Há uma qualquer disfunção entre mim e a Covid, seja na forma de doença seja na forma vacinal. A maior parte das pessoas que conheço que têm covid ou levam a vacina passam por ela de fininho. Eu, quando tive, fiquei a dormir e com um sono macaco durante meses. Agora é com a vacina. Ontem à noite uma soneira. Hoje ainda não dormi de dia, até porque não pude, mas tenho estado todo o dia sem gás, sem pilhas, o corpo a pedir-me cama e sono.
Para além disso ,dói-me um bocado o braço onde a dita me foi espetada. Cheguei a pensar que não estava em condições de ir para a piscina dar o corpo ao manifesto. Mas fui e lá me aguentei. Também pensei que não iria aguentar uma caminhada. Mas lá me aguentei. E até me soube bem. Caruma molhada, cogumelos, cheiro a pinheiros molhados, a erva verde. Oxigénio bom.
Resisti a isso. Mas teve consequências: as pilhas esgotaram-se mais um pouco.
Em contrapartida, o meu grupo de amigos esteve muito activo durante o dia: muita picardia, muita brincadeira. Assisti sem ter força para intervir. Como muitos são médicos, há sempre muita diversão em torno disso. Já aquela minha amiga médica que morreu sem ninguém perceber que estava a morrer (já falei aqui nisso algumas vezes pois fez-me muita impressão) passava a vida a enviar anedotas e cartoons sobre médicos, sobre doentes, sobre gaffes médicas, etc.
É isso e gays: não há quem diga mais anedotas sobre gays do que os gays.
Mas acho isso saudável. Uma pessoa não se levar demasiado a sério dá saúde. As piores pessoas que, até hoje, conheci são as que se acham o máximo, que desprezam os outros, que não têm nem compaixão nem tolerância nem sentido de humor. Pessoas assim são intragáveis.
E, por falar em saúde: parte da família está constipada. Ou isso (que com tanta evolução já nem sei distinguir uma constipação das outras coisas) ou virose. Ou resfriado. Tanto dá.
Felizmente, até ver, tenho escapado. E deixa cá bater três vezes na madeira senão já sei no que vai dar. Durmo de janela aberta para sentir o frio que chega da rua, em especial de madrugada. Como a persiana fica mal corrida, entra a penumbra e a luz e o frio e os sons da chuva e da noite. E durmo apenas com uma fina mantinha (para além do lençol, claro). O meu marido abomina sentir o ar frio da rua e, por cima da fina mantinha, tem uma grossa mantona e, se necessário for, ainda uma outra. Tudo do lado dele. Eu não aguentaria, morreria assada de calor.
Mas já estamos naquela época do ano em que, quando vou para a cama, lá para as duas ou mais da manhã, me é confortável encostar-me a ele. Aqueço num instante.
E agora está a dar um programa fantástico na RTP 2, Raízes e Frutos. Uma raridade. Quem não viu e puder pôr a andar para trás, sugiro que o faça. Muito bom. Dizem coisas extraordinárias. E simples. E há imagens incríveis. Um fascínio.
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Grandma’s Hands | Kori Withers and Friends | Live Outside | Playing For Change
In celebration of Bill Withers' birthday, we invite you to experience music that will ignite your soul with this amazing, heartfelt Live Outside performance at Mark’s Park by Kori Withers and Friends, in a tribute to her father, performing a rendition of his beloved classic, "Grandma's Hands." Kori’s connection to the song is palpable, carrying the legacy and spirit of her father's music with grace and power.
“Grandma’s Hands” is an ode to Bill Withers’ grandmother, Lula Carter Galloway. This story of gratitude and shared memories is now told in a beautifully illustrated children’s book, painted by multiple award-winning artist R. Gregory Christie and published by Joel Harper’s Freedom Three Publishing in collaboration with the Withers Family’s Mattie Music Group.
Por vezes, quando não leio nem ouço notícias durante o dia, quando aqui chego à noite, meio a brincar, digo que não sei se a Terra não começou a andar para trás, a rodar ao contrário.
E eis que parece que é, em parte, o que está a acontecer. Por dentro da Terra, no miolo, as coisas reviraram-se e, enquanto a bolinha azul no seu todo gira para a frente, o miolo mostra que é do reviralho e gira para trás.
Felizmente para nós a rebeldia ainda se situa nas profundezas senão era como se fossemos a andar para a frente numa passadeira rolante e, de repente, a passadeira começasse a deslizar em sentido oposto, parecendo fugir-nos debaixo dos pés..
Parece que não é coisa inédita. Nada no mundo parece ser inédito. Parece que de vários em vários anos (ou décadas?) o núcleo faz uma pausa e, quando retoma, vai às arrecuas.
Os sismologistas e outros cientistas andam a ver se percebem bem o que se passa e se isso impacta a duração dos dias, a estabilidade tectónica ou se há mais a acontecer a um nível profundo.
Claro que os nossos políticos, a nossa comunicação social e tutti quanti, ocupados que andam a brincar aos tirinhos a ver se deitam o Cravinho ou o Medina abaixo, isto depois de andarem a brincar às galinhas a bicar a Maria do Céu, não querem saber disso para nada. Aliás acho que nem se lembram que andam com os pés em cima de uma coisa chamada Terra.
E eu, pela parte que me toca, ando a organizar-me para a minha vida futura, recomecei a ler e, ao fim do dia, fui até à praia de onde trouxemos sushi. Ao sentar-me um pouco na sala enquanto o meu marido tomava banho antes de irmos jantar, voltei a adormecer redondamente.
E agora estou a ouvir Words of Wonder. Boa onda, boas vibes. Tá-se.
Grandes progressos. Inaugurámos hoje o peitoral com trela para prender a fera ao cinto de segurança do banco de trás.
Em casa, espantado com a coisa, nem ofereceu grande resistência. Habitualmente, pôr a coleira e a trela é um momento de diversão. Saltita, recua, brinca, rodeia-nos, rasteja. Uma brincadeira para ele. Desta vez, intrigado com o novo apetrecho, chegou-se e deixou pôr.
No carro também aceitou tranquilamente a nova disposição. E eu, aleluia, aleluia, consegui ir no banco da frente.
Contudo, de imediato, se esticou para vir colocar a parte da frente do corpo entre nós. De vez em quando deitava a cabeça no meu ombro ou encostava-a à minha cabeça. Outras vezes, encostava-se ao braço do meu marido.
Tem tanto de brutinho quanto de meiguinho. O caminho todo assim. Desconfortável para ele mas agarradinho aos donos. Uma fofurinha.
Estávamos na nossa hora de almoço a caminho do campo. Lá chegados, coloquei a tigelinha da ração e a da água. Nem lhes tocou.
Como fui fazer o almoço e o meu marido trabalhar, ele ficou connosco em casa. Escolheu um sofá e instalou-se, encostado a uma almofada, todo aconchegado.
(O penacho mais claro é a parte de dentro de uma orelha que ficou virada ao contrário)
Um montinho de pêlo. Fui fazer-lhe uma festa. Quando está assim, fica muito quentinho, um peludinho quentinho.
Mal acabámos de almoçar, fomos dar uma volta. Aí ele fica outro. Corre pelos caminhos, aventura-se entre as árvores e os arbustos de alecrim, sobe a muros, bebe água das covas das pedras, cheira tudo, desenterra nem se sabe o quê e, contra a nossa vontade, come e lambe-se todo.
Se ouve algum carro a passar lá em cima, na estrada, desata a ladrar e desata a correr até ao pé do muro e do portão. Depois, vem a correr ter connosco, a abanar o rabinho, a abanar-se todo, todo contente, e senta-se a olhar para nós à espera que lhe digamos que fez muito bem, que toma muito bem conta da casa. Fazemos festinhas, elogiamos e ele todo se derrete de alegria.
In heaven, está tudo muito verdinho, há muito musgo. Mas também há muitos cogumelos. Alguns cogumelos são grandes, aparatosos. Fico sempre receosa. Mas, felizmente, parece que os cogumelos não o atraem. Não devem ter cheiro. Mas, se vê porcarias, nem sei se serão cogumelos desfeitos ou coisa pior, logo se atira, todo entusiasmado. Se tentamos demovê-lo, rosna e até mostra os dentes. Parece que encontrou um tesouro e não quer ser desapossado. O que vale é que, se conseguimos distrai-lo, já fica outra vez amistoso e feliz da vida.
Quando regressámos, já era noite, vinha cansado. Começou por se deitar no banco. Pensámos que viria todo o caminho a dormir. Mas, afinal, ao fim de pouco tempo voltou a levantar-se e a vir aninhar-se ou junto a mim ou junto ao meu marido.
Quando aqui chegou, comeu a ração, bebeu água e agora dorme tranquilamente no chão aqui da sala. Para ele, tal como para mim, foi um belo dia.
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O teletrabalho tem isto de bom. A gente trabalha no campo tal como no escritório. Não se pode falar de ubiquidade mas a verdade é que é mais do que mobilidade, é mesmo o ser irrelevante onde a pessoa está. Posso estar de manhã na cidade, de tarde no campo, à noite de volta à cidade. E sempre presente.
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Entretanto, estive a ver na RTP 1 o António Costa a aturar o sabujo André Ventura. Custa a compreender como um populista e um desavergonhado como este execrável "consultor fiscal" (e ponham-se muitas aspas nisto pois não há quem não saiba o que os consultores fiscais aconselham...) chegou até aqui. Se só houvesse dois candidatos às eleições legislativas, o amoral Ventura e o meu fofo peludinho, eu não teria dúvidas em votar no último. Só gente ignorante, estúpida ou de má fé é que vota no Chega. Não vejo outro motivo para haver votos naquela espécie de partido.
À meia noite fui para a rua bater tampas e fazer barulho mas não saí do jardim. De uma das casas do lado saíram dezenas de pessoas e viu-se que a festa foi rija. De outras casas também saíram pessoas para o jardim, outras para a rua. Atiraram-se foguetes. Hoje, quando fizemos uma rápida e breve caminhada, vimos as ruas com muitos confetis e serpentinas coloridas.
A tradição cá em casa não é tanto a festa da virada do ano mas, sim, no dia de Ano Novo.
Antes havia também festa em grupo e era à vez, cada ano em casa de cada um. Mas isso foi noutro tempo. Quando um casal se separou e ele voltou a ter uma outra companheira, vacilámos. Um excluía o outro e isso era uma decisão difícil. Quebrou-se esse hábito. Desde essa altura, começámos a entrar o ano apenas os dois, geralmente na rua.
Por acaso, prefiro assim. Como gosto de ter cá em casa a família para o primeiro almoço do ano, era sempre apertado conseguir dar conta do recado.
Neste primeiro de Janeiro de 2022, como esteve bom tempo, almoçámos no terraço.
Depois de almoço, os meninos e dois adultos foram jogar a um jogo na playstation que os deixou ao rubro. A seguir estivemos de novo e jardim e até fizemos uma foto de família, pequena fera incluída. Milagrosamente ficaram todos bem excepto eu que, pouco habituada a fazer parte da imagem, fiquei a olhar para outro lado. Tenho que imprimir e emoldurar. Gosto imenso de fotografias com todos.
Como estava um solzinho bom, a seguir fomos para a praia. Imensa gente. Gosto nuito de ver as pessoas a desfrutarem a natureza. Antes ficava-se fechado em casa. Agora os parques e as praias estão cheios de gente. Em meu entender isso contribui, e de que maneira, para uma outra abertura de espírito e para uma melhor disposição.
Vimos pessoas a tomar banho. Contudo, a minha filha descalçou-se e foi molhar os pés e queixou-se de que estava fria.
Claro que os homens da família fizeram o seu primeiro jogo de futebol. E até a menininha quis participar. Ficou à baliza e, enquanto os sarrafeiros faziam faltas e rasteiras uns aos outros, ela dançava. No fim, os rapazes transpiravam que só visto.
Saímos de lá já ao lusco fusco, já passava um pouco das seis da tarde. Mas os dias já estão maiores e só isso é suficiente para me sentir ainda mais animada.
Quando chegámos, estivemos a arrumar a casa e eu vim ver as fotos que fiz durante o dia, entre as quais estas que aqui se incluem. Enviei algumas aos meus filhos. Quando enviei uma mensagem no grupo de família a informar que tinha enviado as fotos por mail, a minha menininha linda respondeu que não tinha recebido. Também já tem a sua conta de mail. Encaminhei as fotos também para ela, então.
Para mim, isto é um dia feliz. Não preciso de mais. Aliás, preciso, sim. Preferia que, à hora da refeição, estivéssemos todos em volta da mesma mesa, mesmo que fosse uma mesa acrescentada como era ultimamente que a malta é muita e os mais pequenos estão cada vez mais crescidos. Mas, assim, em mesas separadas por agregado é um bocado chato. Mas as mesas estavam próximas e o tempo estava tão bom que até esteve bastante agradável. E toda a gente bem disposta, que é o que é preciso. Estar com eles e vê-los bem enche-me de felicidade.
Quanto à refeição, desta vez fui eu que cozinhei tudo.
Vou contar como fiz.
Camarões grandes cozidos
Não tem que saber. Numa panela com bastante água, coloca-se sal até ficar a saber a água do mar. Junto cascas de cebola (devidamente lavadas). Quando ferve em cachão, junto os camarões ainda congelados. Quando volta a ferver em cachão, conto uns três ou quatro minutos. A seguir desligo, escorro a água salgada e passo-os rapidamente por água fria. A seguir disponho-os numa travessa.
Molhinhos
Trata-se de dobrada enrolada em pequenos rolinhos, atados com fio. Compro-os já preparados desta forma.
Lavo-os e coloco-os de molho em água com bastante vinagre de vinho. Ficaram assim desde a véspera à noite, dentro do frigorífico. Faço isto para evitar que subsista com algum sabor estranho. De manhã, escorri a água com vinagre, lavei-os. Num tachinho coloquei água, um pouco de sal, uma cebola, uma folha de louro, um pouco de salsa. Os molhinhos ficam totalmente submersos. Deixei cozer durante umas duas horas e meia. Depois de ver que os molhinhos estavam bem macios, desliguei. Retirei-os, escorri-os. Tirei o fio de cada um, cortei às tirinhas, miguei dois dentes de alho grandes, temperei com azeite e com vinagre balsâmico. Envolvi bem. Quando servi ainda estava morninho. Tanto se pode comer quente, morno ou frio. É sempre bom.
Outras entradas
Servimos também tostinhas barradas com queijo e com salmão fumado. Tinha também paté de perdiz. E carnes frias. E salada de tomatinhos cherry com mozarella em bolinhas pequenas que temperei com azeite e orégãos.
Pratos principais
Para prato principal, fiz dois. A minha ideia era fazer bochechas de porco mas, nos dois talhos a que fui, estavam esgotadas. Por isso comprei cabrito e, como algumas pessoas não apreciam grandemente e porque já só havia uma mão e três cachaços, trouxe também pernil, três rodelas largas de pernil.
Cabrito
Lá no talho pedi para cortar aos bocados. Em casa, comecei por tirar parte da gordura. Depois lavei. Num tacho coloquei duas grandes cebolas cortadas aos bocados, duas folhas de louro, uns quantos dentes de alho, salsa. Depois coloquei os bocados de cabrito. Temperei com um pouco sal. A seguir quase cobri com um bom vinho tinto, depois azeite, alecrim, depois voltei a cobrir com mais duas cebolas cortadas. Tapei. E coloquei no frigorífico, onde pernoitou enfiado neste banho.
De manhã, coloquei o tacho ao lume. Depois de levantar fervura, baixei. Ficou a cozinhar durante umas duas horas. Depois do cabrito cozinhado, retirei os pedaços para um tabuleiro.
Arroz para acompanhar o cabrito
Do tacho onde tinha cozinhado o cabrito, retirei a parte mais gorda do caldo. Frigi bocadinhos de bacon e juntei o equivalente à quarta parte do líquido necessário ao arroz (basmati), juntamente com a cebola meio desfeita que lá estava. Deixei cozinhar o bacon e reduzir um pouco o caldo. Depois juntei água. O líquido total deve ser o dobro da quantidade de arroz. Quando ferveu, juntei o arroz. Juntei um pouco de sal. Antes de estar completamente cozinhado, desliguei e passei para um outro tabuleiro.
Pernil
Como o pernil vem com a pele do porco e receio sempre que tenha algum cheiro ou sabor indevido, apliquei-lhe o mesmo tratamento que aos molhinhos. Água com vinagre de vinho e o pernil lá mergulhado, num tacho, durante toda a noite.
De manhã, num tacho coloquei duas cebolas grandes aos bocados, alhos, louro, bastante salsa, dois tomates grandes maduros, duas maçãs grandes (com casca) cortadas aos bocados (sem as sementes). Depois as grandes rodelas de pernil devidamente lavadas. Depois sal. A seguir cobri-os generosamente com massa de pimentão (que comprei, num boiãozinho), depois também um pouco de vinho e azeite e, de novo, mais cebola. De novo, depois de ferver, baixei o lume e ficou, tal como o restante em lume brando.
Depois de bem macio, desliguei e passei os bocados de carne para um tabuleiro, encostados a um dos lados.
Retirei a parte sólida do caldo (cebola, tomate, maçã) e moí bem moído. Coloquei este molho espesso e macio numa tacinha, para acompanhar a carne.
Batatas e abóbora para acompanhar o pernil
Descasquei batata normal, batata doce cor-de-laranja e abóbora que, depois de cortadas aos bocados, cozi no caldo sobejante no tacho onde tinha cozinhado o pernil. Depois de quase pronto, escorri e juntei na parte vazia do tabuleiro. Polvilhei com orégãos e cobri a parte das batatas e da abóbora com fatias muito finas de bacon.
Quando os comensais estavam a chegar, coloquei os três tabuleiros no forno com temperatura intermédia e ali ficou tudo a apurar, primeiro na função grill e depois no aquecimento geral. Ao todo, deve ter ficado para aí vinte minutos, mais coisa menos coisa. Depois do forno desligado, ficou tudo lá dentro para não arrefecer.
Sobremesas
Já se sabe que não me dá para doces. Tinha comprado tronco de ano novo e um bolo rei das beiras. A minha filha trouxe tarte de natas. E havia bombons e fruta. Mas acho que ninguém tocou na fruta. Habitualmente, costumo dizer aos meninos que não há sobremesa se não comerem fruta. Inverto a ordem dos factores para os conseguir pôr a comer fruta. Mas em dias de festa, não me prendo a deveres, só a prazeres.
Claro que é disto que gosto: de cozinhar, do stress de ter tanto que fazer e de ver o tempo a passar, o pessoal quase a chegar e eu ainda a ter coisas para acabar, a querer ainda tomar banho, vestir-me (predominantemente de branco, claro), pentear-me, pôr uns brinquinhos (brancos, claro), calçar-me [uns ténis novos (brancos, claro)]. E depois do stress e de embirrar com o meu marido -- que não põe a toalha que eu quero, que não coloca pão em quantidade suficiente, etc, -- tudo se compõe, tudo fica pronto a tempo e horas.
E, quando chegaram, estava fresca e feliz da vida, e o tempo estava bom e ainda ficámos um bocado no jardim, a conversar, a apanhar sol. Para mim um punch com sumo de tangerina, sumo de lima e rum. Boníssimo. E a minha menina linda preparou um bongo tónico com gelo para ela, para os irmãos e para os primos e ali estiveram, importantes, crescidos, também a beberem o seu copo.
E começo o ano com mais um vídeo da Green Renaissance
Joy in life
Joy is what makes life beautiful. It's what gets us through challenges and allows light in to illuminate the shadows. Joy heals our wounds and fills our souls with goodness.
By reminding yourself of the things you have to be happy about, by creating more time to do the things you love and by spending time with the people you care about, you can create a life that is more joyful and fulfilling. And you will see and experience life through different eyes.
In this new year, why not resolve to find more joy in your everyday life!
Ontem o meu marido teve que ir até à nossa casa in heaven pois iam lá tratar de uns arranjos. Como sempre acontece, quem tinha que ter chegado a uma certa hora chegou hora e meia depois. Por isso, veio de lá tardíssimo.
Quando já se tinha ido deitar, um alerta. Tinha disparado um alarme, numa zona da casa. Pensámos: o sensor deve ter pifado. Depois ele lembrou-se que tinha posto umas coisas em cima de outras. Talvez aquilo tivesse caído. Confiei e ele adormeceu.
Estava eu aqui escrevendo, novo alerta, novo disparo. Desta vez num outro lugar da casa. Assustei-me. Ele ainda tentou dormir. Disse que, se calhar, era a central que tinha pifado. Não fui nessa. Equacionámos: ir lá? Sair daqui à uma e meia da manhã...? Chegar lá de madrugada...? E se houvesse ladrões? Ná...
Perguntei se não teria deixado alguma janela aberta. Que não, que obviamente não. Portanto, alguma coisa (ou alguém) era. Medoooo....
Resolvemos ligar para a GNR. Expusemos a situação. Prontificaram-se a mandar lá uns agentes. Eram duas e tal e ainda estava eu ao telefone com um que transmitia instruções ao sargento que lá estava. O sargento fazia perguntas e eu ia esclarecendo.
Então, saltaram o muro e foram fazer a ronda e que logo me diziam. Deviam ser duas e tanto, ligaram. Aparentemente estava tudo fechado, tudo tranquilo.
Fui-me deitar.
Às três e tal, telefone. O meu marido levantou-se. Novo disparo, agora noutra parte da casa. Recomendação que fossemos perceber o que se passava.
A central é antiga, ainda não temos sensores de videovigilância. Os da empresa de segurança não vão lá ao fim de semana e não nos é fácil programar idas ao dia de semana. E nas férias não nos lembramos de tal coisa.
Resolvemos que, à primeiríssima da manhã, iríamos.
Às seis e tal, novo alerta: outro disparo.
Às sete, a GNR. Para saberem se estava tudo bem. Relatámos. Disseram que eram melhor irmos ver. Aparentemente não havia movimento quando lá foram mas que têm estado a ocorrer muitas assaltos. Ainda conversámos um bocado sobre isso: a dificuldade em apanhar em flagrante, em ter certezas, a falta de meios.
Portanto, lá fomos. Nós dois e a fera. Pensámos que, apesar de ainda não ter feito cinco meses, já haveria de dar sinal se houvesse coisa.
Lá chegados e a porta da frente aberta, o meu marido foi à frente com o seu ajudante de campo, o nosso felpudo body gard.
Fiquei à porta a guardar a fortaleza e com o número da GNR à mão de semear. Depois, fartei-me de estar à espera. Gosto de estar no olho do furacão.
Entrei, juntei-me ao pelotão da frente. Tudo normal.
Até que o meu marido espreitou para o quarto e... 'O cabrão de um rato!'. Afastei-me. 'Onde?'. E ele: 'Em cima da cama'. Com a vassoura que tinha na mão, bateu na cama, tentou descobrir onde se tinha metido.
O feroz cão de guarda indiferente. Para ele, notoriamente, rato não é gente que se veja.
Fui buscar outra vassoura e fui esperar o intruso do outro lado da porta. Até que o vimos a fugir do quarto e a ir para a sala da televisão, para trás do sofá onde costumamos estar a ver televisão.
Não era ratazana mas também não era mínimo. E tinha um rabo compridíssimo.
Não me dá medo nem me dá nojo. É um bichinho do campo. O que me chateia é que fique em casa pois pode causar estragos e são esses estragos e essa porcaria que me causam alguma repugnância.
Os dois, cada um com sua vassoura, afastámos o sofá, batemos no sofá, batemos no chão, sei lá. Nada. Zero rato. O urso peludo intrigado com aquela movimentação. Cabeça de um lado, cabeça de outra. Ora olhava para um, ora para outro. Não consegui explicar-lhe.
Já pensávamos que o parvo do rato se tinha escapulido sem que tivéssemos dado por isso. Até que o vimos a sair não se sabe de onde, a fugir. Tentámos empurrá-lo para a rua, fizemos alarido. Nada. Fugiu para o outro lado da sala, para baixo da escrivaninha.
Reiniciámos a perseguição. Nada. Sitiámos o bicho rabudo. Demos vassouradas, batemos, revirámos, espreitámos, tentámos assustá-lo, tentámos de tudo. Nada.
Mais de meia hora naquilo. Zero, bola. Nada.
Armámos o alarme. Fomos dar uma volta pelo campo.
Aqui o cão de guarda ficou feliz. Este é o seu elemento. Não faz um único disparate. Não se encavalita em nós, não mordisca. Nada. Anda pelos caminhos, fareja, investiga, escava. Se ouve algum barulho suspeito, põe-se em guarda, ladra, olha para nós procurando o nosso apoio.
Durante esse tempo, o alarme não disparou. Então resolvemos fechar tudo e vir embora.
Não sabemos que é feito do rato. Não o vimos ir para a rua. Mas não o descobrimos em lado nenhum nem o alarme voltou a disparar. Vamos fazer figas para que tenha fugido para a rua, para o seu habitat.
De tarde, o meu marido foi à sua vida e eu à minha. Reuniões de seguida, uma das quais de rebimba o malho mas em mau. Acabei a última já passava das sete e meia. Noite cerrada e fria. E depois várias coisas para tratar.
Resumindo: depois de uma quase directa e de um dia assim, estou capaz de cair para o lado. Além disso, esta friday vai começar bem, com mais uma daquelas conversas tidas na secreta.
Portanto, lamento, mas hoje não tenho nada de nadica a dizer. Com vossa licença e pedindo muita desculpa por não conseguir responder e agradecer aos comentários (a ver se amanhã à noite o consigo), vou ver se descanso um pouco e esperar que o bicho rabudo, akao cabrão do rato, não ande pela casa a fazer das suas e não faça disparar o alarme.
Pinturas de Lucia Heffernan que resolveu pintar fofos pintainhos a fazer poses de ioga, pretendendo ilustrar o velho ditado: uma pose de ioga por dia não sabe o bem que lhe fazia.
Colors é interpretado por Black Pumas, Slash, The Pocket Queen | Playing For Change | Song Around The World
A minha mãe está sem saber o que oferecer ao médico. É médico e, de certa forma, amigo. Tem uma dívida de gratidão que não há como pagar. Há uma meia dúzia de anos, só por ela andar cansada, prescreveu-lhe uma sucessão de exames que o levaram, num ápice, a descobrir que era o cancro do cólon que andava a fazer perder sangue e, daí, o cansaço. Teve também a sorte de arranjar um excelente cirurgião que a operou rapidamente. Mas o seu médico assistente é o médico para todas as ocasiões, para todas as dúvidas. Deve ser da mesma idade, mais coisa, menos coisa. E é um espírito livre.
Conheci o irmão dele, outro que tal, uma pessoa de quem toda a gente gostava. Excessivo, destemido, desbragado. Penso que já o contei. Um dia, um amigo comum, apareceu ao pé de mim e disse-me: 'Morreu o Manuel'. O nome não é Manuel mas não quero dizer o nome verdadeiro. Esse amigo estava abalado, tenho a certeza que tinha o coração descompassado. Não percebi a quem se referia. Passei em revista os Manuéis que poderiam morrer e não me ocorreu nenhum. 'Manuel? Qual Manuel?? e ele: 'O Manuel! Morreu!'. Fiquei na mesma. E ele, à beira de colapsar: 'O nosso Manuel!'. De repente, ocorreu-me que poderia ser mesmo o 'nosso' Manuel. Fiquei parada. Ele explicou: 'Caiu. De repente. Morreu'.
Morreu. Era inteligente, brilhante. Vivia a vida no limite. Era um gozão para lá dos limites, um amante que, rezavam as lendas (e contava a namorada), era do mais loucamente apaixonado que se poderia imaginar, era um dos melhores garfos, um connaisseur dos melhores vinhos. Rematava os bons momentos com um demorado cubano. Era uma das suas imagens de marca. Onde quer que estivesse, se lhe dava para isso, na maior irreverência, puxava longas e perfumadas baforadas, recostava-se, ria.
Conheci a sua filha. Com ela convivi de perto durante algum tempo e com ela me diverti à grande. Detestava a namorada do pai que era mais nova que ela. Mas detestava também excessivamente, destemperada como o pai.
O tio, médico da minha mãe, é outro irreverente. Canta, escreve, diverte-se.
Também não sei que presente apreciará ele. Se fosse eu, arriscaria um presente igualmente irreverente. Mas a minha mãe é mais convencional, mais tímida, tem sempre receio do que os outros pensam.
Também eu tenho algumas dúvidas em relação a alguns presentes. Antes da pandemia, naquela minha outra vida de frequentadora das catedrais de consumo, eu conseguia, nem que fosse a correr à hora de almoço, ver o que por ali havia que pudesse ser apropriado para uma e outra pessoa. Agora estou a leste.
Este domingo, de manhã, fomos buscar a minha mãe para irmos passear na zona ribeirinha, agora tão arranjada, tão bonita. Estava uma boa temperatura, sol. O urso peludo adora a minha mãe e ela gostou de ver como o pequeno terrorista, nestas circunstâncias, se porta tão bem. Tirei-lhes fotografias. Toda jovem e sorridente, num cenário luminoso.
Depois de almoço, fomos para outra praia, desta vez de mar, onde o meu filho e a sua trupe se nos juntaram. Foi a primeira vez que o little teddy bear esteve na praia, tal como foi o primeiro dia que esteve face a face com outros cães, em contacto directo, farejando-se, avaliando-se.
Os meninos, cada vez mais mais crescidos, disputam o passeio à trela, os meninos correm, os meninos brincam, os meninos brigam uns com os outros para disputarem a condução da trela. E o maluco, portando-se como um cão ajuizado, porta-se à altura, (relativamente) bem comportado. Mesmo sem trela portou-se bem.
Provou como é bom andar na água, escavou, correu, brincou. E sentiu o afecto bom de estar em família.
Mas, mal chegou a casa, deitou-se no chão do corredor e ali ficou, como se estivesse inanimado. Vinha exausto, pois claro. Pensámos: cansado como está vai dormir até amanhã.
Sim, sim...
Passado um bocado acordou, comeu e, na maior euforia, tentou virar a casa do avesso. O bom comportamento esvaiu-se num instante. Há sempre um momento do dia, geralmente ao fim do dia, em que um pico de energia o faz dar-nos conta do juízo.
E nesta vida acelerada em que parece que nada acontece mas em que todos os dias estou ocupada de manhã à noite dou-me conta que, sem perceber como, o ano está quase a chegar ao fim. O Natal é para a semana e o Ano Novo logo a seguir. Não sei se os cientistas estão atentos a este fenómeno: o tempo está a correr mais depressa do que devia.
Estive a ouvir as previsões do Economist para 2022. Ou tudo muito previsível ou tudo muito distante. Senti uma grande indiferença em relação ao que ouvi. Gostava de ter ouvido outras coisas: descobertas científicas revolucionárias, inesperadas tomadas de consciência colectiva, altamente promissoras reviravoltas políticas, o mundo das artes a assumir um insólito e saudável protagonismo... coisas assim. Mas não, nada disso.
Quanto às notícias do dia, o que posso dizer é que não quero saber de nada do que dizem se forem meros veículos para mostrar a imagem de um homem levantado da cama, de pijama, com barba por fazer, a instantes de ser preso. Mostrar isso é infame e os jornalistas que aceitam isso são cúmplices da canalhice sancionada. Rendeiro pode ter sido um canalha mas os que o desrespeitam de forma tão vil merecem-me igual desprezo. Rendeiro fez muito mal porque teve inteligência e pulhice intrínseca para saber mover-se sem ser apanhado. Estes jornalistas só não fazem tão mal como o Rendeiro porque não têm a mesma inteligência. Mas em maldade e indiferença perante os direitos alheios estão ao mesmo nível.
Esta imprensa acabará por definhar pois, mais cedo ou mais tarde, os seus consumidores deixarão de tolerar tamanha mediocridade. Apenas os mais medíocres de entre os medíocres a apreciarão mas esses, estou em crer, não estão para gastar dinheiro em jornais nem têm paciência para ver noticiários.
Mas o mundo, apesar de tudo, ainda é um lugar maravilhoso e isso é o que importa.
Sim, vi a entrevista. Sim, vi o debate na tvi24 que se seguiu. Sim, continuo a achar que toda a gente é inocente até prova em contrário. Sim, continuo a achar que ainda vale a pena haver tribunais. Sim, ainda acredito na Justiça, essa velha trôpega, tantas vezes entregue aos cuidados de gente que a mina e enlameia. Sim, podem chover canivetes que eu tentarei que não caiam directamente, a pique, sobre o peito nu dos que estão no chão, levando pedradas e pontapés da turbamulta.
O mundo dá muitas voltas e frequentemente o que se vê não é senão uma pequena parte do que há para saber. Na primeira pessoa muitas vezes o testemunhei. Mil vezes acompanhei, por dentro, conspirações, intrigas, farsas. Como assisto, sem preconceitos ou julgamentos prévios, às situações que me rodeiam, há muita gente que confia em mim. Confiam cegamente. Sabem que o podem fazer pois, se é para não falar, eu não falo. Tenho tido, portanto, a oportunidade de saber os contornos, as motivações, as manobras, os disfarces, de conhecer as actuações e as reacções --- e de constatar como, geralmente, é limitada e imponderada a visão dos que apressadamente julgam, pouco sabendo do que há para saber.
Em contrapartida, tenho testemunhado como é bondosa, generosa, a opinião dos outros para quem se apresenta como um sofredor. Pode o sofredor usar esse disfarce para ocultar uma alma de manipulador, um espírito de oportunista (quando não, mesmo, de desonesto), uma prática de mentira continuada. Bastar-lhe-á usar um jeito de vítima, de pessoa incompreendida, de alguém a quem os outros não reconhecem os méritos, pôr um arzinho indefeso de quem precisa de colo para que, perante a turbamulta, passe a ser visto como alguém que precisa de um conforto, que merece carinho. Tenho visto isso tantas vezes.
É assim.
Houve um primeiro-ministro que dizia que o povo é sereno. Mas eu digo outra coisa: tem dias.
Podem passar séculos, podem as temperaturas e as águas dos mares aí estar, a subir, podem ter caído monarquias e repúblicas, podem os homens ter ido à lua e mandado geringonças para marte, pode tudo. Mas a populaça é a mesma, gente que saliva e grita de entusiasmo enquanto alguns são puxados ao encontro da guilhotina, gente que não desvia o olhar quando um corpo indefeso cai inerte, desprendido da mente, da alma.
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Depois de um dia nem mau nem bom, antes pelo contrário, depois de uma noite cansativa, estou aqui a pedir, justamente, serenidade. E não preciso de pedir muito: já adormeci algumas vezes. Evito ir até ao youtube pois tem milhares de vídeos de suculentas para me mostrar e eu... não consigo resistir-lhes. Percebo agora porque milhares de mulheres no mundo inteiro andam fascinadas com as gordinhas. Nestes vídeos, as jardineiras-amadoras falam todas com diminutivos rolando redondinhos na boca. Fico com vontade de fazer mudinhas, de esperar para ver rebentar brotinhos, de misturar verdinhas escuras com verdinhas clarinhas. De início. este terracinho aqui tinha só um vaso grande com uma planta seca. Agora há dois cadeirões e uma mesa, um vaso grande com uma espécie de grande feto e quatro taças com gordinhas lindas. E começo a aventurar-me na reprodução, embora, impaciente como sou, esteja a tentar short cuts que, se calhar, nem vão resultar. E, pior, está de chuva quando elas gostam é de substracto sequinho e não todo húmido -- e tudo isso. Mas não faz mal. O universo há-de protegê-las. De vez em quando abro a porta da rua e vou espreitá-las, toda eu cheia de enlevo e de ideias.
Entretanto, passei os olhos pelas notícias. Hoje nada que me tenha agradado. Ontem sim. Duas que me dão que pensar, e por motivos distintos.
Uma é que Darius desapareceu. Tem cerca de um metro e trinta de tamanho e dizem que é o maior do mundo. A dona está preocupada, diz que o ladrão o pode matar por não saber os cuidados que Darius requer. A polícia está atrás do animal e a sociedade lamenta que haja quem mercadeje com coisas tão sensíveis, a saber, um ser vivo. E eu, reparo agora, estou a usar, pela primeira vez na minha longa vida, o verbo mercadejar. Aqui pensa-se que o ladrão vai querer mercadejar não um cabrito, que não tem, mas um Darius rabbit que está a deixar a dona com um buraco no peito, infeliz porque o seu Guiness já não esteja disponível para se fazer fotografar com ele nos seus braços.
A outra notícia é que uma bola de fogo de grande dimensão atravessou os ares a grande velocidade e que só por um bambúrrio de sorte não causou o fim da picada. Fireball lights up Florida sky as it 'passes uncomfortably close to Earth'. Passou longe, por sorte. Podia ter-me caído em cima e eu já aqui não estaria a escrever, ou ter caído em cima de si e já não estaria aí a ler-me, ou do João Miguel Tavares, do José Manuel Fernandes, do Filipe Santos Costa, do José Alberto Carvalho, da Ana Lourenço, do Ricardo Araújo Pereira e de todos os que sabem de tudo, antes de todos, e que -- sim, é verdade -- estão acima de todos e que, a ter-lhes a bola caído em cima, já não estariam por aí a manipular, a distorcer, a poluir a opinião pública. Tivemos sorte, todos.
Contudo, ao ver o vídeo, fico a pensar: até quando estaremos a salvo?
Estarmos a salvo é uma sorte: a salvo de que uma bola de fogo nos apague da superfície da terra, a salvo de que um qualquer outro evento não nos desgrace a vida.
Há coisas em que penso de vez em quando. Parecendo que não, às vezes penso. O devir da humanidade é um dos meus temas de eleição. Podia fazer por menos mas sou assim, se é para pensar, então, mais mais vale pensar em grande. Na humanidade. Pimbas. E se pensam que estou na brincadeira pois saibam que não, que com a humanidade não se brinca. E não me venham com trocadilhos do carvalho, que qual humaninade qual carapuça, que tal enormidade não está à minha altura, que para aí germanidade ainda para vai -- que não, preocupo-me não com o manuel em si mas mesmo com o género no seu todo. Believe it or not.
E isto do believe it or not agora aqui metido a desconchavo deve ser influência do Kullervo que deu em querer que eu aprenda a exprimir-me em inglês. Podia ser grego antigo para ver se ultrapasso as minhas fronteiras mas não, british, coisa tão brexitiana, tão maysiana, tão borisiana. Ao menos en français para ver se exercitava o meu charme, paroles com mal de vivre lá dentro, paroles com bisous intuídos, paroles sympas, choses comme ça. Mas não, inglês e, ainda por cima, pouco técnico.
Mas, dizia eu, que a humanidade volta e meia assoma ao meu espírito. E vem cheia de problemas e eu, que preciso é de abrir a janela e deixar entrar o ar, fico é cheia de preocupações e falta de perspectivas com medo de falta de futuro.
Ah. Outra coisa. Nada a ver mas querem saber? A meio da tarde tive uma reunião num sítio e resolvi ir a pé. A avenida cheia de turistas, gente de mochilas, jovens de shortinhos e chinelinha, mulheres muito louras com belos chapéus, todas contentes por estarem a passear numa cidade do sul, Lisboa la plus belle. E eu, salto alto, em serviço. E, então, abre-se o semáforo para peões e a passadeira é também passagem para trotinetes e, em sentido contrário ao meu, avança uma meia dúzia delas, cada uma com um deus em cima. Gigantes, musculados, muito louros, muito bronzeados, calções e tshirt de alças. Vi-me no meio deles e pensei que eram cavalos em tropel e me iam levar com eles, na garupa do bicho. Mas não, passaram por mim como se eu fosse transparente, eu a chegar ao passeio oposto e eles a passarem para o lado de lá. Suspirei mas foi suspiro curto pois logo novo tropel, eles de novo, agora na minha direcção, passando por mim, seguindo a grande velocidade, cavaleiros, deuses correndo em terra. Imagem maravilhosa a meio da tarde. Um pequeno exército de guerreiros lindos de morrer.
Mas, dizia eu, a humanidade, quando me invade a cabeça, só me dá ralações. Felizmente não é coisa em que pense muitas vezes. Mas, quando penso, só me apetece dar um chega para lá na ideia, pensar que até que a coisa se estrafegue de vez já eu cá não estou. Mas fico a pensar que ao ritmo a que a coisa se está a dar, mesmo que não dê grilo para mim, na volta ainda vai maçar os meus meninos e os que vierem depois deles e isso maça-me.
Uma das coisas que me dá que pensar é a falta de água. Medo. As temperaturas cada vez mais altas, calor abrasador, a terra gretando, as fontes e as nascentes secando, os rios exaustos, os peixes asfixiados, mortos, no que em tempos foram margens frondosas, os poços com águas pastosas, contaminadas. Os bichos desidratados, morrendo pelos caminhos. As pessoas precocemente envelhecidas, a pele enrugada, os lábios gretados, a língua inchada, branca.
Procuro, então, notícia de soluções para a falta de água. Máquinas que geram vapor a partir do calor que condensa, vapor que se transforma em água, água que alimenta árvores que se plantam na terra onde já não nasce nada, árvores que fixam a vida.
Aprendo sobre culturas que não precisam de água, procuro histórias de deserto transformado em bosque. Penso: essa é a grande luta. A luta pela sobrevivência. Combater o deserto que avança. Inventar água.
Não é coisa nova mas cada vez mais penso nisto. Leio como romance bom, coisa melhor que Tolkian -- que nunca li nem vou ler, não só porque sou ignorante encartada mas também porque acho que aquilo ali é mundo de monstros e seres trágicos e eu só gosto de ler história com gente de verdade e vidas com um lado bom. Ou então o contrário, história de lobos solitários, de tigres invisíveis de tão azuis, de cartas manuscritas, de poemas de amor, de rosas inalcansáveis.
Researchers say one invention could solve two problems for people lacking basic resources
E leio e leio e leio e sobe por mim acima uma vontade de avançar e não posso dizer aqui para onde porque isto aqui não é lugar para business case, isto não passa de uma espécie de diary, daqueles que o erudito Mr. X diz que podiam ser blogs. Embora humble, humble, o meu. Mas, cenas dessas à parte, o que aqui posso dizer é que acredito que o mundo só pode sobreviver se os manuéis germanos do sub-género abaixo de cão desta vida caírem na real e perceberem que é tempo de se deixarem de lorota fajuta, de intriga besta, briguinha da treta, que deviam era concentrar esforços na salvação dos humanos, essa raça de bicho bronco, autofágico.
Mas como pode a humanidade lutar contra os demónios se, quando chega a hora de escolher, tantas vezes escolhe animais -- mas não animais elegantes, honestos, zebras sensatas embora aladas, mas, sim, animais burros, bestas quadradas?
Parece que Stephen King previu o advento da cavalgadura faz muitos anos e agora assiste ao assustador fenómeno de ver a ficção consubstanciar-se no Trump mais Trump que alguém poderia ter inventado. Um susto. Um vídeo que mete medo.
Poças, isto assusta. Trump, o real, é pior que a pior ficção. Mas não é só ele. Gente assim pulula por aí, alimentados a palha, medrando no pasto das redes sociais. É que tantos outros. O Bolsonaro, por exemplo, outro que tal também à frente desse grande outro país. Impensável. Gente estúpida, ignorante, coveiros da civilização, coveiros do planeta. Tantos.
Eu a querer pensar nos bons exemplos, naquilo em que temos que nos concentrar, e a ver gente estúpida por todo o lado. Penso nos refugiados, essa pobre gente sem terra, sem pão, sem paz, por aí a caminho, tantas vezes enfrentando a morte, em vez de estarem a reinventar as suas terras, a reconstruir cidades, a criar água, a desenhar florestas verdes e riachos, pássaros de mil cores. Uma incompreensão. O tempo a passar, o planeta a ficar exaurido e tanto desaproveitamento de tudo. E tanto que há a fazer. Tanto.
E ponho-me a ver e sou capaz de para aqui estar a ver e ver, todos os exemplos de homens que plantam florestas que encontro. São bons exemplos, histórias felizes, daquelas de que gosto.
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As fotografias photoshopadas de animais são de Julien Tabet
Há gente que a gente não conhece e de quem, no entanto, já se habituou à companhia. Dois deles são da rádio. Não são só esses mas desses eu hoje quero falar. Poucas vezes consigo ouvir os Sinais do Fernando Alves mas, quando posso, não perco e, mesmo antes dele começar, já antecipo o arrepio que sempre sinto quando aquela voz encorpada roça aquelas suas melódicas palavras que caminham para o final no qual tudo converge, como braços de rio a avançar para uma doce enseada. E não desconheço a mecânica dos rios, não, usei mesmo aquela imagem por deliberação porque assim as palavras dele, correndo, sobressaltando-nos ou levando-nos nos braços e, no fim, não se perdendo no mar mas, antes, tudo se resolvendo e aquietando, represado em nós.
Hoje consegui ouvir. Falava de olhares, de uns olhos azuis e de uns outros, verdes que ficavam amarelos, falava de duas mulheres, uma que recordava e outra que ouvia, e falava também de um poema de Octavio Paz.
Cheguei aqui para ouvir outra vez, o arrepio a querer de novo percorrer-me a pele. E, então, aparece-me o Nónio, que quer que me registe se quero ouvir os Sinais. Um desconsolo. As belas palavras e profunda voz do Senhor Rádio a serem condicionadas por uma treta contra a qual os jornalistas deveriam manifestar-se. Gostava de aqui poder partilhar convosco o que senti ao ouvi-lo. Não posso, não quero ser condicionada desta forma tão escancaradamente absurda.
E queria, a propósito do que ouvi e de outras coisas cá minhas, falar de olhares, de como, para mim, é indispensável o contacto visual com o olhar do outro. Pelo olhar me desnudo, pelo olhar procuro a alma do outro. E queria contar como os meus olhos mudam de cor e como me desreconheço quando espero um tom do fundo do mar e os vejo, no espelho, da cor de pedras reluzindo ao sol e não sei se é o espelho que lhes dá a luz ou se são os meus olhos que inventam cores novas quando se vêem ao espelho. E queria contar que os meus olhos míopes parece que não precisam de ver para me darem a conhecer o que dizem os olhos dos outros e adivinham até o temor dos que não deixam que os meus os olhem de frente e em profundidade, como que receando que eu mergulhe fundo demais. Mas isto, se calhar, não é bem assim, isto, se calhar, sou eu que sou dada a rêveries, a inofensivas loucuras.
Mas, pronto, não tendo eu para aqui partilhar convosco os Sinais, não falo.
E foi também no carro que tive uma má notícia: tantas vezes a nossa companhia ao sábado junto à hora do almoço, Ruben de Carvalho -- que se divertia à grande com Jaime Nogueira Pinto, os fantásticos Radicais Livres -- tinha-se libertado das amarras da vida. E escrevo assim não porque a hora careça de metáfora mas porque não gosto de usar a palavra certa. A palavra certa assusta-me quando a a ceifa atinge pessoa que me faz boa companhia. Parece que receio que contagie, que seja mau presságio. Evito.
Muitas vezes tínhamos que levantar o som, apurar o ouvido, eles falavam ao mesmo tempo, riam-se, tinham o prazer da concordância, sempre contentes por se lembrarem das mesmas coisas ao mesmo tempo, avindos apesar de tudo. Histórias, episódios, apartes -- e sempre ambos a completarem-se, rindo da sintonia. Riam um do outro, o da esquerda e o da direita, gozando com a própria irreverência face à ortodoxia. Radicais e livres. E agora o Jaime Nogueira Pinto não terá o seu amigo para desfiar memórias e opinião a par e par e nós, no carro, não teremos o prazer de o ouvir trocando postalinho com o seu companheiro.
Se calhar vai chegar o dia em que vou começar a sentir que o meu mundo vai ficando mais pobre, sem muitos daqueles que acompanham os meus passos. Ainda não quero dizer isso porque não sou fatalista, não gosto de curtir tristeza. Mas custou-me mesmo que ele se tivesse ido embora e, ainda por cima, sem dar aviso, sem que eu fosse criando mentalização para o que estava para vir. E falo de forma egoísta, não falando no sofrimento dos que lhe são próximos, falando apenas de mim, no carro, a ouvi-lo. Mas acredito que, quem fala na rádio, fala como se falasse para cada um que o ouve e é dessa tertúlia agradável e culta que vou sentir muita falta.
Mas é assim mesmo a vida, cheia de coisas destas, de olhos que se fecham, coisas nem sempre esperadas, coisas que nem sempre causam arrepio bom na pele.
E para não chegar ao fim num tom dolorido, com saudades de olhares longínquos, com a melancolia de amores perdidos uns dos outros, com a nostalgia de vozes que gostaríamos de ter perto de nós, vou lá acima trocar o Nocturno pelo Redemption e vou colocar as minhas palavras sob a copa das minhas tão amadas árvores que me abrigam quando estou in heaven.
Ou melhor: vou acabar a dançar. E vou buscar um dos tangos mais enternecedores e mais sedutores de que tenho memória. E com uns olhos que, na realidade, vêem mas que ali, não vendo a fingir, vêem mais do que todos os olhos que com ele deslizam no salão, a menina deslizando nos seus braços, rendida, transportada.
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Entretanto, por gentileza de um Leitor num comentário abaixo e a quem muito agradeço, recebi a indicação de aqui se consegue ouvir a crónica do Fernando Alves: