização da banca - e aviso de que medidas adicionais podem estar a caminho de Portugal. Lá para a Primavera, digo eu. E Duarte Lima é formalmente acusado do homicídio de Rosalina Ribeiro. Só visto!

  
Estive hoje todo o dia, até de noite, em reunião. Não ouvi notícias, nada. Apenas agora ouvi alguns tópicos do que ontem se passou: perdão de 50% da dívida grega, capitalização forçada da banca, reforço do fundo de estabilização financeira - o esperado.

Mesmo com este hair cut de 50% da dívida, a Grécia vai continuar endividada até às orelhas e assim continuará enquanto a economia não voltar a funcionar.

Também não ouvi referir uma coisa que penso que vai inevitavelmente acontecer: as seguradoras devem accionar imediatamente os seguros de crédito e muita gente vai ganhar muito dinheiro com os  credit default swap (CDS). E, quando há quem muito ganha, há naturalmente quem muito perde. Ou seja, que não se deitem foguetes de ânimo leve porque não há almoços grátis.


Portugal foi já avisado de que novas medidas de austeridade poderão estar na calha. E, a menos que tudo isto dê uma volta, voltaremos mesmo a ter novas medidas porque a receita fiscal vai ser fraca, o défice não irá para os eixos pretendidos e, claro, nova dose virá, até que tenhamos as ruas cheias de gente esfomeada e sem casa.

Tudo isto resulta de uma rota errada.

Volto a dizer: Portugal, ao entrar na União Europeia (ex-CEE), recebeu dinheiro para estradas e rotundas, jeeps, piscinas a fazer de conta de tanques de rega e coisas que tais a troco de destruir todo o seu tecido produtivo, agricultura e pescas.


E para que quiseram eles que Portugal (e a Grécia, provavelmente) ficasse sem economia de facto? Para que escoassem para cá todos os seus produtos.

E com que dinheiro pagámos esses produtos? Com dinheiro emprestado também por bancos estrangeiros (porque a banca portuguesa teve que se endividar no exterior).

Ou seja, ganharam os países que para cá exportaram e que para cá emprestaram dinheiro (ganhando o dinheiro dos juros).

E nós, encantados, com o dinheiro barato e com tanto produto de qualidade, tudo importadinho, nem demos pela tragédia que se estava a desenhar no horizonte.

Agora, feitas as contas, constatou-se que já se deve mais do que alguma vez poderemos pagar. À dívida, acrescem juros abissais. Ou seja, tudo junto é algo que jamais poderemos pagar com a economia que temos. Jamais. É uma questão de aritmética. Jamais. E quanto mais estrangularem a economia maior o buraco.

Qual seria a solução para isto?

- Racionalizar o Estado, empresas e demais organismos públicos, prestações sociais (eliminar redundâncias, que as há aos montes, eliminar cargos inúteis, gerir bem os recursos, fazer contas com base na demografia, fazer as reestruturações indispensáveis - mas mantendo o Estado Social no que fosse essencial)

- Estimular a economia no seu conjunto - estimular as exportações, estimular a produção, a agricultura de qualidade, as pescas, o turismo de qualidade.

- Parece que há ouro, ferro, volfrâmio, gás natural - ou seja, parece que estamos sentados em cima de riqueza natural e parece que começa a haver movimentações no sentido da sua exploração (tudo por empresas estrangeiras, mas enfim, antes isso que nada), coisa que deve ser altamente dinamizada.

- Criar um programa de formação em gestão (o grande problema das empresas é a má qualidade de gestão) para empresários (e seus colaboradores).

- Apostar cada vez mais na educação, na formação técnica, na formação profissional; criar programas formativos para estimular o empreendedorismo, a inovação (a todos os níveis), e o comércio externo.


Ora não é nada disto que está a ser feito. Cá, salvo umas restruturaçõezecas,  a solução tem sido pura e simplesmente aumentar impostos, cortar ordenados, cortar subsídios, aumentar IVA, ou seja, rapar dinheiro às pessoas a ver se, com isso, conseguem estancar a dívida. Ilusão. Miopia. É uma solução coxa e de perna curta. A cada dois meses, carregam mais e nunca vai ser suficiente.

Tenho pena.

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Também ouvi que o ministério público brasileiro acusou o Duarte Lima do homicídio de Rosalina Ribeiro, viúva de Tomé Feteira. Era expectável face aos indícios. Ainda nunca aqui tinha falado disto porque toda as pessoas são inocentes até prova em contrário - e ainda não houve julgamento. Uma coisa é uma pessoa ser acusada, outra é ser culpada.


Mas que isto me incomoda demais, lá isso é verdade. Ouvi a descrição dos factos que constam da acusação, vejo-o a ele com aquele ar de quem se acha vítima da má fortuna, recordo a entrevista que deu à Judite de Sousa em que dizia objecto de uma cabala, ouço falar do enriquecimento que causava surpresa, das várias casas, das opulentas festas que dava em casa, reunindo políticos, banqueiros, empresários - e fico incomodadíssima.

Pode um homem destes, que foi deputado, líder parlamentar, amigo e protegido de Ângelo Correia, homem de confiança de Cavaco Silva, pessoa influente, ter desviado mais de 5 milhões de euros da cliente e, agora, para não devolver o dinheiro, ter preparado o crime, pegado na senhora, levando-a para um sítio ermo e disparar sobre ela como um vulgar e frio assassino? E depois disso andar como se nada se tivesse passado, a dar entrevistas como se fosse um cidadão exemplar? Pode?

Fico passada com uma coisa destas.


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(Era para hoje continuar a descrição dos preparativos do casório mas não me apetece, não quero misturar acontecimentos felizes com coisas como as de que hoje falei.)

  

quinta-feira, outubro 27, 2011

MÚSICA NO GINJAL- Canto Sefardita


Belos cantares, mulheres sábias, recatos e segredos, conselhos e divertimentos - assim encerra hoje o ciclo de música medieval no meu Ginjal, com canto sefardita.


António Botto fala-nos da sua decisão e, a seguir, os Gaïmalis interpretam Hija mia. Venha comigo, vale bem a pena.

 

A preparação do casamento da minha filha e algumas cenas engraçadas passadas em igrejas


Meus amigos, acabei de escrever sobre a cimeira europeia que ainda decorre e da qual já se conhecem alguns resultados (podem ver no post logo abaixo deste). Mas agora volto ao tema de ontem em que vos contei a minha reacção quando vi, pela primeira vez, a minha filha vestida de noiva. Imaginem que hoje ela surpreendeu-me deixando ali um comentário, coisa rara (vão lá ver...). Fiquei tão contente que me apeteceu vir agora aqui escrever um pouco mais sobre o casamento dela. Vamos lá a ver se não me escapa nenhum pormenor porque, senão, sou capaz de a ter amanhã outra vez à perna...

!!!!!

Um dia fomos jantar com a família do noivo para se acertarem as coisas, para se fecharem as combinações. Jantar simpático, pessoas simpatiquíssimas, um agradável ambiente familiar.


Ao contrário do nosso lado, que é gente mais desprendida de tradições e mais desligada da igreja, a família do noivo é seguidora de todos os preceitos, os must have e must be são seguidos (quase) à risca.

Inteligentemente os dois gerem bem essa situação, cedendo de parte a parte, sem sacrifício e com inteligente compreensão.

O casamento seria portanto na igreja, com todos os mandamentos e muitos convidados.

À mesa fecharam-se, então, os pormenores. A igreja, a cerimónia, o copo de água, e tudo o que envolve uma festa deste género.


O copo de água seria num palácio aqui perto, um palácio sóbrio, bonito, carregado de tradição, o catering ficaria a cargo de uma firma reconhecida pela sua qualidade, viram-se possíveis ementas adequadas a um cocktail de tarde e a um jantar de verão  e fizeram-se as escolhas (salvo erro a ementa de jantar foi: sopa fria de melão, cestas de massa filo com camarão e mais qualquer coisa de que já não me lembro, sorbet de limão, rosbife com cobertura de foie-gras acompanhado por cogumelos selvagens e batata dauphine, buffet de queijos e doces e, claro, bolo de noiva), combinou-se quem contactava quem, quando, onde, especialmente para efeito do décor do salão, das mesas, etc, tudo em pérola, cor de chá, dourados, arranjos de rosas chá, e também o coro na igreja, o quarteto de cordas para acompanhar o jantar, DJ para o baile. Tudo certo.


Depois falou-se na cerimónia em si, na igreja, e a minha filha disse que gostava que houvesse leituras, que gostava que falassem pessoas do lado dela e dele. O noivo achava bem, gostava que o tio padrinho falasse.

Então, ao ouvir isto, e estava a ouvir pela primeira vez, saí-me com esta: ‘Mas então, eu que sou a mãe, também devo falar. Se alguém tem alguma coisa a dizer-te neste dia, sou eu’.  A mãe do noivo aplaudiu logo a ideia, ‘Ah, acho muito bem, se acha que consegue, porque não?’, o pai também, os irmãos, cunhados e sobrinhos sorrindo. O meu marido e o meu filho calados, provavelmente sem perceberem  que ideia era aquela, e a minha filha, incrédula: ‘Tu?! Mas vais ler um trecho da Bíblia?!’, sabendo que não sou nada dada a igrejas, nem a preceitos religiosos.

‘Claro que não. Não exageremos. Vou ler palavras minhas: o que eu acho que devo dizer à minha filha no dia em que se casa’.

Tudo impensado; a esta distância, rememorando, vejo que foi uma reacção instantânea, insconsciente, um resto de possessividade maternal em relação à minha filha.


Aí já se começou a fazer algum silêncio, a olharem uns para os outros. ‘Será que se pode…?’. ‘O que é costume é ler-se trechos religiosos…’, a minha filha já preocupada ‘Escrito por ti…? Mas o que é que vais escrever…?!’. Mas o pai do noivo, pessoa muito aberta a este tipo de coisas, contemporizou ‘Porque não? Parece até boa ideia. Não custa tentar.’ E virando-se para a futura nora: ‘A menina vá falar com o padre, que ele é pessoa moderna, veja o que ele diz’.

E assim ficou, os meus preocupados, a família do noivo expectante. ‘Querem ver que a noiva é certinha e que, afinal, a mãe é que é excêntrica…?’, imaginava-os eu a pensarem.

A minha mãe quando soube ficou também de pé atrás, ‘Mas para que é que te foste meter tu nisso? Agora vê lá o que é que vais escrever… vê lá a responsabilidade em que te foste meter…’. A minha cunhada e primas perplexas também, ‘Vais estar nervosa, nem uma coisa da Bíblia vais conseguir ler, quanto mais uma coisa escrita por ti… E vais escrever o quê…?! Oh pá, desiste mas é da ideia que é o melhor que fazes.’

Mas eu sou lá pessoa de desistir...?

E geralmente é sempre assim: decisões intuitivas, impensadas e depois, que remédio, tenho que lhes dar corpo. Pelo meio, algum stress, alguma arrelia (‘quem me mandou a mim meter-me nisto, senhores…?') e depois, no final, tudo a correr bem.

Portanto, fiada nisso, mantive a ideia.

Os noivos lá foram expor a pretensão ao padre, que até achou graça, ‘A igreja é de todos, as palavras das mães são palavras sempre bem vindas’. Colocou foi uma condição: o texto seria submetido à sua prévia aprovação. Achei razoável.

A minha filha, preocupada, ‘Mas ó mãe, vais escrever o quê? Vê lá bem’ e toda a gente de roda de mim, ‘Mas o que é que vais escrever?’. E o meu marido ‘Mas quando é que escreves? Estou para ver o que é que vai sair daí…’ e o meu filho gozava, já imaginando textos disparatados que pusessem a igreja toda a rir, ou um texto que o padre rejeitasse, um vexame para a mãe e, logo, para ele próprio também.

E eu, com tanta pressão à minha volta, não escrevia nada. Não havia telefonema da família que não incluísse, ‘Então, já escreveste o texto que vais ler na igreja?’ e já se riam porque não saía nada e toda a gente já insistia, ‘Desiste, pá! Ou, se fazes questão de lá ir ler alguma coisa, escolhe um texto da bíblia, não te metas em aventuras’.

E eu calma da vida, sabendo que não valia a pena forçar nada. É que nem tentava. A coisa havia de surgir do nada, como sempre acontece.

E a minha filha, ‘Olha, mãe, que é para a semana e ainda tenho que ir mostrar o texto ao padre; não é melhor despachares-te?’, ela preocupada e o resto tudo na maior galhofa, já a imaginarem situações hilariantes.


Até que um dia à noite, estava a acabar a minha jornada de tapete de arraiolos, por volta da uma da manhã (hora em que a minha inspiração está a pleno), sentei-me à mesa e, de rajada, escrevi  o que tinha a dizer. Lembro-me que, nesse dia, ao contrário do costume, escrevi à mão, não quis ir ligar o computador, para não interromper o fluxo.


A seguir, entusiasmada,  dirigi-me ao quarto, acendi a luz, acordei o meu marido e li-lhe o texto. Estremunhado, sem perceber bem que fogo era aquele que tinha que ser apagado à uma e meia da manhã, lá ouviu, disse que sim, que estava bem, virou-se para o lado, disse-me para apagar a luz e que me fosse deitar.

No dia seguinte já não se lembrava de uma única palavra, apenas se lembrava ‘de uma maluquice quase às duas da manhã’ . Assim, face à ausência de reservas, o texto lá seguiu para aprovação.


(To be continued….)

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Nota: as fotografias deste post foram retiradas da net  - destinam-se apenas a ilustrar os ambientes descritos.

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E agora, enquanto esperam pelos próximos capítulos, deixo-vos uma amostra do que pode acontece nas igrejas. Have fun!



Até amanhã!

 

Angela e o seu pet-Sarkozy, as cimeiras non stop em que pouco se resolve, a recapitalização da banca que enerva os banqueiros, o Vítor Gaspar que está cada vez mais lento e, de resto, nada mais que se aproveite

  
Ainda decorre a cimeira e já se anuncia nova cimeira para a semana.

Merkel põe e dispõe, marca e desmarca, impõe interregnos para falar ao eleitorado alemão ou para ir a votos na terra dela e regressa com mais força. Sempre isto. E não passa disto.

Angela e Nicolas, o casal maravilha - ela anda com ele pela trela
como se fosse um pet-nosy-boy

Sarkozy anda a toque de caixa, nem pia, pequenino e ladino a correr atrás dela.

E os outros governantes dos restantes estados membros estão letárgicos, paralisados.

Durão Barroso e Van Rompuy estão sedados ou em hibernação profunda.

Angela, a contabilista luterana nada e criada na ex-Alemanha de Leste, manda e desmanda e, para não parecer que está sozinha, arregimenta o pequeno Nicolas que, querendo reeleger-se em França ali anda num virote, feito gato-sapato dela.

Para já o que se sabe da cimeira que, a esta hora, ainda decorre, deve deixar os 'mercados' de cabeça perdida.

Obrigam-se os bancos a recapitalizar-se, queiram ou não, para conseguirem encaixar o buraco deixado pelo perdão da dívida grega. Mas ainda não se sabe ao certo quanto será esse perdão nem em que condições ocorrerá. Muita gente vai ficar a arder com isto e, por via das dúvidas, os mercados tentam retirar enquanto é tempo e, quando isso acontece, já se sabe: é para a desgraça.

Quanto ao resto, nada. Tudo sempre adiado para a próxima cimeira. Burocratas amorfos, galináceos.

E o resultado é o que se vê, o buraco negro a alastrar, sem fim à vista e novas nuvens pesadas, escuras, a pairar já no horizonte, ainda estas últimas não entraram em vigor - hoje, na cimeira, já se falou que, se Portugal não cumprir as metas, haverá que ditar novas regras de austeridade. E Passos Coelho, com aquele arzinho de marrãozinho impreparado, todo contente.

Uma gente limitada, que não sabe o que são pessoas, apenas números - é o que é. Uma gente destituída que ignora o futuro, como se não houvesse senão presente.



Veja-se o nosso Gaspar hoje na Comissão. Meia hora para cada sílaba, repetitivo, autista, alheado do que é a vida e sem a mínima ideia do que quer que seja para além dos cálculos numéricos em que se enclausurou. Quer endireitar as contas e está certo. Mas não está nem aí para perceber que a forma como o está a fazer mata o doente antes que este consiga curar-se, queima a terra à volta, vende empresas, arruina a economia, destrói tudo, suga até à última gota o dinheiro dos pobres contribuintes, até que já não haja dinheiro, até que já não haja contribuintes.

Por amor da Santa, não há quem nos salve deste pesadelo?


MÚSICA NO GINJAL - Martin Codax


Continua hoje, no meu Ginjal, a música medieval, hoje com o agrupamento Martin Codax e uma cantiga d'amigo.


Convido-o a vir comigo até ali ao meu outro blogue, que temos música apropriada a estes tempos de espuma. Esta que agora ali temos é mais do que espuma, é intemporal. Venha, sim?

  

quarta-feira, outubro 26, 2011

O primeiro dia em que vi a minha filha vestida de noiva, a sessão de fotos da Carrie Bradshaw vestida de noiva para a Vogue, Kate Moss, a noiva, vista por Mario Testino e por Annie Leibovitz e outros - e tudo ao som da Ave Maria de Schubert


No post de baixo já fiz a minha resenha diária dos avanços e recuos da nossa politicazinha. Mas fartei-me e interrompi (podem ir ali abaixo conferir) para vir falar de outra coisa mais agradável.

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Desde pequenina que a minha filha gostava de se imaginar vestida de noiva.

Adorava brincar com uma Barbie noiva. A minha mãe, que sempre teve muito gosto e jeito para a costura, tinha-lhe feito para a boneca um vestido cheio de tules, rendas.


O vestido estava numa caixa comprida, branca, de cartão macio e a minha filha, com cuidados mil, tirava-o da caixa, vestia-o à Barbie e, uma vez a Barbie vestida de noiva radiosa, o vestidinho armado, o véu colocado, era a si própria que a minha filha se via.

(Tem que haver música, tem mesmo. Carregue, se faz favor, no Play)



(Prossigamos, então)



Kate Moss com 17 anos, posando para a revista Brides

Quando eu era pequena também me imaginava a casar vestida de noiva, a deslizar igreja fora, com um grande véu. Contudo, eu não me casei por igreja. E casei-me (civilmente) porque era normal as pessoas casarem-se, não me ocorreu não casar. Mas, se não o tivesse feito quando o fiz, talvez o tivesse feito mais tarde, por razões fiscais ou práticas. Não sei. Não dou grande importância a isso.

Quando me casei ‘pelo civil’, novíssima, estudante (mas já a trabalhar como professora), ainda fui experimentar uns vestidos nas casas de noivas da Baixa mas, habituada que estava a andar de jeans ou de vestidinhos curtos, olhava-me ao espelho e parecia que estava fantasiada, via-me ridícula, uma carnavalada sem sentido. Aquela cena de um vestido que nada tinha a ver com o que eu era na altura, uma coisa cara, para um único dia, parecia-me um desperdício, um despropósito.

Mas, como queria ir vestida de branco para, ao menos, manter alguma tradição e não desiludir muito a minha família, escolhi umas calças brancas e uma blusinha muito bonita, justa, branca, quase transparente, bordada, uma toilette do Augustus.

Vejo-me nas fotografias com ar de menina, inocente e embevecida, apaixonada, sempre abraçada ou aos beijos a um marido igualmente novinho, lindo, vestido da forma menos convencional possível mas elegante na sua forma descontraída de se vestir. Foi um dia muito feliz, assim o recordo, assim o vejo nas fotografias.

A minha filha olhava essas nossas fotografias de casamento e ficava admiradíssima ‘Mas porque é que se casaram assim...? Nem pareciam noivos, nem nada… E eram ainda tão novinhos, não se pareciam com os outros noivos, não gosto nada, eu não vou assim, nem pensar…’ . E sempre assegurava que ela iria vestida de noiva, uma noiva a sério.

Kate Moss fotografada por Mario Testino

E assim foi. Quando chegou a sua altura, novita também, embora não tanto como a mãe que era praticamente ainda adolescente, a alegria de escolher o seu vestido era mais que muita. Viu revistas, pensou, idealizou, andou pelas lojas até que descobriu um que, adaptado à sua imaginação, corresponderia às expectativas.

Então, num dia previamente agendado, lá fizemos uma excursão para validar a escolha. Ela, eu, a tia, a avó materna. Uma senhora muito bem atendeu-nos, mostrou catálogos luxuosos, analisámos, hesitámos, eram tantos e tão bonitos; mas acabámos por concordar que a sua pré-escolha parecia bastante acertada.

Recolhemo-nos a uma sala no interior em que as paredes estavam quase todas revestidas de espelhos com alguns bancos. Essa salinha tinha uma janela mas as cortinas traziam uma penumbra íntima, coada. Num grande cabide lá estava o vestido escolhido para o número dela, e ainda na versão standard. Uma seda natural com um toque macio, um cair de sonho, uma sobreposição de uma mousseline a trazer transparências ao conjunto.

Chegou então uma modista que a ajudou a entrar no vestido. Um saiote farto por baixo para armar o rodado, um soutien cai-cai porque teria apenas um ombro, um folho macio a ondular junto ao franco decote, uns franzidos no corpete. Ficava linda. Fez as adaptações, o vestido estava sexy mas mantendo o look princesa, elegantíssimo, deslizaria num roçagar de folhos, sedas e rendas.

Kate Moss by Annie Leibovitz

Mas achámos que para ficar perfeito teria que ter um véu comprido e então estivemos a ver o catálogo, véus de todo o género, feitios, tamanhos. Escolhemos o mais bonito, o de macia renda de seda belga, longo, lindíssimo. Deslizaria pela igreja, concretizaria o sonho. A dona foi buscá-lo. Vinha numa caixa branca que me fez lembrar a pequena caixa do vestidinho de noiva da Barbie. A senhora tirou-o da embalagem, estava entre papel de seda, e ele desdobrou-se, imenso, bordado, pelo chão.

Kate Moss no seu próprio casamento

A seguir, com a ajuda da modista, puseram uma travessa no alto da cabeça da minha filha e sustiveram, por aí, o longo véu, uma parte cobrindo-lhe o rosto, o resto deslizando macio pelos ombros, pelas costas, cobrindo a parte de trás do vestido, arrastando-se longo pelo chão. E a minha filha estava linda, feliz. Ela olhava-se ao espelho e sorria, era a noiva com que tanto tinha sonhado. E eu fiquei comovida, lágrimas nos olhos, mãe de uma noiva linda e feliz. E todas nos comovemos, por vermos a nossa menina tão linda.

Foi a primeira das minhas emoções relacionadas com o casamento dela. As maiores, contudo, ainda estavam para vir. Amanhã ou outro dia eu conto.

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E agora, para encerrar com glamour, a sessão fotográfica de Carrie Bradshaw em vestido de noiva (Sex and the City) para a Vogue.



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Tenham, meus Amigos, um belo dia!

    

Horas e horas de Conselho de Estado - imagino os conselheiros todos a partirem a cabeça do Passos Coelho e ele sem perceber nada. No final, um comunicado a apelar à união nacional. Noblesse oblige, claro está.

 
Notícias do dia (e vou passar por cima das coisas mórbidas, deprimentes, maçadoras):

1. O Álvaro inventou mais uma. Agora diz que vai criar a figura do gestor de carreira para os desempregados. Aparecem lá no Centro mulheres que trabalhavam em lojas, na cozinha de restaurantes, empregados de fábricas e ele, em vez de empregos, arranja-lhes um gestor de carreira. Tem graça, esta. Este álvaro é um lírico (sem ofensa para os líricos)

2. O Conselho de Estado foi uma maratona que nunca mais acabava e da qual nada transpareceu. Mas gostava de ouvir o que Soares e Sampaio disseram. Devem ter dito das boas ao ex-Doce que nos causa tantos amargos de boca. Mas ele não deve ter percebido nada. Fez-lhe lá falta o Relvas que é mais entendido em políticas. Ele é mais bolos.

Esta fotografia ainda é do tempo em que o amigo Dias Loureiro era Conselheiro de Estado.

Gostava de saber, também, o que o amigo Cavaco Silva lhe disse. Deve ter sido uma coisa...! De fartar de rir. E o Professor Marcelo, conciliador, a dizer que estavam os dois a dizer a mesma coisa mas por palavras diferentes. O Alberto João também terá ido? Será que o deixaram entrar? Gostava mesmo de ter assistido. O Bagão Félix ainda lá está? Não sei. É que se ainda lá estiver, amanhã já nos conta tudo.

3. Da UE só falsas partidas. Vamos lá ver quando é que fazem alguma coisa - ou se vão chegar a fazer alguma coisa antes disto ir tudo ao fundo.

4. E não me apetece falar mais de nada disto. Só tretas. Dou por encerrado este capítulo, por hoje, vou escrever sobre outra coisa.
 
 

terça-feira, outubro 25, 2011

MÚSICAS NO GINJAL - Cantigas de Sta. Maria

Música medieval, músical que nos deixa em harmonia connosco, com a história, com a memória. Hoje temos as Cantigas de Sta. Maria.


No Meu blogue Ginjal e Lisboa, a love affair, a seguir a um belo e triste Exercício de Maria Teresa Horta, podemos repousar o espírito com uma das belas trovas que nos chegam da I Dinastia. Venha comigo ouvir uma Cantiga de Sta. Maria.

 

Hoje não tenho paciência para esta crise que nos corrói a alma e, por isso, ao som de Let it Rain pela Tracy Chapman, os meus últimos livros posam para mim, as mulheres posam para Richard Avedon e desfilam numa fantástica metamorfose em Women in Art ao som de Bach


De vez em quando, dá-me uma neura contra esta gente toda que ao longo de décadas deu cabo do país e que para aí anda, armada em moralista, enquanto recebe na conta bancária a subvençãozinha ou que parqueia as suas empresas em offshores ou em países em que a carga fiscal é mais favorável, contra estes rapazolas todos que para aí andam nas televisões e nos blogues a alardear sound bites sem saber do que falam, sem terem quaisquer conhecimentos sobre dados básicos que são essenciais para formar opinião. Uma poluição mental que me enerva.

Já se admite que não faltam nem 20 anos para que não haja dinheiro para reformas, toda a gente já dá como adquirido que, na administração pública, subsídio de férias e natal, viste-los; fazem-se as contas e vê-se que o dinheiro da troika não vai chegar e que, no final do programa, com esta austeridade que vai sugar a sociedade portuguesa até ao tutano, estaremos piores do que estávamos antes. Empobrecemos um pouco mais todos os dias e o pior está para vir. E eu, que pensava que andava a trabalhar para garantir o meu futuro e que estava tranquila quanto ao futuro de filhos e netos, vejo agora, com aflição, que afinal o mundo em que eu pensava que vivia, ruíu - e parece não haver quem perceba que a trajectória que está a ser seguida é ruinosa, trágica.

Mas hoje não quero maçar ninguém com isto.

Nem quero maçar-me a mim própria.


Música! maestro.



E, vai daí, peguei nalguns dos meus últimos livros comprados, pu-los em pose para a fotografia e eis que aqui estão eles, todos aprumadinhos para as visitas.

Os meus mais recentes livros e - desculpem lá a parvoíce - as minhas últimas écharpes
[O que é que as écharpes estão ali a fazer? - perguntarão vocês
Não faço ideia, mas gosto muito de livros (e de écharpes também)]


Passo então a relatar-vos, mostrando-vos um bocadinho da primeira página. No caso do poema, escolhi o poema 'Fotografia do Porto' para mandar um abraço aos meus leitores desta bela cidade:


Barbara Kingsolver - Lacuna  (Vencedor do Orange Prize 2010, Finalista do Pen/Faulkner Award)

'No princípio eram os uivadores. Começavam sempre os seus bramidos às primeiras horas da manhã, quando o horizonte começava a clarear. (...) Tal como era no início, assim é todas as manhãs do mundo.


Ali Smith - Amor Livre e outras histórias (Prémio Saltire para o Primeiro Livro em 1995)

'A primeira vez na vida que fui para a cama com alguém foi com uma prostituta em Amesterdão. Eu tinha dezoito anos e ela chamava-se Suzi, suponho que não era muito mais velha que eu. (...) Eu tinha andado a pedalar toda a tarde, sempre sozinha.'


Italo Calvino - Os amores difíceis

'No compartimento do comboio, ao lado do soldado de infantaria Tomagra, veio sentar-se uma senhora alta e formosa. Uma viúva provinciana, é o que devia ser, a julgar pelo vestido e pelo véu: o vestido era de seda preta, apropriado para um luto prolongado, mas com guarnições e laços inúteis, e o véu passava-lhe em volta do rosto caindo-lhe de um pesado chapéu de tipo antiquado. Havia mais lugares livres no compartimento, notou o soldado de infantaria Tomagra; e pensou que a viúva iria escolher um deles; afinal, apesar da rude vizinhança dele, soldado, ela veio sentar-se ali mesmo.


Penelope Fitzgerald - A Livraria (Vencedora do Booker Prize)

'Em 1959, Florence Green passava de vez em quando uma noite em que não sabia com toda a certeza se dormira ou não. Tal devia-se às suas preocupações sobre se devia comprar a Old House, uma pequena propriedade com armazém próprio na primeira linha de praia para abrir a única livraria de Hardborough.


Rita Ferro - A menina é filha de quem? (romance autobiográfico)

'(...) Fui a única a nascer de parto natural. Como resultado esterilizei a minha mãe. Talvez tenha sido uma benção para ela. Talvez tenha sido o meu primeiro estigma. Na vida é tudo talvez e por isso me mantenho em prova. tudo o que escrevo neste livro é verdade e o que for também o é. Foi assim que fui habituada: a acreditar em mentiras. Boas, magníficas mentiras.'


Alice Vieira - Os Profetas

'O que ides ler não é invenção de espírito cansado ou desejoso de vingança. Não guardo rancor a ninguém. Juro que tudo o que aqui deixo escrito é a mais verdadeira das verdades. Nada inventei, nada conto por me terem contado - a não ser o que ouvi da boca de homens sábios. Não conspirei, não denunciei, não testemunhei falso, não entreguei ninguém às fogueiras da Inquisição. De nada me arrependo. E agradeço com igual fervor aos que me fizeram descer aos infernos como aos que me ajudaram a vislumbrar as portas do paraíso.


José Saramago - Clarabóia

'Por entre os véus oscilantes que lhe povoavam o sono, Silvestre começou a ouvir rumores de loiça mexida e quase juraria que transluziam claridades pelas malhas largas dos véus. Ia aborrecer-se, mas percebeu, de repente, que estava acordando. (...) Tinha o tronco forte, os braços grossos e duros, as omoplatas revestidas de músculos encordoados. Precisava desses músculos para o seu ofício de sapateiro. As mãos, tinha-as como petrificadas, a pele das palmas tão espessa que podia passar-se nela, sem sangrar, uma agulha enfiada.'


Julian Barnes - Arthur & George (Finalista do Booker Prize 2005 e do International IMPAC Dublin literary Award 2007)

'Uma criança quer ver. Começa sempre assim, e então começou assim. A criança queria ver. Já andava e conseguia chegar ao puxador da porta. fazia-o sem qualquer tipo de finalidade, era o mero instinto turístico da infância. Havia uma porta para empurrar; ele entrava, parava, olhava. Não havia ninguém a observá-lo; voltava-se e saía, fechando cuidadosamente a porta atrás de si. O que ali viu tornou-se a sua primeira memória. (...) Quando a descreveu publicamente, sessenta anos haviam passado.'


Dulce Maria Cardoso - O Retorno (...e uma bela encadernação)

Mas na metrópole há cerejas. cerejas grandes e luzidias que as raparigas põem nas orelhas a fazer de brincos. Raparigas bonitas como só as da metrópole podem ser. As raparigas daqui não sabem como são as cerejas, dizem que são como as pitangas. Ainda que sejam, nunca as vi com brincos de pitangas a rirem-se umas com as outras como as raparigas da metrópole fazem nas fotografias. A mãe insiste para que o pai se sirva da carne assada. A comida vai estragar-se, diz, este calor dá cabo de tudo, (...)'


Ines de Fressange - La Parisienne (...e uma bela, elegante encadernação)

'Il n'est pas nécessaire d'être née à Paris pour avoir le style de la Parisienne. J'en suis le meilleur example: j'ai vu le jour à Saint-Tropez! Avoir l'attitude made in Paris est plus un état d'esprit. Être rock et jamais bourgeoise par example. La parisienne ne tombe jamais dans la piège des tendances: les laisser infuser et s'en servir à bon escient, voilà sa recette secrète! Et garder toujours un objectif: s'amuser avec la mode. elle suit quelques règles, mais aime bien les transgresser aussi, ça fait partie du style.'


José Luís Peixoto - Gaveta de Papéis (Prémio Daniel Faria 2008)

O Porto é uma menina a falar-me de outra idade.
Quando olho para o Porto sinto que já não sou capaz
de entender a sua voz delicada e, só por ouvir, sou
um monstro que destrói. Mas os meus dedos são capazes
de tocar-lhe nos ombros, de afastar-lhe os cabelos.
Entre mim e o Porto, existem milímetros que são
muito maiores do que quilómetros, mesmo quando
os nossos lábios se tocam, sobretudo quando os nossos
lábios se tocam. De que poderíamos falar, eu e o Porto,
deitados na cama, a respirar, transpirados e nus?
Eis uma pergunta que nunca terá responta.

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E agora, em homenagem às bravas mulheres que lutam diariamente para sobreviver, para tomar conta da casa e da família, que conseguem progredir profissionalmente e que não abdicam da sua feminilidade, aqui vos deixo uma fotografia e um pequeno clip.


by Richard Avedon

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E agora para todos os homens que gostam de mulheres e, em especial, para todas as mulheres que, tal como eu, adoram ser mulheres, uma fantástica sucessão de rostos de mulheres na arte de todos os tempos.





Tenham um belo dia!

 

segunda-feira, outubro 24, 2011

MÚSICA NO GINJAL - Hildegard von Bingen


Semana de música que vem do fundo da memória, música medieval, música que nos traz uma tranquilidade antiga, intemporal, do limite dos tempos.



Venha comigo até ao meu blogue do Ginjal. Imagine que vem sossegar-se com a luz coada de uma igreja, ouvindo cântigos impregnados de religiosidade. A seguir ao poema do José Luís Peixoto estará dentro dos claustros. Venha comigo, está bem?

 

Onde falo das primeiras chuvas in heaven e da minha baby re-born tree, do Miguel Macedo que recebia 1400 €/mês de subsídio de alojamento vivendo em Algés, da Cimeira Europeia que pariu um urso de peluche e, para começarmos a semana bem dispostos, Mozart: Birthday, com o Nederlands Dans Theater celebrando Jiri Kylian.

 
Há quase um ano, num tempo já cheio de incertezas e medos, fez um temporal in heaven e o vento partiu uma árvore, despedaçando-me o coração.

Depois de ali ter ficado assim durante algum tempo, infeliz, tronco rasgado, achámos que a imagem era triste demais e o tronco foi cortado, cerce, sempre se reparava menos, era uma ausência menos notada. De qualquer forma, para mim, uma dor de alma.

Ao meu amiguinho pequenino também custou a imagem da árvore cortada, 'Partiu-se? O vento partiu a árvore? Como foi?' e olhava triste para o tronco escuro rente ao chão. 'E o vento vai partir mais árvores...?', que não, tranquilizei-o eu, 'Então porque é que o vento partiu esta?' e eu que 'esta estava mais fraquinha, talvez'. E ele 'Porquê? e eu... (etc, etc)...... (porque o meu menininho está na idade dos porquês)

Pois bem, meus Amigos, o que tenho a dizer-vos é que nunca nos entristeçamos antes de tempo.


Música! maestro.



Eis que há pouco tempo, inesperadamente, um pequeno rebento verde começou a surgir do toco que parecia morto. Fiquei intrigada. E expectante venho vigiando o milagre, assistindo maravilhada ao ressurgimento da vida onde eu já não a esperava.

A minha grevílea robusta renascendo, envolta em sedas e brocados dourados
A vida renascendo em pleno outono, numa altura em que as outras árvores se despem

Hoje, in heaven, tal como provavelmente em todo o país, choveu que Deus a deu. Um vendaval que levava as folhas pelos ares, que quase fazia voar as ramadas das árvores.

Um cheiro bom a terra molhada, a terra que se quer fértil, húmida, cheirosa, um cheiro a vida. Fico por dentro dos vidros e aponto a máquina. São apenas folhas secas, douradas, ramos verdes, água da chuva. Eu sei que é só isso mas isso é tanto para mim.

A primeira chuva deste outono: água abençoada

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Depois, na volta, deixando para trás a quietude, a mansa e tranquila paz de espírito, começaram logo as más notícias. Para meu espanto, ouvi na rádio que o ministro Miguel Macedo ia desistir do subsídio de alojamento. Fiquei siderada com a falta de consistência desta gente.

Com casa própria e a viver em Algés, Sua Excelência usava o artifício de ter outra casa em Braga, que utiliza como morada fiscal, para usufruir de um subsídio de 1.400 euros por mês. Numa altura em que aos pobres funcionários públicos e pensionistas com ordenados miseráveis vão ser suprimidos os subsídios de natal e de férias, eis que Sua Excelência vivia de bem com a sua consciência vivendo em Algés e alapando-se com um subsídio - que tomaram muitos ter como ordenado - como se vivesse em Braga. Arrepia pensar na (falta de) ética destes governantes de tão insignificante dimensão. 



Pois agora, como a coisa veio a público, anuncia que vai renunciar, numa falta de consistência assustadora. Claro que fez bem em renunciar - não tinha, aliás, como não o fazer a menos que passasse a andar com a cara pintada de preto. Mas se sabia que estava a receber indevidamente este subsídio, porque o pediu? Ou, se o pediu, não devia agora ao menos tentar justificar porque o fez? Parece uma gentinha de meia-tijela que foi a correr ao pote mas que, apanhada em flagrante, assobia para o lado, 'não fui eu...'. Que falta de tudo, credo, que falta de tudo.

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Depois, já aqui onde agora escrevo, vejo na televisão que a cimeira voltou a parir um rato ou nem isso, e lá vi aqueles entediados e amorfos governantes europeus, bovina e mansamente deixando-se ir na conversa do casal Angela e Nicolas que já falam em nome de todos, subindo ambos ao púlpito e anunciando as conclusões a que não chegaram. 

(Aliás, qual rato?! Pariu mas foi um urso de peluche que foi o que a Merkel ofereceu ao Nicolas pela sua filha Giulia)

Angela Merkel, a mulher que tem o Nicolas no bolso
e que, entretanto, enquanto a crise alastra, vai empatando a Europa toda

A seguir vejo o nosso ex-Doce, de cabelo cortado, casaco cinzento claro de mais, com uma gravata fúcsia que ficava desastrosa naquele conjunto, falando, sem lábios, para dizer coisa nenhuma.

Com ar de quem levava o rabo entre as pernas, lá ia o agora fustigado Berlusconi contra quem a fúria dos mercados agora se virou. Presumo que já nem lhe apeteça dizer da Angela o que há bem pouco tempo dizia, nem que tenha ânimo para as festanças do costume com as jovens que tinha avençadas...

Com ar de quem já não é o (único) mau da fita, Papandreu, um homem que acho que tem presença e charme, já dizia que 'o problema não é grego, é europeu'.  E tem razão.

No meio disto, Durão Barroso remeteu-se outra vez à sua alma de cherne e lá o vi de óculos na ponta do nariz, enfiado, e, no fim, rodeado de microfones a dizer banalidades, de novo submerso nas águas profundas em que geralmente se oculta.

A Europa a afundar-se e aquela corte ali anda, a cumprimentarem-se uns aos outros, a falarem pelos cantos, a encanarem a perna à rã.

A Grécia a ferro e fogo, os portugueses a caminho da pobreza, Espanha e Itália a irem rapidamente também para o buraco, multidões indignadas nas ruas, e estes burocratas sem visão não são capazes de um golpe de asa que relance a economia e redefina o papel da Europa, afirmando um papel no mundo à altura da sua história.

Vi também o horror da Turquia: acts of god, force majeure. Destruição e morte num forte abalo sísmico. Que a maldição não nos atinja tão cedo, sabendo eu que já estamos a desafiar as probabilidades que apontam para que um abalo deste género é inevitável e (matematicamente falando) já deveria ter acontecido por cá há algum tempo (noc-noc-noc, batam três vezes na madeira, se fazem favor).

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Mas isto não é maneira de começar a semana, com conversetas deprimentes, ideias assustadoras, com notícias tristes. Nem pensar. Por isso, meus Caros, vamos lá a abrir um sorriso que eu dou uma ajudinha, está bem?





Boa semana. Aproveitem bem a vida.