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quinta-feira, novembro 30, 2017

Aristóteles talvez explique o que se passou com Joshua Bell





Não é novidade, tenho-vos contado. Não gosto de decorar. Decorar = Fixar = Marrar. Não gosto. Nunca gostei. Enquanto estudei era o meu calcanhar de aquiles. Tudo o que fosse de decorar era um castigo. Não dava. Não que não tenha boa memória. Acho que, de certa forma, até a tenho. Mas selectiva que só ela. É o que ela quer. Nunca tive motivação para a forçar. Era assim. Continuo igual. Gosto de descobrir. Não gosto de mal-habituar o cérebro. Tudo há-de ser degustado como numa primeira vez.

E já nem sei se é causa ou consequência: se não me lembro porque a memória é de má qualidade ou se é por ser de qualidade de me deslumbrar de forma quase infantil que a memória já se acomodou a ficar a leste. Nunca consigo lembrar-me de citações, de títulos de livros ou canções, nunca nada em que possa mostrar que sei alguma coisa. Mas, se calhar, porque nunca me esforcei. 


A verdade é que espreito paredes e gestos, paisagens e pássaros, rostos e poemas como se nunca antes tivesse visto coisa que se parecesse. O meu marido agasta-se, não quer que eu esteja sempre a parar ou a abrandar para ver ou fotografar porque acha que já o fiz mil vezes antes. Mas eu acho que é sempre novo. Porque a luz é diferente, porque a envolvente é outra. Por mil motivos. Ele acha que é por mil maluquices. Não discuto. Não sei explicar. Só sei que é assim.

Sei de pessoas que perderam a capacidade de se deslumbrar porque se lembram de tudo o que conheceram antes e já nada lhes parece novo ou à altura do que aconteceu nos primórdios, nomeadamente na Grécia Antiga. Eu sou o oposto: laboriosamente cultivo a ignorância. Nem shazam nem bases de dados de coisa alguma, nem nada. Ler e ouvir às cegas, como se tivesse nascido naquele instante e nada mais esperasse do que conhecer o mundo.


Mas, claro, isto sou eu a dizer. O cérebro, apesar do meu esforço, regista e classifica algumas coisas e, portanto, volta e meia dou por mim desatenta em relação ao que a minha cabeça, por si, decreta ser déjà vu.

Portanto, não tenha dúvidas de que ignoro mais de metade do que me é dado conhecer: por cegueira, desatenção ou preguiça.

Arte, música, palavras. Quantas vezes passei por situações que, se atenta, me vergaria de admiração e que, por desatenção, as ignorei? Mil vezes. Mil vezes por dia.


Mas, pensando bem, a responsabilidade não é só minha. Sempre me questionei sobre isto, sobre a nossa incapacidade para abarcarmos toda a realidade ao nosso alcance e para a processarmos de forma abrangente. E agora fiquei a saber que, para que o click se dê e para que a coisa nos agarre tem que haver um misto de logos, ethos e pathos.


Fosse eu uma rapariga esperta e desenvolveria o tema. Mas não sou. Portanto, limitada que sou, cedo o passo a quem melhor o possa explicar.

O que Aristóteles e Joshua Belle nos podem ensinar sobre a persuasão



E, agora, abaixo, Joshua Bell, o conhecido violinista,  explicando o que se passou. A coisa não é de agora mas é interessante e intemporal: depois de encher salas de espectáculos com devotos que iam para o ouvir tocar (a ele e ao seu fantástico Stradivarius avaliado em milhões), em que ninguém discutia os 100 dólares por bilhete, aceitou fazer a experiência de ir tocar para o metro em Washington, D.C. Tocou durante 45 minutos as mesmas músicas que tinha tocado uns dias antes, incluindo Bach. Contudo, ninguém parou e apenas algumas pessoas lá deixaram umas moedas. Desprezo absoluto.


Tempos depois repetiu a experiência mas, desta vez, tendo anunciado que ali ia tocar. A estação encheu. Foi o delírio.

Joshua Bell na Estação de Metro de Union Station em Washington, DC



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O mesmo aconteceu com obras de Banksy vendidas no Central Park há um bom par de anos. Vendidas a preço de uva mijona. Obras que normalmente são vendidas por cerca de 20.000 estiveram à venda por $60. Pois bem. Ninguém quis saber. Pouco se vendeu. Provavelmente, outra vez, a aquela 'cena' do Aristóteles.
[Sempre os gregos, caraças...]


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Imoral da deshistória: por involuntários preconceitos, limitações intelectuais, deformações a nível de percepção ou por falta da conjugação certa das circunstâncias, mais de metade do que seriam opções válidas de interesse são, por nós, descartadas sem que, sequer, disso nos apercebamos.

E mais não digo.

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Fotografias feitas in heaven
Lá em cima é Je crois entendre encore de Bizet interpretado por Joshua Bell. 

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quarta-feira, março 18, 2015

Da saudade e da urgência


No post abaixo falo de quimeras e emboscadas e ilustro com imagens invulgares ao som de uma música envolvente. Mais abaixo ainda partilho o vídeo de uma entrevista a Obama que merece muito ser vista e ouvida com atenção (está legendada).

Mas isso é a seguir. 

Aqui, agora, poderia falar de mais um episódio no triste caso de Sócrates ou na infelicidade da quebra do emprego em Portugal que se soube no mesmo dia em que o Cavaco andava a vender o trabalho competitivo e flexível dos portugueses aos franceses. Poderia e, se calhar, deveria.


Mas pode exigir-se de uma pobre mortal como eu que mergulhe as mãos em matérias tão pouco sadias? Chego a esta hora e só me apetece fugir daqui para bem longe, para o espaço, onde o ar é limpo ou, então, para o fundo do mar.

Mas, enfim, não seria fácil. Por isso, fico-me pela superfície das águas.




Ama-me,
agora,
antes que a palavra chegue.





Caminho pelos dias transportando a minha vontade, os meus sonhos, as minhas palavras. Sou única tal como cada um de vós é único. Não há à superfície da terra outra pessoa igual a mim nem igual a cada um de vós. Eu sei isso, cada um de vós o sabe também. 

No ruídos dos dias, a minha voz pouco se ouve nem eu tento que se destaque, desde sempre soube que sou apenas uma entre muitas.

Mas aqui, no silêncio da noite, eu só, amparada nesta doce solidão que não é solidão mas quietude, sou única. Aqui sou eu tal e qual e sem igual.

E, no entanto, se olho o outro lado do espelho, vejo outro ser igual a mim.

Diz o que eu digo, sorri se eu sorrio, avança se eu avanço, hesita se eu hesito. Levanto a cabeça e digo, esta sou eu, vou em frente, não quero saber desse outro ser que caminha junto a mim. Mas logo receio. E se ele se vai? Então, de soslaio, espreito-o e vejo que ele, de soslaio, me espreita também. Quase parece que não passamos um sem o outro.

Mergulhados em azul, o mundo parece ser nosso, e o espelho é água e é céu, e o céu é o chão que eu piso e o chão é o céu que me cobre e junto a mim vai o ser igual a mim, perdidos nos nossos sonhos, brincando com as palavras que se desenham à nossa volta como pássaros transparentes. Baixo a cabeça e ele baixa também a cabeça e, sem nos darmos conta, as nossas bocas aproximam-se perigosamente. São frescos os seus lábios. Fecho os olhos e imagino que ele os tenha fechado também.



Toca-me
antes que haja mundo,

Beija-me
antes que comece o beijo.

Despe-me
para que eu esqueça ter corpo.



Depois levanto a cabeça, ouço uma respiração e essa respiração vem do espelho, não vem de dentro de mim. E eu penso que eu não sou uma mas mais que uma, eu e a minha sombra, eu e a minha alma caminhando junto a mim, respirando. E baixo-me, aproximo-me cada vez mais, corpo contra corpo, os nossos corpos mergulhados num sonho muito azul e já não há mundo em volta, não há nada, apenas eu e ele, eu e eu-outro, respirando em uníssono, os olhos presos nos olhos do outro e as bocas procurando-se sempre. Não é solidão, pois, o que sinto mas uma paz muito grande, eu e o outro igual a mim respirando o mesmo ar, bebendo a mesma água, sonhando os mesmos sonhos, os corações tão próximos, ninguém mais neste nosso mundo em que o chão, a água e o céu se fundiram em azul.




Ama-me
até não sermos dois.


E é então que acontece o milagre pelo qual jamais eu poderia ter esperado. Uns passos que atravessam o azul, uma presença material, um afecto animal, e já não sou eu e os meus sonhos, sou eu e outro, dois, e nenhum espera nada do outro, ninguém quer nada do outro, porque assim são os animais, vivendo a suprema liberdade da sua vida inocente.

E não precisamos de palavras para saber que outros tempos virão porque agora nos descobrimos um ao outro, vindos do nada, nascidos do azul, atravessando o espaço imenso, desenhando rastos de afecto, ignorando o peso das sombras, sendo apenas felizes num mundo banhado de sonhos cheios de luz.



Ama-me.

E tudo será depois.

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As maravilhosas fotografias de huskies siberianos são de Fox Groom,  Kirovsk, Russia, e descobri-as no Bored Panda. A música é Voice of the violin: In trutina, Joshua Bell. Os excertos, juntos, formam o poema 'Da saudade e da urgência' de Mia Couto no 'Vagas e Lumes'.


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E sigam, por favor, para Quimeras e Emboscadas, onde se juntam uma mulher e um homem belissimamente fotografados por dois grandes fotógrafos ao som de uma envolvente música.

Para os não especialmente apreciadores de beleza deste tipo, há ainda um vídeo de um homem que não deixa de ter um enorme charme e, não menos importante, um imenso poder: Obama. A entrevista não deve ser perdida. Digo eu.

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E, por agora, é isto. 
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira cheia de sonhos azuis.

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