sábado, abril 30, 2016

Não são 20 anos, são alguns mais, mas até podiam ser só dois -
Palavras na praia ao fim do dia e divagações nocturnas




Podia pôr-me para aqui a descrever o meu dia mas, se fosse fiel aos factos, achariam que estou a ficcionar. Uma vez descrevi quase ipsis verbis um cena decorrida numa guest house fantástica onde tinha passado o dia. No meio encaixei um príncipe árabe só para introduzir uma pitada de ficção. Pois parece que ninguém estranhou o príncipe árabe mas acharam que o resto era invenção, tenho ideia que até falaram em mania das grandezas, ou nova-rica, uma coisa nessa base, que me punha a inventar situações que jamais em tempo algum poderia viver. 

Desde essa altura, em certas situações, passei a ter cuidado com a minha sinceridade: não vale a pena que pensem que sou uma deslumbrada que se põe para aqui a inventar que frequenta alguns ambientes. Não tenho necessidade de inventar, tal como não tenho necessidade de ouvir remoques ou dúvidas sobre a minha sinceridade. Pode ser que um dia, esperemos que ainda com a memória em bom estado, me dê para contar algumas memórias. Acho que são de tal calibre, que a coisa é muito bem capaz de ter público.

Já pensei até em inventar histórias decorridas em alguns dos lugares que, volta e meia, frequento, e misturá-las com situações reais. E, se me permitem a sinceridade, penso até que poderia escrever histórias eróticas e depois filmá-las nesses lugares que são geralmente inacessíveis ao público e que são lindos para além da conta. Se a história ou os artistas não fossem grande coisa, salvar-se-ia o décor.

Adiante. Já estou a delirar.

Assim sendo, passo por cima do que vivi hoje desde que me levantei, bem cedo, até que cheguei a casa ao entardecer, calcei uns ténis e, com o meu namorado, zarpámos para a praia ainda a tempo de ver o sol a pôr-se e os pescadores da arte xávega a venderem, no areal, o produto da sua pescaria.


Por lá andámos até há pouco, jantámos, passeámos. Há mil anos atrás também andámos pela praia, não nesta mas numa outra igualmente bonita.

Tirei fotografias ao mar, aos pescadores, aos passeantes solitários e ao meu namorado. Ele também me fotografou a mim. Agora, ao ver as fotografias, ainda pensei fazer um corte vertical, meio corpo de alto abaixo, a começar no pescoço, e, desta forma, mostrar-vos um pouco de mim. Mas depois achei que ideia mais estúpida não podia haver e, portanto, rapidamente me esqueci. Mas tive uma outra ideia parva, quando estava por lá. Pedi para o meu marido se pôr ao meu lado, que eu ia fazer uma selfie. Não queria, claro, diz que não é maluco. Mas dada a data especial, resolveu fazer a gentileza. No entanto, fazer uma selfie com uma máquina fotográfica, grandona, às cegas, só podia dar uma xaropada. Apanhei-nos aos dois, vá lá, mas perto demais, a cara meio distorcida, um desastre. A nossa primeira selfie e isto, parece que nos pusemos em frente de um espelho deformador. Estive vai não vai para apagar mas depois achei que não, afinal é um documento histórico.

Reparem nas nuvens densas, compactas, que se tinham depositado sobre Lisboa que, na fotografia mal se vê


Agora que estou em casa -- a milhas mentais do meu dia tão incrivelmente preenchido, vivido naquele ambiente lindo, lindo, lindo, tão lindo que amorteceu os momentos complicados que aconteceram -- mas ainda com as imagens da praia ao anoitecer (tão linda a praia nestes momentos) bem presentes, já passei as fotografias para o computador; mas estou tão verdadeiramente cheia de sono que acho que hoje não consigo mesmo dizer muito mais do que este nada que para aqui estou a escrever.

Não sei se há novidades no país, não ouvi notícias e tenho preguiça de as ir procurar, não consigo ir ler os jornais online, imagino que seja treta sobre treta, nem quero saber da pancada dos jornalistas que parece que andam e enfiar a cara em sacos de plástico para cheirarem cola e que, por isso, alucinados, em vez de quererem saber das medidas concretas que estão a ser equacionadas no plano A, preferem navegar na maionese e andam, de lanterna em punho, a ver se descobrem gambozinos para os irem plantar num qualquer plano B. Não há pachorra para tanta palermice. Por estas e por outras é que, apesar de a política ser coisa que me interessa, não consigo imaginar-me a exercer cargos públicos: é que não teria paciência para aturar tanta parvoíce, ou da parte de deputados que parecem atrasados mentais ou vulgares trauliteiros ou da parte de jornalistas que parece que padecem de qualquer coisinha má que não os deixa pensar normalmente.


Pronto. Para não ir para a cama sem ter passado os olhos pelas novidades, fui à Marie Claire. Ao menos, por ali, nunca dou com nada que me faça afinar. Como estamos a entrar num mês novo, têm o horóscopo. Não sendo eu lá muito boa da cabeça, volta e meia gosto de ler os horóscopos.

Portanto, reza assim para o meu signo, para este mês de Maio:

Sentimentos

Filosofia, espiritualidade: Vénus reserva-lhe contactos ricos e reencontros inesperados. Eles criarão amizades... ou mais, consoante a sua vontade.



Vida social

Vão discutir-se projectos nos quais você vai aplicar força e fantasia. Com sucesso, na condição de evitar o psicodrama. Mantenha-se confiante.


Parece-me credível pelo menos na parte que reconheço. No que se refere a reencontros inesperados, ligou-me no outro dia um grande amigo meu, de quem já falei aqui várias vezes e com quem não estou há algum tempo. Como para a semana que passou já tínhamos ambos a semana muito carregada, combinámos que vai ligar-me esta semana para combinarmos irmos almoçar e pormos a conversa em dia.

No que se refere a projectos, ando no meio deles, enfiada até ao pescoço, e imprimo-lhes criatividade e vontade de ir além do que os que trabalham comigo esperariam. E, esta semana, uma pessoa que trabalha comigo e que está com uma depressão tramada, sobretudo por grandes problemas pessoais, entrou-me no gabinete, num pranto compulsivo, a pedir-me que a ajudasse, e durante um tempão chorou, desabafou, desabou, e, fez-me, ao longo de todo esse tempo, desarrincar argumentos para a convencer a que visse a vida com esperança, que relativizasse, etc. No fim já sorria e dizia que se sentia melhor. Em contrapartida, eu fiquei extenuada (mas, claro, não lhe disse que tinha ficado, eu, de língua de fora).

Bem, já chega de conversa. Já devem estar fartos. Credo que, mesmo com sono, desato a escrever e pareço uma tagarela, senhores.

Tenho ainda que agradecer os comentários e os mails. Não tomem por falta de educação eu não agradecer a cada um de vós mas estou a dormir enquanto escrevo, dou por mim a escrever de olhos fechados. Mas, a sério: muito obrigada a todos.

Amanhã logo respondo ao comentário do notário ou do conservador. Eu explico (se é que há explicação) mas, primeiro, quero perguntar uma coisa à minha mãe.

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Para terminar em beleza:

Lunge da lei - De' miei bollenti spiriti

La Traviata - Verdi; Anna Netrebko, Rolando Villazon

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Na praia, enquanto jantávamos, lembrei-me dos 20 anos do Patxi Andión e pedi que ele me dissesse. Disse. Gosto tanto que me digam palavras assim. E, nesta sexta-feira, soube-me bem ouvi-lo a dizer :

20 años de estar juntos
Esta tarde se han cumplido
Para ti flores, perfumes
Para mi, algunos libros
(...)
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.
Desejo-vos as maiores felicidades.

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sexta-feira, abril 29, 2016

Foi também numa sexta-feira.
E não há segredos. De facto, isto é simples, não é nenhuma ciência oculta.




Era sexta-feira e fazia sol. Não me lembro das horas, talvez meio-dia. Lá em casa apenas a família mais próxima. O meu pai quando tinha sabido, tinha ficado aborrecido, que eu não pensava em nada, que a um dia de semana para as pessoas terem que meter um dia de férias não tinha jeito, se não podia ser num sábado ou num domingo. De facto, nem me tinha ocorrido. Tinha sido o primeiro dia livre da agenda do notário, foi a uma sexta como podia ter sido em qualquer outro dia.

A túnica branca com rendinhas era transparente e decotada, muito bonita. Quando a tinha escolhido no Augustus nem me apercebi disso. Hoje isso não seria problema. Na altura era, já não era costume casar de calças justinhas, brancas, quanto mais com uma túnica transparente. A minha mãe lá arranjou um top para vestir por baixo mas não deu para usar soutien, não ficaria bem, notar-se-ia.

Não hesitei na escolha dos padrinhos: o irmão mais novo da minha mãe, o meu tio tão querido, e a mulher dele, uma tia querida desde que a conheci. Agora já não tenho padrinhos, foram-se os dois, com pouco tempo  de diferença. Nesse dia estavam felizes, muito bem dispostos.

O meu namorado chegou, cabelo pela nuca, barba negra cerrada, lindo, com um fiozinho de missangas minúsculas pretas que eu tinha feito e usava rente ao pescoço e que tirei para ele usar nesse dia. Trouxe-me uma rosa. Usei-a em vez de bouquet porque queria ter uma rosa oferecida e escolhida por ele. Não sou dada a artifícios. Queria tudo simples, nós como éramos, sem disfarces ou máscaras ou fantasias.

Já antes tínhamos comprado as alianças, os meus tios pagaram-nas e resolvemos começar logo a usá-las: muito fininhas, um fiozinho que mal se via.

Quando o notário nos deu por casados e disse que podíamos colocar as alianças, dissémos que já as tínhamos postas. E então pudemos passar logo para o beijo.

Não coloquei o nome dele. Achei que o facto de nos unirmos não mudava a minha identidade. Jamais usaria o nome de outra pessoa, como se fosse o ferro da casa.

Em todas as fotografias, estou a sorrir ou a rir. A minha mãe estava muito comovida, chorou. As minhas avós ainda mal se tinham refeito da neta se casar tão novinha, e ainda estudante. O meu avô, contudo, desfez a perplexidade delas: 'Com a tua idade já a tua avó estava casada há dois'. A minha outra avó deve ter engolido em seco já que com dezassete já ela tinha tido a minha mãe -- e na altura acreditávamos nisso. Quando morreu, a minha mãe descobriu que, afinal, a minha avó era mais nova e que a tinha tido não com dezassete anos mas, sim, com dezasseis. Toda a vida festejámos o seu aniversário numa data inventada por ela. A minha mãe, ao ver a data da certidão de nascimento dela, ficou parva: 'Olha a magana...!'

Depois, nessa sexta-feira em que nos casámos, fomos para um lugar muito bonito onde se nos juntaram os convidados e lá tirámos fotografias. Não quis um fotógrafo profissional. Não me via a espreitar atrás de uma árvore ou sentada na relva ou a fazer qualquer dessas poses que me pareciam ridículas. E se eu não via, muito menos o meu jovem marido via, sempre avesso a fosquices. Por isso, o fotógrafo foi um colega meu da faculdade, um que gostava de me fotografar e que também já nos tinha fotografado aos dois no jardim Botânico, umas fotografias mesmo bonitas, muito naturais, com uma luz que nos fazia parecer ainda mais enamorados.

As fotografias ficaram muito bonitas, incomuns. Dois miúdos muito apaixonados, banhados pelo sol. Eu tinha vinte anos e o meu marido, que é uns meses mais velho que eu, tinha acabado de fazer vinte e um. 

Depois foi o copo de água. Uma festa, uma alegria. Depois fomo-nos embora, de lua de mel. Os meus pais vieram despedir-se de nós ao carro e estavam muito comovidos, em especial a minha mãe, lavada em lágrimas. Acho que estava muita gente de volta de nós mas do que me lembro bem é da comoção dos meus pais.

Depois, quando regressámos, fomos viver para a nossa casa e voltámos às aulas na faculdade e, de tarde, às escolas onde dávamos aulas. Éramos muito felizes, eternos namorados, sempre juntos. Muito diferentes, quase opostos, e, no entanto, tão compatíveis.

Desde o primeiro dia que é sem compromisso: dá enquanto der. Quando deixar de dar, adeusinho, por aqui me desbaldo. Nenhum é dono do outro, nenhum quer domesticar o outro, nenhum quer condicionar o outro.

Os miúdos vieram logo a seguir. Com vinte e poucos já cá os tinha aos dois. Eles também se despacharam cedo. Multiplicaram-se e agora, quando chegam, enchem a casa.

O tempo vai passando, nós vamos mudando. Nunca me arrependi. Apesar de volta e meia se levantarem tempestades, os furacões e tornados são tão explosivos que, mal o fenómeno se esvai, e esvai rapidamente, logo vem a bonança e tudo fica como se nada se tivesse passado.

Não somos de esmiuçar os assuntos até ao vómito. Não há muito a dizer quando a pessoa está aborrecida. O que há a dizer, sai na hora, sai como uma tromba de água e depois acabou, ponto final, nada de ficar a remexer, a interpretar, a moer. Nada. Para trás das costas e bola para a frente.

Segredos para uma relação durar tanto? Acho que não há. Talvez, para começar, não ter essa mania de que há segredos ou poções mágicas. Não há. Essas balelas dos homens são assim e as mulheres são assado e ficar a dissertar sobre parvoíces também não é connosco. Mariquices como isso 'o que vês da tua janela?' muito menos. 

Gostamos um do outro pelo que somos, quer na maneira de ser, quer no corpo, e não nos cansamos de o demonstrar. 

E não sei o que hei-de dizer mais a não ser que, com a longevidade que hoje já é uma realidade, acredito que outros tantos anos virão e que, com um bocado de sorte, nos aguentaremos lúcidos, felizes, independentes e a gostar de estarmos um com o outro.

E se um dia me passar pela cabeça renovar os votos, coisa que acho que jamais acontecerá (até porque tal nem deve existir nos casamentos civis), acho que ele só aceitaria prestar-se a isso se eu me apresentasse vestida a preceito, qualquer coisa como abaixo se mostra. E eu fartar-me-ia de rir só de imaginar tal número - é que se o meu corpinho fosse igual ao da menina ainda vá que não vá, agora assim, com uns quilitos em cima, haveria mesmo de ter muita graça.

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Claro que as fotografias não têm nada a ver com o meu casamento.

Yiruma interpreta Love me. Andei à procura de outra coisa mas estou com pressa que daqui a nada estou a pé e não posso estar nisto. Se isto estiver cheio de erros, por favor, relevem.
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Caso vos apeteça uma musiquinha na piscina na companhia do casal láparo & paulinha lelé, queiram descer, por favor, até ao post que se segue.

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Para o chefe da Princesa Bafienta, um Cigarette Duet com cheirinho
-- se ela quiser, também pode atirar-se para o paf-charco onde, aliás, parece que os pró laparianos estão a sentir-se muito bem.


Não sou espetadora assídua, só de vez em quando. E mesmo quando espeto é em doses homeopáticas. Também sou um bocado alentejana apesar de não ter raízes por lá. Mas como tenho avós algarvios, se calhar é isso. A coisa deu-se há dias e só agora caíu a ficha. 
Não. Não foi isso. Deu-me pena. Pensei: 'Coitada' e, por isso, resolvi que não ia tocar no assunto.
Mas hoje resolvi que sim. Mas não é por ela, coitada, não merece que a gente fale sobre o assunto, acho que mais vale a gente fingir que não viu. Ocorreu-me usar a palavra caridade mas isso podia soar a maldade e, a sério, acho que maldade grande já foi a que o chefe dela lhe fez, já chega.

Por isso, este meu texto não é para ela, coitada, a sério que não. Este texto é para o chefe dela, aquele a quem o André Gustavo -- que não sei se foi apanhado no Lava-Jato ou não -- tratou da campanha eleitoral. Ele, o láparo maldoso, para discursar no 25 de Abril, a Assembleia à pinha, as televisões a filmarem, é que mandou aquela pobre coitada para os cornos do toiro.

E ela, coitada, com aqueles olhos de quem toma muito drunfo e sabe-se lá que mais, subiu ao parlatório e, com aquele seu ar que tenta, com a veemência, disfarçar a insegurança, para ali leu um chorrilho de disparates, adjectivos bafientos, salazaristas. Um despropósito, um desatino. Coitada.

Mas, como disse, não vi tudo. A televisão apanhou-a a meio e o meu marido disse: 'olha para isto, mal consegue abrir os olhos, e ouve só a conversa dela'. Tentei mas nem percebi de que é que ela estava a falar. Aquilo foi coisa escrita numa altura em que não estava em grandes condições, coitada, e o sacana do láparo, em vez de a ajudar, deixou ir assim mesmo. Não se faz. Por isso, desviei-me, não quis ver. Deu-me pena. Porque é que aquele ali não mandou avançar o enxúndias, o cão com pulgas, o joker ou o puto charila? Mandou aquela pobre coitada porquê? Não achará que queimada e mais que queimada já ela está? De facto, há pessoas cujo carácter se vê na forma como se tratam os mais desvalidos. 

Por isso, este texto é para ele, o láparo. Ela, se quiser, pode ir à boleia, pode ser que um banho de água fria lhe faça bem. Os dois para o banho. Aliás, estou certa que ao Presidente Marcelo vontade não deve ter faltado de lhe dizer: 'Ó minha senhora, vá dar banho ao cão' ou, a ele, ao salazarista e bafiento láparo: ''A que propósito é que em vez de ter ido dar banho ao cão, resolveu expor a loura a esta banhada? Isso faz-se? Acha que isso é de homem? O outro gabou-se de o ter posto aqui, como se tivesse feito um lindo serviço, mas não senhor, não fez grande trabalho, não senhor, não conseguiu fazer de si flor que se cheire. Olhe lá, não estará na hora de ir pregar para outra freguesia, de ir abrir portas lá para o império dele, do seu amigo banqueiro, o vai-estudar-ó-relvas? Vá. Xô!'

Uma miséria, este PSD.

Princess Chelsea - The Cigarette Duet

 

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quinta-feira, abril 28, 2016

Alô, alô senhores e senhoras do Bloco de Esquerda!
Que é lá isso de só se preocuparem com o género do Cartão de Cidadão?
E o resto...?! Estou farta de tanto machismo.
Porque é que o dress code dos homens há-de implicar andar de calças (ou, vá lá, calções)?
Faz favor de legislarem para acabar com isso: queremos roupa sem género. Roupas e outras coisas do género.
[E já agora o link para um post antigo que está a receber montes de visitas e eu não sei porquê: "Uma mulher solitária em toda a sua nudez (- ou uma história ainda mais estranha)"]





Caros Leitores e Leitoras, isto do machismo está por todo o lado. Mal uma pessoa se distrai e já está a cair na esparrela, usando palavras aplicadas a nós, mulheres, que são do sexo masculino. Ora isto das palavras terem sexo é uma maçada.
[É sexo ou género que têm as palavras? Estas meninas do Bloco Esquerdo já fizeram este lindo serviço de uma pessoa misturar procriação com gramática. Agora já nem sei e isso é um problema, aliás é do tipo de problemas que até costuma tirar-me o sono.]

Adiante. Hoje fui ficar, durante uma parte do dia, com dois manos que estão com uma virose. Já se sabe que a febre nas crianças dá pouco abalo e, portanto, embora mais sossegados do que habitualmente, murchos também não estavam. O mais crescido estava mais quentinho, mais jururu, encostadinho a mim e eu a ler-lhe a História de Portugal da Ana Maria Magalhães e ele todo interessado. O mais pequeno, aquele que em tempos era chamado de ex-bebé e que agora já fez 5 anos, andava de trotinete pela casa e, pelo meio, a fingir que era um guerreiro.

Às tantas, pedi que estivesse quieto porque já estava a exorbitar. Começou a fingir que me atacava e eu a dizer para estar sossegado e ele, a rir, todo folião, saíu-se com esta parvoíce: 'Dou-te um pontapé na pilinha!' Zanguei-me: 'Ai! O que é isso?? Isso diz-se?. Corrigiu de imediato: 'Ah, pois é: Tá, dou-te um pontapé no pipi'.

Tive que me esforçar para não me desatar a rir. Acho que lá consegui manter o meu ar de avózinha bem comportada e disse: 'Nada de violências, não acho graça nenhuma a essas palermices'.

Bom. Onde é que eu ia? 

Não sei, estou cheia de sono. Estou é a pedir a todos os santinhos que não me tenham pegado a virose porque era só o que me faltava. Estafada como ando, a rebentar pelas costuras com tanta reunião e tanta confusão, apanhar febre em cima da canseira com que ando vinha mesmo a calhar, vinha, vinha.

Adiante.

Ah, sim, o género. 

Há zonas da cidade em que uma pessoa se cruza com toda o género de excêntricos. Há bocado cruzei-me com uma mulher de meia idade, baixinha, bem encorpada, toda vestida de preto, botinhas pela canela, com o cabelo pelo meio das costas em cor de rosa vivo e com uns óculos de lentes transparentes e armação de massa também rosa fúcsia. Bizarra. E, comparando com outras, esta nem era nada de demais.

Pelas minhas andanças profissionais é o oposto, tudo produzido na base dos consultores e consultoras, vestidos de igual, fatos, camisas brancas, tudo formal, ou, se não é isso, são meninas dressed to impress. Não há cá excêntricos ou fora da caixa.

Na verdade, uma seca. Bem, seca não será.

Hoje subi no elevador com uma que fazia duas de mim, altíssima, com uns sapatos compensados de uma altura assustadora, com uma saia justa e curta, uma blusa transparente com um decote a perder de vista, com umas unhas pintadésimas, com um cabelo ultra bem penteado, toda loura com madeixas, um perfume marcado, uns lábios encarnados, debruados noutro tom, a pele toda coberta de base. Uma coisa intimidante.
As duas no elevador, ela meio à minha frente para eu a poder ver bem, e eu a sentir-me insignificante, cabelo à balda, roupa normal, sapatos normais, unhas curtas sem cor, na prática uma anemia em forma de gente ao pé daquela colorida estrela de Bollywood.
Outras vezes desço com executivos, todos pipocos, uns do género mais doce e outros do género mais salgado, mas, basicamente, tudo farinha do mesmo saco: armados em snobs, blasés, convencidos que são bons. Se vão sozinhos ainda quase parecem normais. Mas, se vão em grupo, é uma graça, armados ao pingarelho, a fazerem de conta que são gente que gosta de a levar na descontra mas incapazes de não evidenciarem a cagança de que são recheados. Penso sempre que deveria arranjar maneira de filmar estes pimpões, depois fazer uma montagem e pôr no youtube. Aposto que se transformava rapidamente numa cena viral.

Ontem, numa reunião, também vivi um verdadeiro momento Monty Python, uma coisa de loucos, hilariante, com um desses altos executivos com a mania que têm sangue azul mas que volta e meia, mais parecem gente do stand up. Mas não posso contar aqui, ainda a coisa está fresca, sei lá quem é que me lê.

Bom. Ia onde, eu?

Daqui a nada estou a dormir, nem sei bem sobre o que é que estou a escrever. Está bonito, isto, está.

Só de pensar que na sexta tenho que me levantar cedíssimo e passar o dia inteiro, sem intervalo para almoço, em ambiente de trabalho, já me faz sentir cansada. Cansada e frustrada. Estes dias deviam prever um período para passeio nas terras. É que passo a vida a ir a sítios lindíssimos sem poder usufruir: é programa cerrado de sol a sol. Bolas, que ainda arranjo é maneira de lá ficar a dormir para poder passear à noite. 

Ora bem. Mostro mas é já o vídeo antes que adormeça e que desate para aqui a escrever enquanto durmo, só sonhos e conversas malucas (isto é, mais malucas do que é costume)

Quem te disse que roupa tem gênero?


Para cada vez mais pessoas, ter no guarda-roupa apenas vestimentas e adereços autorizados para seu gênero é uma ideia limitadora e ultrapassada. Agora, as próprias marcas já começam a entender que é preciso adaptar o mercado a novos anseios e debates.  
Para entender melhor o que está acontecendo e tirar essa conversa do armário, o Trip TV conversou com um artista, um estilista e um caçador de roupas. Os três, cada um em um canto de São Paulo, vivem no dia-a-dia as possibilidades de usar tubinhos, colares e saias.

A Mariana Mortágua já anda quase sempre de calças, camisa e blaser de corte direito, algo masculino. Falta agora os deputados do Bloco começarem a aparecer de saia. Até o Mister Louçã, no seu comentário televisivo, poderia dar o exemplo e aparecer de saia justa e nails às cores.
Saia é uma delícia, ventila, refrigera. E nails? Ontem, ao almoço, vi uma madama com umas unhas que pareciam garras afiadas, cortadas em bico, em que apenas das unhas estavam pintadas, uma de cada cor, verde alface, azul céu, roxo. Mal me distraía lá estava eu, de olhos postos nas unhas da madama.
Adiante. Vamos mas é ao que importa. Está na hora da luta.
Abaixo o sexismo na roupa! 
Queremos roupa sem sexo! 
Cidadãs e Cidadãos: todos para a rua a exigir o fim do sexo modal e verbal!
[Calma: eu disse verbal]
Igualdade de género, já!

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Bem. E quem diz roupa ou palavras diz ballet. Quem é que impõe que os papéis de cisnes devem ser desempenhados por mulheres? Em algum lado se diz que são cisnas? Aliás, a julgar por aquela fofoca da Leda, é mais cisne alfazão que cisnazinha. A menos que fosse uma cisna fofa*.

Ida Nevaseyneva dança a morte do cisne 



Ida (never say never) é, de facto, Paul Ghiselin.
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* Teria o meu filho uns quatro anos, um dia diz qualquer coisa sobre uma coleguinha e conclui: acho que ela é fofa. Fico muito admirada porque ele nunca foi dado a ternurices: 'Fofa?'. E ele vai e faz um sorrisinho malicioso: 'Não sabes o que é fofa?' e eu admirada, sem perceber o alcance da coisa: 'Acho que sim, mas o que queres tu dizer? Que é simpática? Fofinha?'. Riu-se, como se até com pena da minha ignorância: 'Não, não é nada disso'. Vem a minha filha, que teria uns sete anos, muito a medo: 'Eu acho que ele quer dizer fufa'. 

Nestas ocasiões sempre perdi o pio. Por um lado, espantada com a 'escola' que já tinham, e, por outro, com receio de ter que explicar e sem saber como. Mas também acho nunca tive que explicar-lhes nada, sempre chegaram lá antes que eu supusesse ser a altura certa. Limitei-me, desde que nasceram, a ensinar-lhes que tinham que usar preservativo. Disso é que eu tinha mesmo medo. Lembrava-me sempre da minha colega que foi avó quando o filho teria uns dezoito anos e lhe apareceu em casa, à noite, com a namorada, a dar a notícia e a dizer que tinham resolvido assumir. O marido, ao ouvir a notícia, pegou no casaco e saíu porta fora. Ela ficou especada em frente deles incapaz de articular palavra, só a pensar que lhe apetecia era dar uma tareia ao filho.

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Não garanto que agora não caia da cadeira e não fique a dormir no chão. 
Logo vejo. Às vezes, chego a esta hora e esperto.

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Volto cá para partilhar o meu espanto. Estive a ver o filme 'A minha mãe' na RTP2, filme que não quis ver na altura porque é sobre um tema que me assusta. Mas hoje, aqui em casa, não resisti. Bom, bom filme. Mas não me pronuncio porque não gosto de falar do que me assusta.

E agora estava a prepara-me para desligar o computador e fui espreitar as estatísticas. Pois fiquei admirada: um post antigo a 'bombar' à força toda, visitas e mais visitas. Não sei porquê. Já nem me lembrava de ter escrito aquilo -- uma daquelas minhas histórias que não sei se são muito próprias para consumo.

Caso queiram ver, aqui fica o link

Uma mulher solitária em toda a sua nudez (- ou uma história ainda mais estranha)


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Desejo-vos, meus Caros Leitores uma bela quinta-feira.


quarta-feira, abril 27, 2016

De que matéria?



De que matéria é feita a emoção que sinto quando vejo uma tela encarnada, quase só uma mancha, quase só nada? Que parte de mim é activada para que eu sinta o peito a vibrar e eu com vontade de entrar dentro do vermelho, o meu sangue feito pigmentos derramados sobre a tela, eu feita o nada que habita uma tela inerte? Ou não é inerte a matéria que assim me convoca? É mesmo luz o que sai do coração da tela, uma alvura que não tem explicação, talvez leite, talvez nuvem, talvez apenas silêncio? Que laços se soltam desta tela para virem, assim, enlear-me, eu atraída pela injustificação que me prende? Sombras, rolos de fumo, o quê, em baixo, que nasce de dentro da matéria da tela, que nasceu das mãos de Rothko, que nasceu do nada que por vezes habitava a sua mente? 

Mas a tela não está agora aqui, o que está é uma representação sob um vidro, flocos feitos de ínfimos impulsos que atravessaram o espaço, que entraram nas redes invisíveis e infinitas que entretecem o espaço; e, no entanto, vendo o que estou a ver, sem querer, eu penso em mim, no museu, eu em frente da tela imensa e silenciosa, e eu com vontade que a tela seja oração e eu uma sombra passageira que passou por ali levando consigo a emoção de ver estes simples rectângulos cor de sangue e luz.

De que matéria posso eu falar quando falo do que estou a falar? De matéria nula, intocável, toda e só abstração?


E de que matéria é este meu sentimento de devoção, de enlevo, de encantamento, como se só de ouvir esta música eu me tornasse outra, melhor, como se por atravessar as minhas células, a música me transformasse, eu por momentos transcendente, ou não eu mas a matéria que em mim se transformou para recolher a impressão que a música quer deixar gravada na minha curta memória?

Ouço uma música assim e penso que algures dentro de mim há cordas invisíveis que se agitam como borboletas efémeras ou como um mar de papoilas ondulando ao vento. Saberia eu fotografar essas imagens invisíveis que se formam dentro de mim quando ouço uma música assim? 

E as searas coloridas que dançam suavemente num lugar luminoso dentro de mim quando ouço Horowitz a tocar Mozart serão iguais às vossas, Caros Leitores? Ou a vocês a música não desenha searas mas nuvens deslizando no céu ou pássaros brincando na rebentação das ondas? Ou apenas um lugar de recolhimento, uma capela vazia? 


E de que matéria é feita a minha curiosidade atenta quando ouço Sylvie Guillem falar enquanto o seu corpo se move como eu gostava que o meu soubesse mover-se? E que partículas elementares dentro de mim se agitam em uníssono, certamente em uníssono, uma manta de partículas movendo-se em sintonia, enquanto observo as longas pernas de Sylvie, a elegância das composições, a inquietação dos arabescos que desenha com o seu corpo, os seus braços longos como asas nuas?

Ou não há matéria envolvida nesta história? Apenas rastos que as partículas em movimento deixam em mim? Sonhos imateriais, ligações intangíveis?

E de que matéria é o movimento que conduz os meus dedos que deslizam pelo teclado em busca das letras que cheguem até vós como sinais de luz com significado, transportando até junto do vosso olhar a emoção que sinto no momento em que as palavras se formam, já soltas de mim?

Pergunto -- mas felizmente não posso responder, porque me desconheço.

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E, caso estejam para aí virados, queiram descer para irem visitar a Dona Guidinha e, a seguir, a poesia de Eugénio de Andrade.

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Dona Guidinha






Aos catorze anos, quando as nossas meninas são feitas de amor e de susto, Guidinha atravessou o impetuoso Curimataú, de margem a margem, só porque uma outra duvidou.

  - Duvida? - disse ela - grelando o olho.

Corou, conteve um ímpeto, e ganhou o meio do rio:

  - Apois lá vai!

Nadava de braça como os homens, e não como as mulheres, que trabalham com as mãos por debaixo d'água, pelo instinto de pejo, e vão assim batendo os pés à tona.


O pai tinha desgosto de que ela não fosse macho.

Casou Margarida, finalmente, aos 22 anos, já morto o velho Venceslau. Naquele sertão havia por esse tempo muita abastança, por modo que um grande pecúlio não era lá nenhum desses engodos. Os mancebos, que frequentavam a casa, frequentavam-na sem dúvida por causa da moça, por via de ser ela muito de liberalidades, muito amiga de agradar, não poupando nem mesmo as carícias que uma donzela senhora de si pode conceder sem prejuízo da sua física inteireza. Aconteceu a uns dois se lhe apegarem de rijo, porém as respectivas famílias, com a imposão que então os pais ainda abocanhavam, os desviaram; um deles, até à força bruta, quase amarrado, foi recambiado para Olinda, onde se ordenou.


Todavia, contando-se este caso ao Rev. Visitador, que nesse tempo era o cura de Russas de Jaguaribe, balançou a cabeça em ar de motejo e de antigo entendedor de mulheres e de namoros:

 -  Feiosa, baixa, entroncada, carrancuda ao menor enfado - disse ele - não admito que homem algum se apaixone pela filha do capitão-mor, salvo se não é aquela que tenho visto no Poço da Moita, onde cheguei a passar mais de uma semana com as febres. Vão ver que ela usou de feitiçaria... Ora se não é isso! Vão ver.

  - O Rev. Visitador ainda acredita em urucubacas?

  - Se creio! O Inimigo do género humano não dorme. E mulheres? Mulheres! mulheres! A nossa mãe Eva que não me deixe mentir.

Em todo o caso, razão tivesse ou não o sacerdote, é certo que o começo do tirano amor é sempre de umas exterioridadezinhas, pontinhas de dotes profundos, que, em faltando, a mulher parece antes um homem, ou antes um animal sem sexo. Margarida era muitíssimo do seu sexo, mas das que são pouco femininas, pouco mulheres, pouco damas, e muito fêmeas. Mas aquilo tinha artes do Capiroto. Transfigurava-se ao vibrar de não sei que diacho de molas.


Esposando ao Major Joaquim Damião de Barros, uns dezasseis anos mais avançado que ela na idade, passou a chamar-se Margarida Reginaldo de Oliveira Barros. Se, recebendo o nome do marido, ela fez tudo o mais que ordena a Santa Madre Igreja, a Deus pertence.

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O texto é um excerto de 'Dona Guidinha do Poço' de Manoel de Oliveira Paiva.
Dona Guidinha do Poço, escrito em 1892, é um dos maiores romances do Naturalismo brasileiro e possui uma história interessante: seus originais foram entregues pelo próprio autor ao amigo Antônio Sales, que entregou uma cópia a Lopes Filho, que a perde, e outra a José Veríssimo, que iniciou a publicação, interrompida com a falência da sua Revista Brasileira; no fim dos anos 40, porém, Lúcia Miguel-Pereira encontra uma cópia com Américo Facó, depois de intensa pesquisa. Ela publicou, finalmente, Dona Guidinha do Poço em 1952.
Escolhi a nossa bela Sara Sampaio para ilustrar o texto, como D. Guidinha.

Leonard Cohen interpreta The Gypsy's Wife


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Nem sempre o homem é um lugar triste.
Há noites em que o sorriso
dos anjos
o torna habitável e leve:
com a cabeça no teu regaço
é um cão ao lume a correr às lebres





 Deixas a luz do pátio acesa,
a porta aberta -- que esperas ainda?
Amas agora com amor dobrado
a vida, o suor misturado ao sal
da saliva, o rumor
das águas no sol das sementes,
a treva do cabelo incendiada
nas mãos outra vez adolescentes


Vinha do sul ou de um verso de Homero.
Como dormir, depois de ter ouvido
o mar o mar o mar na sua boca?


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O poema do título é Ao lume, o segundo intitula-se A luz do pátio e o último Do lado do verão. Os três integram o livro 'O outro nome da terra' de Eugénio de Andrade.

Loreena McKennitt interpreta Penelope's Song

Nas fotografias: Kate Moss, a camaleónica criatura que inspira todos os fotógrafos.

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terça-feira, abril 26, 2016

O granel do Portinho da Arrábida e umas dicas para a Drª Maria das Dores Meira
- a bem do usufruto de um lugar muito belo


Agora que já falei da reportagem da TVI sobre as Clandestinas e recordei algumas memórias pessoais de antes do 25 de Abril, memórias já muito esbatidas, estou a ver uma reportagem na RTP sobre o Zeca Afonso. Durante um ano, em circunstâncias que agora não vêm ao caso, via-o com frequência. Ele, adulto, frequentava uma casa que eu, miúda, também frequentava, embora, obviamente, por motivos diferentes. Ele entrava, espreitava, fazia sinal a uma das pessoas de que ficava à espera noutra sala.

Também conhecia a filha dele, era mais velha que eu, mas conhecia mal, falava pouco com ela. Aliás acho que, se falava, não falava sobre o pai. Acho que percebíamos que era melhor não querermos saber muito.

Agora estou a ouvi-lo a cantar. Que música extraordinária a dele. Devo ter todos os seus discos. O meu marido, que tem uma memória anormal, deve saber de cor todas as suas canções. Tantas vezes as ouvi, tantas, tantas, mas cabeça de alho-chocho, nunca decoro as letras.

Vou escolher uma para aqui ouvir enquanto escrevo sobre um passeio que dei por terras que o Zeca Afonso também conheceu bem. E Sebastião da Gama também, ainda melhor.



Se tiver tempo, conto sobre todo o passeio mas, para já, vou falar de um aspecto muito pouco positivo.

Fui agora à procura na internet e, se bem leio, entre 1 de Julho e 31 de Agosto está interdito o trânsito entre o Edifício dos Pilotos e o Portinho da Arrábida. Presumo que seja uma tentativa de evitar o caos que por ali tende a haver. Contudo, se me permitem, não creio que a solução seja satisfatória.

Hoje, ao passar por lá e ao ver um semáforo cá em cima, naquela estrada, disse: 'Olha, ainda bem que finalmente resolveram dar solução a isto. Ainda me lembro dos suplícios que por aqui passei quando era pequena'.

Não sabia o que nos esperava.


Os meus pais e tios e amigos sempre adoraram a Arrábida. Aliás, já o contei, as cinzas de dois deles foram recentemente espalhadas por lá. A Arrábida sempre foi, na minha família, lugar de afeição, de passeio e de lazer.

Quando eu era pequena e a ideia era ir para a praia, o meu pai, que sempre foi muito disciplinado, para evitar barafundas de carros e para conseguir lugar de estacionamento, de preferência à sombra, queria sair de casa muito cedo. A esta distância não me lembro a que horas seria, provavelmente antes das oito. Eu odiava. Desde pequena que sou noctívaga. Mesmo com dez, onze, doze anos, nas férias então é que eu adormecia tardíssimo, ficava a ler até tarde, até de madrugada. Levantar-me tão cedo para ir para a praia parecia-me uma violência e um disparate. Mas nessa altura tinha lá eu voto na matéria? Umas vezes íamos para a Figueirinha, outras para Galapos, Galapinhos, Praia dos Coelhos ou, a preferida, o Portinho. Havia lá um restaurante mesmo em cima da água onde se comia um belo salmonete ou robalo ou sargo. Mais tarde, já eu casada, haveria um barco a motor que ficava ancorado no Portinho e aí os problemas eram de outra natureza (penso que já o contei: o barco era usado pelos irmãos e primos que gostavam de fazer cavalinhos sobre as ondas, fazer piões, ir a abrir entre a Arrábida e a Tróia e eu tinha um medo que não se imagina, temia que fossemos borda fora ou que o barco se virasse e nos passasse por cima; quando resolveram desfazer-se da porcaria do barco respirei de alívio).


Mas volto a quando ia com os meus pais para o Portinho da Arrábida. Pôr lá o carro era um calvário. Então, só para lá íamos durante a semana e cedíssimo. Mesmo assim, volta e meia, víamo-nos envolvidos num perfeito calvário. Íamos a descer e vinha um carro a subir, por vezes até um autocarro. Então não cabiam os dois. Portanto, a única solução era o meu pai ir de marcha atrás por ali acima, quase roçando nas paredes, quase roçando nos outros. A minha mãe gemia, aflita, arfava - sempre foi muito dada a aflições nestes apertos. O meu pai, que já estava enervado com a situação, provavelmente também aflito a ver que ia estragar o carro ou ficar para ali entalado, ainda mais enervado ficava com os gemidos e ai-ais da minha mãe -- mandava-a calar, mas ela não consegui conter-se. Eu ia no banco de trás, também aflita, a ver que a coisa ia correr mal, e o meu pai já furioso com os que faziam coisas pouco inteligentes ou sem respeitarem os outros, com a minha mãe que não se calava, só com gemidos, comigo que não me tinha despachado a horas, furioso por, uma vez mais, se ver metido naqueles apertos.


Por fim, a muito custo, a coisa lá se desensarilhava e lá deixávamos o carro cá muito para cima, ao pé da Estalagem, e eles já zangados um com o outro, a minha mãe a dizer que, para aquilo, mais valia não se ir à praia, o meu pai a dizer que, se fizéssemos como ele dizia, não acontecia aquilo. Provavelmente queria ir para a praia às sete da manhã. Mas quando chegávamos à praia esqueciamo-nos de tudo, aproveitávamos aquela água tão cristalina, aquelas cores tão limpas, a areia tão intacta, tudo tão bom. O que eu nadava, senhores, o que eu nadava, que liberdade, que frescura tão boa.


E, então, dizia eu hoje, que felizmente, com aquilo dos semáforos, já não havia o risco de irmos a descer e virem outros a subir. Ah pois não.

O semáforo abriu e lá fomos, descontraidamente. Quando chegámos quase cá abaixo, para nossa estupefacção, esperava-nos o granel do costume. Já não conseguíamos passar para baixo e, para cima, vinham outros. Tudo encravado. Os carros quase encostados, sem espaço para manobras, sem escapatória. O horror de antes, de volta.

O meu marido já enervado e, claro, 'porque é que ainda vou na tua conversa? isto de, num dia feriado, com bom tempo, te vires enfiar no Portinho...!' e eu, 'vieste porque quiseste, se não querias, porque é que vieste?'. Ou seja, a deitarmos cá para fora os nervos que uma situação destas desencadeia.

Claro que as fotografias não têm nada a ver com o momento aqui relatado porque, durante aquele período de aflição nem me ocorreu tirar fotografias


Depois, num exercício de escapismo, deteve-se quase encostado a um muro, pareceu-me ver o símbolo de lugar para deficientes, nem sei bem, sei que era um lugar curto e estava lá uma mota e o carro a apitar por todos os lados, os sensores histéricos com tanta proximidade.

E nisto deu em querer fazer ali a inversão para se enfiar na fila que tentava subir de volta. Eu quase implorava que não o fizesse, que não cabia, que era impossível, que ia dar cabo do carro, que ia riscar os outros carros, que nos íamos meter em trabalhos e ele furioso, que me calasse, se queria ficar ali e eu furiosa 'mas quê? até ao fim dos tempos?' e ele, sem sentido de humor, a preparar-se para encolher o carro e atravessar-se no meio daquela confusão.

Estão a ver bem: é mesmo um cão


E então um senhor simpático que ali estava resolveu solidarizar-se com ele, e começou a ajudar a manobra. Tivemos que recolher os retrovisores e eu em transe, pára, pára, não cabes, ai, pára (estava, claro, a referir-me ao carro e à manobra) e os outros carros, provavelmente com medo, a encolherem-se também, a fazerem a marcha atrás possível, não mais de 10 ou 15 cm, e o senhor simpático a indicar 'chega para aqui', 'chega para acolá', 'um jeitinho para ali', 'agora para lá' e os outros carros também um jeitinho para aqui e outro para lá e eu numa aflição, pára, vais bater, pára. Mas ele parecia possuído, não me deu ouvidos, se pudesse içava as asas do carro e saía dali a voar, tal a ânsia em que parecia estar para se ver livre daquilo. Depois uma senhora que estava a pé pôs-se também a ajudar, daqui pode, uns centímetros, e o senhor, daqui também, uns centímetros.

Até que passou sem bater. Até senti que tinha ganho o dia. Caraças.

E depois lá fomos, pára-arranca, pára-arranca, por ali acima, por aquela estrada íngreme e estreita. E lugar para estacionar, lá em cima, viste-o. E também já só queríamos ver-nos livres daquele castigo.


Claro que com isto já passava das duas da tarde, já com fome. Acabámos por comer um belo peixinho grelhado em Setúbal mas, bolas, que coisa aquilo lá no Portinho, nunca mais, caraças.

E vínhamos a pensar como é possível que, décadas depois, os problemas nos acessos ao Portinho subsistam daquela maneira. Penso que a esta hora, os carros que iam para baixo, à nossa frente, ainda devem estar para lá, ensarilhados uns nos outros, um mar de carros caoticamente encostados uns aos outros, uns a quererem entrar, outros a quererem sair e sem espaço para se mexerem.

Entretanto, liguei à minha mãe para saber se estavam bem e relatei-lhe a ocorrência ao que ela respondeu: 'É parque natural, não se pode mexer em nada'.

Balelas. Um Parque Natural é para ser usufruído com qualidade, não para ser vivido desta forma agranelada.


O meu marido então sugeriu que deveria haver um detector/contador de viaturas junto aos semáforos. Sabendo-se que apenas cabe lá em baixo um determinado número de carros, apenas poderia descer o número de carros equivalente aos que de lá saíssem depois do parque estar lotado.

Parece-me uma solução simples e eficaz.

Mas acho que, para além disso, faz sentido que se faça, cá em cima, um grande parque de estacionamento, com boas condições, espaçoso (e com casas de banho). Claro que teria que haver alguma intervenção no local mas e daí?. De resto, os arquitectos servem para isso mesmo, para encontrar soluções engenhosas e que respeitem as limitações. E, sobretudo, penso que mal ao Parque Natural da Arrábida faz aquele consumo de combustível, aquele granel de carros, aquela confusão, aquela falta de condições.

Por isso, na esperança de que isto chegue aos ouvidos da Presidente da Câmara de Setúbal, aqui lhe deixo estas duas dicas (a do detector/contador de viaturas e a do parque de estacionamento). A Arrábida merece ser melhor conhecida, melhor vivida e, para o conseguir, não deveremos ter que sofrer agruras e um ataque de nervos nem arriscarmo-nos a sair de lá com o carro todo espatifado.


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As fotografias foram feitas esta segunda-feira e tentam mostrar a beleza superlativa da Arrábida (as praias incluindo a do Portinho, a Pedra da Anicha, o Convento, a vista da Tróia, o mar azul a perder de vista)

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E caso tenham agora aterrado aqui e ainda não tenham lido o que escrevi sobre as Mulheres Clandestinas, queiram, por favor, aceitar o meu convite e descer até lá: uma bela reportagem da TVI e uma boa entrevista da Judite Sousa.

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Grande reportagem de Andreia Jorge Luís na TVI sobre as Clandestinas e interessante entrevista da Judite Sousa com duas dessas mulheres e com Fernando Medina, filho de dois resistentes que viviam na clandestinidade



Como sempre, apanhei o programa sem querer e a meio mas, do que vi, tenho que dizer que gostei muito, que me emocionei, que pensei que tanto do que hoje vivemos se deve a quem generosa e abnegadamente abdicou da sua vida familiar, se afastou dos filhos, sofreu torturas, viveu em situações indignas -- e sempre com coragem, com força, com esperança num mundo melhor.

A minha família sempre foi de gente defensora da democracia mas não a ponto de sacrificar a vida. Apenas um tio, irmão da minha avó materna, foi deportado, viveu anos creio que em S. Tomé, e, ao regressar, passou à clandestinidade. Aparecia sem aviso, de noite, e, não sei como, a coisa corria e a família arranjava sempre maneira de que ele conseguisse rever os seus.

Era alto, moreno, bonito. Tenho ideia de que se curvava ligeiramente como por vezes fazem os homens muito altos. Mas talvez se curvasse para me prestar atenção, a mim que, então, era muito pequena. E fiquei com a ideia de que era um homem silencioso, que falava como se murmurasse mas, se calhar, isso era também porque teria medo que o ouvissem.

Morreu pouco antes do 25 de Abril, não me lembro como -- até porque ainda seria relativamente novo -- e, quando foi a revolução, toda a gente lamentava que ele não tivesse vivido o suficiente para ver que tinha acontecido aquilo por que ele tanto tinha lutado.

Também antes do 25 de Abril vivia perto da casa dessa minha avó um rapaz que tinha uma vida misteriosa. Ninguém sabia bem que vida era a dele. Mas também ninguém perguntava nada. Provavelmente desconfiavam. Ou então não falavam ao pé de mim. Volta e meia o Palma Inácio ia lá, não sei que relação havia entre ele e esse rapaz. Eu era miúda pequena e ouvia falar estas coisas sem perceber bem. O meu tio, que era todo de esquerda (embora não dado a lutas), conhecia-o e acho que conversava com eles e, em casa, falava deles e da LUAR e a minha avó e a minha mãe mandavam que se calasse ou que, pelo menos, falasse baixo.

Com o tempo todas estas memórias se hão-de perder porque vão morrendo as pessoas que o viveram. Neste caso em concreto, já morreu a minha avó, já morreu a avó desse rapaz, já morreu esse meu tio, já morreu o Palma Inácio e não faço ideia de quem é o rapaz de que falo.
Penso que, em vez de enxamearem as televisões e os rádios com tanto comentador, uma coisa aflitiva
(ia eu no carro perto da hora de almoço e na TSF lá estavam eles a fazer a autópsia aos discursos, em especial ao (muito bom!) discurso de Marcelo, e tudo é revirado do avesso até quase deixar de fazer sentido), 
mais valia que recuperassem testemunhos, experiências de vida de todos quantos sofreram às mãos da PIDE ou de como era cinzento, retrógrado e asfixiante o ambiente durante o negro e longo período antes de Abril de 74.

A todos os palermas que gozam com quem festeja o 25 de Abril como se não houvesse motivos para alegrias, eu acho que faria bem saber como era a vida nesses tempos.

Por isso, eu que tantas vezes sou crítica com a falta de qualidade dos programas de televisão, desta vez tiro o chapéu à TVI. Bela reportagem. Foi bom ver que corajosas foram aquelas mulheres, valentes, verdadeiros exemplos de convicção, força, determinação. E foi boa a ideia de levar duas dessas mulheres e Fernando Medina a falar em directo. Gostei muito.

Agora, ao procurar fotografias para ilustrar este texto, ao fazer uma pesquisa genérica, fui parar à notícia de que Helena Pato criou uma página no Facebook, Antifascistas da Resistência que já conta com 400 biografias. 


Tenho que ver se consigo lá chegar sem ter que me 'filiar' no facebook. Parece-me uma excelente ideia.

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Como referi, as fotografias não têm directamente a ver com o que escrevi. Foram obtidas na net ao procurar 'Mulheres presas pela PIDE'

Lembrei-me de aqui colocar a música lá de cima porque imagino a dor imensa das mulheres que tinham que se separar dos seus filhos para poderem prosseguir a sua luta e para pouparem as crianças. Quantas vezes desejariam ter o seu filho nos braços para o embalar e, em vez disso, estavam nos calabouços ou a viver na penumbra, cheias de medo de serem descobertas. A música é uma canção de embalar e é de Arvo Part, Estonian Lullaby, numa interpretação a cargo da Estonian Philharmonic Chamber Choir, Tallin Chamber Orchestra.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.


segunda-feira, abril 25, 2016

25 de Abril 2016
Festa na rua, um mar de gente a cantar, a festejar a Liberdade
E um grande concerto dos UHF


Viver em liberdade é também isto: podermos encher as praças, ouvirmos música, cantarmos, dançarmos na rua. Nesta noite de primavera, há música na rua, há gente, muita gente, um mar de gente. As ruas estão cheias e convergem, como braços de rios, para a grande praça que se enche -- toda a praça e largos e escadarias em volta.

Estava quase a ser 25 de Abril e toda a gente vinha feliz para o receber. Há razões para festejar. Há um certo sentimento de esperança no ar. O País tem esta coisa de, volta e meia, patinar em seco, deixar-se ficar na cauda, tem esta fraqueza de, volta e meia, eleger umas fracas figuras que fazem fracas e fortes gentes. Mas agora que saímos de um período negro de quatro anos, queremos acreditar que estes quatro que aí vêm serão melhores e os que se lhe seguirem também. Queremos sentir confiança, e de confiança se faz a construção do futuro.

E o País tem, sobretudo, a felicidade de viver em liberdade
-- e pode até ser que a liberdade, volta e meia, seja a modos que condicionada, pode até ser que a comunicação social, a soldo de quem lhe paga, manipule a opinião pública, mas também é verdade que toda a gente pode opinar (como eu estou aqui a fazê-lo, e não tenho medo que me venham prender, nem, quando estou na rua a festejar, tenho medo que haja agentes no meio da multidão prontos a denunciar-me ou a quem se manifeste contra isto ou aquilo) -- 
e a conquista da liberdade é das mais valiosas conquistas que um povo, antes espezinhado e maltratado, pode ter alcançado. E isso devemo-lo ao 25 de Abril de 1974 e só isso é razão mais que suficiente para o festejar.

E, então, com a praça cheia de gente. 
a música rebentou no palco 
e a energia foi imensa, 
contagiante.

UHF - 25 de Abril de 2016 - Almada


Como me limitei a fazer fotografias, socorro-me de vídeos disponíveis no youtube colocando aqui os que se referem a músicas que os UHF interpretaram.

Vejam bem 

- UHF a cantarem Zeca Afonso

E se houver 
uma praça de gente madura 
e uma estátua 
e uma estátua de de febre a arder



Reparem nos pequenos rectângulos de luz:
em tempos as pessoas acendiam isqueiros para ondular ao som da música -- agora filmam com os telemóveis.
De forma instantânea, certamente muitos vídeos do concerto foram parar às redes sociais


Se há coisa de que gosto é de concertos de rua em datas especiais em que se juntam novos e velhos, ricos e pobres, gente de todas as raças e cores, em que a despreocupação é total e a espontaneidade impera, onde meio mundo canta e dança, de forma genuína, onde se junta a alegria do momento com a energia da música. 

Os UHF estavam em casa e o António Ribeiro não disfarçou a emoção por estar a festejar o 25 de Abril numa praça repleta com a gente da sua terra, milhares de pessoas. 


Pela minha parte, para além de festejar, dançar e tirar fotografias, tive uma missão que me auto-atribuí: não perder nenhuma criança. Tenho um certo pavor em meter-me com a criançada no meio de tanta gente mas é bom que eles sintam esta intensa vibração e saibam como é bom festejar colectivamente a alegria da liberdade. Portanto, para além dos demais adultos estarem, obviamente, também in control, eu não desgrudei deles nem parei de os contar de segundo a segundo. 

Para além disso, já antes de irem, estavam a falar nos churros e waffles e, portanto, a meio do concerto, lá fomos em cortejo, agarrados uns aos outros, pelo meio da multidão, milhares e milhares de pessoas, uma coisa impressionante, até a uma das caravana dos comes e bebes e, depois, em sentido inverso, para nos posicionarmos de novo de onde conseguíssemos ver o palco. Uma aventura.

UHF - Nesta imagem, pai e filho, em noite de festa em Almada


Estávamos nós estrategicamente posicionados quando ouvi alguém a pedir licença. Olhei e era um homem jovem numa cadeira de rodas eléctricas, um jovem que me pareceu não ter pernas. Logo a seguir uma outra cadeira de rodas: uma jovem também com o que me pareceu acentuada deficiência. Toda a gente abriu alas para que eles tivessem bom ângulo de visão para o palco. Eles sorriam, encostavam os rostos, beijavam-se, felizes. Os miúdos olhavam muito admirados. Eu não queria que eles se pusessem a olhar insistentemente mas depois pensei que é bom que vejam que todas as pessoas têm os mesmos direitos, que ninguém é menos que ninguém lá porque nasceu sem pernas ou se teve algum acidente e perdeu a mobilidade ou se teve paralisia cerebral ou qualquer outro problema e não consegue quase movimentar-se.

Depois de satisfazerem a sua curiosidade, não ligaram mais e voltaram a estar com atenção à música, a cantar e a dançar. E, claro, foram ao rubro com os Cavalos de Corrida, música que adoram e cuja letra sabem de cor.


A seguir, à meia-noite, como não podia deixar de ser, cantou-se o Grândola Vila Morena e só quem não ame a liberdade é que pode desvalorizar a importância desta data; só quem não ame a liberdade é que pode desprezar os que se juntam para, colectivamente, na rua, a festejarem. 

Em cada esquina, um amigo
Em cada rosto, igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade


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E depois, já dentro do dia 25 de Abril, rebentou o fogo de artifício. Espectacular, os meninos em delírio, uma emoção, o ribombar que se desfaz em luz, as cores que explodem em mil estrelas voadoras, o cheiro forte, a fantasia feita realidade, os riscos que se imaginam, a coragem que se sente, a sorte que se teve por escapar a tantos riscos, a felicidade, e todos juntos, em liberdade.


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Que a Liberdade e a Democracia nunca nos faltem.
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Um bom 25 de Abril para todos vós, meus Caros Leitores.
Que seja um dia muito feliz, este e todos os que se lhe seguirem.
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