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quinta-feira, junho 04, 2015

A desconstrução do amor. O único lugar onde se concorda com tudo é o lugar comum.


Eu conto. Estive a trabalhar até tarde. Dali fui para casa da minha filha até ser hora dos miúdos se irem deitar. O pai está fora esta noite e nós fomos dar um apoio logístico. Enquanto lá, o mais pequeno, o chamado ex-bebé fez um desenho de uma coisa oval com várias reviravoltas às cores lá dentro. Perguntei o que era e ele respondeu como se fosse uma coisa óbvia: 'um cerbo'. Não percebi. O mano velho esclareceu: 'um cérebro'. Olhei de novo e sim senhor, era um cérebro. Um cérebro especial mas, enfim, vivam os cérebros especiais.

Passado um bocado apareceu com outra folha. Esta tinha coisas soltas, às cores, ao longo do papel, quase como se fossem asas coloridas ou penas esvoaçantes e disse: 'E este é o cerbo da Tá'. E todos disseram: '... e está certo'. Eu própria achei que sim, que este é bem capaz de ser o retrato do meu cérebro.

Portanto, com isto, cheguei a casa bastante tarde. No carro ouvimos a notícia do Jorge Jesus que desmoralizou o meu marido e me deixou perturbada. Por isso, já escrevi o post abaixo.

E agora, não querendo acabar a minha jornada com os cabelos do Jorge Jesus nos dedos, e à falta de melhor (porque, obviamente, não vou falar do outro que virou mulher e que, pela importância que lhe dedicam, mais parece um Cristo que tenha descido de novo à terra; muito menos vou falar de uma porquinha que foi vista toda derretida a bater palminhas a um láparo mal encarado) vou dedicar-me a temas mais intemporais: o amor, por exemplo. O amor pelas pessoas erradas. Ou que achamos que são erradas. E, também, a ser-se politicamente correcto, bem comportados, amorfos, abúlicos, bem dentro do lugar comum.

Poderia pôr-me para aqui a dissertar mas, tendo eu um cerbo como, pelos vistos, toda a gente acha que tenho -- as ideias esvoaçando à solta fora da cabeça -- vou antes dar a palavra a outros.







A desconstrução do amor


Imagine que loucura seria se fôssemos capazes de nos apaixonar pelos horríveis defeitos do outro. 


É... Sabe aquelas coisas que elegemos para nossa lista do “insuportável”? Então... Neste caso seria necessário que alguém tivesse a ousada ideia de organizar um espaço, uma página, um aplicativo, sei lá... Um jeito desses aí pra se encontrar a suposta cara metade. Só que em vez de usarmos como critério tudo que queremos do ideal parceiro, escolheríamos o improvável. E, seríamos escolhidos de forma igualmente inédita. Quem sabe, assim, assassinando a idealização do outro, não nos descobríssemos menos engessados, menos pedantes e mais possíveis de amar o outro apesar de suas imperfeições e não pelo que sonhamos que ele seja.

Nossa configuração emocional é um mosaico desconexo de inúmeras experiências que vamos colhendo ao longo da nossa existência. (...) 

Eu quero a permissão de sonhar com um mundo menos organizado, menos regrado, mais vivo e mais possível. Eu quero ter o direito de acreditar que um dia seremos menos hipócritas e mais felizes com nossas imperfeições. Eu quero ser capaz de mandar todas as idiotas convenções bem lá “praquele lugar”. Eu quero ser mais parecida com o que eu de verdade deveria ser se não tivesse passado tanto tempo tentando agradar.

Então, haveria essa maravilhosa possibilidade de nos apresentarmos despidos das embalagens. Finalmente poderíamos nos apaixonar pela pessoa errada e, no fim, descobrir que o errado dela fica tão bom perto do errado nosso. Haveria então, relações menos padronizadas, roteiros elaborados e rituais pré-estabelecidos. Olharíamos para o outro com a benevolência que somos capazes de olhar pra nós mesmos e nos enxergaríamos nos olhos daqueles que nos vêem, prontos para nos assustar com a nossa verdadeira cara. Despertos de um sono demorado e cheio de utopias, descobriríamos que ao sermos capazes de amar o lado meio desastrado do outro nos libertamos da impossível tarefa de sermos impecáveis.


[Artigo completo, da autoria de Ana Macarini na Obvious]
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O único lugar onde se concorda com tudo é o lugar comum. Discorde!


Não, você não precisa concordar com tudo o tempo todo só para não se indispor com seja lá quem for. Também não precisa gostar do que todo mundo gosta só para não estar só. Nada disso. Entre outras coisas, liberdade serve para isso mesmo. Para discordarmos de quem quisermos, quando desejarmos. Discordemos, pois!

(...) É raro, mas ainda que você tenha um milhão de amigos, mesmo que encontre um número imenso de pessoas pela vida, mil, dez mil, cem milhões, ainda que conte com um batalhão de afetos, admiradores, discípulos, funcionários e afins, acredite: você não precisa agradar a todos eles a toda hora. Não pode concordar com eles sempre, de qualquer jeito, e nem deve roubar-lhes a liberdade de discordar de você quando quiserem. Então, por caridade, fuja da obrigação de contentar a qualquer custo quem estiver perto.

Aliás, será mesmo que “amigo” é aquele a quem não se pode desagradar jamais? Será de fato que os nossos melhores amigos são aqueles de quem discordamos nunca? Se lhe resta alguma esperança mínima de acreditar que sim, desista. Não vai dar. Quem acha possível encantar de qualquer jeito a Deus e ao mundo perde tempo, dinheiro, amor próprio, respeito, saúde. E há de se frustrar para sempre. Discordar é preciso de quando em vez.

Você sabe. Os impecáveis de plantão adoram pontificar sobre a verdade das coisas e a fórmula da perfeição. Estão sempre aí, feito emas pescoçudas, escondidas na moita, à espreita, esperando para disparar suas normas de conduta. (...)

Você respira mais alto e pronto. Um monstro pavoroso lhe salta à frente e lhe cospe na cara uma certeza pegajosa. É aí que começa o trabalho pesado. Você vai ter de decidir entre concordar e discordar. Se consentir, abana a cabeça em silêncio para evitar a discussão e se junta à manada. Agora, se resolver discordar, prepare-se. Você vai assumir a forma de um bicho odioso, um ser “do contra”, um “antipático”, “metido a besta” e outros elogios. (...)

Para quem está disposto a pagar o preço, dizer o que pensa e sobreviver ao ataque, a vitória é doce. É o gosto bom de discordar ou concordar quando quiser e seguir adiante, enquanto observa de longe a matilha dos génios a postos, uniformizados, paralisados no tempo e no espaço à espera de novos alvos(...)


[Artigo completo, da autoria de André J. Gomes, na  Revista Bula.]



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As fotografias mostram árvores antigas iluminadas pelo céu estrelado e são da autoria de Beth Moon; Melody Gardot  interpreta Your Heart Is as Black as Night

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Se descerem, darão de caras com o novo treinador do Sporting, o fantabulástico Jorge Jesus. 
(Jesus...)

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira. 
Com muito amor, se possível.

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quarta-feira, dezembro 31, 2014

As gravações do Conselho Superior do GES nas quais de ouve o que se passou naqueles dias de medo e horror que precederam a resolução do BES: o símbolo perfeito do que foi este ano de 2014.







Não quero falar do que de mau e estranho aconteceu em 2014, nem quero fazer balanços nem selecções. A minha memória não mo permite e a minha natureza não me puxa para o passado.

Mas sei que foi um ano estranho, em que a dissolução parece ter acometido parte da sociedade portuguesa. Prisões e julgamentos em catadupa e sempre aquela sombra de exagero, de judicialismo que assusta, um Estado que parece estar a ser tomado por dentro pelo que existe de mais medíocre, mais perigosamente moralista. Aquilo que eu tomava por borra parece ter-se alcandorado ao estatuto de nata. Uma nata feita de borra infecta.


Há pouco a televisão revelava as gravações das reuniões de Conselho do BES, a família ali toda representada, os Espírito Santo dos cinco ramos reunidos em torno de uma hecatombe que, qual tsunami, avançava na direcção deles, tudo derrubando à sua passagem. 


Ouvem-se vozes aflitas, sente-se o medo, um pavor gelado, um império a ruir sem que eles o pudessem conter. Está na hora de pôr o Moedas a trabalhar, diz um, e Ricardo Salgado liga-lhe e ouve-se a chamada. E a voz de Ricardo Salgado, o líder em quem os outros confiavam, sente-se quase trémula. Antes ele tinha contado de um processo que lhes estava a ser movido no Luxemburgo, diziam que podia ser o fim, ele dizia que eram más notícias, a voz mal escondia o medo. E, de novo, ele ao telefone, desta feita para Carlos Costa que nem sim, nem não, e sabemos agora que, sem o assumir, já estava a lavar as mãos. Na altura em que ali se reuniam sem saberem já como salvar o grupo e o seu bom nome, eram já, sem que o soubessem, um grupo de condenados.

E eu, enquanto os ouvia, senti vergonha. Vergonha por eles. Sinto a vergonha que devem sentir quando ouvem as suas conversas, o seu estertor, a ser difundido para o mundo inteiro, nas televisões. Que tenham gravado tudo para depois transcrever e melhor fazerem as actas ainda vá que não vá. Agora que alguém tenha pegado nisso e oferecido ou vendido às televisões e jornais parece-me abjecto. 

Penso com nojo no traidor que, tendo ali estado, vivendo por dentro aqueles momentos de pânico, foi a seguir vender ou oferecer esses momentos que deveriam ficar na intimidade de quem os viveu. Uma abjecção.

Que a TVI divulgue esse material acho menos grave já que reconheço que é matéria que, inegavelmente, tem interesse jornalístico. Mas há no acto de vender aquelas vozes uma indignidade, uma sujidade moral, que me incomoda. 

Todos quantos têm passado pela Comissão Parlamentar e confessado que não sabiam nada do que se passava não devem estar a faltar muito à verdade. Muita da alta gestão é feita assim, na ignorância, confiando que alguém há-de saber o que está a fazer. Até ao dia em que alguém não sabe ou age de má fé. E ninguém dá por nada porque não estão lá para ver balancetes, balanços, extractos, análises de pormenor. Estão lá para fazer lobby, para mover influências, para patrocinar, para socializar - não para trabalhar. E depois a nobreza, a legítima e a presumida, tem destas coisas, parece que todos os bens lhes são devidos e que são inesgotáveis. Não sabem acautelar, vigiar, prevenir. 

Receberam com quase indiferença os milhões que os contribuintes iam pagando a mais (dos submarinos e sabe-se lá de que mais) como se fossem prebendas que lhes fossem devidas, o povo a pagar aos nobres. Mas tudo feito desmazeladamente, com excesso de confiança. E não é de espantar, sabem que a justiça está a mando de outros igualmente desmazelados. 

Uma sociedade em que as elites são assim, desmazeladas, incultas (e temos ouvido como mal sabem falar) de vez em quando derrapa para o charco, é natural.

São as elites que temos, nada a fazer.

Até que se assista a um rigor maior a nível político (e não se confunda rigor com prepotência, e não se confunda competência com palavras soltas coladas com cuspo, e não se confunda determinação com cegueira), empresas com as do GES, incluindo o BES, ou a PT ou outras que ainda por aí andam, correm o risco de a todo o momento poderem estourar. 

Um regime politicamente avançado que potencie a boa estratégia, a saudável gestão, que impeça habilidades fiscais, que premeie o fogo de vista, saberá impulsionar a qualidade a todos os níveis e vigiar as que assentam em fogo de palha.

Agora isto... Traições, denúncias, sabujices, gáudio pelo mal alheio, invejas, intrigas. Tudo isso só revela uma sociedade doente. E disso eu não quero falar.

Prefiro continuar a acreditar que somos um país com muitos séculos de história, que da nossa ancestral raiz seremos capazes de descobrir o resto da seiva pura que nos há-de, um dia, fazer crescer com orgulho. Quero acreditar que, apesar de parecermos um país de velhos agarrados a uma história que parece nunca nos ter conseguido ensinar nada de frutuoso, temos ainda em nós a capacidade e a vontade de nos reinventarmos, temos em nós a sede de liberdade que nos há-de levar à nossa verdadeira independência e soberania.




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As fotografias são de Beth Moon e mostram árvores muito velhas e muito belas.


Interpretada pela orquestra Divino Sospiro e pela soprano Eduarda Melo, a música é um excerto do concerto “Jommelli, Gluck e Avondano: 300 anos do nascimento" 

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