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terça-feira, agosto 12, 2025

A consciência anda por aí, ao deus dará, e o nosso corpo humano é que a capta e sintoniza?
Pergunto

 

Não é tema para o querido mês de Agosto e, muito menos, para se falar sem profundidade e sem conhecimentos. Mas, justamente porque o mês de Agosto é condescendente para com os azougados, aqui estou a partilhar um vídeo que vai lá, vai. 

Aquela coisa de eu ter gostado de ser psiquiatra e depois ter desistido porque primeiro teria que ser médica tout court e, portanto, ter que ter aulas de anatomia e ver mortos, e isso é que nem pensar, e depois ter gostado de ser psicóloga e depois ter desistido porque o curso, na altura, parece que não era tido como um curso mesmo a sério (mas, afinal, parece que até era, eu é que parece que estava mal informada), deixou marcas. Depois, apaixonei-me pela física da matéria, pela física das partículas elementares, pela mecânica quântica e aí é que percebi que gostava mesmo era do que não compreendia, do que estava muito para lá do demonstrável, do que toda a gente sabia. Passei a compreender que, dentro de mim, há uma parte, a que se dá a conhecer, a que conversa e quase parece normal, aquela que se põe a ouvir e, por isso, toda a gente lhe conta coisas, e uma outra parte, desconhecida até de mim, que lida mentalmente com mundos indefinidos e em que não existe uma língua passível de ser usada pois não há palavras existentes para realidades inexistentes.

E se parece uma conversa de doidos não é impressão vossa, é mesmo porque ninguém de bom senso confessa tal condição, uma coisa assim esconde-se de todos e da luz do dia. Muito menos se solta no espaço para que fique por aí a vogar em torno do maravilhoso ponto azul que flutua no imenso espaço sideral.

Mas isto para dizer que não percebo em que parte do cérebro se constrói a individualidade dos pensamentos e a forma de lidar com as emoções. E não sei se é no cérebro ou nos intestinos. Ou numa qualquer outra parte. Não sei. nem sei se essa individualidade, o código que faz com que os meus pensamentos sejam só meus e não os de outra pessoa, está dentro de mim, se está inscrito no meu DNA, ou se, misteriosamente, flutua também por aí e o meu cérebro é que capta esse sinal. 

Também não sei porque tenho, com alguma frequência, uma certa telepatia com a minha filha, tal como tinha com a minha mãe, ou como tenho com outras pessoas e coisas, ou como tinha com o meu amigo que estudava essas coisas e que inspirou um personagem do meu livro 'Um segredo tão azul' (por sinal, o meu livro até hoje mais encomendado), o tal livro meio maldito em que, não me perguntem como ou a que propósito, inventei que ele tinha morrido e me deixou a sofrer por ele, para descobrir, dias depois de o ter escrito, com espanto e susto, que ele tinha mesmo morrido de verdade. Coisas que não se explicam, para as quais ainda não se conhecem razões comprovadamente válidas. Há quem lhes chame coincidências. Eu tendo a chamar coisas do caraças.

E não, não sou adepta de esoterismos, de palermices envoltas em conversa fiada: nada disso. Sou da ciência. Mas sou atraída pelo que não conheço, sinto uma atracção, como íman, pelo que tenta aproximar-se do indefinível.

Para contextualizar de forma mais objectiva o tema, atrelei-me ao chatgpt. Transcrevo (com as devidas reservas pois, se fosse uma hora mais decente, iria validar; assim, a partir daqui é transcrição directa):

"Há cientistas e filósofos que defendem hipóteses em que a consciência não é apenas um produto do cérebro individual, mas algo que pode ter uma dimensão externa ou universal.

Isso não é consenso, mas existem correntes sérias (e algumas mais especulativas) que exploram essa possibilidade.

Aqui estão alguns exemplos das linhas de pensamento e quem as defende:

1. Panpsiquismo

O que diz: A consciência é uma propriedade fundamental da realidade, presente em todos os sistemas físicos, em diferentes graus.

Defensores:

  • David Chalmers (filósofo da mente) — conhecido pelo “problema difícil” da consciência.
  • Philip Goff (filósofo, autor de Galileo's Error).

o Ideia central: A consciência não “surge” apenas de cérebros; ela está distribuída na própria estrutura do universo.

2. Teoria do Campo de Consciência

O que diz: A consciência pode existir como um campo fundamental, parecido com o campo eletromagnético, que o cérebro “sintoniza” ou modula.

Defensores:

  • Johnjoe McFadden (biólogo teórico, autor da “teoria do campo eletromagnético da consciência”).
  • Michael Persinger (neurocientista, propôs o “campo de informação” ligado à atividade geomagnética).

      • Ideia central: A mente é como um rádio que capta e transmite um campo mental já existente.

3. Hipótese do “Cérebro como Receptor”

O que diz: O cérebro não cria a consciência, mas funciona como um receptor/transmissor de uma mente universal.

Defensores:

  • Henri Bergson (filósofo, início do séc. XX) e William James (pai da psicologia moderna).
  • Alguns físicos como Roger Penrose (trabalha com Stuart Hameroff na teoria Orchestrated Objective Reduction — Orch OR).

      • Ideia central: A consciência pode existir independentemente da matéria, e o cérebro é apenas o “interface” local.

4. Modelos de Consciência Distribuída / Não-Local

O que diz: A mente pode estar interligada num “campo informacional” que transcende o indivíduo.

Defensores:

  • Dean Radin (Instituto de Ciências Noéticas).
  • Rupert Sheldrake (hipótese dos “campos mórficos”).

      • Ideia central: Há uma rede ou campo informacional que conecta todos os seres vivos, e a consciência individual acessa esse campo.

🔹 Importante:

Grande parte destas ideias é controversa e está fora do consenso científico dominante, que ainda vê a consciência como produto emergente da atividade neural. Mas o interesse está a crescer, especialmente porque a ciência não tem, até hoje, uma explicação completa para como a atividade física do cérebro gera a experiência subjetiva (o “problema difícil”)".

[ChatGPT dixit] 

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E agora o vídeo que me arrisco a partilhar

 Why we might live in a conscious universe | Rupert Sheldrake

Most scientists think that consciousness is created by the brain. After all, most assume consciousness vanishes if the brain is destroyed. But what if this consensus view is radically mistaken? Join distinguished Cambridge scientist Rupert Sheldrake as he argues that the mind extends beyond the brain and explores the radical implications of this account.

Rupert Sheldrake is a preeminent biologist and author best known for his hypothesis of morphic resonance. His books include Science and Spiritual Practices, Ways to Go Beyond And Why They Work and The Science Delusion. Furthermore, he was ranked in the top 100 thought leaders for 2013 by the Duttweiler Institute, Switzerland's leading think tank, and has been recognised as one of the 'most spiritually influential living people' by Watkins' Mind Body Spirit Magazine.


Desejo-vos um belo dia

segunda-feira, março 31, 2025

A importância dos trabalhos manuais

 

Gostei de ver o vídeo que aqui partilho. Aliás, gosto sempre de ver os vídeos deste médico. Neste caso ele aborda um tema que, para mim, sempre foi caro: a importância dos trabalhos manuais. 

Aliás, não por acaso, o algoritmo do Instagram já me topou e passa a vida a mostrar-me cabeleireiros a fazer cortes de cabelo que me dão vontade de sair por aí a arranjar gente que me deixe cortar-lhe o cabelo, gente a fazer bolos ou cozinhados, gente a fazer pinturas, arranjos florais, dobragens, arranjos de móveis, até a dobrar roupa de forma a optimizar o espaço dentro de malas de viagem. Se antes me apareciam influencers a fazerem unboxing de livros (tenho aprendido algumas terminologias...) , coisa que me deixava possuída e cheia de vontade de os imitar fazendo vídeos malucos, ou a maquilharem-se ou a mostrarem outfits (e, justamente, este domingo fiz uma reel * -- ah, termozinhos mais fofos... -- a parodiar essa de me mostrar a realizar a minha rotina não de skincare mas de maquilhagem) agora já fez a agulha para actividades mais concretas. 

No vídeo abaixo, o médico não inclui a escrita como um hobby de trabalhos manuais mas eu acho que é. Posso até garantir que, por vezes, os meus dedos tomam as rédeas do processo e escrevem sem que a cabeça saiba o que eles estão para ali a sapatear no teclado. Escrever também me activa, também me concentra, também me desliga das maçadas de que o mundo está a deitar por fora.

De qualquer forma, de tudo o resto que ele fala, eu sinto um apelo grande para fazer. Por exemplo, ultimamente ando com vontade de fazer um poncho de crochet todo às cores, incluindo com fios com brilhantes coloridos. Danadinha. Danadinha para fazer uma piece of art.

Por vezes penso que um dia destes ainda vou ter que me render e voltar a organizar-me através de agenda, como quando trabalhava e tinha a agenda sempre enervantemente cheia, só que para fazer assim: das 15 às 16, crochet, das 16 às 17, tapete de arraiolos, das 17 às 18, pintar, das 18 às 19 caminhada, das 19 às 20 fazer o jantar, ver os mails, o blog, fazer os telefonemas à família, etc. A escrita, provavelmente, ficaria para o slot (ah... a falta de saudades que eu tenho de quando me andavam a perguntar qual o slot que eu tinha disponível) das 23 às 2 do dia seguinte. A manhã ficaria para a caminhada da manhã e para o ginásio três vezes por semana e, no intervalo, para algumas compras, lavagens de roupa, arrumações e afins.

É que, se não for assim, ou seja, se não começo a organizar-me, vou deixando mil coisas para trás. 

Mas, enfim, isto para dizer que mil vezes mais andar entretida com coisas concretas do que perder tempo a 'conhecer-me melhor', a reflectir sobre as coisas da vida, a olhar para ontem ou a pensar na morte da bezerra. Não quero com isto dizer que quem o faça seja mais infeliz que eu. Quero é dizer que esta forma de usar o tempo que a vida tem concedido a graça de colocar à minha disposição me traz bem estar, motivação, alegria. 

E, pelo que o Dr. Drauzio Varella diz, faz bem ao corpo e à alma. Portanto, assim seja. Valeu.

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* Se soubesse colocaria o link para a story acima referida, o vídeo que coloquei no instagram a mostrar como me maquilho. Mas não sei. Ainda não sei bem manusear aquilo. Para os posts ou feeds ou lá como se chama aquilo, sei como partilhar o link. Para a story não sei. Para se ver, carrega-se na fotografia do perfil. Mas creio que quando coloco uma story nova, a anterior vai à vida. Mas, pronto, se tiverem curiosidade vão até lá e experimentem. Quando enviei o vídeo para a minha filha ver protestou... Aliás, começou por me enviar uma mensagem a dizer medooooooo.... Os meus netos, a quem ela mostrou, também ficaram chocados. Ao telefone fartaram-se de protestar. Não compreendo a reacção. Eu gostei de fazer. E estou a fazer e já com ideias para fazer outros ainda mais sui generis. E o meu marido, quando lhe mostrei, riu-se. E, no fim, concluiu o que sempre conclui: 'Só te dá para coisas dessas, maluquices...'. Mas vi que estava divertido. 

Enfim. Cada um faz o que pode. Um dia faria obras mais apuradas.

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Adiante. 

A importância de ter hobbies e fazer trabalhos manuais

Hoje, a tecnologia resolve tanta coisa para a gente que esquecemos de usar a mente. Com isso, o cérebro deixa de ser estimulado, o que pode levar ao declínio cognitivo.

As atividades manuais são ótimas não só para exercitar a mente, mas também para reduzir o estresse, aumentar a sensação de bem-estar e ajudar na prevenção de doenças neurodegenerativas.

Neste vídeo, Drauzio fala sobre a importância dessas atividades.


sábado, outubro 26, 2024

Há uma coisa que eu não compreendo: quem compra os livros ou lê as crónicas do Gonçalo M. Tavares gosta do que lê? A sério...?
Pergunto.
.

 

Este fim de semana, por uma vez desde há séculos, comprámos o Expresso. Estava curiosa com uma coisa. Muita parra e pouca uva. De facto aquele jornalista, ou lá o que é, é um tretas. Nem vou comentar junto do meu marido pois ele bem me avisou. De facto. Tipo mais tangas.

Contudo não se perdeu tudo pois, de caminho, estive a ler o resto. Deliciei-me com aqueles de quem sempre gostei, de que continuo a gostar e de quem, tenho a certeza, sempre gostarei.

E espantei-me, uma vez mais, com a vacuidade e o disparate pegado do que o Gonçalo M. Tavares escreve. E fiquei, de novo, na dúvida: serei mentecapta? insensível? ceguinha perante a qualidade? 

É que, se há tanta gente que gosta, quem sabe se o problema não é meu...

O que eu gostava mesto é que algum dos admiradores dele viesse aqui e me explicasse. A sério. Gostava mesmo de saber.

terça-feira, fevereiro 06, 2024

Coincidências do caraças

 

Por estas bandas, a maior concentração de aniversários verifica-se nos meses em que o calor já se faz sentir. Mas, apesar disso, ainda há os que vieram ao mundo uns meses antes. Por exemplo, parecendo que não, ainda há uns aquários e como, nestas coisas, parece que gostam de se juntar, já vamos no segundo.

Por isso, cheguei a casa mais tarde. Acontece que, dado que a avaria comunicada à hora de almoço ainda não está resolvida, estou sem televisão por via normal e a net que tenho no computador está a ser fornecida pelo telemóvel. 

Ainda chegámos a tempo de tentar ver o Luís Paixão Martins mas parece que não houve. Espero que não o tenham cancelado pois, de facto, é daquelas vozes que sabe bem ouvir. Não tem medo, não tem papas na língua e é inteligente, et pour cause irónico. Se o retiraram das televisões fizeram mal.

Enfim, espero que tenha sido ele a ter tido algum resfriado ou insignificância do género e que não tenha querido estar a falar e a espirrar ou a assoar-se em directo e que, amanhã ou para a semana, esteja de volta.

Hoje também cheguei à conclusão que uma série de démarches que, na minha santa ingenuidade, convencida eu que o mundo já estava a virar digital, pensava que poderia resolver por mail enviando todos os documentos, e, ainda por cima, enviando-os de um mail certificado junto dessas instituições, afinal têm que ser resolvidas presencialmente, com papéis na mão. Um atraso de vida. Portanto, amanhã vou ter que andar a visitar capelinhas, à moda antiga.

Durante a tarde estive a dar uma volta, ainda que superficial, muito pela rama, no saco com a correspondência de que falei ontem. Há ali muito mais cartas e postais do que poderia supor.

Descobri o nome completo daquele tal meu amigo do Porto. Estive a reler várias das suas cartas. Era um aluno excelentíssimo, tinha tido 20's e 19's e, naquela altura, estava indeciso quanto à profissão a seguir. Pois bem, o google leva-nos quase até casa das pessoas. É um ilustre catedrático na Universidade do Porto, membro de inúmeros júris de doutoramento a nível internacional, publicou dezenas de artigos. Vi as fotografias dele agora. Não mudou muito. Era alto, magro e bonito e assim continua, só que agora em versão platinada, mais interessante que antes. Se quisesse poderia contactá-lo pois lá está o endereço de mail dele.

Encontrei também várias cartas do Brian, um inglês de que, estranhamente, também já não me lembrava. De Wales. Era alto, na altura parecia-me desengonçado, cabelo liso pelo ombro. Ao reler as cartas fiquei admirada: como pude varrer da memória o que, lendo agora, me parece bastante interessante? Falava do ambiente em Inglaterra, dos problemas com o IRA, do separatismo. Contudo, à medida que ia relendo, a memória parece que ia acordando. Naquela altura, lembro-me agora, era excitante eu corresponder-me com uma pessoa que me falava de temas que me eram, então, algo distantes. Tinha um cosmopolitismo que eu sentia como contagiante. Eu devia colocar-lhe muitas questões pois ele escrevia que estava a responder às minhas questões e que ficava muito contente quando, ao receber o envelope, percebia que lá dentro vinha uma carta com muitas folhas. As dele também eram grandes. Pesquisei. Com o nome dele, e tinha o nome completo, em Wales, encontrei um que foi desportista em novo e também um cirurgião. Falecido há dois anos. Não consigo ter a certeza que era o mesmo.

Encontrei também várias cartas de um amigo de liceu que viria a ser colega de faculdade do meu marido e com quem eu me dava muito bem. Digamos que se chamava Valeiro. Tinha muitos irmãos e queixava-se do barulho que havia sempre em casa. Era uma pessoa de uma franqueza extraordinária. Era diferente. Tinha interesses e gostos atípicos nos rapazes daquela idade, naquela altura. Gostava de música clássica e inventava aparelhos que eu achava fantásticos. Era um amigo com quem eu treinava a telepatia. Ele achava que eu tinha dons de divinação pouco usuais e punha-me à prova e eu gostava que ele o fizesse. 

O ano passado escrevi uma história na qual incluí diversos acontecimentos invulgares e, estranhamente, verídicos, acontecidos comigo numa dada altura da minha vida. Uma vez encontrámo-nos e ele, do nada, perguntou-me se não estavam a acontecer-me coisas inexplicáveis. Fiquei muito admirada com a pergunta e contei-lhe. Ele disse-me que não se admirava e aconselhou-me a ter cuidado. Contei isso na história. E, tal como sempre me acontece quando escrevo, às tantas, no decurso da história, as coisas ganham uma dinâmica que é independente da minha vontade. E foi assim que, na história, eu descobria, consternada, que esse meu amigo, que coloquei a viver no Alentejo, tinha morrido. Fiquei muito incomodada por estar a 'matar' um personagem que era, na verdade, uma pessoa real. Tive vontade de apagar aquelas páginas mas não consegui pois esse era o rumo que a história tinha seguido. Convenci-me que não era ele, era um personagem fictício e, embora com algum esforço, prossegui.

Entretanto, tentei ver se sabia alguma coisa dele. Googlei. Não encontrei. Procurei pelo nome de que me lembrava, digamos que João Valeiro. Nada. Tentei lembrar-me de outros apelidos. Não me lembrei.

Por essa altura, estava eu já mesmo quase no fim da história, uma amiga ligou-me. Falámos de um outro. Perguntei por esse tal outro. Digamos que Antunes. Essa minha amiga perguntou: "Qual Antunes? É que havia dois, não sei se te lembras, o Vaz Antunes e o Antunes Valeiro". E eu respondi: "Ah, pois é, tens razão. Mas referia-me ao Vaz Antunes. Sempre tratei o Valeiro por João Valeiro, nem me lembrava que também era Antunes. Que é feito dele também?" Ela não sabia do João, só que estava pelo Alentejo. Sabia, sim, do primeiro, do Vaz.

Nesse dia contei ao meu marido a graça da coincidência. "Vê lá tu que estou a escrever uma história em que entra o João Valeiro e, sem mais nem ontem, hoje liga-me a Sofia e às tantas veio à baila o nome dele, parece que está a viver no Alentejo". O meu marido lembrava-se bem dele, ficámos a conversar sobre as suas excentricidades. Eu não achava que fossem excentricidades, achava que eram apenas coisas surpreendentes de uma pessoa surpreendente.

Dias depois, estando eu a conversar com outros amigos, porque andava com aquela atravessada, perguntei se sabiam do João Valeiro. Fiquei gelada quando me disseram que tinha morrido recentemente. Nem perguntei como foi não fosse dar-se o caso de ser como eu escrevi na minha história. 

Quando contei ao meu marido, ficou incomodado. Tínhamos estado a recordá-lo, era 'rapaz' da nossa idade e, afinal, já tinha morrido.

Não tive coragem de lhe contar que, na minha história, ele também tinha morrido, deixando a personagem feminina, que eu escrevi na primeira pessoa, eu, deveras abalada.

Tive vontade de não pegar mais na porcaria da história, tão incomodada fiquei com a diabólica coincidência. Mas depois forcei-me a ser racional. Tinha sido uma coincidência (uma coincidência do caraças mas uma coincidência). Por isso, acabei a história.

Como sempre faço, no fim, peço ao meu marido para ler. Mando-lhe por mail na noite em que acabo.

No dia seguinte, o meu marido estava mal disposto. Nem queria falar. 

Quando lhe perguntei o que era, quis saber: 'Quando escreveste que o personagem do João Valeiro tinha morrido já sabias que ele tinha morrido de facto?'

'Não. Escrevi isso a meio da história. E só soube que isso aconteceu de verdade para aí há uns três ou quatro dias, já a história estava praticamente no fim. Porquê?'

'Foi o que pensei, que não tinhas tido tempo de escrever tudo em tão pouco tempo'

Quis saber o que tinha achado. 

Incomodado disse-me que tinha parado ali pois tinha percebido que eu tinha adivinhado que ele tinha morrido.

Não consegui que ele acabasse de ler a história. Acho que teve receio de descobrir mais coisas estranhas.

E hoje, ao ler aquelas cartas dele, uma pessoa tão especial, tão diferente, também me fez muita impressão. Como é possível que já não esteja vivo? E como é possível que eu tivesse adivinhado que ele tinha morrido? É que nem consegui alterar a história pois parece que tinha a certeza de que ele já não estava vivo.

Tempos depois, num almoço de verão, um outro amigo perguntou-me: 'Já sabes que o João Valeiro morreu? Foi recentemente.... Uma coisa terrível... um choque para toda a gente...'. Disse que sim mas atalhei a conversa com receio que ele fosse contar-me a causa e que fosse tal e qual como descrevi. 

Numa das cartas ele falava-me num equipamento que estava a testar, que descodificava o código de morse e enviava sinais já nem sei para onde. Estava sempre a ter ideias. E, na história que inventei, muito da trama tem a ver com uma cena engendrada por ele. Na volta, de lá, onde está agora, envia e descodifica sinais que eu, que sempre captei os seus pensamentos, consigo 'apanhar'.

Enfim. Coisas que não consigo bem explicar. Nem interessa. Mais vale ficar assim.

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Desejo-vos um dia bom

Saúde. Serenidade. Paz.

segunda-feira, dezembro 11, 2023

Contar segredos a estranhos

 

Para aqui não falar do que me traz apreensiva tenho agora, sempre, que omitir uma parte significativa do meu dia. Por isso, digo apenas que, como sempre, não foi fácil e, talvez por isso, quando cheguei a casa, sentei-me no cadeirão relax ao lado da janela, tapei-me com a mantinha aveludada, macia e quentinha, e, de tal forma me sentia esgotada que, provavelmente, ao fim de dois minutos estava a dormir. Dormi com certeza quase uma hora. E custou-me a acordar. 

Mas a caminhada da manhã e a que foi feita à noite foram boas. Contudo, a da manhã foi feita debaixo de um céu cinzento e um ar pesado de tão húmido, e a da noite, bem, foi de noite... No entanto, se me faz falta o sol, caminhar à noite também é bom. As árvores nocturnas são lindas, as casas iluminadas são íntimas, olhar as pessoas a cozinhar, outras em confortáveis salas a ver televisão, observar algumas belas peças decorativas, apesar de uma cusquice, é aliciante. E os jardins à noite estão cheios de mistérios e os cães dão o sinal e enfurecem-se à nossa passagem.

Este domingo não cozinhei. O programa de festas não me deixou grande margem para culinárias, nem pelos horários nem pela disposição. Por isso, passámos pela casa das pizzas em forno de lenha e já está. Menos mal.

Claro que, com tudo isto, nos últimos tempos perdi completamente o élan da escrita. Falta-me inspiração, motivação, energia. Ponho-me com o computador à frente e não me apetece. Escrever pressupõe uma entrega absoluta, implica que nos desliguemos da vida real. Só funciona se a via para a inspiração estiver aberta, desimpedida. E não tenho conseguido. Mas a vontade há-de voltar, sei que sim. E terei que repensar bem a abordagem. Tinha pensado tentar de uma maneira mas, do que tenho visto, não me parece ser a mais eficaz. No entanto, é uma questão de me dedicar. Tendo disponibilidade, de tempo e de cabeça, hei-de conseguir penetrar no hermético mundo editorial. 

Entretanto, ao ser-me sugerido o vídeo que abaixo partilho, lembrei-me do que se passou connosco, com o nosso Sebastião.

Uma vez, uns amigos deveras afoitos, resolveram passar por cima dos meus pruridos e das reservas do meu marido, e oferecer aos meus filhos um hamster. Não sei se o presente foi paa um e se o outro também o adoptou ou se foi, à partida, para os dois. Tanto faz. 

Que me lembre, havia uma gaiola com um baloiço e uma roda. Sebastião. 

Não achei graça mas os miúdos estavam felizes. 

Cheirava mal que se fartava, não sei se a urina, se as fezes. Eu tinha medo de lhe mexer. Sobrava para o meu marido, claro. Lá levava ele o Sebastião na sua gaiola para a varanda e, contrariado, lá fazia a necessária higienização.

Mas era o que era. A bem da alegria das crianças, lá nos ocupávamos do animal.

Até que, um belo dia, o bicho amanheceu morto. Esticado, De barriga para cima, perna aberta, esticado. Ainda pensámos que estivesse apenas inconsciente. Tentámos reanimá-lo. Mas tinha-se passado para o além.

Nem me aproximei, sempre tive uma relação complicada com a morte.

Na altura, no prédio em que vivíamos havia uma conduta centralizada para o lixo. Ao pé dos elevadores, havia uma tampa na parede da qual partia uma rampa que ia dar a um mega contentor onde ia parar todo o lixo do prédio. Na altura ainda não se reciclava nem se separavam os lixos. 

E foi por aí que o meu marido despachou o Sebastião. Para desgosto de todos, lá se foi o Sebastião.

No fim de semana seguinte encontrámo-nos com esses novos amigos. E relatámos o triste acontecimento. 'Não estava morto! Estava a hibernar!', exclamaram.

Contaram que o deles também tinha hibernado. Ficámos estarrecidos. Mas já não havia nada a fazer.

Nessa altura não havia internet nem o hábito de pesquisar sobre tudo. Parecia morto, não reagia: estava morto. E, afinal, não estava. E ficou, na família, como uma das grandes patifarias que cometemos.

Não posso dizer que seja um segredo pois todos nós falamos deste nosso mau passo,

Aqui abaixo fala-se de segredos e é sempre surpreendente ver como as pessoas que a Thoraya aborda, pessoas desconhecidas, têm sempre coisas inesperadas para dizer. Já aqui o referi várias vezes: parece que, muitas vezes, é mais fácil confiar em desconhecidos e contar-lhes os mais íntimos segredos do que entregar a intimidade a amigos. Os vídeos de Thoraya são a prova disso. E este meu blog também.

Estranhos leem um segredo e deixam um outro segredo


Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

Saúde. Esperança. Paz.

quinta-feira, outubro 05, 2023

Os jovens desactivistas que andam a atrapalhar a vida a quem trabalha e a serem levados ao colo pelos desjornalistas.
[Isto em mais um belo dia de férias]

 


Mais um belo dia de férias. Praia. Tempo bom. Uma luz branca, levemente enevoada, muito levemente, quase um tule.

Fazemos umas boas caminhadas. Parte do caminho faço-o dentro de água mas apenas os pés. Tão agradável. A água está em boa temperatura.

As pitangueiras estão plantadas. São uma pontinha, apenas, uma ervinha. Espero que vinguem e que se cubram de pontinhos amarelos e encarnados. 

Tratei do que tinha a tratar e tive tempo para escrever. 

Escrevo, escrevo, escrevo. Não sei de onde saem tantas palavras.

Aconselham-me a que escreva menos, que pondere mais. Mas isso é o mesmo que me dizerem que pense menos ou que respire menos. Não sei pensar antes de escrever. Quanto muito, penso depois de escrever.

Aliás, hoje estava a caminho do fim de uma história e, sabendo já como ia acabar, a minha cabeça começou a deslizar para uma próxima. É muito estranho, bem sei.

Tirando isso, vi, num relance, meia dúzia de jovens com aspecto vagamente alternativo que por aí andam a fazer parvoíces, cortando o trânsito, atrapalhando a vida a quem anda a trabalhar. Quando entrevistados, os jovens só dizem palermices, vacuidades. Estão desfasados da realidade, são incultos, mal informados. São um vulgar subproduto das redes sociais. Contudo a televisão ouve-os, dá-lhes palco. Uma gentinha desqualificada, tanto eles como quem lhes dá palco.

Enfim.

Enquanto estou a escrever, estou a ver uma entrevista com o Woody Allen. Diz que o trabalho é fundamental mas que a sorte é muito importante, que se pode trabalhar bem toda a vida e nunca ter sorte. Um médico que conheço diz o mesmo:  a gente tratar-se ou monitorizar-se é importante mas mais importante é ter sorte.

E é mesmo. Por isso gosto tanto de desejar boa sorte. A mim própria me desejo boa sorte.

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A fotografia foi feita há dois dias. 

As Boygenius interpretam Cool About It

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Um bom dia feriado

Saúde. Boa sorte. Paz.

quinta-feira, setembro 28, 2023

Vamos jogar tinta para cima de quem...? Vai uma sugestão...?

 

Hoje recebi um mail que, podendo não querer dizer nada, pode querer vir a dizer muito. Com a humildade de quem está a aprender a dar os primeiros passos, dou ouvidos a tudo e levo a sério o que para outros, talvez, não tenha qualquer significado.

E, assim sendo, deitei mãos à obra e trabalhei afincadamente quase todo o dia. A resposta acabou de seguir. 

Não sou fantasiosa pelo que não vou ficar toda excitada a acreditar que vai correr bem. Como sempre, atiro-me às coisas tentando conseguir chegar onde quero mas mentalmente precavida para não conseguir nada. 

Ou seja, não é fácil desanimar pois, de cada vez que não consigo, vou à volta, tento de outra maneira. Difícil para mim é desistir.

Com isto ainda conseguimos fazer uma caminhada à hora de almoço e ir um bocado à praia ao fim da tarde. Estava-se bem. Tarde bonita.

E, porque não tinha jantar, trouxemos um belo sushi. 

Portanto, como síntese, o dia foi produtivo e bom. Não disse mas acho que se depreende que, para os lados da minha mãe, as coisas estiveram mais calmas.

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Com este programa de festas, foi quase de raspão que vi a tinta verde que atiraram ao ministro do Ambiente e a tinta encarnada com que sujaram as paredes da FIL. E não ouvi o que o Marcelo disse mas ouvi o meu marido revoltado, dizendo que o Marcelo quase parecia estar a sancionar a forma de actuar dos jovens.

E o que tenho a dizer é que:

1 - A crise climática é um motivo sério, dramático, e é para nos preocuparmos, mesmo. Que não haja dúvida: é assunto que deve ser levado muito a sério. E não é um tema português: é, sim, um tema mundial. E tem diversas vertentes pelo que tem que ser visto numa perspectiva integrada. Não é simples, pois acabar com uma actividade poluente (a aviação, por exemplo) alteraria o modo de vida das populações de todo o mundo, acarretaria despedimentos, implicaria vultuosos investimento em actividades alternativas, levaria anos a ser posta em prática. Não se pode acabar, de caras, com nada. Pensar isso é ter uma visão simplista e errada sobre o funcionamento da vida real. Mudar o modelo económico do mundo actual requer visão, estratégia, planeamento, recursos, capacidade de execução apesar dos escolhos, muito esforço, infinitos sacrifícios.

2 - Contudo, apesar de tudo, há que operar a transformação. Levará tempo, implicará compromissos, imporá acordos transversais. Penso que, mais ou menos, todos os países civilizados estão empenhados nisso. Claro que quem gere os países são os políticos (eleitos) e sabemos como tantas vezes se elegem políticos que estão na política a servir interesses que não os dos que, ingenuamente, os elegeram.

3 - Para lidar com a urgência das medidas e com a resistências que políticos impreparados ou a soldo, há que ter inteligência.

4 - O processo que os jovens portugueses moveram no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contra 32 países, entre os quais, Portugal, parece-me uma iniciativa inteligente. 

5 - As iniciativas inteligentes são as que constroem soluções ou apontam caminhos

6 - Neste domínio, as iniciativas ineficazes, pouco inteligentes, censuráveis e, até, criminosas são as que resultam da ameaça, do insulto, da destruição, do arremesso seja do que for contra pessoas ou património

7 - Nos casos em que há crime (e não sei se arremessar tinta ao Ministro ou às paredes de um edifício é apenas uma estúpida e inútil falta de respeito ou se é crime), devem os acusados ser julgados.

8 - As lutas justas devem ser travadas com lisura, respeito pelo outros e pela lei, civismo e, claro, inteligência. 

9 - Se Marcelo não percebe isto, estamos mal. Ou seja, a ser verdade que o nosso Presidente não se demarcou e não censurou muito claramente a forma infantilóide, desrespeitadora e absurda com que os jovens actuaram, vamos de mal a pior.

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Yo-Yo Ma, Kathryn Stott - The Swan (Saint-Saëns)


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Desejo-vos uma boa quinta-feira
Saúde. Bom senso e razão. Paz.

sábado, setembro 16, 2023

Diário de um dia de (muito) trabalho

 

Hoje transcendi-me. Devo ter estado mais de catorze horas de seguida agarrada à minha mais recente empreitada. De seguida, é como quem diz. Interrompi para almoçar e jantar e para fazer uma caminhadazita. Mas foi duro. Agora são três da manhã.

Mas acabei. Trabalhinho completo, organizado, revisto. Agora está pronto para ser visto pelo marido. Mas já começou a furtar-se, que tem muito que fazer, rebentos ladrões por cortar, ervas para apanhar. Além do mais não tem cá o computador e parece que só gosta de ler as coisas no computador dele.

Portanto, não sei.

Foi difícil ultrapassar o bojador que inventei para mim própria. Até hoje, foi das coisas mais difíceis de fazer. Como disse no outro dia, penso que foi pior por estar a escrever na primeira pessoa. Coloquei-me em maus lençóis e fiquei sem saber como sair dali. E isto pode parecer estúpido pois, se não estava a conseguir, dava a volta e ia por outro lado. Mas isto há mistérios: o caminho vai por ali e ninguém o tira.

Mas pronto, calo-me.

Posso acrescentar que o meu marido esteve a queimar, dentro de um bidão, ramos secos e outras coisas assim. O cheirinho agradou-me. Estava aqui a dar no duro e aquele fumo trazia-me um cheirinho a campo.

Apanhei uvas. Estão doces. Dos figos já nem se fala: quase nenhuns, e os sobreviventes estão minúsculos, desengraçados.

Posso ainda referir que vi um ninho numa pequena árvore. Uma alegria.

E, para terminar, a minha apreensão: não sei se os esquilos se foram embora. Tanta máquina, tanta devastação, tanto barulho. Temo que se tenham assustado e debandado. Só vi umas duas pinhas roídas e não sei se são antigas. Deu-me pena. Gostava de ter visto o chão pejado delas.

E agora vou dormir. Tomara que chova, de preferência durante a noite.

A ver se este sábado descanso das palavras, caraças. Se não chover, vou varrer. 

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Um bom sábado

Saúde. Alegria. Paz.

quinta-feira, setembro 14, 2023

Não é fácil fazer de conta que eu não sou eu

[Já para não falar que quanto mais me escondo mais me avisto]

 


Vou contar uma coisa. 

Não deve ter interesse para ninguém mas, como tenho passado os últimos dias com este assunto em mente, parece que, agora à noite, tenho que desabafar um pouco.

Meti na cabeça escrever uma coisa num prazo muito curto. Resolvi escrever sobre uma situação muito concreta em que, de certa forma, tenho sido espectadora.

Como é uma situação real, sei o que se passou até aqui mas não sei o que vai acontecer doravante. 

Claro que poderia prosseguir a narrativa inventando.

Mas, às tantas, pareceu-me que, mesmo inventando, o assunto esgotar-se-ia sem grande graça.

Só que, nestas coisas da ficção, mesmo quando se está a relatar uma situação real, a imaginação intromete-se. E se há coisa que de há muito sei é que a imaginação tem vontade própria. A gente não sabe quais os caminhos que vai percorrer e para onde vai levar a narrativa.

Foi o que aconteceu. 

Sem que eu tivesse premeditado, do nada apareceu um personagem. E esse personagem trouxe outro. E, sem que eu pudesse interferir, às tantas tomaram conta da história.

Agora, aqui chegada, aconteceu uma outra coisa. Estando eu, de início, a relatar acontecimentos reais, fi-lo na primeira pessoa. Ou seja, eu na história sou eu na realidade. O meu marido na história é o meu marido de verdade.

Ora os novos personagens viraram a história de pernas para o ar e, se fossem de verdade, viravam a minha vida também de pernas para o ar.

E, nesta altura da escrita, vejo-me bloqueada. 

Eu faria isto? 

Eu aceitaria que o meu marido fizesse aquilo? 

E por mais que me auto-convencesse que é uma ficção, a verdade é que os dias passavam, as páginas avançavam e eu era incapaz de escrever aquilo que a narrativa exigia. 

Portanto, andei a pisar ovos, a esforçar-me por ser capaz de me convencer que o eu da história já não era eu de verdade.

Até que hoje, não sei como nem porquê, consegui desbloquear este imbróglio.

Já escrevi a cena em que consigo emancipar-me de mim. Foi uma sensação boa, uma libertação.

Agora estou desejando de dar continuidade à história embora tenha para mim que o fim deve ficar em aberto.

Agora uma coisa vos garanto. Raramente, muito raramente, me dói a cabeça. E hoje dói. Dá ideia que, com esta brincadeira, dei uma tareia aos neurónios.

Já bebi um chá, já me pus aqui de olhos fechados, mas continua a doer-me. E, sobretudo, estou mortinha por acabar de vos contar isto para me atirar de novo à luta.

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E, por hoje, nada mais que isto. A não ser a homenagem que à data de 13 de Setembro deste ano da graça de 2023 se fez por ocasião dos 100 anos que nasceu Natália Correia.

De Amor Nada Mais Resta Que Um Outubro | Poema de Natália Correia 

com narração de Mundo Dos Poemas

Poesia e poema de autor português. Natália de Oliveira Correia (1923 — 1993) nasceu na Fajã de Baixo, São Miguel, Açores, a 13 de setembro de 1923. Poetisa, ficcionista, contista, dramaturga, ensaísta, editora, jornalista, cooperativista, deputada à Assembleia da República (primeiro pelo PSD, depois como independente pelo PRD), foi uma das vozes mais proeminentes da literatura e da cultura portuguesas na segunda metade do século xx, tendo resistido energicamente ao Estado Novo e aos radicalismos do pós-25 de Abril. Ecuménica e eclética, filantropa e idealista, anteviu um novo tempo, que garantisse a paz, a dignidade humana, a justiça social e o direito à diferença como raízes indeléveis da democracia. Morreu em Lisboa, a 16 de março de 1993.


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As fotografias são da autoria de Nick Knight
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Desejo-vos uma boa quinta-feira
Saúde. Motivação. Paz.

segunda-feira, setembro 11, 2023

Pena tiranna

 

Coloco-me objectivos impossíveis. Tinha-me atribuído uma pausa, tinha pensado que ia aproveitar o hiato para organizar coisas. Mas odeio compilações, arquivos, listas. Sou mais dada a criar do que a arrumar.

Portanto, andava a autoconvencer-me que estava a fazer uma coisa muito útil mas a minha natureza estava danadinha para me tirar o tapete. Temo isto. Sei que ela fica de tocaia, à espera que alguém lhe dê o pretexto. Posso até ser eu, incauta.

E foi o que aconteceu. 

Lembrei-me de ir ver: deixa cá ver se há por aí alguma coisa... 

Já antes tinha visto e, toda eu racionalidade, tinha desvalorizado. Coisa para pardais. Not for me.

Mas está bem, está. O milho ficou a germinar dentro de mim. 

Até que no outro dia, às minhas escondidas, fui conferir. Fui só por ir (faço de conta que me estou a deixar enganar). E, ao lá chegar e ver, voltei a pensar: não faz sentido e, além disso, já não há tempo.

Mas, quando a coisa assume contornos de missão impossível, o meu lado amalucado entra em acção. Felizmente nunca me deu para ser moça-forcada. Pego-os de frente, pelos cornos mas só de forem metaforizados. Sou maluca mas não sou parva...

E então atirei-me ao bicho. Mas uma coisa é querer, outra, bem diferente, é ser capaz de. 

Andei uns dias a capinar sentada. Dei no duro mas não acontecia nada. Mas é aquela coisa: não desistir, estar a postos para quando a coisa se der. 

E deu. 

Só que, se já era apertado, agora ainda mais. Ou seja, neste momento não sei se vou conseguir. Não sou uma máquina em que se possa carregar um botão e as palavras desatem a aparecer. Precisava de mais tempo para que a maturação pudesse acontecer nos seus tempos naturais. Mas, por algum motivo que alguém -- que não eu -- talvez consiga esclarecer, parece que gosto de funcionar sob pressão, estando até às vésperas sem saber se vou ser capaz. Mas confiante de que, querendo muito ser capaz, haverei de sê-lo.

Se calhar não percebem de que é que estou a falar. Mas não posso dizer. Ou melhor, não quero. Não sou supersticiosa mas não gosto de falar nas coisas antes de as coisas serem.

Portanto, deixemo-nos de flaflus e deslizemos para lugares brancos em que o talento é inquestionável.

Jakub Józef Orliński – Händel: "Pena tiranna" (Amadigi di Gaula)

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Boas vibes. Paz.

sexta-feira, setembro 08, 2023

Serei um dia pescadora?
[E conversas com António Lobo Antunes e Arturo Pérez-Reverte]


À beira mar havia uma névoa leve, branca, quase transparente. Caminhávamos dentro de um tule húmido quase sem darmos por isso. 

Não estava frio nem havia vento. 

Muita gente a passear e muitas línguas diferentes, muita gente a fazer surf, muita gente a fazer skate, a correr, alguns de bicicleta. O mar muito bonito, quase tranquilo de lindo que estava. 

Há sempre homens à pesca. Duvido que consigam pescar alguma coisa mas eles não desistem.

Às vezes penso que um dia gostaria de voltar a pegar numa cana, de voltar a sentir o peixe a picar, de voltar a puxar a linha, de voltar a tirar o anzol da boca do peixe. Se eu soubesse que conseguia descobrir um sítio onde fosse certo que conseguiria ser bem sucedida, arriscaria. Pensando bem, deve ser bom estar à beira da água, quieta, ouvindo apenas as ondas, à espera que um peixe ceda à tentação. E depois amanhar esse peixe com as minhas mãos, e depois cozinhá-lo e comê-lo. Deve ser bom.

Mas depois há aquilo de a maior parte do tempo não vir peixe nenhum... e isso deve ser frustrante.

E já estou a fazer aquela ginástica aquática feita com os pés no ar, coisa que tem dado uma luta... O professor diz que é mesmo assim, às primeiras custa a manter o equilíbrio enquanto se está naquele folguedo de pernas para a frente, pernas para um lado, braços para o outro. Diz que trabalha os abdominais e tomara que sim. 

E tenho conversado muito com amigos improváveis. E a minha empreitada agora anda meio interrompida pois deitei mãos a outra coisa. Não muito convictamente, diga-se. Uma coisa é ficcionar à mão livre. Outra é escrever sobre o que está a passar-se sobretudo porque não sei qual o day after.

E depois há isto. Alguma marosca há pois abro o youtube e aparecem-me escritores falando do seu ofício. Adivinha-me os pensamentos. António Lobo Antunes a ser o António Lobo Antunes e Arturo Pérez-Reverte com uma outra atitude. São estilos, não interessa. Cada um é como cada qual. 

Entrevista exclusiva a António Lobo Antunes

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Entrevista a Arturo Pérez-Reverte

Arturo Pérez-Reverte considera-se um marinheiro-leitor que acidentalmente escreve romances. Até agora, foram 34. Traduzidos em cerca de 40 idiomas, chegaram a mais de 20 milhões de leitores em todo o mundo e vários deles foram adaptados ao cinema e à televisão. 
Pérez-Reverte possui um olhar de uma lucidez extraordinária sobre o ser humano, que deve aos 21 anos em que foi repórter de guerra – aí, nas trincheiras, todos são iguais e nem sempre é claro qual é o lado bom ou o lado mau. Escreveu Linha da Frente, o romance sobre a Guerra Civil Espanhola que acaba de lançar em Portugal, como consequência da situação política em Espanha, esperando contribuir para a reconciliação nacional. E está a consegui-lo.
Quando vem a Portugal, vem à sua pátria. Defende que uma Ibéria unida seria uma grande potência frente e esta Europa que olha para o sul com desprezo. Crítico da desvalorização da História, avisa que estão a criar-se gerações de órfãos de memória, facilmente manipuláveis, excedentes em sentimentos e carentes de razão. 
Está convicto de que, no dia em que deixar de escrever romances, será esquecido, e não vê mal nenhum nisso.  Sente-se realizado, porque é lido em vida, e grato aos seus leitores, porque lhes deve a sua liberdade.


Desejo-vos uma feliz sexta-feira
Saúde. Serenidade. Paz.

quarta-feira, setembro 06, 2023

Ginástica em suspensão aquática, seguros de saúde marados, horóscopo de Setembro. E, imaginse-se, ainda um excerto da última entrevista de Clarice Lispector

 

E, portanto, estando-se já neste período que se apresenta equipado de rentrée, todo neblinas em grey, todo temperaturas mais baixas, achei que era tempo de voltar às aulas. Ou seja, retomei as aulas de hidroginástica. Não é bem hidroginástica, é mais puxado que isso e tem, até, outro nome mas agora não me lembro de qual é. Mas vi que têm lá uma coisa ainda mais hard, uma coisa toda feita em suspensão, que não só trabalha o que a outra trabalha mas puxa mais pelos abdominais, coisa de que estou precisada. Vou tentar. É preciso fazer testes para verem se os pretensos praticantes têm preparação física para isso mas fá-los-ei e tenho esperança de que cumprirei com os mínimos.

Tirando isso, trabalhei qb e, ao fim do dia, fomos passear à beira mar, no meio de um fog muito british. Para complementar o ramalhete, trouxemos sushi e escolhi daquele que tem algas e limos e ovas em cima do belo peixe cru e macio. Antes comi alface e, depois, uvas.

Poderei ainda dizer que, estando fora das regalias da empresa em que trabalhava, tive que tratar de um seguro de saúde. E este 'tive' deveria vir enfeitado de muitas aspas pois, claro, não é forçoso. Mas temos sempre aquele receio de necessitarmos de alguns cuidados relativamente aos quais as filas de espera no SNS sejam gravosas. Fiz o seguro. Mas, logo depois, a seguradora, unilateral e prepotentemente, alterou, uma a uma, todas as condições acordadas. Um comportamento inaceitável. Tive que me arreliar. Espero que as coisas se resolvam a bem para não ter que avançar com queixas para o Regulador, para o Portal da Queixa e para a Deco.

Para terminar, posso ainda acrescentar que, vá lá saber porquê, sinto uma impaciência miudinha, aquela vontade de mudança, de coisas novas, de virar a mesa, de desbravar. Se estivesse a trabalhar, a malta que trabalhava comigo devia estar a suar as estopinhas com as minhas ideias avançadas, os meus desafios, o meu gosto em saltar sem rede. Assim, a la maison, tenho que ver em que é que isso de pode traduzir.

Lembrei-me até de ir ver uma coisa de que já nem me lembrava: o horóscopo -- imagine-se.

Fui ver o que me reserva o mês de Setembro.

Aqui está (traduzido -- às 3 pancadas -- via google):

Forma

As suas articulações estão muito estressadas, assim como as suas costas. Tenha cuidado para não superestimar a sua força carregando cargas muito pesadas. Preste atenção também na sua postura, proteja-se. Não hesite em pedir ajuda às pessoas ao seu redor para cuidar de si mesmo. Qualquer ajuda será bem vinda. Mantenha-se positivo, essas dores são apenas temporárias e seu corpo está enviando sinais para você descansar. Ouça-os e tudo deverá voltar gradualmente ao normal. Vá com calma, mesmo que isso realmente te irrite.

Trabalhar

Este mês está colocado sob o signo da evolução e da avaliação. Antes de pensar num futuro diferente, você terá que demonstrar as suas habilidades. Aproxima-se um período exigente, em que você tem grandes esperanças, com vista a poder negociar. Transferência, reciclagem, oportunidades estarão presentes e você as observa com atenção. Concentre-se nas questões: mostre o seu know-how e as suas qualidades antes de perguntar qualquer coisa.

Ora bem.

E não vale a pena estarem para aí a ranger os dentes ou a arfar de desdém. Não sou só eu, está bem?

Ora confiram aqui este pedacinho da última entrevista da Clarice Lispector. Quando lhe perguntaram de onde tinha vindo a ideia para a história que, na altura, estava a escrever:

Onde você foi buscar a inspiração, dentro de si mesma?

Eu morei no Recife, me criei no Nordeste. E depois, no Rio de Janeiro tem uma feira de nordestinos no Campo de São Cristóvão e uma vez eu fui lá. E peguei o ar meio perdido do nordestino no Rio de Janeiro. Daí começou a nascer a ideia. Depois eu fui a uma cartomante e ela disse várias coisas boas que iam acontecer e imaginei, quando tomei o táxi de volta, que seria muito engraçado se um táxi me atropelasse e eu morresse depois de ter ouvido todas aquelas coisas boas. Então a partir daí foi nascendo também a trama da história.

Não sou tão fatalista quanto a Clarice Lispector, nem tão inspirada, nem tão coisa assim -- nada. Mas ainda assim. Portanto, não vou a cartomantes mas, de vez em quando (e a última vez já deve ter sido há mais de um ou dois ou três anos), espreito o horóscopo. Este, desta fonte. Tem palpite quente. 

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Nota: Não tenho respondido aos comentários pois continuo com o hábito de apenas pegar no blog às quinhentas da noite, depois de puxadas empreitadas, e canalizo toda a energia para o que escrevo aqui. Leio e aprecio-os (e sobre o orgasmo, os comentários são talentosos -- e recomendo-os) -- mas já vai para tarde, estou a caminho de cair KO e ainda quero ir fazer uma coisa. Não levem a mal. 

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Desejo-vos um dia bom

Saúde. Boa sorte. Paz. 

sexta-feira, setembro 01, 2023

A beleza da Arte Xávega. E as Lolitas e outras dúvidas.

 

Hoje foi um dia bom e até à praia consegui ir. Água fria, os meninos apenas mergulhos rápidos, os adultos nem aí. Presenciámos a bela arte xávega, espectáculo belíssimo. Junto duas das fotografias que fiz.


Tudo bom. Bom tempo, melhor companhia. Mas, claro, foi dia apenas de lazer. Trabalho: zero.

Entretanto, à noite estive a ver, na 2, um interessante programa sobre o Lolita de Nabokov. Já antes o tinha visto. Levanta um tema que a mim me perturba um pouco. O facto de um autor tecer a personalidade de um personagem e o pôr a agir em conformidade pode ser interpretado como sendo uma extensão das ideias do autor?

Se eu escrever sobre uma assassina ou sobre pessoas racistas ou, de forma geral, sobre pessoas pouco recomendáveis pode o público ou a crítica entender que o autor pretendeu fazer a apologia de comportamentos inapropriados ou desviantes ou que essa é também a sua maneira de pensar ou agir?

Claro que a pedofilia é daqueles crimes que incomoda muito, que deita sal nas feridas mesmo que inexistentes. Mas, sabendo disso, não deve um autor mergulhar na mente e nas vísceras de um pedófilo e imaginar o que pensa e faz perante uma vítima? 

É um tema que me suscita muita curiosidade e muita dúvida pois com alguma frequência sinto-me tentada a aventurar-me por territórios interditos.

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E, por hoje, fico-me por aqui. Quero acabar a minha empreitada para ficar com a mente livre para novos voos. Tenho trabalho ainda para umas duas ou três semanas, imagino. Isto se trabalhar no duro, o que nem sempre consigo. Não é grave pois, como disse há dias, é um tempo de que a minha cabeça precisa para se orientar e iluminar. Como disse uma Leitora, o tempo da dúvida é o tempo da espera. De vez em quando, a meio da noite, acordo e ocorrem-me caminhos para o que tenho aqui em germinação. Em caso de hesitação, há quem escreva pistas, quem alinhave opções. Eu não. Fica tudo aqui a fervilhar dentro de mim. E eu, do exterior, a aguardar. 

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Desejo-vos um bom dia

Saúde. Boas ondas. Paz.

quinta-feira, agosto 31, 2023

De penalti ou devagarinho?
[E, sobre os potenciais candidatos a Presidente da República, nada]

 

Sabe-me muito bem estar de férias sabendo que não vão acabar. Os meus colegas acreditavam que ia custar-me muito deixar de trabalhar. Diziam que não conseguiam ver-me 'aposentada', que isso era coisa que não encaixava na minha maneira de ser.

Pelo contrário, sempre me vi muito bem sem ter que aturar aquela pressão diária, sem ter reuniões, deslocações, visitas, apresentações, problemas para resolver, sem ter que andar a toque de caixa, com a agenda saturada, com telefonemas em contínuo, com mails a chover em permanência.

É muito bom ter pela frente uma página em branco e poder preenchê-la com o que me apetecer. Trabalhei ininterruptamente desde os vinte acabados de fazer até há poucos meses. Interrompi apenas quando tive os meus filhos, tendo trabalhado até às vésperas dos partos, e quando fiz a artroscopia aos joelhos e não podia andar. De resto, nunca estive de baixa. Férias, desde há muito que não conseguia gozá-las todas. Trabalhei de gosto, com empenho, com energia, com tudo o que tinha. Dei-me por inteiro e de livre vontade. Mas fi-lo sabendo que, quando chegasse a hora, fecharia a porta e fechada ficaria.

Animava-me a vontade de começar uma vida nova. O meu dia a dia continua a ser de trabalho e faço-o com a mesma vontade e energia, motivação e crença, com que, quando trabalhava, me entregava a novos projectos. 

Estive a ouvir, com muito interesse, a entrevista na RTP 3 a João Luís Barreto Guimarães. Quando ouço pessoas assim, que sabem usar a palavra para construir poesia ou prosa, fico sempre um pouco espantada. Passado bastante tempo sabem o que escreveram, sabem porque usaram uma ou outra palavra, dizem que releram, refizeram, recompuseram. São aplicados, estudiosos da sua obra, têm explicação para o que fizeram. Quase todos são assim. E são bem sucedidos.

Se calhar, por ser o oposto, nunca serei bem sucedida.

Ao ler a biografia de Nelson Rodrigues, fantástico livro de Ruy Castro, leio que ele escreveu uma das suas peças mais conhecidas, elogiadas e bem sucedidas em poucos dias. Sentava-se a escrever e era de rajada. Sem revisão. De penalti.

E partia para outra.

Senti-me um pouco animada pois eu a escrever sou assim. Escrevo de seguida, muito rapidamente. Por acaso, depois, no fim, revejo e revejo umas três ou quatro ou cinco vezes, mas é na lógica das gralhas ou do acerto da pontuação. E, uma vez escrito, está feito, não leio mais. É assunto arrumado.

Não sou de escrever poesia. Não é o meu registo. No entanto, há para aí uns dois meses, deu-me para isso. Escrevi. De seguida. Não sei a que ritmo. Não sei se foi um ou dois poemas por dia ou mais. Uma coisa muito estranha. Não sei explicar.

Agora, ou ouvir o João Luís Barreto Guimarães falar da sua poesia e de como lima, apara, cose, tritura, borda, penteia, escova, corta e etc., os seus poemas, resolvi abrir o ficheiro com esses meus poemas. É que fiquei curiosa. Iria encontrar erros, falhas, aberrações? Li três poemas e não consegui ler mais. É como se me atingissem em cheio. Senti-me comovida, quase como se me atirassem contra uma parede, quase sem espaço para respirar. Não sei porquê. Para já é como se não tivesse sido eu a escrever. Já não me lembrava mas, lendo, relembrei-me. As palavras são minhas, sim, recordo tê-las escrito. Mas é como se não tivesse sido exactamente eu a escrever. Se alguém que saiba ler poesia os lesse talvez eu ficasse com vontade de chorar. 

É muito estranho, bem sei.

Claro que, face a esta minha reacção, não me ocorreu reparar se estavam harmoniosos, limpos, devidamente aperaltados para verem a luz do dia. Fechei o ficheiro e não li mais. 

Escrevo estas coisas com absoluta franqueza e temo que me achem um pouco louca. Se calhar sou. Se calhar não um pouco... mas completamente. Mas sou eu e eu sou assim. 

E, por hoje, é isto. Não vou comentar sobre os putativos candidatos a PR que por aí andam a bandear-se contra um cenário pintado de cor de laranja. Não me assiste. Deu-lhes a coisa antes de tempo. Além disso, nenhum faz o meu género. Portanto, passo.

Espero é que se pense no que importa e não em tretas que só servem para encher as agendas mediáticas.

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Desejo-vos um dia feliz

Saúde. Boa sorte. Paz.

quarta-feira, agosto 30, 2023

Um heaven quase civilizado, uma caldeirada de cabeça de safio e, como quem não quer a coisa, conversa/conselhos de escritores

 

Nunca antes tínhamos procedido a tamanha devastação. Décadas a lutar contra isto. Dei o peito às balas por cada pé de alecrim, de rosmaninho, de orégãos. E agora cedi.

Os caminhos quase tinham desaparecido sob a espessa camada de caruma e folhagem seca que já tinha fixado terra. Os arbustos, com esta seca, estavam ressequidos, quase sem vida. E, embora o meu marido já tivesse subido muitas copas, com as árvores a desenvolverem-se, já se tornavam baixas e compactas demais.

Acresce que este homem que ele desencantou e que vem com mais dois é gente que vive de limpar terrenos. Têm máquinas e experiência. E zero contemplações perante as minhas fantasias. Avançam a direito, deixando atrás de si uma camada de resíduos triturados, que mal se notam.

E depois, como já referi, ao ver, não desgostei de todo. 

Este lugar é agora outra coisa. Nunca tinha visto a terra assim. Antes era só mato rasteiro e pedras. Depois árvores pequenas. Depois árvores maiorzinhas e os arbustos autóctones a desenvolverem-se. Agora, depois desta operação (ainda em curso), é diferente: árvores grandes e quase zero arbustos. Vão rebentar com força na Primavera, asseguram-me. Espero bem que sim.

Hoje um pinheiro que estava seco já foi abaixo. Amanhã deve ir um gigante e dois cedros mortos. Uma tristeza. Mas tão ou mais triste é ver as árvores mortas e de pé.

E vários pinheiros já têm a copa lá em cima. E vários caminhos reapareceram.

A entrada da gruta foi limpa. Parece maior.

Já não ando, aflita, atrás deles. Coração ao largo.

Enquanto este trabalho decorria no exterior, trabalhei de sol a sol, na minha labuta. Hoje o meu marido sugeriu-me uma outra colectânea. Nunca nisso tinha pensado e é capaz de ser boa ideia.

Hoje para o almoço fiz uma caldeirada que ficou muito saborosa. Não deveria chamar-se caldeirada pois só tinha um peixe mas, como fiz da mesma maneira, chamo-a assim à mesma. Andava a apetecer-me caldeirada mas, no outro dia, só conseguimos ir ao supermercado por volta das oito da noite. Por isso, já apanhámos pouca coisa a nível de peixe. Tinham peixe para caldeirada mas não gostei, pareceu-me uma indigência, umas postazinhas com aspecto vintage, mal encaradas. Mas tinham lá cabeça de safio. Trouxe duas e pedi para as abrirem ao meio. O sabor do safio é muito bom e a cabeça tem as espinhas próprias das cabeças de peixe mas não misturadas como é o caso das postas do rabo. Ou seja, para quem goste de dissecar cabeças de peixe (como é o meu caso), é muito bom.

Fiz assim:

Num tacho largo coloquei cebolas grandes em rodelas grossas. Depois tomate maduro aos bocados, uma boa camada dele. Depois bocados de pimento e um bom ramo de salsa aos bocados. Por cima, batatas às rodelas grossas. Por cima as quatro metades das cabeças de safio. Por cima um pouco de sal. Depois mais uma camada de tomate aos bocados, outra cebola gigante às rodelas, o resto da salsa, um pouco mais de pimento. Depois uns dentes de alho, umas folhas de louro e um pouco de alecrim. Reguei com azeite. 

Foi ao lume, no máximo, com o tacho tapado. Quando ferveu, coloquei no mínimo e deixei cozinhar, sempre tapado, até que as batatas ficaram macias.

Ficou bem saboroso. E deu para o almoço e para o jantar. 

O meu marido torrou umas fatias de pão e pusemo-las no fundo do prato.

Sobrou caldo e com ele poderia ter feito uma massinha. Não fiz porque me deu preguiça.

Entretanto, ao espreitar o youtube, alguns vídeos que vi de gosto. Interessantes. Não sei se para vocês também terá interesse mas, se encarar que isto aqui é também, de algum modo, uma espécie de diário, vou aqui colocá-los.

Salman Rushdie: The One Thing You Can't Teach about Writing

"Every exceptional writer has some very personal relationship with the English language." Salman Rushdie talks to Charlie Rose about what can -- and can't -- be taught about writing.


Salman Rushdie on Writing as a Process of Discovery

University Distinguished Professor Salman Rushdie participated in a class discussion of "The Moor's Last Sigh" led by Associate Professor of English Deepika Bahri with undergraduate students at Emory University on March 7, 2012. Here he discusses writing as partly a process of learning about the characters and allowing the book to shift and take on a life of its own.

Advice for aspiring writers | Ian McEwan

Ian McEwan gives three pieces of advice for developing writers


Desejo-vos um dia feliz
Saúde. Alegria. Paz.

sexta-feira, agosto 25, 2023

Dilemas de uma candidata a escritora

 

Creio que como todas as crianças, cheguei à entrada da adolescência com um grupo de amigas, colegas de turma e de partilha de confidências, companhia para passeios, idas a festas de anos, à praia e ao cinema.

Éramos umas cinco, sempre juntas. Dessas cinco, identificava-me mais com duas. 

Uma era divertidíssima, atrevida, brincalhona. Tínhamos ataques de riso que eram uma fonte de prazer. Não extraordinariamente bonita mas nunca reparei nisso pois ela era, sobretudo, a confidente, a companheira de todos os momentos, aquela com quem podia sempre falar de tudo, a voz da razão, a voz da paródia. Um mix perfeito.

A outra era muito bonita. Eu achava que ela era a mais bonita de todas. Era um pouco tímida. Enquanto eu e a outra chorávamos a rir, ela não. Ria mas não era exuberante nas suas manifestações. Eu tinha sempre meninos apaixonados por mim e brincava com isso e tenho ideia que ela também os tinha mas eram, mutuamente, menos intensos, muito menos exuberantes. Embora os levasse mais a sério que eu, que me lembre, nenhum foi tão maluco por ela como os que eram malucos por mim o eram (nem ela era tão maluca e intensa quanto eu o era).

Enquanto eu tinha quase que namoros a sério, ela não, eram mais coisas a atirar para o platónico e remoto. Uma vez perguntei àquele com quem eu, miúda, namoriscava apaixonadamente qual, na opinião dele, a razão para os rapazes não se apaixonarem muito por ela, sendo ela tão bonita.

Ele disse que era porque ela era assim... e imitou-a a andar. Não percebi. Ele disse que ela andava de cabeça baixa e sem mexer os braços. Que parecia que lhe faltava vida, disse. Achei uma parvoíce. Que razões mais absurdas. Ela uma querida, tão linda, e diz ele aquilo. Nem nunca eu tinha reparado em tal coisa.

Até que um dia, no último ano de liceu, ela se modificou radicalmente. Parecia querer entregar-se aos rapazes. As más línguas diriam que se tornou oferecida. Muito oferecida. Mas eu achava que era qualquer coisa de estranho que estava a passar-se, qualquer coisa que eu não conseguia perceber. Parecia ávida de emoções, parecia que queria sentir-se amada, parecia que havia nela uma urgência e uma imprevidência que me assustavam, uma carência descompensada. E, naquele estado, começou a andar com uns muito impróprios para consumo, em especial um deles.

Todos a avisávamos mas ela estava cega e surda, não ouvia ninguém. Parecia que, de repente, tinha perdido a timidez e a insegurança e um atrevimento e uma malícia que ninguém lhe conhecia tinham tomado conta dela.

Viveu com esse e, claro, não correu bem.

Depois entrou, creio, numa espiral. 

Uma tremenda sede de amor, uma atracção por situações que, a olho nu, se viam que só podiam correr mal. Isto dito por ela.

Ao fim de todos estes anos continua carente. Ingénua, amorosa, bonita, uma simpatia. E solitária e carente.

Tenho muita vontade de escrever sobre ela pois gostava de perceber o que se passou no seu íntimo para se ter modificado tanto e para, com tanto que tem tentado e tanto que o deseja, continuar à espera de um amor. Creio que idealiza de mais, que espera de mais, creio que mostra de mais o quão vulnerável é. Mas não sei.

Falei-lhe nisto, de escrever sobre ela. Entusiasmou-se. Como sempre, dá-se toda. Contar-me-á tudo. Eu é que hesito. E se falho? E se sou crua de mais? E se ela, depois, não gostar de ser ver retratada? 

No fundo, no fundo, a verdade é que gostava mesmo de poder ajudá-la, gostava que a minha amiga fosse feliz, se sentisse realizada. 

E temo que, pôr-me a escrever sobre ela -- ainda por cima um livro que pode nem chegar a ver a luz do dia -- não ajude, pelo contrário, possa desajudar.

Hesito, pois. Ganho tempo. Talvez queira ganhar distanciamento. Talvez precise de me mover para um plano de abstração em que não seja sobre ela que falo mas, sim, sobre alguém inventado a partir da amizade que sinto por ela.

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Desejo-vos um bom dia

Saúde. Afecto. Paz.

quarta-feira, agosto 23, 2023

Trabalhos esforçados, terra tristemente seca.
E, para lavar a vista, uma casa numa terra junto ao rio.

 

Desde que me lembro, mal dou por mim e, nem sei bem como, estou cheia de trabalho. Caia-me em cima, atraía, pediam-me, via-me compelida a, não tinha como dizer que não. Agora a conversa é outra. Agora é trabalho engendrado por mim. Meti na cabeça fazer uma coisa e não dou mãos a medir. Tem sido o dia todo, dia após dia, noite adentro. Intervalo para o essencial e para os compromissos e obrigações familiares e domésticas mas, mal consigo, aí estou eu atirada à minha empreitada.

Não sei no que vai dar, e seria, para mim, muito decepcionante se não desse em nada. Conhecendo-me como me conheço, vou lutar. Vou lutar tentando encontrar uma porta aberta nem que para isso tenha que percorrer mil estradas, subir mil degraus, voltar atrás mil vezes para encontrar outros caminhos, bater mil vezes a mil portas. . Vou lutar e, se o faço, é porque tenho esperança de conseguir chegar a bom porto. 

Talvez houvesse formas mais fáceis de lá chegar mas quero ir pela via complicada. E não é por ser masoquista, é por ser a via que me agrada, a via que me faz sentido. 

E, nos trabalhos esforçados em que ando, tenho descoberto coisas de que me tinha esquecido, tenho tido muitas surpresas. Tem sido muito interessante. Gostava de um dia poder partilhar convosco tudo o que ando a fazer e tenho esperança que um dia isso venha a acontecer. 

Entretanto, temos estado, in heaven, a limpar o terreno. Sempre muito a contragosto, sempre com pena de cortar um pé de alecrim que seja, sempre a achar que estou a fazer atentados contra a natureza... mas, tanta a secura da terra, tanta a míngua de água e a tristeza de ressecamento em que está tudo que me rendi. Claro que agora tivemos que interromper pois com tanto calor não se podem usar máquinas. Mas a terra está outra, irreconhecível. Todos me dizem para não estar tão desgostosa pois em vindo a primavera tudo há-de rebentar e tudo há-de ficar outra vez verdinho. Tomara. Tenho imenso medo que os orégãos, o rosmaninho, o alecrim, a sálvia, o tomilho e tudo o mais desista de ressuscitar. Mas reconheço que um campo cheio de vegetação tão tristemente ressecada era um perigo. Tínhamos cortado o máximo mas o meu máximo não é o que os entendidos consideram seguro. 

Não chove, não há humidade. As próprias árvores se ressentem. Um cedro gigante morreu. Outro mais pequeno também. Vejo os outros com as pontas secas. Dói-me o coração olhar para eles e não poder fazer nada. 

A falta de chuva e estes calores extremos são um perigo e eu só espero que estejam na forja projectos a sério, ousados, marcantes, para contrariar minimamente o desastre que avança a passos largos sobre nós.

Estive a ver o vídeo abaixo e ver aquela água, aquela vegetação verdejante, encanta-me. Quem tem a sorte de viver em lugares mágicos assim, saberá a sorte que tem?

In Residence: Mattia Bonetti

Paris-based artist and designer Mattia Bonetti's waterfront retreat by Lake Lugano in southern Switzerland.

Bonetti’s furniture, lighting and objects can be found in the collections of the Centre Pompidou in Paris, the Cooper-Hewitt National Design Museum in New York, and the Victoria & Albert Museum in London, among others. Most recently, Bonetti presented a selection of new works in London through his gallery of more than thirty years, David Gill. 


Desejo-vos um dia feliz
Saúde. Bons ares. Tranquilidade. Paz. 

sábado, agosto 12, 2023

Irrelevantes tropeços. Auspiciosos recomeços.
E uma casa para lá de linda

 

O senhor que veio consertar o que tinha desarranjado na véspera felizmente veio cedo e, felizmente, ao fim de hora e picos, aparentemente resolveu a situação. Digo aparentemente pois, quando o tema envolve artolas, viro pessimista.

Mas tive um outro contratempo. Ao querer fazer uma simples operação num banco, em casa, não consegui. Começou por me aparecer a mensagem de que o site estava inoperacional, para tentar mais tarde. Quando tentei, consegui entrar mas não concluí a operação pois apareceu-me a mensagem de que era preciso actualizar alguns dados. Não percebi quais. Liguei. Fui aconselhada a dirigir-me a uma agência. Fui (convencida de que o site estava ensarilhado). Depois de algum tempo à espera, o funcionário disse que o problema, no último caso, não era treta informática mas, sim, que era mesmo preciso actualizar os dados profissionais e a morada e que tínhamos que ter comprovantes. E não tínhamos. E já não deu tempo a ir a casa e voltar antes das 15.

De vez em quando tenho o feeling de que há-de chegar o dia em que me verei aflita para coexistir neste mundo cada vez mais digital mas, cada vez, mais complicado.

E depois há isto: porque é que para movimentar o meu dinheiro (meu, m-e-u) me vejo obrigada a dar informação ao banco da minha situação profissional ou dar cópia de documentos que atestam tudo o que afirmo?

Estas coisas maçam-me. Maçam-me mesmo. Fazem-me perder tempo e desgastar a paciência.

E hoje não me dediquei a uma das tarefas a que me tenho dedicado nos últimos dias: organização de coisas que tenho escrito, coisas dispersas a que quero dar alguma unidade. Não tive tempo e, diga-se, muita paciência. 

De tarde, enquanto os meninos viam televisão ou se entretinham no jardim, andámos, eu e o meu marido, a cortar ramos secos do farto jasmim amarelo (que agora não está florido) e, depois, a apanhar a porcaria que ficou no chão. Coisas assim. 

Ou seja, estou naquela fase de gestação em que sinto que qualquer coisa pode estar para começar a aparecer mas em que retardo o momento pois sei que não é fase para poder dedicar-me como a situação exigirá. 

E em princípio vou reencontrar uma pessoa com que não estou há bastante tempo e estou radiante por isso ir acontecer. E há pouco, ao trocar mensagens com uma outra, falei-lhe em ela vir cá a casa e penso que ela ficou contente, e isso alegra-me bastante.

Tal como sempre esperei, estou a entrar num novo capítulo da minha vida e a perspectiva de novos recomeços sempre me aliciou.

Quanto à actividade por que tanto esperei, estou a dar os primeiros passos no caminho das pedras. Estou informadíssima de que é missão praticamente impossível. Os editores não gostam de arriscar em quem ninguém conhece. Percebo-os muito bem. Mas isso não me desmotiva. Quanto mais difíceis as batalhas, mais eu desejo ganhá-las.

Sei que talvez tenha que equacionar a adopção de um plano B. Mas, por enquanto, ainda estou focada na concretização do plano A.

Tirando isso, vou partilhar convosco o vídeo daquela casa extraordinária de que ontem falei. Espero que gostem. Sintam-se em casa.

Inside Bernardette's Lush Green Paradise

 This massive villa sits next to a serene river, surrounded by the beauty of natural jungle and vibrant greenery. From the local art paintings and pit fire pizza oven to the lap pool, this villa is the perfect haven to escape the hustle and bustle of everyday life.



Um belo sábado
Saúde. Boa disposição. Paz.