No outro dia entrei na mini-estufa que está ao fundo, na horta, e que está meio destruída. O chão cheio de erva alta, a erva a encobrir não sei o quê, uma prateleira meio caída, umas latas não sei com quê. Aventurei-me admitindo que não haveria de sair uma cobra azul com duas cabeças de debaixo da relva ou um rato gigante a rir às gargalhadas de dentro de uma lata. Então, entre restos de meias coisas, vi uma floreira rectangular, com terra e, sobre a terra, não sei o quê, se ovos de bichos hediondos, se larvas nojentas, e umas meias flores, meias vivas (que é a mesma coisa que dizer meias-mortas). Peguei na floreira, pesada, e com os pés pousados sobre não sei o quê, tentei trazê-la cá para fora. E, então, de lá começaram a sair bichos, talvez formigas gigantes, talvez apenas uns bichos meio aterradores. Suportei a agrura, projectei-me cá para fora e consegui pô-la em terra. E, cheia de comichões e brotoeja de toda a espécie, sacudi-me e sacudi de mim toda a bicheza saída daquela terra estranha coberta por coisas esquisitas e meio tenebrosas.
A seguir, com a mangueira lavei tudo, a terra, a flor, tudo aquilo que tinha sobrevivido sem água e entregue àqueles urubus.
E isto é verdade, que ninguém pense que estou a criar aqui uma história armada em fábula.
Pois bem. A fenómeno idêntico tenho assistido nos últimos dias: tudo o que é bicheza infecta parece que está a sair de debaixo da terra para vir chatear a malta. Primeiro foi o seboso do cherne Barroso, a criatura mais inútil e mais informe que a política portuguesa conheceu e que estranhamente conseguiu aguentar-se à tona de uma Comissão Europeia então paralisada. Depois, nem percebi a que propósito, dei de caras (na televisão, bem entendido) com a cavaquítica múmia paralítica a exibir o seu crónico ressabiamento e mau feitio, respondendo ao que ninguém lhe perguntou. E agora, respondendo ao apelo do seu pupilo, o popufacho ventoso, eis que deu à costa o láparo mais burro que a terra alguma vez pariu; apareceu disfarçado mas, ao falar, logo mostrou que mudam as aparências mas não as substâncias.
De onde é que esta gente anda a aparecer? O que deu neles? O que anunciam estas sinistras aparições?
E o mais estranho é que, parecendo querer competir com a zombiada que anda a sair de debaixo das tumbas, quais fantasmas a sair de armários escaqueirados, o alpacas, esse apertadinho e sempre maldisposto rio, resolveu armar-se em engraçadinho fazendo piada com morto, com desgraça, com vergonhas alheias. O psd está em decomposição acentuada. Como as minhas romãs pelos vistos devoradas pelos ratos de que só sobrava a casca, assim o clube da laranja. Os fantasmas e os ratos que se pensava estarem defuntos andam a devorá-las por dentro.
Brotoeja é o que sinto só de ver. Fará os sociais democratas de gema que ainda andam iludidos acreditando que ainda têm hipótese... Talvez até tivessem. Mas, para isso, teriam que renegar a maioria dos estafermos que o dirigiram.
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Já não chega o corona a dar conta disto tudo, ainda aparecem agora estes vírus bactéricos e putrefácticos. Caraças.
Mas vou estar para aqui a falar de múmias ressequidas e bicheza abutríca no fim de uma semana como a que tive....? É o vais.
Portanto, vou mas é aplicar aqui ao texto umas flores e coisas de natal cá de casa à laia de defumação para ver se afasto a mente dessas avantesmas.
E, olhem, vou pôr-me aqui a olhar estes vídeos a ver se aprendo a dançar, revoltear e sapatear ou, até, a ficar com os cabelos em pé mas com graça.
Nem ouso contar o meu dia. Direi apenas que madruguei e que cheguei a casa depois das onze da noite. Entre despir-me, lavar-me, arrumar algumas coisas e etc, passou uma meia hora. Cheguei, outra vez, aqui ao meu paradeiro já por volta da meia-noite.
Ao jantar, contei ao meu marido o que fiz durante o dia, em especial depois de almoço. Ficou escandalizado. Contei-lhe que, de tarde, vi as pessoas todas divertidas e que isso não é despiciente. Mas não percebe como fui capaz. E não foi pelas notícias, foi pelo que foi. Mas há coisas que não são racionais.
De facto, ao fim da manhã, recebi, por sms, uma notícia muito triste, muito, muito triste. Mas, para que ninguém soubesse e para que ninguém desconfiasse, não disse nada. Nem deixei transparecer nada. E, de tarde, diverti-me também. Estava a divertir-me e a pensar: como consigo eu divertir-me quando estou triste? Mas fechei a tristeza num canto e diverti-me. E, ao mesmo tempo, ia pensando: será que sou normal? Consigo, ao mesmo tempo, ser duas e isso, às vezes, parece-me coisa impossível, anormalidade.
Depois regressei tarde e, em cima, muito quilómetro de autoestrada. Parei numa estação de serviço para comprar água. Sentia-me desidratada.
Depois, face ao que vai ser o fim de semana, achei que o melhor era ir logo aos meus pais. Ao fim de tanto tempo, a minha mãe ainda se admira com esta minha vida, com eu andar de um lado para o outro, de andar por aí até tão tarde. Não gosta. Quando veio à porta despedir-se, disse que me enviaria uma sms a ver se eu tinha chegado bem a casa; e enviou. Se o meu pai desse por eu lá ter estado hoje (e deu, mas acho que de uma forma digamos que flutuante) e ainda conseguisse falar bem, haveria de ficar todo preocupado. Sempre detestou que eu conduzisse de noite, sozinha, e ainda pior se estivesse a chover. Agora mal consegue que se perceba o que diz e já mal percebe se é de dia ou de noite.
E, no regresso, chuva, chuva. Uma coisa... parecia uma tromba de água. Tive que vir a pisar ovos, mal se via a estrada. E cheia de sede. E de sono. E cansada, quase exaurida.
Até pensei: se calhar é hoje que não vou sequer abrir o blog. Mas abri. Há bocado, depois de jantar, quando já não era eu que estava a conduzir, vi os comentários. Animados, completos, interessantes. Pensei: vou ter que re-comentar ou, pelo menos, agradecer. Contudo, pelo caminho que isto vai, só a adormecer entre palavras, quase aposto que não consigo. Isto hoje está mesmo complicado. E amanhã, apesar de ser sábado, não vou poder pôr o sono em dia. Bolas para isto.
Se eu pudesse contar o que faço durante o dia em contexto profissional, hoje teria tanto para contar. E durante o almoço, a conversa interessante com a companhia do lado direito, pessoa que, imagine-se, também pinta. Aguarelas fantásticas. Quem poderia tal imaginar? Mostrou-me, no telemóvel, algumas que fotografou. Boas. E também gosta de pintar com as telas no chão, e em silêncio, e à noite. Curioso. E, espantosamente, contou-me que gosta de dançar, danças latino-americanas, que, quando eu for à sua cidade, gostava de me convidar para a discoteca onde, ao sábado, vai dançar. Diz que é um lugar lindo, uma elegância ondulante, uma harmonia maravilhosa. Ao ouvir, pensei: deve ser bom de fotografar. Fiquei com vontade. A vida mostra-nos laços. Suspensos na surpresa dos instantes, lá está.
Agora fui dar uma espreitadela. Faz-me impressão um dia inteiro sem notícias, sem poder ver mails. Mas as notícias também nada acrescentam. As pequenas notícias não saem nos jornais e as grandes notícias, geralmente, só interessam às pequenas gentes.
Tirando os blogues, e quase que o que há de bom para ler está nos blogues, o que vi com piada foi notícia de um espectáculo. The great tamer, uma coreografia do grande Dimitris Papaioannou para Dance Umbrella. Pena não me ficar em caminho. Pena também não poder resolver ir lá no fim de semana. Dantes podia. Era bom e não me apercebia que era bom. Tempos despreocupados, esses.
Partilho convosco.
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Não levem a mal que não responda aos comentários nem aos mails (e hoje recebi um mail que me surpreendeu, pelo sítio de onde é escrito segundo me conta o seu autor; tão sensibilizada que fico e tão sem energia para lá ir agradecer). Já passa da uma e meia da manhã. Não que seja mais tarde que outros dias mas parece que acumulei canseira a mais e que agora fiquei esgotada. Já micro-adormeci várias vezes. E continuo cheia de sede. Acho que não comi nada salgado. Deve ter sido das actividades da tarde: desidratei-me.
Vinha no carro a recordar as noites em que me sentava no cadeirão pequenino a fazer carpetes de Arraiolos. Tão bom. Mas como conseguir tempo para isso? Só se desistisse do blog e isso também me custa, gosto muito de escrever.
Pronto. Vou dormir. Estou a andar em círculos com a conversa. Acho que já não estou a dizer coisa com coisa e o pior é que não consigo rever e arranjar a bagunça que para aqui deve estar.
A minha mãe deu-me dois vasinhos, um com umas flores brancas e outro com flores amarelas, os dois muito bonitos mas como não consigo energia para ir fotografá-los, despeço-me com uma fotografia com uma rosa encarnada. E aproveito para vos desejar um sábado em beleza.
[Pensando melhor. Não sei se esta é verdadeira. Gostava de ter aqui uma rosa a condizer com o vestido das dançantes lá de cima mas quero-a viva, viçosa, a palpitar de vitalidade. Se esta não for macia, viva e perfumada, não quero. Digam-me vocês: sentem-lhe o perfume? Dou-lhe uma trinca para experimentar a que sabe? Ou vou-me mas é deitar e deixo-vos em paz?]
Os paquetes que aqui aportam são de uma dimensão inacreditável. Mostro, acima, um deles e mostro-o segundo aquela perspectiva, que não será a mais explícita, apenas para que se perceba qual a escala. E continua, pois, como dá para ver, a fotografia não o apanhou inteiro, falta a parte da frente. Parece um mega prédio a ocupar um big quarteirão.
Presumo que parte dos viajantes estivesse em terra pois, em várias varandas, estavam homens a limpá-las. Tirei uma fotografia que, ao vê-la agora (e nem a partilho aqui), me impressiona bastante. Um homem, jovem, talvez indiano, talvez paquistanês, não sei, segura uma mangueira para lavar a varanda que é toda de vidro (ou acrílico, com certeza). Cá de longe, no passeio, eu fiz zoom a uma das varandas, para ver melhor o que eles andavam a fazer, e, agora, parece que ele, lá de cima, também me está a olhar. Tem um ar muito sério e parece fixar-me.
Trabalhar num barco não deve ser coisa fácil. Provavelmente quase não conseguem vir a terra pois, ao contrário do que eu pensaria -- que, quando os navios aportam, é descanso quase generalizado --, se calhar aproveitam para fazer trabalhos que, com os hóspedes a bordo, não podem ser feitos.
Tem que haver quem exerça todas as profissões e, se for de gosto e bem remunerado, este trabalho, em especial se permitir conhecer os países onde os navios atracam, deve ter bastantes atractivos. Mas pode também ser uma quase tortura, uma prisão (e isto apesar das câmaras de descompressão onde se possa ouvir Bach e Albinoni e zelar pela manutenção da boa forma).
Enfim. Não sei.
Andámos junto à baía. Já aqui tínhamos estado e tínhamos guardado a memória de um longo varandim junto a umas muralhas, rente ao mar.
Há lugares onde sempre apetece voltar -- e este é um deles. Estar junto a uma destas árvores gigantes, sentir o tempo a mover-se muito lentamente, ouvir a conversa solta de quem passa, deixar que a nossa serenidade acompanhe o voo deslizante das gaivotas, sentir o perfume das árvores a cruzar-se com o da maresia, é muito, muito bom.
Fizemos o percurso de ponta a ponta, vindos do porto. Agora à noite o meu marido disse que tenho a cara e o peito bronzeados. Ou é ilusão de óptica ou foi do solinho bom que apanhei enquanto passeava por aqui, fazendo fotografias, olhando o mar, açambarcando azul para os dias em que vivo fechada, de manhã à noite, numa torre transparente, toda de vidro mas onde as janelas não abrem, nem chegam sons ou perfumes de árvores.
De vez em quando, o sol descobria e vinha com força. Tinha levado uma blusinha de manga curta e, para o caso de esfriar, o poncho de renda aberta, em linha de cor crua, que a minha mãe me fez e que sendo aparentemente inútil, na verdade transmite um conforto (e isto para não dizer agasalho -- que o meu marido, quando me pergunta se não levo nada para o caso de arrefecer e lhe digo que levo o poncho, até se passa, acha aquilo uma anedota). Mas até tive que o tirar pois, até princípio da tarde, o calor era muito.
[Agora, enquanto escrevo, ouço a chuva a cair com força e ouço o vento a fazê-la bater ainda mais ruidosamente na varanda. Lá em baixo os barcos devem estar agitados. Se não fosse tão tarde e não tivesse receio de acordar o meu marido, enchia-me de coragem e ia ali espreitar o mar. Mas é melhor não, senão é que ele se passa comigo].
De resto, não é por ser tarde, é também que não quero maçar-vos mais, que me fico por aqui. Mas, antes de apagar a luz, deixem ainda que vos mostre mais duas coisas. Uma é uma das imagens de marca da Andaluzia: os pátios. Por onde vou andando, vou espreitando. São uma maravilha. Escolho este porque o cromatismo dos azulejos, o portão de ferro rendilhado, a porta de madeira ao fundo, tudo me parece de uma elegância feliz. Terá, ao meio, uma laranjeira?
E a outra coisa que vos quero mostrar é um monumento. Há muitas esculturas por aqui, desde as religiosas, às comemorativas, às que recordam cidadãos ilustres, às alusivas às tradições, passando pela fantástica estátua das Cortes com a belísssima figura feminina representando a Constituição. Mas a que escolho para aqui partilhar convosco é uma muito simples. É feita em aço e em bronze e, incluindo a base, mede sete metros e meio. É dedicada à liberdade de expressão e, pelo seu formato inesperado e pela sua aparente singeleza, não passa despercebida.
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E, por agora, por aqui me fico.
O vento sopra agora ainda com mais força. Mau tempo para quem anda no mar.
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E queiram descer para um petisco invulgar. Bem, não é bem o petisco que é invulgar: é mais a forma onde e como é servido.
Das memórias de Tony Judt que estou a ler, O Chalet da Memória', retiro este pequeno excerto em que ele diz que 'o amor é aquele estado em que somos nós próprios com mais satisfação'. A seguir refere Rilke: 'o amor consiste em deixar aos amados espaço para que sejam eles próprios, ao mesmo tempo que se lhes dá a segurança no seio da qual esse eu possa florescer'.
Nem mais.
E agora espaço para os poetas, actores, bailarinos, arquitectos - aqueles que, com a sua arte, nos proporcionam uma vida mais feliz. Enjoy, my dear friends.
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(Quase Rothko, em azul e nuvens, ou eu voando over the mountains.)
Secretamente
espreitamos-nos
como caminhos
à beira
de atraentes abismos.
(excerto do poema Secretamente de Virginia Schall)
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E tenham, meus Caros, um belo sábado.
(PS: E a cimeira? - perguntarão vocês... Pois: mais do mesmo. Pouco, coisinha pouca. Estamos mal entregues e não se vê escapatória. Agora talvez só quando o papagaio da popota perder as eleições, quando a própria popota também as perder. Até lá, vai ser isto, andando no fio da navalha, um sufoco permanente. Estão a ver porque não quis falar nisto...? É que já chateia.
Não fiquem agora, no fim, com esta sensação desagradável; por favor, voltem ao princípio que a voz do Andy Garcia ajudá-los-á a ficar bem dispostos de novo. If you please.)