Vidinha de aposentada é assim: ginásio, caminhadas, leituras, passeios à beira-mar, fotografar, papar sushi, preguiçar, regar, cumprimentar os conhecidos. Uma santa vidinha, na verdade.
Só que, pelo meio, aparecem sempre cenas.
Estive até agora, e já passa das duas da matina, a rever um contrato. Chegou-me tarde e, claro, poderia fazer de conta que não tinha visto e só pegava nele de dia, quando tivesse tempo. Vidinha boa de aposentada tem destes privilégios, pode fazer-se o que se quer, quando se quer.
Se, com carinha lampeira, talvez até deixando implícita a minha condição de sénior, disser, olha, quando vi já estava com sono, depois, de manhã. tive que dar banho ao cão, quem é que vai pegar no meu pé? Ninguém, né?
Acontece que ainda tenho agarradas a mim as células velhas de quando trabalhava. Bem que já poderiam ter-se renovado, e eu, toda eu, ser outra, despreocupada. Mas não. Feita eu quando era assalariada, mal me chega alguma coisa para fazer, só se não puder é que não ponho logo na calha. E, se na calha não estiver nada de mais importante, é logo. Claro que poderia pensar para mim própria que coisas mais importantes era o que não faltava: ver as notícias, ver o instagram, irritar-me com os comentadores. Mas não. Parece que aquela coisa de primeiro as obrigações e só depois as devoções também continua peçonhentamente agarrada a mim.
Portanto, aqui estive a ver cláusula a cláusula, a consultar o código civil e o rebeubéu pardais ao ninho, a fazer análise comparada com outros contratos, a assinalar as alterações, etc., a trabalheirazinha do costume.
Conclusão, a esta hora, sei lá eu sobre o que é que hei-de aqui escrever? Não sei... Aconteceu alguma coisa digna de registo? Não sei.
Por acaso, li, de relance, que se percebeu aquela coisa da falha tectónica que justifica aquela quedazinha maçadora para os sismos cá do burgo. Mas não sei mais do que o título pelo que não me aventuro a botar faladura. Além do mais, não é tema que me ponha aos saltinhos. Se aquela coisa da fissura das placas for coisa que dê para preencher com silicone para isto não dar de si, tudo bem. Agora se é coisa sem remédio e a dita falha não vai fazer senão agravar-se, então, obrigadinha, mas não venham para cá incomodar-me com o tema pois passo bem sem ralações adicionais.
Por isso, peço desculpa mas, não havendo nada mais a declarar, aos costumes digo nada e avanço para os meus aposentos. E o que eu estimo é o que eu desejo. Sinceramente.
A Aline deu-lhe com alguma força mas foi sobretudo perto da hora de almoço. Chuva, chuva a jorros.
O pior foi que a grande buganvília que cresceu para cima do telheiro sob o qual deixamos o carro, quase desabou. Deve ter sido da força da água ou do vento, não sei. O que sei é que, quando demos por ela, estava a nossa meia altura. Nem o carro passava nem nós. Felizmente o tronco não se partiu, apenas tudo vergou, pendeu. Tentámos, os dois, levantá-la para que uma parte se apoiasse no muro que separa dos vizinhos. Mas não conseguimos. Aliás, o peso daquilo, ainda por cima, ensopado, é brutal, Os dois a dar o máximo e aquilo nem se mexeu. A única hipótese foi ir buscar o podão e desbastar, desbastar. No fim, ficou um monte enorme de ramos cortados.
Como para o fim da tarde a coisa tinha abrandado, fomos buscar um quadro que estava a emoldurar.
O quadro é em tons azul, verde esmeralda, acinzentado, com uma mancha em branco. Abstracto, como quase tudo o que temos.
Mas a tela veio da galeria esticada e presa a um passpartout. Quando na casa das molduras perguntaram se era para tirar o passpartout, resolvi deixar ficar e pôr, por cima, um vidro-museu que é invisível.
A moldura que escolhemos (nestas coisas conto com a opinião do meu marido que chega lá, aponta e diz: 'Esta'. Fico sempre na dúvida se tem uma fantástica visão panorâmica e, num único olhar, vê tudo o que há para ver, aliada a extrema convicção, ou se é, apenas, vontade de não estar na loja mais do que quinze segundos). Como lhe reconheço bom gosto, apesar das dúvidas, gosto de contarcom a sua opinião. Desta vez foi uma moldura larga, simples, num tom entre o prateado e o suavíssimo dourado, mais prateado do que dourado, mas pouco uniforme e quase sem brilho. Por dentro desta moldura, encaixado nela, escolhi uma outra fininha em azul claro alfazema, acinzentado, que puxa aos tons da tela. Fica como que um filet, entre a moldura propriamente dita e o passpartout branco. Acho que este apontamento valoriza a obra em si. Coisas minhas.
Coloquei aqui a fotografia de pormenor para que percebam o que estou a dizer (a parte de fora que se vê em cima e à esquerda é a parede)
Fomos ainda comprar o livro 'Como mentem as sondagens' do Luís Paixão Martins, que o meu marido está desejando de ler. Estive a folheá-lo e parece-me que também eu vou gostar bastante de saber o que lá se diz.
Comprei também o 'O outro nome' do Jon Fosse. Também já o folheei. E, mais uma vez, torço o nariz. Não me parece que me convença. Não sei o que se passa comigo. Já no outro dia falei nisso. Estou de má boca, nada parece ser para o meu bico. Enjoadinha. Agora, ao escrever isto, para ver se me convenço a mim própria, fui ler o princípio do livro. Perdoem-me os puristas, os nobelistas, os entendidos mas a mim pareceu-me uma seca.
Depois fomos ver o mar. Ficámos cá em cima. Mar bravo, bravo. Barcos em terra.
Muito bonito. Andei a fotografar. Maravilha.
E, como dois pensionistas a preceito, preguiçosos e a apreciar a boa vida, a seguir fomos buscar um sushi bem apetitoso.
O pior, claro, foi, ao chegar a casa, conseguir que pendurasse o quadro até porque pensei que deveria fazer uma movimentação entre outros, obrigando a ajustar a altura do penduramento dos que mudaram de poiso. É sempre cegada das antigas quando tem que fazer um buraco na parede. E, se é mais do que um, aí é a guerra total. E eu que ando há anos a dizer que tenho que aprender a pegar no berbequim, a escolher buchas e parafusos, continuo na ignorância e, portanto, dependente dele.
Por fim, contrariado, quase furioso, lá o fez. Quando a obra foi dada por concluída, feita boa menina, agradeci.
Depois pus-me de longe a contemplar. Fiquei contente.
A assinalar ainda que o nosso cão mais fofo hoje voltou a deitar-se na caminha dele que está aqui num cantinho da sala. Aninhou-se, enroscou-se. Há meses que dorme pelo chão, certamente onde se sentia mais à fresca. Hoje deve achar que o tempo mais frio já aconselha a algum aconchego. Cão mais lindo, mais querido.
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E agora estive aqui a ver uns vídeos e vou partilhar um, legendado, em que o dono de uma casa, um estilista bem simpático, mostra objectos bonitos que lá tem.
Inside This Fashion Designer's Modern Belgian Home, Filled With Wonderful Objects | Vogue
Fashion designer Pieter Mulier, Maison Alaïa's creative director, takes us through his Belgian home and shares some of his most precious possessions. As the successor to the legendary Azzedine Alaïa at Maison Alaïa, Pieter's taste and passion for art come shining through as he tours his abode.
Mais um belo dia de férias. Praia. Tempo bom. Uma luz branca, levemente enevoada, muito levemente, quase um tule.
Fazemos umas boas caminhadas. Parte do caminho faço-o dentro de água mas apenas os pés. Tão agradável. A água está em boa temperatura.
As pitangueiras estão plantadas. São uma pontinha, apenas, uma ervinha. Espero que vinguem e que se cubram de pontinhos amarelos e encarnados.
Tratei do que tinha a tratar e tive tempo para escrever.
Escrevo, escrevo, escrevo. Não sei de onde saem tantas palavras.
Aconselham-me a que escreva menos, que pondere mais. Mas isso é o mesmo que me dizerem que pense menos ou que respire menos. Não sei pensar antes de escrever. Quanto muito, penso depois de escrever.
Aliás, hoje estava a caminho do fim de uma história e, sabendo já como ia acabar, a minha cabeça começou a deslizar para uma próxima. É muito estranho, bem sei.
Tirando isso, vi, num relance, meia dúzia de jovens com aspecto vagamente alternativo que por aí andam a fazer parvoíces, cortando o trânsito, atrapalhando a vida a quem anda a trabalhar. Quando entrevistados, os jovens só dizem palermices, vacuidades. Estão desfasados da realidade, são incultos, mal informados. São um vulgar subproduto das redes sociais. Contudo a televisão ouve-os, dá-lhes palco. Uma gentinha desqualificada, tanto eles como quem lhes dá palco.
Enfim.
Enquanto estou a escrever, estou a ver uma entrevista com o Woody Allen. Diz que o trabalho é fundamental mas que a sorte é muito importante, que se pode trabalhar bem toda a vida e nunca ter sorte. Um médico que conheço diz o mesmo: a gente tratar-se ou monitorizar-se é importante mas mais importante é ter sorte.
E é mesmo. Por isso gosto tanto de desejar boa sorte. A mim própria me desejo boa sorte.
Hoje recebi um mail que, podendo não querer dizer nada, pode querer vir a dizer muito. Com a humildade de quem está a aprender a dar os primeiros passos, dou ouvidos a tudo e levo a sério o que para outros, talvez, não tenha qualquer significado.
E, assim sendo, deitei mãos à obra e trabalhei afincadamente quase todo o dia. A resposta acabou de seguir.
Não sou fantasiosa pelo que não vou ficar toda excitada a acreditar que vai correr bem. Como sempre, atiro-me às coisas tentando conseguir chegar onde quero mas mentalmente precavida para não conseguir nada.
Ou seja, não é fácil desanimar pois, de cada vez que não consigo, vou à volta, tento de outra maneira. Difícil para mim é desistir.
Com isto ainda conseguimos fazer uma caminhada à hora de almoço e ir um bocado à praia ao fim da tarde. Estava-se bem. Tarde bonita.
E, porque não tinha jantar, trouxemos um belo sushi.
Portanto, como síntese, o dia foi produtivo e bom. Não disse mas acho que se depreende que, para os lados da minha mãe, as coisas estiveram mais calmas.
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Com este programa de festas, foi quase de raspão que vi a tinta verde que atiraram ao ministro do Ambiente e a tinta encarnada com que sujaram as paredes da FIL. E não ouvi o que o Marcelo disse mas ouvi o meu marido revoltado, dizendo que o Marcelo quase parecia estar a sancionar a forma de actuar dos jovens.
E o que tenho a dizer é que:
1 - A crise climática é um motivo sério, dramático, e é para nos preocuparmos, mesmo. Que não haja dúvida: é assunto que deve ser levado muito a sério. E não é um tema português: é, sim, um tema mundial. E tem diversas vertentes pelo que tem que ser visto numa perspectiva integrada. Não é simples, pois acabar com uma actividade poluente (a aviação, por exemplo) alteraria o modo de vida das populações de todo o mundo, acarretaria despedimentos, implicaria vultuosos investimento em actividades alternativas, levaria anos a ser posta em prática. Não se pode acabar, de caras, com nada. Pensar isso é ter uma visão simplista e errada sobre o funcionamento da vida real. Mudar o modelo económico do mundo actual requer visão, estratégia, planeamento, recursos, capacidade de execução apesar dos escolhos, muito esforço, infinitos sacrifícios.
2 - Contudo, apesar de tudo, há que operar a transformação. Levará tempo, implicará compromissos, imporá acordos transversais. Penso que, mais ou menos, todos os países civilizados estão empenhados nisso. Claro que quem gere os países são os políticos (eleitos) e sabemos como tantas vezes se elegem políticos que estão na política a servir interesses que não os dos que, ingenuamente, os elegeram.
3 - Para lidar com a urgência das medidas e com a resistências que políticos impreparados ou a soldo, há que ter inteligência.
4 - O processo que os jovens portugueses moveram no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contra 32 países, entre os quais, Portugal, parece-me uma iniciativa inteligente.
5 - As iniciativas inteligentes são as que constroem soluções ou apontam caminhos
6 - Neste domínio, as iniciativas ineficazes, pouco inteligentes, censuráveis e, até, criminosas são as que resultam da ameaça, do insulto, da destruição, do arremesso seja do que for contra pessoas ou património
7 - Nos casos em que há crime (e não sei se arremessar tinta ao Ministro ou às paredes de um edifício é apenas uma estúpida e inútil falta de respeito ou se é crime), devem os acusados ser julgados.
8 - As lutas justas devem ser travadas com lisura, respeito pelo outros e pela lei, civismo e, claro, inteligência.
9 - Se Marcelo não percebe isto, estamos mal. Ou seja, a ser verdade que o nosso Presidente não se demarcou e não censurou muito claramente a forma infantilóide, desrespeitadora e absurda com que os jovens actuaram, vamos de mal a pior.
Hoje foi um dia bom e até à praia consegui ir. Água fria, os meninos apenas mergulhos rápidos, os adultos nem aí. Presenciámos a bela arte xávega, espectáculo belíssimo. Junto duas das fotografias que fiz.
Tudo bom. Bom tempo, melhor companhia. Mas, claro, foi dia apenas de lazer. Trabalho: zero.
Entretanto, à noite estive a ver, na 2, um interessante programa sobre o Lolita de Nabokov. Já antes o tinha visto. Levanta um tema que a mim me perturba um pouco. O facto de um autor tecer a personalidade de um personagem e o pôr a agir em conformidade pode ser interpretado como sendo uma extensão das ideias do autor?
Se eu escrever sobre uma assassina ou sobre pessoas racistas ou, de forma geral, sobre pessoas pouco recomendáveis pode o público ou a crítica entender que o autor pretendeu fazer a apologia de comportamentos inapropriados ou desviantes ou que essa é também a sua maneira de pensar ou agir?
Claro que a pedofilia é daqueles crimes que incomoda muito, que deita sal nas feridas mesmo que inexistentes. Mas, sabendo disso, não deve um autor mergulhar na mente e nas vísceras de um pedófilo e imaginar o que pensa e faz perante uma vítima?
É um tema que me suscita muita curiosidade e muita dúvida pois com alguma frequência sinto-me tentada a aventurar-me por territórios interditos.
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E, por hoje, fico-me por aqui. Quero acabar a minha empreitada para ficar com a mente livre para novos voos. Tenho trabalho ainda para umas duas ou três semanas, imagino. Isto se trabalhar no duro, o que nem sempre consigo. Não é grave pois, como disse há dias, é um tempo de que a minha cabeça precisa para se orientar e iluminar. Como disse uma Leitora, o tempo da dúvida é o tempo da espera. De vez em quando, a meio da noite, acordo e ocorrem-me caminhos para o que tenho aqui em germinação. Em caso de hesitação, há quem escreva pistas, quem alinhave opções. Eu não. Fica tudo aqui a fervilhar dentro de mim. E eu, do exterior, a aguardar.
Costumam contar-me coisas. Chegam-se ao pé de mim e começam a contar-me coisas, por vezes coisas muito pessoais. É um pouco desconcertante mas é a verdade. Não sei bem porque é que isso acontece. Não sou de sorrisinhos, não sou de simpatias a la minute para angariar amigos, não sou de palavrinhas fáceis ou consolos de efeito, sou mais de ouvir atentamente. No entanto, pelo menos a julgar pela minha experiência, o ser como sou faz com que as pessoas se sintam confiantes em partilhar comigo situações muito pessoais.
Eu, pelo contrário, não sou de falar de mim. Mesmo aqui, em que me farto de escrever e em que escrevo num registo por vezes quase diarístico, há muitos temas que nem afloro. Mesmo nos que falo, tento não dar pormenores muito objectivos pois penso que os assuntos são mais interessantes para quem os lê se houver, aqui ou ali, um certo véu. Mas se a escrever ainda vou falando de mim, ao vivo e a cores pouco falo. Não tenho muito para dizer.
Se a Thoraya montasse a banca ali no jardim ao fim da rua e me pedisse um segredo, acho que não me ocorreria um único. Acho que não tenho segredos. Pelo menos dos que se podem contar.
Vejo os vídeos dela e fico espantada com a quantidade de pessoas que têm segredos escondidos e que, pelos vistos, são segredos que estão ali à bica para poderem sair. Eu teria que puxar muito pela cabeça e, no fim, penso que no máximo me ocorreria uma palermice qualquer de quando andava na escola primária.
Na verdade, acho que nunca fiz uma patifaria, nunca gamei nada, nunca sacaneei ninguém, nunca tive inveja de ninguém. E, no entanto, no outro dia, num daqueles exercícios de imaginação em que me ponho a imaginar o que hei-de fazer um dia que me reforme, ocorreu-me que talvez gostasse de escrever umas memórias e, ao pensar no que poderia escrever, lembrei-me de algumas coisas de que habitualmente não falo. Melhor: de que nunca falo. São coisas que não interessam, coisas que ficaram no passado. Ao contrário de muitas pessoas que ficam a remoer e atormentadas com isto ou com aquilo, eu ponho para trás das costas e nunca mais penso nisso.
Não sei o que é que hoje em mim vem de situações mal resolvidas no passado. Diria que nada. Se me ponho a pensar na minha infância, adolescência ou vida adulta, o que me vem à cabeça são as situações boas, reconfortantes, divertidas. Só com um aturado esforço de reconstrução é que me recordo das coisas menos boas. Mas agora, tal como antes, relevo-as, relativizo-as, arranjo atenuantes para quem praticou algum acto ou proferiu alguma palavra que me incomodou.
Não guardo recordações desagradáveis em relação aos meus primos, aos meus amigos, aos meus colegas. Não me lembro de alguém que me tenha magoado. Se o fizeram, desculpei-os tão completamente que disso não sobrou qualquer ponta solta. Mais mais facilmente me lembro de situações em que estive um bocado ao lado ou em que, por erro ou omissão, induzi nos outros deficiente compreensão de situações, levando-os a ficar felizes com situações que não correspondiam exactamente ao que lhes tinha parecido ou, pelo contrário, levando-os a desgostos desnecessários. Mas não sei se isso encaixa no conceito de segredo.
Mas, sim, um dia que me ponha a escrever, sairão à cena algumas novidades.
Penso também no seguinte: se um psicólogo me virasse de cabeça para baixo e chocalhasse, será que iria conseguir que saltassem algumas peças soltas que fossem reconhecidamente a chave para explicar a minha personalidade ou alguns dos meus comportamentos? Creio que não. Mas nunca se sabe.
Seja como for, gosto de ver estes vídeos da Thoraya. Já aqui a tive algumas vezes. E a quantidade de pessoas que os comenta e que se solidariza com o que ouviu ou que se revê no tipo de segredos que ali são revelados é espantosa.
E vai escrever um livro sobre segredos, ela, e está a pedir que lhe enviem segredos para que possa usar alguns no seu livro. Pelo que expliquei, não vou enviar nada mas se algum de vocês, aí desse lado, tiver alguns para a troca, é enviar-lhe.
As empresas e organismos portugueses estão desprotegidos em relação aos ciberataques?
- Estão
Uma empresa ou um organismo pode garantir que, depois de ter investido muito dinheiro em segurança, está seguro contra ciberataques?
- Não
Um pirata informático consegue sempre entrar nos sistemas de uma qualquer empresa ou de um qualquer organismo, por melhor protegidos que estejam?
- Consegue. É uma questão de tempo.
Quais são as principais vulnerabilidades das redes e dos sistemas informáticos?
- Muitas. Essencialmente as humanas.
O que deve uma empresa ou organismo fazer para melhor se defender de um ataque informático?
- Para além de investir em segurança (equipamentos, aplicações, etc), em formação a todas as pessoas da empresa e num seguro adequado, deve, acima de tudo, ter um bom plano de contingência que contemple bons sistemas de backup. Mais tarde ou mais cedo, todos serão atacados. A diferença estará na capacidade de rápida recuperação.
Pode dar um exemplo de como pode ser fácil a um hacker entrar em sistemas alheios, danificando ficheiros, capturando acessos, copiando informação, impedindo os serviços, etc?
- Um exemplo muito simples. Imagine-se um estagiário que vá trabalhar na área de IT. E, quem diz estagiário, pode dizer um trabalhador temporário. Ou mesmo efectivo. Tanto faz. Enquanto lá está, para poder trabalhar, atribuem-lhe permissões adequadas a pessoas que trabalham nesta área (permissões alargadas). Enquanto lá está, sabe como é a arquitectura das redes, dos sistemas, como é a segurança, quais as rotinas dos administradores de sistemas, etc. Quando sai, suponha-se que, por lapso, não lhe são retirados de imediato os acessos. Ou nem isso. Suponha-se que, quando lá estava, criou um utilizador com permissões alargadas. Suponha-se que, já lá fora, resolve fazer uso dos acessos e dos conhecimentos. Entra legitimamente, não é detectado pelos sistemas de segurança. Faz o que quer. Ou suponha-se que nem é ninguém de fora mas alguém que, lá dentro, resolve vingar-se. Ou que está a ser pago por alguém para fazer isso. Mil hipóteses. Mil hipóteses quase impossíveis de detectar. Ou, numa organização ainda pouco apetrechada para detectar brechas, suponha-se que alguém instalou algum equipamento ligado à rede e que se esqueceram de mudar a palavra-passe que o equipamento traz por defeito, palavra-passe essa disponível na net. Mil hipóteses. Mil. Impossível a blindagem absoluta. Impossível. Uma vez lá dentro, é só o tempo para ir entrando, conhecendo, agindo. Pode até nunca dar a conhecer que lá está ou lá esteve. E estar, silenciosamente, fazendo o que quer. Ou pode, um dia, deitar tudo abaixo. Apesar de não estar ao alcance de qualquer um, é fácil.
O que leva um pirata informático a entrar nos sistemas e nas redes de empresas ou organismos?
- Motivações políticas (em especial quando os hackers actuam a mando de Estados), motivações comerciais (para prejudicar as empresas atacadas), motivações económicas (pedindo resgates), por gozo (entrar em sistemas alheios é um desafio, é como vencer etapas de um jogo).
Os únicos riscos que se correm quando uma empresa ou organismo são atacados são apenas os de se perder informação ou de se ficar sem acesso durante uns dias?
- Não. Pode ser muito pior que isso. Se pensarmos nos equipamentos de controlo de instalações críticas tais como redes eléctricas ou de abastecimento de água ou gás, salas de controlo na aviação ou na rede ferroviária ou de metropolitano, salas de controlo em fábricas químicas ou petroquímicas, ou redes de operadores de comunicação, em especial se forem de mais que um em simultâneo. Em qualquer destes casos pode estar a falar-se em risco de vida, potencialmente em risco para muitas vidas. Ou seja, há casos que dizem respeito à segurança nacional. E espero bem que, a esta altura do campeonato, os nossos SIS estejam a validar com as empresas críticas como estão os seus planos de contingência.
De novo, o que devem as empresas e organismos fazer para prevenir situações graves?
- Levar o risco muito a sério. Em primeiro lugar devem ter um responsável de Segurança. Não deve ser uma pessoa qualquer. Deve ser alguém muito competente, muito pragmático, muito assertivo, muito bem conhecedor do funcionamento e da cultura da organização, deve ter um grande ascendente junto de todas as pessoas, deve reportar à Administração. Em segundo lugar deve haver um orçamento generoso para o tema da Segurança.
Numa empresa ou organismo críticos, em caso de suspeita de que algum deslize pode ter acontecido, de que algo de suspeito pode estar a acontecer, o que se deve fazer?
- Ao contrário do que é costume (desvalorizar, recear 'dramatizar', ter medo de que acusem de ser paranóíco, etc), deve agir-se prudencialmente: devem avisar-se de imediato as autoridades (SIS e/ou Centro Nacional de Cibersegurança, consoante a natureza da suspeita), chamar peritos em segurança, começar de imediato a monitorizar de perto todos os comportamentos na rede e nos sistemas, em especial os que pareçam anómalos e, de imediato, verificar se todos os sistemas de contingência estão operacionais e se há quem saiba conduzi-los.
A comunicação social tem estado a dramatizar ou a empolar a gravidade dos ataques sofridos este ano (e ainda estamos no início de Fevereiro) pelo grupo Impresa, pelo grupo Cofina, pela Assembleia da República, pela Vodafone, pelos laboratórios Germano de Sousa...?
- Não. Pelo contrário. Neste caso, maior divulgação dos riscos e maior divulgação de quais as melhores práticas seriam necessárias.
Este tema é sexy?
- Não.
Então porque temos que lhe dar atenção?
- Porque disso pode depender a nossa liberdade. Ou a nossa vida.
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Fotografias feitas na praia ao fim de uma tarde de névoa na companhia de Sofiane Pamart que interpreta Love.
A última fotografia, como é bom de ver, não fui eu que a fiz.
Nada disto tem a ver com o texto mas de alguma forma eu haveria de tentar compensar a aridez do tema, certo?
No fim da jornada, fomos passear para a beira mar. Apetecia-me algo -- e perdoem-me mas não vou explicar porquê. Aliás, teria desejado estar despachada mais cedo mas a reunião da tarde alongou-se. Por isso, quando ambos pudemos (porque não fui só eu a não me despachar mais cedo), fomos.
Entardecia.
Pessoas correndo no paredão, pessoas andando de skate, pessoas de bicicleta, pessoas passeando devagar, pessoas simplesmente olhando o mar ou olhando o céu a enlouquecer, tanta a cor.
Com o animal peludo a puxar desvairadamente, a ir de pedra em pedra, a cheirar tudo, um entusiasmo, todo um mundo por descobrir, era-me quase impossível fotografar.
Pelo caminho tinha falado com a minha mãe e com a minha filha. Já a chegar, ligou o meu filho. Por isso, ia falando com ele enquanto aproveitava as delirantes cores do sol já posto para fotografar.
O pequeno urso ia pela mão do dono, de vez em quando abeirando-se de mim, pelo meio olhando para um lado, para outro, para trás, correndo em frente, parando, cheirando, saltando, verificando se estava tudo sob controlo enquanto tentava assimilar tantos novos estímulos.
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E, ao começar a escrever isto, passei pela 2 e estava a dar um documentário sobre Robert Mapplethorpe -- um grande documentário.
Tenho um grande livro de fotografia dele, daqueles que sempre tentei que os meus filhos não vissem. Há imagens que tenho que confessar que me chocam pelo que ali se vê. Receava a reacção deles, receava que pensassem que algumas daquelas coisas eram normais -- ou que me colocassem perguntas às quais teria dificuldade em responder. Tenho um outro sobre ele e a sua fotografia, menos provocador. Mas sempre de uma grande beleza. O seu próprio percurso é fascinante. Focado, ambicioso, excessivo. Sou sua grande admiradora. A estética, a pureza, a perfeição da composição, a depuração superam a estranheza que eu, por vezes, sinto. Muitas vezes, neste meu canto, aqui o tenho tido e certamente muitas mais terei.
Deixei-me ficar a ver e, por isso, agora já são duas da manhã, continuo com o sono ainda não recuperado, esta quarta feira tenho que madrugar... e ainda não comecei a falar do que tinha em mente. Já nem vou conseguir falar.
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E estive a falar de um grande fotógrafo e, em vez de aqui ter a sua obra, estou a plantar fotografias feitas por mim. É o que tenho à mão.
Não consegui fazer muitas, rapidamente caiu a noite e, sem concentração e com um urso peludo que, no meio da alegria, ainda se lembrou de fazer cocó ao pé de um casal de namorados e de fazer chichi ao pé dos bancos por onde passava (agora está a querer ficar um cão-machão: sempre que vê um poste, um candeeiro e, hoje, um banco, encosta-se e começa a querer levantar a perna), poucas mais fiz do que estas que aqui estou a pôr.
Como já era de noite e vi que, por não conseguir estar sossegada e porque as pessoas também não paravam quietas, as fotografias estavam a ficar desfocadas e como se as pessoas estivessem a ser agraciadas por uma chuva de estrelas, decidi parar e dedicar-me apenas à caminhada.
Fomos andando, conversando, aspirando a maresia. Há muito tempo que não íamos para ali. Fomos também buscar comida ao restaurantezinho onde, durante anos, íamos frequentemente à sexta à noite.
Soube-nos muito bem. Logicamente chegámos tarde a casa. Depois o meu marido ainda teve que acabar um trabalho e sei lá mais o quê. Só aterrei aqui já bem tarde e, se não fosse o Robert Mapplethorpe, certamente teria adormecido.
Sei que é aborrecido fazer um post e pôr-me a falar de meu sono mas é o meu ponto fraco. Tanto que preciso de dormir bem e, no entanto, tanta necessidade que tenho de fazer esticar os dias.
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Vou-me e vai ser mais um dia em que não consigo responder a comentários nem a um mail interessantíssimo sobre casas (e sobre o lado humano das casas). Já não consigo.
De domingo para segunda deitei-me tardíssimo para acompanhar os resultados, as reacções e os exercícios acrobáticos dos jornalistas de stand up e dos avençados a metro. Ainda por cima acordei muito mais cedo do que tinha previsto com o urso a atirar-se à maluca contra a porta do quarto.
De manhã -- ou melhor, praticamente de madrugada -- o meu marido vai dar uma volta com ele. Mal entra em casa, o meu marido diz que ele corre e tenta abrir a porta do quarto. Deve querer saber se lá estou dentro. A porta fica encostada e, como o chão, que é de madeira, faz atrito, só com força se consegue empurrar. A porta não pode ficar aberta senão ele entra e, num salto, vai para cima da cama. Vindo da rua, não se pode dizer que venha com as patas muito limpas. Portanto, fica a porta encostada. Não fica fechada pois faz-me impressão, receio não ouvir alguma coisa que deva ser ouvida. Mas a verdade é que acordo sobressaltada com os encontrões que dá na porta.
De manhã pensei que, com sorte, talvez pudesse passar pelas brasas logo a seguir ao almoço. Estava mesmo a precisar. Afinal apeteceu-me tentar recompor o livro que, no outro dia, a fera tentou devorar. Dezenas de bocadinhos de folhas. Com uma paciência chinesa pus-me a tentar encontrar, nas folhas esburacadas, o espaço para cada bocadinho. Por bizarro que possa parecer, gosto de fazer coisas assim. É tal e qual como fazer um puzzle. E eu não tenho paciência para fazer puzzles pois não tenho paciência para fazer coisas que não servem para nada. Neste caso, como o objectivo não era lúdico mas muito objectivo, tentar conseguir ler as folhas despedaçadas, tive paciência.
Tenho esta coisa muito arreigada em mim: não desperdiçar tempo com coisas que não servem para nada. Claro que escrever aqui, a bem dizer, também não serve para nada. Mas, enfim, tenho esperança que sirva para fazer companhia a quem me lê, enquanto me lê. Enfim, não interessa. Gosto de escrever, seja ou não útil. Acho que é a única excepção. Isso ou fotografar.
Bem, mas pus-me a tentar reconstituir as folhas. E quase consegui. Subsistiram alguns buracos em algumas páginas. Concluí que não apenas o pequeno monstro felpudo rasgou várias folhas como deve ter comido parte delas. É que apanhei cada bocadinho que encontrei na relva, não sobrou nada. Portanto, deve ter devorado, literalmente, parte da biografia do Pina.
O que é curioso é que, enquanto estive nesta actividade, ele esteve deitado ao meu lado, com o queixo em terra, como quando está expectante ou a fazer-se de morto a ver se passa despercebido. Ora costuma andar de roda de mim, pôr as patas em cima da mesa para ver o que estou a fazer, a tentar mexer naquilo em que estou a mexer. Desta vez nem pó. Cá para mim, lembrou-se que aquele livro já foi motivo de desentendimento sério entre nós e nem se arriscou a puxar assunto...
Portanto, como de seguida tive que me ir aprimorar para uma reunião, não consegui descansar. Resultado: agora estou que não posso. Daqui a nada tenho que ir dormir.
Ontem não contei como foi o dia mas posso contar agora. Em casa do meu filho, um após outro, foram todos ficando com covid. Os cinco. Sintomas variáveis mas, felizmente, pouco graves. Estão confinados há para aí umas duas semanas. Por isso, no domingo, depois de termos ido votar, só estivemos com o bando da minha filha. Almoçámos no jardim e depois fomos passear. Ela andava há algum tempo a querer ir passear para ali -- o que teve que ser muito regateado com os filhos, em especial com o mais velho que queria treinar defesas na praia.
A tarde estava boa, amena, uma luz suave, um ambiente muito agradável. É muito bom passear com o tempo assim, o mar tão bonito, a vista tão longa e delicada, todos tranquilos. O ursinho felpudo fica feliz com a família, salta e brinca e corre e derrete-se com eles.
Faz tanta falta a chuva. Assustam-me as secas. Nem quero pensar que vamos ter falta de água antes de se ter descoberto como dessalinizar as águas do mar em larga escala e a baixo custo ou como forçar a formação de nuvens. Mas, se me abstrair dessa preocupação, é tão bom o tempo assim...
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E, nesta dança de dia após dia, o primeiro mês do ano já se foi. Anda rápido, o tempo. De manhã, quando estava a tomar o pequeno almoço, abri a porta e abeirei-me do jardim. Estava uma rola a passear na relva. Tentei manter o silêncio mas não devo ter conseguido pois ela deu uma corridinha, depois bateu as asas com força e voou. São bonitas, um platinado quase branco. Mas ariscas. Nunca me deixam chegar perto, muito menos tocar-lhes.
Quando estava a ter a reunião da tarde, tentando resolver uns problemas recorrentes e tentando anular a hostilidade de alguns contra uns outros, reparei que, lá fora, de entre a ramagem da trepadeira ao pé da janela, estava a soltar-se uma outra rola. Fiquei com pena de não a ter visto senão quando voou.
Há um lado transitório e efémero em tudo isto, na passagem do tempo, no voo de um pássaro, nas brincadeiras de um cachorro que, não tarde, será adulto, na ternura dos meninos que, não tarda, estão grandes e independentes, em mim que talvez perca a vontade de aqui escrever fora de horas. Ainda se ao menos estivesse a escrever num caderno, em papel, se estivesse a compor um livro. Um livro sempre tenta contrariar a efemeridade disto tudo. Agora assim, a soltar palavras ao vento, palavras mais ariscas que as rolas do jardim, fico com o quê?
Vou mas é dormir que esta conversa já não está com nada.
Mas, antes de me mandarem bugiar, não querem ver este vídeo que aqui tenho?
É interessante e, de certa forma, tocante. Fala de quem prefere viver à margem da sociedade, abdicando de conforto e segurança, para poder sentir todos os dias o gosto da liberdade. São pessoas que vivem em barquinhos mas sabem que um dia alguém não tolerará a perturbação na harmonia do status quo e acabará com a sua forma de viver.
Living Rent-Free Next to Millionaires
For decades, the “anchor-outs” have enjoyed living in rent-free boat homes in the Bay Area. Their boats, anchored just north of the Golden Gate Bridge, float illegally in the sightline of one of the country’s wealthiest zip codes. But now, as enforcement ramps up, their way of life could be coming to an end.
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Peço muita desculpa mas não vou conseguir responder aos vossos comentários.
De manhã fomos passear à beira-mar com a minha mãe. Depois, porque a maré vazia nos convidava, descemos mesmo à praia, caminhámos na areia, mesmo, mesmo ao lado da água. Estava sol, um leve calorzinho, cheirava a maresia. Da água e das rochas forradas a limos subia aquele perfume que me é tão familiar. A minha mãe gostou e nós também. O urso felpudo também todo contente, correndo, saltitando, uma felicidade para ele.
A minha mãe relembrou a sua juventude quando corriam por uma estrada estreita e inclinada, atravessavam a estrada, desciam uma escada de pedra e estavam na praia. Relembrou também quando andava a estudar e quando, para atalharem caminho, iam pelas praias.
Pensei que dantes os jovens andavam bastante a pé enquanto hoje, em grande maioria, ou vão de carro levados pelos pais ou, mal têm a carta, vão no seu próprio carro. Se calhar, eram antes mais felizes, palmilhando e construindo os seus caminhos, sendo muito mais livres.
Quando estávamos a chegar a casa, o little teddy bear pôs-se logo de pé, a espreitar pela janela do carro. E aí... tamanha foi a surpresa, ia-se passando. Ladrava, saltava, queria atirar-se, uma loucura. É que aqueles que costumam chegar quando nós estamos em casa hoje estavam à nossa espera, dentro do jardim.
O tempo, entretanto, tinha virado. O sol tinha desaparecido e tinha-se posto um frio muito desagradável. Cinzento, húmido, desagradável.
Mas o mau tempo não inquieta os lutadores. Por isso, depois de almoço (apesar do frio, na rua), uma vez mais para a praia. Os rapazes, de todas as idades, adoram jogar à bola na praia.
Lá chegados, um gelo quase cortante. O mar revolto e bonito. Uma vez mais sem surfistas.
Em terra, formaram-se as equipas. O avô ficou numa das balizas. A menina também quis participar. Ficou na outra baliza. E, como é costume, aproveita a guerra no meio campo ou os ataques à outra baliza para dançar. Ensaia coreografias enquanto trauteia em voz baixa.
Claro que os intrépidos futebolistas nem reparam na beleza do mar nem sentem frio. Estavam encalorados, transpirados. São aguerridos, ali não há tréguas.
A bola é de futebol normal, pesada e rijíssima. Não sei como aguentam jogar com ela descalços.
No fim, parte deles já estava apenas em tshirt, corados como maças saloias.
Enquanto isso, as ladies fizeram uma pequena caminhada, levando o patudo felpudo que começa a apreciar a beira da água, as escavações na areia e a proximidade de outros cães.
Não sei como será quando o calor apertar, não sei se ficará afogueado. Mas, agora, bem coberto de pelo, mantem-se fofésimo e bem quentinho.
Nós não. Enregeladas, quase tiritávamos.
Enquanto isso, para nosso espanto, aproximou-se um grupo de três jovens mulheres. Uma estava apenas envolta numa grande toalha, outra tinha um casaco comprido mas as pernas a descoberto. Apenas a terceira estava toda vestida.
Chegadas à beira de água, a que tinha a toalha, destapou-se, depois a que tinha o casaco despiu-o. A terceira manteve-se vestida.
Nós, vestidas da cabeça aos pés e bem agasalhadas, nem queríamos acreditar. O frio, o vento e a humidade tornavam difícil acreditar que alguém conseguisse entrar na água.
Mas as duas jovens avançaram. Ao princípio, hesitaram. Depois uma, a morena, avançou resolutamente e mergulhou. Aproximou-se depois da loura, certamente tentando convencê-la. Até que a loura também mergulhou.
Curiosamente, depois de terem mergulhado, não mostraram frio. Pelo menos, vistas de fora, pareciam bem.
Mesmo quando saíram da água mantiveram-se à vontade, sem se embrulharem, sem bater o dente. Pareciam estar bem.
Ao sentir o frio que sentia e ao vê-las tão descontraidamente molhadas e despidas pensei que das duas uma: ou tinham o termostato avariado ou o frio é uma coisa psicológica.
Uma coisa é certa. Pela coragem, pela graça e pela beleza só se pode dizer que é de se lhes tirar o chapéu.
Quando saímos da praia já o pôr-do-sol tingia os céus e escurecia mar. Não me canso de o fotografar pois a sua beleza é irrepetível a cada segundo que passa.
Depois, cá em casa fiz sopa de legumes e jardineira de novilho. Não que fizesse falta para o jantar pois, para a janta, tínhamos restos e eu, ao domingo à noite, gosto de ser minimalista. Mas, durante a semana, apesar de estar a trabalhar em casa, não costuma sobrar-me tempo para grandes cozinhados durante o dia.
À noite, ao falar ao telefone com a minha mãe ela disse-me: e mais um fim de semana passado, daqui a nada estamos no fim do mês. E é. Não sei se há maneira de agarrar o tempo, impedi-lo de passar a correr. Se há, desconheço.
Mas, enfim, não me queixo. Enquanto eu puder estar onde gosto, como gosto e com quem gosto estou bem. Aliás, muito bem. E, por isso, sinto-me permanentemente agradecida.
Nota: Tentei que não se conseguisse identificar as pessoas que fotografei. Contudo, se os próprios não gostarem de aqui se ver, peço que me contactem e me peçam que retire as fotografias que logo o farei.
A minha mãe está sem saber o que oferecer ao médico. É médico e, de certa forma, amigo. Tem uma dívida de gratidão que não há como pagar. Há uma meia dúzia de anos, só por ela andar cansada, prescreveu-lhe uma sucessão de exames que o levaram, num ápice, a descobrir que era o cancro do cólon que andava a fazer perder sangue e, daí, o cansaço. Teve também a sorte de arranjar um excelente cirurgião que a operou rapidamente. Mas o seu médico assistente é o médico para todas as ocasiões, para todas as dúvidas. Deve ser da mesma idade, mais coisa, menos coisa. E é um espírito livre.
Conheci o irmão dele, outro que tal, uma pessoa de quem toda a gente gostava. Excessivo, destemido, desbragado. Penso que já o contei. Um dia, um amigo comum, apareceu ao pé de mim e disse-me: 'Morreu o Manuel'. O nome não é Manuel mas não quero dizer o nome verdadeiro. Esse amigo estava abalado, tenho a certeza que tinha o coração descompassado. Não percebi a quem se referia. Passei em revista os Manuéis que poderiam morrer e não me ocorreu nenhum. 'Manuel? Qual Manuel?? e ele: 'O Manuel! Morreu!'. Fiquei na mesma. E ele, à beira de colapsar: 'O nosso Manuel!'. De repente, ocorreu-me que poderia ser mesmo o 'nosso' Manuel. Fiquei parada. Ele explicou: 'Caiu. De repente. Morreu'.
Morreu. Era inteligente, brilhante. Vivia a vida no limite. Era um gozão para lá dos limites, um amante que, rezavam as lendas (e contava a namorada), era do mais loucamente apaixonado que se poderia imaginar, era um dos melhores garfos, um connaisseur dos melhores vinhos. Rematava os bons momentos com um demorado cubano. Era uma das suas imagens de marca. Onde quer que estivesse, se lhe dava para isso, na maior irreverência, puxava longas e perfumadas baforadas, recostava-se, ria.
Conheci a sua filha. Com ela convivi de perto durante algum tempo e com ela me diverti à grande. Detestava a namorada do pai que era mais nova que ela. Mas detestava também excessivamente, destemperada como o pai.
O tio, médico da minha mãe, é outro irreverente. Canta, escreve, diverte-se.
Também não sei que presente apreciará ele. Se fosse eu, arriscaria um presente igualmente irreverente. Mas a minha mãe é mais convencional, mais tímida, tem sempre receio do que os outros pensam.
Também eu tenho algumas dúvidas em relação a alguns presentes. Antes da pandemia, naquela minha outra vida de frequentadora das catedrais de consumo, eu conseguia, nem que fosse a correr à hora de almoço, ver o que por ali havia que pudesse ser apropriado para uma e outra pessoa. Agora estou a leste.
Este domingo, de manhã, fomos buscar a minha mãe para irmos passear na zona ribeirinha, agora tão arranjada, tão bonita. Estava uma boa temperatura, sol. O urso peludo adora a minha mãe e ela gostou de ver como o pequeno terrorista, nestas circunstâncias, se porta tão bem. Tirei-lhes fotografias. Toda jovem e sorridente, num cenário luminoso.
Depois de almoço, fomos para outra praia, desta vez de mar, onde o meu filho e a sua trupe se nos juntaram. Foi a primeira vez que o little teddy bear esteve na praia, tal como foi o primeiro dia que esteve face a face com outros cães, em contacto directo, farejando-se, avaliando-se.
Os meninos, cada vez mais mais crescidos, disputam o passeio à trela, os meninos correm, os meninos brincam, os meninos brigam uns com os outros para disputarem a condução da trela. E o maluco, portando-se como um cão ajuizado, porta-se à altura, (relativamente) bem comportado. Mesmo sem trela portou-se bem.
Provou como é bom andar na água, escavou, correu, brincou. E sentiu o afecto bom de estar em família.
Mas, mal chegou a casa, deitou-se no chão do corredor e ali ficou, como se estivesse inanimado. Vinha exausto, pois claro. Pensámos: cansado como está vai dormir até amanhã.
Sim, sim...
Passado um bocado acordou, comeu e, na maior euforia, tentou virar a casa do avesso. O bom comportamento esvaiu-se num instante. Há sempre um momento do dia, geralmente ao fim do dia, em que um pico de energia o faz dar-nos conta do juízo.
E nesta vida acelerada em que parece que nada acontece mas em que todos os dias estou ocupada de manhã à noite dou-me conta que, sem perceber como, o ano está quase a chegar ao fim. O Natal é para a semana e o Ano Novo logo a seguir. Não sei se os cientistas estão atentos a este fenómeno: o tempo está a correr mais depressa do que devia.
Estive a ouvir as previsões do Economist para 2022. Ou tudo muito previsível ou tudo muito distante. Senti uma grande indiferença em relação ao que ouvi. Gostava de ter ouvido outras coisas: descobertas científicas revolucionárias, inesperadas tomadas de consciência colectiva, altamente promissoras reviravoltas políticas, o mundo das artes a assumir um insólito e saudável protagonismo... coisas assim. Mas não, nada disso.
Quanto às notícias do dia, o que posso dizer é que não quero saber de nada do que dizem se forem meros veículos para mostrar a imagem de um homem levantado da cama, de pijama, com barba por fazer, a instantes de ser preso. Mostrar isso é infame e os jornalistas que aceitam isso são cúmplices da canalhice sancionada. Rendeiro pode ter sido um canalha mas os que o desrespeitam de forma tão vil merecem-me igual desprezo. Rendeiro fez muito mal porque teve inteligência e pulhice intrínseca para saber mover-se sem ser apanhado. Estes jornalistas só não fazem tão mal como o Rendeiro porque não têm a mesma inteligência. Mas em maldade e indiferença perante os direitos alheios estão ao mesmo nível.
Esta imprensa acabará por definhar pois, mais cedo ou mais tarde, os seus consumidores deixarão de tolerar tamanha mediocridade. Apenas os mais medíocres de entre os medíocres a apreciarão mas esses, estou em crer, não estão para gastar dinheiro em jornais nem têm paciência para ver noticiários.
Mas o mundo, apesar de tudo, ainda é um lugar maravilhoso e isso é o que importa.