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sexta-feira, agosto 28, 2020

Os pássaros cantam em grego?





Estou in heaven, de férias, respirando os belos ares do campo. Mal aqui chego sinto-me a viver num outro comprimento de onda. Parece que o tempo corre de uma outra maneira. Estamos longe do mundo. A minha filha diz que não sabe o que é mas, mal cá chega, parece que fica cheia de fome. Os meninos despem-se, descalçam-se, viram bons selvagens. Comem de gosto, brincam, estão na boa. Eu também.

Chegámos não sei bem a que horas, abrimos a casa, fomos ver o que havia de comes e bebes e partimos para o supermercado na cidade mais próxima para nos reabastecermos. Tem boa carne, bom peixe, boa fruta. E trouxe uma broa de milho doce, pão de alfarroba, pastéis de massa folhada recheados de puré de maçã. Para o jantar fiz robalo assado com batatinha cozida e salada variada. Os robalos eram grandes e saborosos e o prato de pães variados fez as delícias do pessoalzinho. 

Ainda não passeei lá por baixo. Não deu tempo. Estive de gosto ao sol. Bem, não bem ao sol, antes sob a sombra variável da figueira que tão boa companhia faz. Estive a ler o último livro da Rita Ferro, 'Os pássaros cantam em grego'. Ainda não cheguei ao ponto em que hei-de perceber a razão do título. Noutra espreguiçadeira, em biquini, ao sol, a minha filha esteve a ler o mesmo livro mas já está na fase em que está a fazer render para não acabar. Ao fim do dia, estava a falar com a minha mãe e ouvi-a a falar sobre o mesmo livro. No outro dia, ofereceu-lho, disse que não tinha podido estar com ela pelos anos. E eu, ouvindo-a, fiquei na dúvida. Mais que certo também não dei nada. Em pleno período agudo do confinamento, não houve possibilidade de nos deslocarmos. Ouvi-a a dizer à avó que, se ela não tinha o 2º volume dos diários, como eu estou convencida que não lhe dei presente pelos anos, poderia dar-lho. 

Não sei que dirão deste meu gosto os leitores mais puristas, daqueles que acham que depois dos gregos nada mais se escreveu que valha a pena ler. Certamente acharão que a escrita de Rita Ferro é coisa básica. Pois que digam. Se é que o dizem. Ou se é que já a leram. Pois eu acho que ela escreve de forma tão espontânea, tão genuína, tão escorreita que começo a ler e custa-me é a parar.

A minha filha diz: leio-a e faz-me lembrar as tuas coisas. Acha parecenças nas nossas maneiras de pensar e estar. E eu leio-a a falar da mudança que imprimiu à sua vida, da sua mudança de casa, das peripécias inerentes, das suas dúvidas e certezas, o seu amor pela família, e, de facto, acho que há nela muita coisa em comum comigo. Mas que não fosse. Os especialistas em literatura saberão dizer o que é boa literatura, o que é escrita de cordel, o que é pura treta. Saberão catalogar com precisão. Eu, que sou leiga, apenas posso dizer se gosto ou se não gosto, se acho que está ou não bem escrito, se tem ou não autenticidade, se dá ou não vontade a gente ficar ali agarrado a ler. E, ao ler estes diários da Rita Ferro, acontece-me gostar do leio, achar que é uma mulher de corpo inteiro que ali está, que escreve com uma fluidez e autenticidade que cativam, e, portanto, por mim está bem assim. Compro.

Não vou fazer comparações. Gosto de diários. E não vale a pena dizer que num patamar estão o da Virginia Woolf, o do Kafka, o dessa gente importante e morta, e noutro a Rita Ferro que, para além do mais, ainda está viva e bem viva e, pior ainda, não é dada àquelas dores e angústias que vêm da inaptidão para viver a vida a pleno.

Mas eu, que não quero fazer-me passar pelo que não sou, não quero fazer-me passar por entendida ou por influencer, o que digo é que mal sai um livro desta sequência, não descanso enquanto não o tenho. A minha filha disse-me que, pelos seus anos, eu lho podia oferecer e eu, claro está, trouxe logo um também para mim.

E estamos as duas estendidas ao sol da tardinha, a trocar impressões sobre o que lemos, ela a acrescentar pormenores que sabe porque já vai mais à frente ou de que se lembra melhor que eu dos diários anteriores e eu penso que nem parece que até ontem eu estava em arrumações, aflita com a perspectiva de ter perdido documentos importantes, aflita por não estar a conseguir anexar um ficheiro num portal das finanças, cansada e dorida. E, de repente, mudo de ares, chego aqui ao meu pedaço de terra abençoada e todo o peso desaparece das minhas costas, das minhas pernas. Leve, leve. E, finalmente, a ler. Ao fim destes meses de canseiras, sobressaltos, reviravoltas, aventuras e sei lá que mais, aqui estou, em paz. E a ler o último da Rita Ferra.

Depois de aqui termos chegado, antes de ir ao supermercado, prevendo que, dada a hora, poderia vir a dar-me fome, fui àquela figueira tão grande que os ramos se alcançam cá de cima e foi uma barrigada de figos. Apesar do calor, por estarem à sombra estavam frescos, húmidos, doces, carnudos. Esta figueira tem uma característica: tem figos brancos, pingo de mel, e tem figos rubros, com um travo agridoce. Tenho ideia que o meu avô lhes chamava figos mouros. Tão bons. Começo e mal consigo parar. Sou gulosa. Pelo-me por fruta. É um dos meus pontos fracos: adoro fruta. Começo os meus dias a comer fruta: uma banana, um pêssego. kefir com frutos secos, canela e mel. Um café. E podia almoçar e jantar só coisas assim, fruta fresca, frutos secos, queijo fresco, kefir, mel. Qualquer dia há uvas. Vou adorar sentir o seu açúcar tão puro. Na casa nova tenho uma goiabeira. Não sei se não é um marmeleiro. A anterior dona diz que são goiabas. Apanhei duas, grandes, e assei-as no forno juntamente com os frangos. Para dar um gostinho bom não apenas os temperei com sal, orégãos, sumo de limão e azeite como, por cima, os barrei com pasta de alheira e, por cima, lascas de bacon. E as goiabas em metades. Bom. Podia ter posto alecrim mas a minha filha pediu que não abusasse das ervas. Acho que foi isso ou, então, referiu especificamente o alecrim. Não aprendeu ainda a gostar. Uma pessoa ter alecrim a correr-lhe nas veias é uma coisa divina.

Bem, já derivei. Aliás já devo ir na quarta ou quinta derivada que isto já não tem a ver com nada.

Só mais uma coisa para concluir: estava a ler debaixo da figueira e, ao mesmo tempo, a ouvir as brincadeiras dos meninos, e tão crescidos que estão estes meus rapazinhos, e a ouvir os pássaros, a sua cantoria, de vez em quando a observar os seus voos dançantes e cantarolantes de árvore em árvore e pensei: bom, bom mesmo, ao nível dos clássicos, melhor não pode haver. Na volta os pássaros cantam mesmo em grego.


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Pinturas de Consuleo Mencheta na companhia de Chico Cesar & Maria Bethânia com Onde estará o meu amor

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E que o vosso dia seja bom, feliz, leve, afortunado

domingo, maio 06, 2018

In heaven, o corpo entregue ao sol e ao amante do Porto




Este sábado esteve azul e o ar perfumado e tépido. Dia tranquilo e bom. À chegada aqui, a casa gelada. As paredes largas de pedra conservam ainda o frio deste inverno prolongado. Mas, lá fora, quentinho e macio de dar gosto. Despi a roupa que trazia, vesti uns shortinhos, um topzinho de alcinhas, descalça, a pele redescobrindo o prazer da liberdade intrínseca da motherland.


Depois de almoço, abri a espreguiçadeira debaixo do telheiro. Contudo, o sol, na maior obliquidade, furava a folhagem da figueira toda rebentadiça e de todas as árvores que, beneficiando do mistério que habita in heaven, crescem desmesuradamente e se misturam na sua diversidade e fulgor, e a luz morna vinha pousar na minha pele.

Tão bonito, tudo tão bonito, e sensações tão boas, tudo tão primordial e simples.


As telhas por cima de mim, e eu gosto delas mesmo assim, esverdeadas da humidade do inverno, e os verdes das árvores ali à frente tudo tão cheio de paz e eu, encantada, deitada, a fotografar tudo.

Tinha trazido um livro e tinha começado a lê-lo no carro, o último da Rita Ferro, 'O amante do Porto'.
Falo dos outros mas eu própria guardo alguns preconceitos de estimação. Quando ela apareceu, não me lembro se a escrever a meias com a filha ou qualquer outra coisa, achei que era mais uma daquelas zinhas que escrevem delicodoçuras e palavrões a metro, tudo muito rebelo pinto, tudo muito beta e vazio, a fazer de conta que é livro. Não comprei, não li. Até que um dia qualquer, não sei porquê, folheei e pareceu-me ver ali coisa bem escrita. Levei para casa e gostei. Depois disso já li mais um ou outro, e acho sempre que é uma mulher desenvolta, de verbo solto e escrita fluida. Escreve bem e prende. 
E, portanto, ali estive, estendida sob o sol rendilhado de sombra, a ler. Não foi, no entanto, sol de muita dura. Logo adormeci. É uma sensação boa, boa, esta de sentir o sono a chegar devagarinho, eu a deixar-me ir, o ar quentinho sobre mim, toda eu leveza e rendição.

Dormi uma bela sesta.

Quando acordei, os pássaros cantavam a várias vozes e a plenos pulmões. Deixei-me ficar a acordar devagarinho.


Dpois retomei o livro. Ouvia, lá em baixo, o meu marido com a motosserra mas como sabia o que ele andava a cortar, não senti necessidade de ir verificar. Estava a cortar os ramos dos cedros até para aí um metro de altura da terra. Portanto, tranquilo. Não corria risco de fazer avaria como a que fez no outro dia com a roçadora, quando despedaçou uma fiada de lírios do campo, deixando-me inconsolável. Lírios é o que não falta por aí. Estes devem fazer cá uma falta..., disse ele, ainda armado em bom. E achas que, com a máquina a trabalhar, posso estar a ver erva a erva: esta corto, esta não corto? - perguntou, irritado por eu estar zangada. Expliquei-lhe pela milésima vez: 'Lírios não são ervas, são flores'. Mas é escusado. Mas agora estava concentrado na parte de baixo dos cedros, não havia grande margem para fazer estragos.


Portanto, pude ler descansada. Não direi que é grande literatura mas tem aquele misto de escrita pessoal, de vivência de mulher independente, livre e inteligente, de frases bem construídas e de enredo escorreito que leva a que sigamos para a página seguinte até chegarmos ao fim. Não me acontece aquilo de ficar presa ao encantamento como quando, por exemplo, leio 'O leopardo' em que, a cada frase, me detenho tentando contemplar, com vagar, a elegância e ironia do que acabei de ler. Mas mal estaríamos se no mundo só houvesse génios. Perderíamos a oportunidade de nos deslumbrarmos com a superação de alguns.


Li o livro todo, portanto. De penálti.

A seguir, fui pôr uma roupa a lavar, fui comer uns morangos e fui ter com o meu marido.

Havia montes e montes de grandes ramos de cedros que já estava a transportar para o 'campo de futebol' para fazer uma fogueira. Ajudei-o e fui desramar mais umas quantas pequenas azinheiras e aroeiras.


Regressei já ao anoitecer. O céu lindo, as árvores lindas e multicores recortadas contra aquele azul cobalto e profundo. Não resisti a fotografar.


Os pássaros já estavam aquietados, o silêncio já apenas interrompido por um ou outro canto tardio.

Tudo me parece tão belo e inexplicável que penso que toda a minha espiritualidade converge na adoração que tenho à natureza, às árvores, à perfeição das flores e do canto dos pássaros, à vastidão do céu, aos cheiros da terra. Não sobra espaço para misticismos de outra natureza.
Talvez apenas para as provas da existência da arte e da generosidade dos homens (quando elas existem, claro -- e existem).

Pensava que tinha que ir pôr o arroz ao lume, que já não era nada cedo, que tinha roupa para apanhar e outra para estender e ali andava eu a fotografar, quase em êxtase.

E a luz tinha-se extinguido, o céu tinha anoitecido de vez, as flores brancas da Robinia pseudoacacia desafiando a escuridão e eu a pensar que se um dia, em momentos assim, passa, junto a mim, um gato ou uma raposa, apanho um susto daqueles. Mas não passou e eu entrei em casa, feliz da vida como se estivesse a regressar de um magnífico espectáculo.


Depois fui aos meus afazeres. Só depois chegou o meu marido, cansado, a cheirar a fumo. Tinha ficado lá em baixo até a fogueira ficar apagada.

Enquanto os banhos não estivessem tomados, a roupa suja dele a lavar e que pudéssemos ir à janta, ainda demorou. Jantámos tarde, portanto.

Agora aqui estou, no maior silêncio, sozinha na sala. Há pouco o meu marido mexeu-se na cama e, de lá, perguntou-me quando é que eu ia para a cama e que horas é que já eram. Passa da uma e meia, respondi-lhe. Na brincadeira, perguntou a que horas queria eu que ele me acordasse amanhã. Livra-te, disse-lhe eu. Mas a verdade é que amanhã já é hoje. Espero que não me acorde para eu poder desfrutar a manhã de domingo na caminha, na maior paz. Abrirei a janela para que a luz e o canto dos pássaros me despertem com gentileza, deixarei que o meu corpo guarde este tempo longo e suave dentro de mim.

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Sergei Polunin e  Natalia Osipova em "Falling Into Place” 



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[E, caso prefiram outro tipo de danças, queiram descer até o post abaixo. Imperdível, vos digo eu]

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sábado, junho 20, 2015

Aquele cujo comportamento desacertado provoca a própria punição


A vaga negra que, volta não volta, apaga a minha luz, está apagando também, palavra por palavra, os conselhos que me dão.

Quanto dura um conselho? Melhor: quanto dura a observância do melhor conselho que podemos receber?

A desesperança é o outro inquilino da minha alma e, de vez em quando, tenho que conversar com ela.

Não, não é bem Deus e o diabo a confrontarem-se dentro de mim. São o s irmãos Karamazov, quando Ivan pergunta a Aleksei: se Deus não existisse e a religião fosse extinta de todas as formas, tudo seria permitido?

Nem sequer posso, na minha pequenez, atrever-me a uma resposta. Não sei o que aconteceria, porque cheguei a esta idade sem nunca ninguém me ter dito se sou ou não mortal.

Mas aprendi hoje que o nome Karamazov significa literalmente 'aquele cujo comportamento desacertado provoca a própria punição'.

Alto, estão a falar de mim.


[Estoril, terça-feira 18 de Março de 2014]


Excerto de Só se morre uma vez - Diário 2, um novo livro de Rita Ferro. Leitura corrida: escrita ritmada, sinceridade à flor da pele. Um livro que se lê de gosto do princípio ao fim.


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O vídeo não tem a ver com este livro mas gostei de a ver aqui a falar do seu acto de escrever.


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segunda-feira, dezembro 29, 2014

Grandes livros. Grandes Hotéis. Mais alguns dos meus livros de 2014 e locais onde eu não me importaria nada de os ter comigo. E, porque de castelos, palácios e hotéis vos vou também falar, quero estar em boa companhia: 'Uma noite com Kylián'


No post abaixo falei-vos do filme 3 Corações que fui ver este domingo, um bom filme que não encaixa nos filmes saison, apalermados e banais. 

Mais abaixo ainda, encontrarão dois post de humor, de um humor tristemente actual.

Mas tudo isto é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.


Se ontem falei de livros que li em 2014 e os fiz acompanhar por magníficas bibliotecas, hoje continuo com leituras deste ano que está prestes a findar, mas mudo de cenário. Saio do labirinto infinito das bibliotecas para me entregar a outros tipos de prazeres: vou procurar locais onde eu gostaria de estar tranquilamente, vendo a paisagem, degustando o conforto, lendo um livro.

[Deixo informação de ordem prática para os happy few que se possam dar ao desfrute da verdadeira qualidade de vida (telefone, preços, etc) e poderão reparar que há para quase todas as bolsas - excepto, claro, para quem vive honestamente em Portugal mas, enfim, deixemos isso para lá, que isso é uma pieguice e estamos mais do que avisados de que devemos deixar de ser piegas].

Adiante, pois.

Mas, para começar, se não se importam, vamos com música. 

Acompanhar-nos-á o Peter Erskine Trio (John Taylor no piano) com Amber Waves 






Castello Di Santa Santa Eurasia, Italia
Colonnata - Lavender bedroom

When Evgeny Lebedev found this 12th-century castle in Umbria, he was determined to open a hotel here. The only problem? It was utterly dilapidated. Cue a restoration by the architect Domenico Minchilli and the interior designer Martyn Lawrence Bullard. They scoured the world for the finest Umbrian Renaissance art and furniture; local artisans produced ironwork to 17th-century designs. The result is like a time warp – open fires, rustic food and views over rolling hills towards Florence make for Medici levels of splendour. This is a place to escape the world: loll on your draped four-poster or wander across olive groves to a state-of-the-art pool, gym and hammam. [via Harpar's Bazaar]

(+39 075 857 0083), from about $5,400 a night for exclusive hire
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Apesar dos amigos, vivo isolada. Não estou feliz nem em paz, antes envolta numa dormência melhor do que todas as alternativas. É então que começo a aperceber-me das tentativas dos outros para se aproximarem, mas não posso corresponder-lhes sem trair o desfasamento brutal em que vivo. Não obstante, avançam. Vejo-os como inimigos que tentam acostar de todas as formas possíveis para me expor e sugar. Quando afugento os barcos aterram os helicópteros, quando despisto os aviões emergem os submarinos, numa marcação cerrada. Por fim, na impossibilidade de me livrar de todas as ameaças, cedo e sucumbo, oferecendo aos outros o espectáculo desta minha dificuldade. As ameaças são caricatas: é um filho a pedir apoio ou uma editora a lembrar-me um prazo ou alguém a desafiar-me para um cinema. Na minha mente alucinada, tudo é dramatizado como uma perseguição. Quando, finalmente, conseguem vencer a minha resistência, encontram-me bem, e há até quem se deixe contagiar pela minha energia arrebatadora. Na verdade, tenho tanto medo que descubram esta lama em que vivo que passo ao outro extremo.


Rita Ferro in Veneza pode esperar, Diário I


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Castello Di Santa Santa Eurasia, Italia
Collonatta- exterior
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Só se sentia liberta quando ficava sozinha,
sem o destino, a desgraça, o abismo dos outros pesando nos seus ombros de menina vulnerável, pequena sibila contra quem se volta sempre a lâmina afiada do próprio dom de adivinhar o impossível.
E eram as noites em claro que passava escutando os astros e as demoradas tardes de mar ou à beira do rio que a salvavam. Sentada nas suas pedras duras e escorregadias, quentes, lisas e macias, que lhe reequilibravam o corpo frágil de menina arredia, pés descalços que mergulhava até aos tornezelos fininhos, a molhar a bainha da saia e em seguida a ponta do bibe apertado na cintura,
por um laço de borboleta,
duro de goma seca pelo ferro de passar, que as mulheres abriam levantando a parte de cima, a fim de soprar as brasas que refulgiam como rubis por entre o cinzento vulcânico das cinzas.

 Maria Teresa Horta in Meninas


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Balfour Castle, Orkney islands

As temperatures plunge in the Highlands, where better to curl up by an open fire with a dram of sloe gin than the world’s most northerly castle hotel? Nestled on the Orkney island of Shapinsay – a private launch, Reggie, transports guests from the mainland – this 19th-century Baronial pile has Gothic turrets from which to survey the grounds and islands beyond. Its five-star rooms boast giant, cloud-like beds, and bathrooms lined with De Gournay painted silk. Chef Jean-Baptiste Bady makes clever use of the kitchen garden, surrounding shores and game-filled woods in his quest to win Orkney’s first Michelin star. Those who venture out can shoot, fish, birdwatch or hike across the wild beauty of the island, but with Balfour’s enchanted world offering a spa, billiards- and cinema-rooms, and even a golf simulator to hand, there’s really no need to leave.  [via Harpar's Bazaar]
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(01856 711282), from $6,700 a night for exclusive hire 
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Tive de passar seguramente várias vezes a borracha sobre as linhas suaves so seu rosto de mulher de vinte anos antes de redescobrir o rosto ácido, anguloso, ainda infantil de Carla, a adolescente que estivera na origem da nossa crise conjugal de havia uns anos. E decerto também, foi só depois de a reconhecer que, fulminada, reconheci os brincos que ela usava, os brincos da avó de Mario, os meus brincos.

Pendendo-lhe dos lobos das orelhas, realçavam-lhe a graça do pescoço, iluminavam-lhe o sorriso tornando-o mais brilhante ainda, enquanto o meu marido, diante da montra, a abraçava pela cintura com um gesto de proprietário feliz, ao mesmo tempo que ela lhe pousava nas costas um braço nu.

O tempo pareceu dilatar-se. Atravessei a rua com grandes passadas firmes, sem sentir a mais pequena vontade de chorar, de gritar ou de exigir explicações, mas apenas um desejo negro de destruição.


Elena Ferrante in Crónicas do Mal de Amor


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Cap Rocat, Espanha

Cut into the cliffs of a private peninsula on Majorca’s Bay of Palma, a golden castle-cum-hotel welcomes guests. The sandstone walls and crenellations of this former fortress teeter above more than a mile of secluded coastline. The castle opened to the public in 2010 after a refurbishment by Claudia Schiffer’s personal architect, Antonio Obrador. The 24 spacious and stylish bedrooms carry reminders of the building’s past: there are bullets for door handles, and gun carriages reworked as coffee tables; the original gunpowder bunker is now a magical events space. You’ll also find a glittering saltwater swimming pool overlooking the bay, along with an endless supply of fresh seafood..  [via Harpar's Bazaar]

(+34 971 747 878), from about  $535 a suite a night B&B.
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"De acordo, as nossas cidades e os seus princípios estão a tornar-se famosas no mundo - comentou o irmão - mais que não seja pelas orgias, os escândalos, as obscenidades,"

"Ah, há um pormenor de que me estava a esquecer", disse Lucrécia. "Na obra a que assistimos, quase no proscénio actuavam crianças que, no culminar das pantomimas grotescas mais grosseiras, se limitavam a olhar perturbadas. Depois puxavam, fazendo-a deslizar, a longa tela que fazia de pano de boca, quase a apagar aquele mundo obsceno e cruel que os actores tinham mostrado até então. Erguia-se de imediato um canto, quase de história infantil, e as crianças começavam a dançar, a abraçar-se e a fazer gestos afectuosos e puríssimos na sua ternura. E foi ali que nos revi a nós, em pequenos, quando vivíamos todos na mesma casa e brincávamos à família."


Dario Fo in A Filha do Papa


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China Tower, Devon

The Landmark Trust’s newly refurbished China Tower was built by Lady Louisa Rolle as a surprise birthday gift for her husband, the first Baron Rolle, in 1839. This octagonal Gothic revivalist folly stands among conifers atop a knoll with sweeping coastal views. On four storeys, China Tower sleeps four guests comfortably. Perfect for acting out your favourite folk-tale fantasy.  [via Harpar's Bazaar]

(01628 825925), from £265 for four nights mid-week; from $600 for three nights over a weekend.
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Uma noite com Kylián




COMPAÑÍA NACIONAL DE DANZA
Director Artístico: José Carlos Martínez
COREOGRAFÍA: Jiri Kylián

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Permitam que relembre: para saberem sobre o filme 3 Corações que vi este domingo e que recomendo, e para se rirem com duas piadas muito oportunas, deverão percorrer os três posts seguintes.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.

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segunda-feira, junho 09, 2014

Tarde de domingo com escritores dentro. Teolinda Gersão, J. Rentes de Carvalho, Mia Couto, Rita Ferro, Lídia Jorge, Ondjaki, Mário Zambujal e outros. A Feira do Livro de Lisboa a bombar. E uma dúvida: autógrafos - como pedi-los?


No post abaixo já conversei com a Leitora JV na sequência de um interessante comentário que ela escreveu. Dei a esse post o título Viver ou amar. Ler ou fazer amor. Esperar ou procurar

Claro que o 'ou' que usei não deve ser lido de forma exclusiva - mas isso muitas vezes não se escolhe. Por vezes a vida é mesmo avara. No entanto, nada nos impede de reflectir sobre o assunto pois, da reflexão, pode, quem sabe?, surgir uma atitude diferente perante a vida. 
Não sei se sou a pessoa mais indicada para este tipo de reflexões mas isso não me inibe: dou a minha opinião com espontaneidade e sem receio de que alguém possa desdenhar da sua simplicidade porque gosto de pensar que as minhas palavras podem ser de alguma utilidade ou, pelo menos, que sejam um entretenimento razoável enquanto ouvem a música que escolho e vêem as imagens que coloco. 

Mas, enfim, isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.


A palavra a um escritor: Bate-me à porta, em mim




Fui à Feira do Livro.

Durante anos e anos percorri uma e outra e outra vez a Feira do Livro. Primeiro, menina ainda, com os meus pais. Depois com um namorado. Depois com um outro que se tornou marido. Depois com os filhos. Depois de novo apenas com o marido. Hoje com o marido, a filha e já os filhos dela (o meu filho não quis ir, achou que ia ser uma aventura conseguir controlar as quatro crianças. Fez bem pois, mesmo só com dois, já foi o bom e o bonito e, pelo meio, até apanhámos um susto que nos deixou gelados: por uns instantes deixámos de ver o mais pequeno, parecia que o tínhamos perdido; o pavor que senti nem queiram saber; mas afinal estava por perto só que, numa fracção de segundo, mudou de direcção e não estava em nenhum dos lugares onde seria expectável que estivesse; mas foi uma sensação de pânico - que a mim me sugou o interior, nem sei explicar - enquanto não o vimos a brincar, na boa, até perto de nós). 

Bom, mas falava eu da Feira do Livro.

Antes não havia internet, o acesso à informação era mais difícil. Então, eu ia uma primeira vez apenas para percorrer os stands e recolher catálogos; nesse primeiro dia, para além dos catálogos, apenas trazia os livros que fossem livros do dia e nos interessassem. Depois, em casa, fazia listas com os livros que eu e o meu marido queríamos e fazia contas, depois voltava atrás e riscava uns quantos até que a selecção fosse comportável. A seguir, passava a limpo e fazia um roteiro. Quando lá voltava já sabia o que queria comprar em cada stand.

Falei no plural mas quem tem mais a pancada dos livros sou eu pelo que, para ele, tudo aquilo era excessivo.

De facto, o meu marido e os meus filhos acabaram por ficar um bocado traumatizados porque quer a primeira incursão quer a segunda implicavam fazer o percurso completo e, às tantas, já estavam fartos, cheios de calor, cansados. E no segundo dia regressávamos carregados como burros de carga. Por vezes, apetecia-me voltar uma outra vez e era sempre uma luta, não queriam, se iam, iam contrariados.

Ultimamente quase não vou lá. A Fnac, parecendo que não, com os seus descontos para aderentes e com as suas promoções e as feiras de livros que volta e meia se encontram por aí, vieram democratizar a aquisição de livros. E, sobretudo, cada vez mais, para comprar um livro, preciso de o folhear, tomar-lhe o pulso, perceber como flui a escrita. Ora, no meio da balbúrdia que é a Feira, isso não me é possível. Só se lá fosse a um dia de semana à noite mas, durante a semana à noite, apetece-me é estar em casa.

Os locais com muita gente parecem-me incompatíveis com a aquisição de livros, coisas que, cada vez mais, gosto de associar a algum vagar, a algum recolhimento. 

Mas a minha filha queria ir com os miúdos e, claro, não conseguiria arrastar para isso o marido pelo que nos sugeriu uma ida dominical. Depois de tanto a ter sacrificado em miúda, não poderia recusar-lhe isso.

Pelo meio compraram-se bolas de berlim da praia, waffles, e houve gelados e, já ao fim do dia, às sete e tal, uma fatia de pizza, e estivemos na relva a lanchar e depois, com os miúdos no parque infantil, e foi, apesar de tudo, uma bela tarde, uma festa para os rapazinhos que até receberam balões.

E, para descansarmos, abancámos debaixo de um toldo onde se vendia o Mar de Ricardo Henriques com ilustrações de André Letria e onde os miúdos estiveram entretidos a fazer um chapéu de pirata e desenhos e recortes.


Eles estiveram entretidos e nós estivemos à sombra, sentados, sossegados e encantados a vê-los a fazer os seus trabalhos. 

O André Letria tem um jeitão com crianças, conseguiu pô-los a trabalhar com a maior das facilidades.


A minha filha comprou uns quantos livros. Eu não. Ela até estava admirada comigo, habituada que está à minha compulsão. Mas não consegui mesmo. Sempre com medo que algum deles se escapulisse, depois ora não queriam andar de mão dada, ora queriam ir espreitar não sei o quê, e depois gente e mais gente. Impossível.

Por isso, com uma mão a ver se segurava algum deles pela mão ou pela gola e com a outra a ver se dava para tirar alguma fotografia, assim foram as minhas andanças.

Mas o que quero referir aqui é outra coisa. Os escritores. Há (sempre houve) o hábito de haver escritores junto aos stands das respectivas editoras a dar autógrafos. Dantes, quando não havia as grandes megas-editoras, eles estavam em pequenas mesas, por vezes com chapéu de sol, ao lado dos ditos stands. Agora as grandes editoras têm grandes espaços com muitas cadeiras, toldos, palcos, onde se concentram, por vezes, vários escritores.


Vejo-me sempre perante uma dificuldade: geralmente já tenho o livro que lançaram recentemente e outros. Por isso, não me faz muito sentido ir comprar livros repetidos apenas para ter um autógrafo.

Depois, é frequente vê-los a conversarem animadamente uns com os outros. Que jeito dá chegar ali, interromper a conversa? Até parece falta de educação. 

Depois há os que estão desoladamente sozinhos, sem que ninguém ali pare. Dá pena. O Embaixador Seixas da Costa também já falou disto. Vários escritores ali à espera que algum leitor se digne parar, sozinhos durante uma tarde inteira; ou, então, com algum amigo que nitidamente ali está para ajudar a passar por aquela provação. Custa-me tanto ver. Por vezes tenho vontade de me acercar mas temo que pareça que o faço por pena, que se sintam envergonhados. Cobardemente, faço de conta que nem vejo.

O meu marido ontem até perguntava, Porque será que se sujeitam a isto? Se calhar faz parte do contrato que têm com as editoras, admito eu.

Mas depois, para quem supera estas barreiras, há o acto, em si, de pedir o autógrafo. O que dizer?


Mia Couto, um escritor/escultor e um homem muito bonito,
aqui a olhar para a minha filha

Hoje à minha filha aconteceu uma coisa. Ela adora o Mia Couto. Quando o viu, foi a correr comprar o último livro e ali foi para lhe pedir um autógrafo. Ela é uma óptima comunicadora e nunca se inibe quando tem que falar seja com quem for. Pois, para seu próprio espanto, sentiu-se tolhida e apenas pediu que Mia Couto lhe assinasse o livro e, com voz quase sumida, pediu para escrever o nome dela e dos filhos. Mal se afastou, já vinha a morder-se por não ter sido capaz de lhe dizer o quanto gostava da escrita dele. Achou que podia soar a bajulação, não foi capaz.

Comigo aconteceria o mesmo. Uma pessoa chega e, do nada, começa a gabar o autor...? Imagino que ao autor a coisa até soe a postiço, ou a vulgar, ou a despropositado. Não sei. Sei é que eu também não sou capaz.

Por todas estas razões, apesar de lá ter visto autores de que gosto e de quem não me importaria de ter um livro assinado, não fui procurá-los. Limitei-me a fotografá-los. Em vez de ter o seu nome escrito nas páginas dos livros, tenho-os aqui, em pessoa (em pessoa é como quem diz: em imagem). Talvez seja a minha forma de mostrar o meu reconhecimento pelo trabalho que têm e pelo esforço que fazem, estando ali presentes durante longas tardes de calor e exposição pública. Um escritor é para mim um ser especial. Os escritores de verdade, claro.


Teolinda Gersão, alguém que pode muito bem ter sido inventado


José Rentes de Carvalho, feições e escrita esculpidas em pedra


Ondjaki,
um escritor especial, com uma presença amena


Rita Ferro, uma mulher carismática, com uma presença forte
 e Lídia Jorge, uma mulher de feições suaves, cara de boneca de porcelana


O sempre jovem Mário Zambujal em contra-luz e Não-Sei-Quem
(mas que também tinha um belo ar, lá isso tinha) -
só que eu, ora bolas!, queria era ver a Helena Sacadura Cabral ...


Para o ano há mais e talvez eu descubra uma maneira de me organizar e de conseguir comprar livros e obter autógrafos. 

Mas, independentemente disso, é um prazer estar num lugar que é muito belo e onde se podem adquirir livros e ver escritores e, não menos importante, estar num lugar que atrai tanta e tanta gente, tão heterogénea mas tão unida pelo gosto da leitura.


Na Feira do Livro de Lisboa 2014 - parte central do Parque Eduardo VII
(e a Estátua do Marquês de Pombal, a seguir a Avenida da Liberdade com o arvoredo central, depois o Tejo, e ao fundo, a Margem Sul)


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O vídeo lá em cima, da autoria de Cine Povero, é Herberto Helder :: Bate-me à porta, em mim / Dito por Luís Lucas

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Relembro: sobre a vida, sobre ansiedades e dúvidas, sobre amor e sobre os dilemas de como o encontrar ou aproveitar, fala-se a duas vozes no post já a seguir.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana já a começar por esta segunda-feira.

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sábado, março 08, 2014

No Dia da Mulher, os parabéns a Rita Ferro - uma mulher livre, uma mulher que também gosta de ser mulher - pelo seu último livro. Veneza pode esperar. Diário I. Uma agradável surpresa, digo-vos eu.


Nos dois posts abaixo louvo as mulheres e louvo-me a mim por ser mulher. Uso os vídeos da Dolce and Gabanna porque recriam sempre um ambiente que acho agradável, feminino, alegre, sensual.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.

*

No outro dia, quando fui às compras, trouxe o novo livro de Rita Ferro. No fim de semana seguinte a minha filha levou-o para o ler. Como a minha mãe está quase a fazer anos, comprei outro para lhe oferecer. Entretanto a minha filha já devolveu o meu, dizendo-me que era muito agradável de ler e bem escrito. Gosto de diários. Então, aos bochechos, lá fui conseguindo lê-lo e, de tal forma se lê de facto muito bem, que já o acabei.


Rita Ferro escreve um diário, apenas isso. Vai evocando lembranças familiares, vai desfiando amarguras, alegrias, exuberâncias, caprichos. A escrita flui com qualidade. Fala dos filhos, dos netos, dos pais, dos maridos (teve três), dos amigos. Fala da casa que idealizou e construiu ao longo de anos ali enterrando o que ia ganhando. Fala de como, não a podendo já manter, depois do divórcio, acabou por entregá-la ao banco. Fala de como se mudou recentemente para uma casa mais pequena para poder fazer face a despesas. 

Fala com muito carinho desse terceiro marido a quem dedica o livro (Para o Bernardo, onde tenho a alma), para além de o dedicar também ao enteado a quem trata como o filho mais velho. 

Diz coisas surpreendentes e fala o nome de amigos, alguns dos quais pessoas conhecidas (uma, por exemplo, amiga da minha filha).

Em tudo o que escreve, mostra-se sem pudores. 

Uma das frases a que achei piada é a que passo a transcrever e onde fala da amiga Patrícia, durante décadas editora de uma revista.


Ficámos de escrever um argumento juntas e de tomar de assalto o Grémio Literário, para organizar palestras e tertúlias. Emprestou-me A Casa Fechada, do Nemésio. Vou assentar num caderninho para não me esquecer de devolver. Há uma ética nestes empréstimos que procuro respeitar. Quando as roupas que me dá não me assentam, devolvo-as. Também me emprestou o marido uma vez e fiz o mesmo.


Nem mais. A neta do Ferro a quem muita gente queria (e quer?) comer, a mãe do Salvador e da Marta Gautier, a avozona, a amigona, a mana reguila, a mulher deprimida e, logo a seguir, feliz da vida, está a escrever cada vez melhor.


A esta hora deve ela estar a escrever o Diário 2 e estou certa que os cuscos que gostaram do Diário 1 vão estar à espera desse novo livro.

E, assim sendo, para a Rita Ferro que mostra ser uma Mulher que gosta de ser mulher, aqui vai desta outra não apenas mais um vídeo Dolce and Gabanna  (e que me desculpem pela escolha, dado que é muito pouco canónica mas, enfim, se eu me visse rodeada de jovens belos e castos como estes, acho que não descansava enquanto não os levasse a pecar) como as fotografias animadas que acima intercalei com o texto.

O filme, feito para promover a moda Dolce and Gabanne, destina-se ao inverno 2014.






Transcrevo: The magic and majesty of the Dolce & Gabbana Fall Winter 2013 - 2014 collection is embodied in the images of the new advertising campaign. The photographs by Domenico Dolce capture the beauty of Monica Bellucci, Bianca Balti, Kate King and Andreea Diaconu surrounded by a gang of young priests in admiration.


O bonitão que ali no meio do texto está a desafiar a Rita Ferro (e a mim e a todas as minhas Leitoras e Leitores que apreciem um belo pedaço de homem) é Adam Senn para a Dolce & Gabbana.


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E, por agora, por aqui me fico. A noite passada quase não dormi. Tosse, tosse e mais tosse. Já me doía a cabeça de tanto tossir. Quando tocou o despertador, ainda de noite, estava eu acordada.

Depois centenas de quilómetros para cima, uma reunião acalorada ou, melhor, tempestuosa, almoço já tarde, depois reunião informal, e mais centenas de quilómetros para baixo. No carro tosse, tosse e mais tosse. Quando cheguei, atirei-me para o sofá e caí a dormir. Passados uns cinco minutos estava a tossir. Por isso, tenho sono, tanto, tanto sono, estou cansada, a precisar de descansar e de me pôr boa. A próxima semana, pelo que já tenho agendado, anuncia-se também frenética, maçadora, stressante e só de pensar nisso já me apetece passar o fim de semana inteiro a dormir. Enfim. Aliás, a dormir já eu estou agora.

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Relembro: abaixo há mais dois posts e, se lá forem, encontrarão um bom ambiente.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.

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PS: 
Tinha um vídeo maravilhoso do Cine Povero para vos mostrar. 
Mas, por ser Dia da Mulher, optei por escrever este post e os dois seguintes e deixar o vídeo para amanhã.

domingo, julho 22, 2012

A menina é filha de quem? - leituras, limpezas e fotografias. E, de novo, convido-vos a verem a minha casa (de bonecas), aqui in heaven


Música, por favor

Beethoven, Sonata nº 8 - Ruben Reina no violino e Paulo Brasil no piano

*

Os meus dias aqui são dias de paz e felicidade. A minha recuperação vai andando a bom ritmo e, estando cada dia mais próxima da normalidade, tudo são prazeres a que não viro as costas. Hoje fui às compras ao supermercado (ou melhor, fui transportada, pois ainda não me aventurei a conduzir) e que bom é andar por ali, escolhendo o peixe para o almoço, escolhendo a fruta, os legumes. A mobilidade ainda não é perfeita mas, apesar das limitações, tudo isto são pequenas vitórias e grandes alegrias.

Aqui em casa continuam as limpezas e, claro, tal como ontem, quando o período de pé é mais longo e sinto que preciso de descansar, pego na máquina fotográfica e entretenho-me a fotografar a casa, depois sento-me, passo as fotografias para o computador, depois recomeço já pronta para mais faxina.

Hoje foi dia de leitura do Expresso - grande artigo o do Miguel Sousa Tavares!, grande artigo o da Clara Ferreira Alves! (porque não me apetece indispor-me nem indispor-vos, não falo da Perella e de outras empresas que, sob recomendação do ministro-fantasma Borges, e, ao que parece, também do Gaspar, por aí andam ganhando dinheiro e dando dinheiro a ganhar, e vamos ver se não de forma ilícita, enquanto nós vamos descontando e pagando mais e mais impostos para lhes pagar).

A seguir peguei num livro que andava com vontade de ler há algum tempo mas, como tenho alguns mixed feelings em relação à autora, fui protelando. Não se pode dizer que o livro seja extraordinário em termos literários mas é uma escrita corrida e o tema desperta curiosidade pelo que já li quase metade. Trata-se de 'A menina é filha de quem?' da Rita Ferro, um livro autobiográfico.



Rita Ferro lendo uma parte do seu livro,
em cuja capa se encontra uma fotografia sua em menina


Transcrevo um pouco para dar 'um cheirinho' a quem ainda não o leu:

(Falando das duas avós, a materna, viscondessa, e a paterna, a poetisa Fernanda Castro)


"Dava gosto observar as duas sogras: a cultura a concorrer com o berço, a qual, quando se esmera, leva a taça de olhos fechados, embora ali o nível se tenha equilibrado até ao fim. Em todo o caso, uma linha marcava subtilmente a distância: a minha avó materna jamais permitiu, até ao fim da vida, que o meu pai, seu genro, a tratasse se não fosse por senhora viscondessa, numa época em que o senhora dona e o tia eram alternativas.

- Chamar mãe à sogra é um bocadinho povo - ouvia-se lá por casa.

Já a minha avó Fernanda - lá está - pediu à minha mãe no próprio dia em que a viu casar-se com o filho:

- Não quero cá tias nem senhoras donas, Pó, trata-me por Fernanda.

A poetisa morou no prédio em que viria a morrer e se tornou histórico, onde antes vivera o político Joaquim Pedro Oliveira Martins e a mulher, e onde muitos nomes ligados às artes tinham, noutros andares, escrito ou desenhado: o escritor Ramalho Ortigão, o grande gráfico suíço Fred Kradolfer, o poeta José Gomes Ferreira e a mulher, Ingrid, e ainda os pintores Bernardo Marques e Ofélia, sua primeira mulher, que viriam a suicidar-se. A todos estes acrescenta-se ainda uma história de fadas: no andar superior, tinham também residido as senhoras Campos, já muito idosas, antigas aias dos príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel.

O prédio ficou conhecido como o Soviete dos Caetanos, por ficar na Calçada dos Caetanos, nº6, e os meus pais, depois de deixarem Cascais como morada permanente, alugaram uma casa na mesma rua, no nº7, na rampa onde se instalara, para as décadas vindouras, o Conservatório de Música, mesmo em frente aos Estúdios Cor, hoje famosos por terem empregado Saramago, figura que eu seguia, já nessa altura, industriada à janela por meu pai:

- Aquele senhor que vai ali também escreve, como o pai, mas pensa de modo diferente. É comunista.

- O que é comunista, pai?

- Comunista é ires agora estudar com os teus irmãos!

No nº 6 da Calçada dos Caetanos, onde artistas bebiam de mais e gritavam versos ou ideias pela noite fora, a minha mãe arregalava os olhos com aquela chusma vestida à revelia da moda, cujos excessos a interditavam: muito gin a circular, certas liberdades de linguagem, uma grande intensidade em tudo o que se dizia e um teatro que a hipnotizava pelo contraste com o ambiente em que crescera.

(...)

A Natália [Correia], então, electrizava-nos. Pisava como uma imperatriz, tinha o timbre de uma soprano, falava como se declamasse no tom dos génios e das divas, e olhava para nós como se fôssemos larvas: não tinha filhos nem a menor paciência para crianças e confessava-o sem escrúpulos. Guardava uma raiva surda às mulheres exclusivamente domésticas e apontava-as a dedo, sem caridade, berrando para nosso sobressalto:

- Mulher imunda!

(...)

O Ary [dos Santos], caramba, que levava à minha avó presentes sofisticados, como lenços Hermès, marrons glacés ou flores tão raras que pareciam pássaros! Quando se cruzava connosco, perguntava-nos invariavelmente que ano frequentávamos, nas escolas ou liceus, para virar as costas antes da resposta - décadas mais tarde apanhá-lo-ia em flagrante a tentar catrapiscar-me um marido, e não escondo o que este me fez rir ao abrir muito os olhos para me rogar salvação."

**

E, continuando a mostrar-vos o produto das minhas expedições fotográficas, e esperando não vos maçar para além da conta...

Mostrando ao Poeta como estão as minhas uvas que ou padecem de excesso de calor ou de alguma maleita que não foi tratada:



Como respondi num comentário de há dois dias:
Muitos cachos secaram. Mas subsistem outros que não sei se vão resistir
pois alguns bagos já me parecem querer secar e as folhas estão assim, sarapintadas.


E agora voltando a entrar em casa. Ontem fiquei com pena de não se ver o prato das louças Fortuna e, por isso, hoje fotografei uma outra peça feita lá, também oferta dos meus pais: uma travessa que tenho em cima do aparador que está junto à mesa de jantar.



Como se vê, é uma travessa de barro pintado manualmente. É pesadíssima. É da Fortuna Ofícios.
À frente, uma galinha das Louças Bordallo Pinheiro.
Por trás, na parede, um grande espelho


Ontem falei dos muitos galos que tenho pintado e mostro-vos um deles. 



Parte do quadro. Aqui não dá para ver bem pois tirei a fotografia com flash, o que criou algumas alterações
Sobre as penas do rabo e das asas tem purpurinas de várias cores, brilhantes, o que o torna muito glamouroso


Mostro-vos também, de novo, a minha pequenina árvore renascida depois de a termos dado por perdida, quando uma rajada de vendo derrubou a árvore, uma grevílea, então já alta. Apesar deste calor e apesar de tão novinha agora que renasceu, cresceu imenso nestas semanas.

Está assim, vista de dentro da sala:



Como se vê, rebentou junto ao que resta do tronco da mãe
Está entre duas pedras enormes que saíram aqui da terra
e que agora usamos como bancos (e como elementos decorativos)


E como num dos comentários ao post de ontem, foi referido que a minha casa parece uma casa de fantasia, de bonecas, provo que assim é, de facto.

Com vossa licença, voltamos a entrar numa das casas de banho, por sinal a mesma de ontem. No parapeito da janela que está junto à banheira e que tem uma cortina de linho com renda feita pela minha mãe, tenho duas meninas.



Esta menina está a tomar um banho de espuma, de espelhinho na mão, enquanto um gato a observa
de cauda toda arrebitada
(É uma figura em chapa metálica pintada)



Esta outra menina prepara-se para ir apanhar um banho de sol lá fora, havaiana no pé, uma formosura
(É de material sintético pintado)



E esta madame está de cuequinhas pelo meio da pernoca gorda, enquanto fuma o seu cigarrinho
Não consegui apanhar, na fotografia, a parte de trás que também tem piada: em cima do autoclismo,
está a sua mala de mão e o telemóvel. Acho o máximo.


Ou seja, Ana, como vê, é mesmo uma casa de bonecas. Ontem, em cima da lareira, já estava uma,  com as 3 de hoje, já faz 4. E comigo, já vai em 5...!

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E, por hoje é isto, meus Caros Leitores. 
Já é domingo e o que vos desejo é que seja um belo dia, que o vivam com boa disposição e muitos sorrisos!