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domingo, outubro 06, 2024

Eu não sou Marina Abramović

 


Quando é que foi mais feliz?

- Quando nasceram os meus filhos e, talvez ainda mais, quando nasceram os meus netos.

Qual é o seu maior medo?

- Que aconteça alguma coisa de mal a algum dos meus filhos ou netos ou ao meu marido (ou a mim)

Qual a pessoa viva que mais admira e porquê?

- Qualquer cientista (motivado e, de preferência ousado e persistente). Também admiro as pessoas que amam a liberdade e a democracia e que, mesmo sob ameaça, continuam a defender aquilo em que acreditam e que conseguem transformar as suas convicções em palavras e actos. Todas as pessoas que arriscam a vida em busca de uma vida melhor, mesmo arriscando a vida, nomeadamente as que vêm em barcos frágeis, apinhados, em busca de um sonho, tantas vezes improvável. Todas as pessoas que vivem em contexto de guerra e que, mesmo assim, continuam a fazer uma vida normal, conservando a capacidade de sorrir. Todas as pessoas que atravessam períodos em que a vida ameaça fugir-lhes, como as que recebem a notícia de cancro ou de doenças degenerativas, e arranjam energia para enfrentar os tratamentos e para continuar a acreditar na recuperação. Mais ainda se isto se passar com os filhos. Também admiro muitas as pessoas que trabalham muitas horas ou em condições difíceis, em particular as mulheres com filhos, que têm que se levantar muito cedo e deixar os filhos por vezes sabe-se lá com quem e andar em vários transportes públicos, e que chegam tarde a casa, cansadas, muitas vezes num país que não é o seu, com hábitos que não são os seus. Os imigrantes. Enfim. Admiro muitas pessoas.

Qual a sua característica de que menos gosta?

- Não ter apetência pela prática de desporto (ou exercício físico a sério). E não ter boa voz.

Qual o seu momento mais embaraçoso?

- Quando, num dia de verão, em que tinha uma saia branca, de tecido fino, e, depois de ter estado horas numa reunião, quando me levantei, ir um colega atrás de mim, ruborizado, dizendo-me que tinha uma coisa um bocado íntima para me dizer e, a custo, muito aflito, dizer-me que eu tinha a saia manchada. E eu, ao espreitar, ver uma mancha enorme, enorme, de sangue. Escusado será dizer que nunca mais usei saia ou calças brancas quando estava ou temia vir a estar com o período.

Não incluindo a casa, qual a coisa mais valiosa que comprou?

- Os meus livros

Qual o seu pertence mais apreciado?

- Talvez mesmo os meus livros

Qual a sua principal conquista?

- Ter conseguido ter uma vida profissional motivante e bem sucedida sem nunca ter sacrificado a minha disponibilidade para a família, em especial para os meus filhos

Descreva-se em três palavras

- Normal, tranquila, bem disposta

De que gosta menos na sua aparência?

- Nada em particular, não ligo muito a isso pois sou como sou e não equaciono modificar-me. Portanto, o que não tem remédio, remediado está.

Quem é que gostaria que interpretasse o seu papel num filme sobre a sua vida?

- A nível internacional, Cate Blanchett. A nível nacional, talvez a Margarida Vila-Nova.

Qual o seu hábito mais desagradável?

- Deitar-me, todos os dias, tarde de mais.

O que a assusta na velhice?

- Poder vir a sofrer de limitações severas ou ver o tempo a esgotar-se numa altura em que ainda me apeteça muito viver

O que queria ser quando crescesse?

- Comecei por desejar ser cabeleireira. Mais crescida, queria trabalhar numa empresa, ou melhor, em ambiente empresarial. Uma ideia um bocado vaga. Mas era isso.

Escolheria fama ou anonimato?

- Anonimato, claro.

Qual a última mentira que disse?

- Disse a uma pessoa que achei que estava velha e acabada que estava muito bem

Qual o seu prazer mais culpado?

- Ver a telenovela A Promessa (não vejo uma única telenovela portuguesa desde que me lembre pois, se calha passar por lá de raspão, acho uma chachada que não se aguenta, não as suporto nem um minuto; e, no entanto, gosto de ver A Promessa)

A quem gostaria de pedir desculpa e porquê?

- Às pessoas que gostavam muito de mim e a quem, por falta de tempo ou falta de capacidade para manter o contacto com muitas pessoas, acabei por deixar para trás, sabendo eu que as pessoas ficaram sentidas e com saudades.

O quê ou quem é o amor da sua vida?

- Os meus filhos e os meus netos e, claro, quem esteve, comigo, na origem de tudo, o meu marido.

A que é que sabe o amor?

- A felicidade, a tranquilidade, a harmonia, à razão primeira e última para tudo.

Já alguma vez disse 'amo-te' sem o sentir?

- Não tenho por hábito dizer 'amo-te'. Não me soa bem, são sons mudos demais. Prefiro dizer 'gosto de ti'. Sempre que o digo é sentido. Mas também não sou muito de andar a verbalizar, sou mais de demonstrar.

Com que frequência pratica sexo?

- Apesar de não querer ser maria-vai-com-as-outras em relação à Marina Abramović, respondo como ela: frequentemente

Quando é que esteve mais perto da morte?

- Quando o meu carro, numa descida acentuada a caminho de uma rotunda movimentada, ficou sem travões e percebi que ia, inevitavelmente, ter um acidente que poderia ser muito grave, e que, por isso, poderia estar a viver os meus últimos segundos de vida. O carro ficou de tal forma que o seguro declarou a sua perda total. Eu, felizmente, não sei como mas escapei incólume.

O que melhoraria a sua qualidade de vida?

- Ter uma piscina onde fazer ginástica em suspensão do outro lado da rua. Haver, também, um supermercado na minha rua, para não ter que ir de carro de cada vez que tenho que comprar qualquer banalidade para casa

O que preferia ter mais: sexo, dinheiro ou fama?

- Sexo e dinheiro acho que tenho que chegue e fama não quero. Mas agora que penso nisso... talvez gostasse de ser uma escritora conhecida, com qualidade reconhecida. Talvez a isso se chame fama.

O que acontece quando morremos?

- Descansamos de forma radical. Desaparecemos. 

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  • As questões a que respondi são as da entrevista feita por Rosanna Greenstreet a Marina Abramović. 
Marina Abramović
Fotografia de Linda Nylind/The Guardian


Uma vez que as respostas interessantes são as dela e não as minhas, sugiro que cliquem aqui:

Marina Abramović: ‘Describe myself? Long hair, big nose, large ass’ de Rosanna Greenstreet

  • A fotografia do hibisco foi feita hoje no meu jardim

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Desejo-vos um belo dia de domingo

quarta-feira, julho 26, 2023

Uma maneta que gosta de ver dançar

 

Continuo quase maneta. O quase advém de que mão até tenho e de que ela até mexe. O que mal mexe é o braço pois o cotovelo continua inchado, encravado e doloroso. 

Não me apetece ir ao médico pois sei que teria que fazer rx e o escambau e que, portanto, teria que ficar nas urgências a penar. Tenho esperança que, com anti-inflamatório, analgésico, pomada, gelo e imobilização (ie, braço ao peito), isto vá ao sítio. 

[Não tenho aqui Transact mas não creio que funcione neste caso não apenas porque, sendo o cotovelo, não sei se o rectângulo adesivo funcionaria (acho que funciona melhor em superfícies lisas como as costas) mas, sobretudo, porque isto deve ter sido alguma rotura de ligamentos ou uma inflamação aguda nos tendões e creio que o Transact é para coisas mais light, tipo contracturas ou distensões. Digo eu.] 

Por isso, não apenas não consegui regar, varrer ou outras coisas básicas e essenciais no meu dia a dia, como continuo a escrever sobretudo com a canhota pois alguns inocentes movimentos de mão provocam-me incomodativas dores no cotovelo.

Portanto, com as minhas desculpas, não vou comentar os comentários (nem sequer os do Mr. Implicante que, apesar de revelar algum sentido de humor, deve ser viciado em gramática e deve padecer de um défice agudo de simpatia -- simpatia ou empatia?).

Passei o dia, pois, na maior indolência, sobretudo lendo e vendo vídeos. 

Contudo, a minha natureza puxa-me para a paródia pelo que dou por mim a ver vídeos que me fazem rir e, manhoso como é o algoritmo do youtube, às tantas só me dá é disso. Então, para ver se me cultivo, ponho-me a ver tutoriais sobre maquilhagem, sempre na vã esperança de descobrir quem me ensine como, num minuto (isto é, num único minuto), se transforma uma mulher normal, madura, numa esbelta e viçosa barbie. E, às tantas, começam a aparecer-me tutoriais de toda a espécie e feitio, uns que transformam pretas em brancas, nórdicas em gueixas, outros que transformam olheirentas e papudas em frescas e fofas, outros que transformam narigudas em narizinhas. Nada de útil face às minhas expectativas.

Tem-me também aparecido muita coisa séria como as alterações climáticas mas, por estes dias, para coisas sérias já bastam as terríveis imagens dos incêndios na Grécia ou tempestades na Suíça.

Por isso, não tenho nada de jeito que possa trazer aqui à colação. Quanto muito partilho este vídeo com dois fantásticos: Leonard Cohen interpretando o maravilhoso Dance me to the end of love e o elegante e cavalheiro Robert Redford a dar corpo à coisa. 

E, vendo-o, penso: como é que eu, no estado em que estou, poderia corresponder caso me aparecesse um Redford desta vida a convidar para dançar?


PS: Começo a convencer-me que vou ter que interiorizar que o meu corpo não é o de uma atleta sempre pronto para os desafios que se me deparem. Uma maçada, isto.

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Desejo um dia bom
Saúde. Alegria. Paz.

segunda-feira, outubro 10, 2022

Começar de novo?

 


Quando escolhi a área no secundário (ciências e não económicas ou letras ou [não me lembro do nome das outras]) não fiz testes psicotécnicos nem conhecia todas as possibilidades que tinha ao meu dispor. Foi muito pelos gostos imaturos de miúda de catorze anos. Dois anos depois, quando escolhi o curso superior também estava mal informada e não sabia como informar-me. Hoje, com a informação disponível, omnipresente, este desconhecimento parece improvável. Mas era assim. 

Tinha várias vocações, muito opostas, e outras que não sabia que poderiam ser concretizáveis e, certamente, outras que desconhecia. 

Aboli a psiquiatria, que seria a primeira escolha, porque não conseguiria ver mortos nas aulas de anatomia do curso de medicina. Só de pensar nisso sentia terror. Aboli, depois, psicologia porque o curso não era reconhecido ou, pelo menos, aquele a cuja porta fui bater, à época, não era. Acresceu a isso o facto de ter lido o currículo do curso e me ter parecido embaraçosamente básico. Arquitectura estava fora de questão pois tinha enveredado pela alínea de ciências e porque achava que era muito assente em desenho e em geometria descritiva e isso pareceu-me, por um lado, fora das minhas competências e, por outro, uma seca. Não pensava, na altura, na profissão em si mas nos escolhos que o curso me traria. Identicamente não optei por economia pois forçosamente teria história e, pelos péssimos professores tidos até aí, abominava história. E em gestão também não pensei pois parecia-me uma coisa às três pancadas, um pot pourri de matérias em que nada seria aprofundado. E, na minha cabeça e segundo os meus conhecimentos, não haveria outras possibilidades.

Acabei por optar por um curso que me garantiram que dava para tudo e que, segundo me diziam, eu faria com uma perna às costas pois assentava na disciplina em que tinha notas mais altas. Foi, na verdade, um curso horrível, pesado, com colegas marrões, sensaborões. Não me revia em nada daquilo: professores que carregavam, sem prazer, o peso desmedido da sua cátedra e alunos precocemente envelhecidos que ansiavam por ser génios. A ausência de companheirismo e de gosto pelo lado lúdico da vida por parte deles quase me faziam atirar a toalha ao chão. Os primeiros anos daquele curso eram uma máquina trituradora que deixava a maioria dos alunos para trás. Aguentei-me e, felizmente, os dois últimos anos foram aliciantes, um grande desafio. Como arranjei logo emprego e foi para fazer uma coisa que adorava e ainda por cima com o melhor acompanhamento que poderia esperar, nunca me arrependi. Sempre senti que estava na profissão certa apesar de ter mudado algumas vezes. Fui fazendo sempre coisas novas, fui sendo posta à prova, fui sentindo que estava sempre a aprender, fui formando equipas, e, por isso, fui sempre sentindo a motivação de que necessito para me mover. O mundo das empresas provou ser a minha praia.

Contudo, um dia destes, esta minha jornada profissional estará a chegar ao fim. Poderei, nessa altura, não fazer nada. Depois de uma intensa vida de trabalho, talvez seja mais do que justo que me conceda a mim própria o direito ao descanso e à liberdade de movimentos.

No entanto ocorre-me que, em vez disso, poderei experimentar outras praias.

Já pensei: porque não vou tirar o curso de psicologia? E, depois, trabalhar nessa área? Porque não? Ou porque não vou aprender a fazer joias, por exemplo? Arquitectura já não dará, já é tarde demais para começar arquitectura. Mas para psicologia acho que vou a tempo, tenho experiência de vida que, se calhar, ajudará. A psicologia sempre me atraiu, sempre.

Claro que há aquilo de escrever. Gostaria de ter a concentração, a disciplina e a disponibilidade mental necessárias para escrever... mas não sei se as tenho. Escrever continua a aparecer na minha cabeça como quase um hobby. E, na minha cabeça, parece que continuo a pensar que devo ter uma ocupação 'a sério', uma profissão. 

Sei que isto, para quem me lê, deve soar muito parvo. E, se calhar, é mesmo parvo. Mas estou formatada para trabalhar e para ser remunerada a partir do meu trabalho. Ficar sentada a olhar para o boneco ou ocupar-me com frescuras e depois receber uma pensão, parece-me uma coisa que não tem a ver comigo.

Portanto, tenho que pensar nisto.

Hoje, cá em casa, ao falarmos nisto, na perspectiva de um dia vir a reformar-me, a minha neta disse: Ah, boa, depois podes ir buscar-me à escola... Ao ouvir isso, senti mixed feelings. Por um lado, fico contente que ela goste que eu vá buscá-la à escola. Mas, por outro, não me imagino a não ter ocupações a 'sério' para além disso. Penso que me sentiria frustrada se passasse o dia na maior indolência tendo por única ocupação ir buscar as crianças à escola. 

Por isso, acho que tenho algumas coisas em que pensar nos próximos tempos. Tenho, tenho.


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Pinturas de Wolfgang Letti na companhia de Leonard Cohen com Anthem 

The birds they sang
At the break of day
Start again
I heard them say
Don't dwell on what
Has passed away
Or what is yet to be
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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Bons recomeços. Paz.

sexta-feira, novembro 19, 2021

As últimas palavras

 




Pois é, Sara, não tenho saco de água quente. Já o tive mas deve ter ficado nos restos da outra casa. Nunca era usado. Devemos ter achado que escusávamos de transportar uma coisa inútil. A minha mãe está farta de me falar nisso. Disse-me que tem dois, que vai dar-me um. Tenho ideia que não vendem nos supermercados. Pelo menos no pequeno supermercado que frequento, não tem.

Entretanto, já tenho os comprimidos, os relaxantes musculares, e já tomei um. Por isso, estou aqui a fazer um esforço para não ir dormir que não conseguem adivinhar.

Na actualidade, uma vez mais, muitos temas miúdos, miudinhos, e nenhum me dá vontade de comentar. O meu dia também foi chato demais, nem pensar em repescar tema real.

Por isso, vou antes dar seguimento à sugestão do meu amigo algoritmo. O tema é funesto, pelo menos à primeira vista. Mas não é. 

O que se diz no fim da viagem? Claro que depende do estado em que se está. Se a pessoa está mais morta que viva e já mal fala ou não diz com coisa, acho que não deve contar.

Agora se a pessoa está lúcida, as suas últimas palavras podem ser indiciadoras do estado de espírito que a habita nesse momento. 

Eu não sei quais as últimas palavras do meu pai nem as minhas para ele. Mas ele já não estava exactamente entre nós. A sua consciência e a sua capacidade para ver, ouvir ou perceber o mundo há muito que vinham sendo desligadas.

Aliás, da minha família, e foram tantos os que já se foram, não faço ideia de como se despediram deste mundo. Mas de todas as pessoas, aquela de quem mais recordo as últimas conversas é a minha tia de quem já aqui falei algumas vezes.

Todas as sextas-feiras ao fim da tarde, eu ligava-lhe e ficámos que tempos na conversa. A afinidade entre nós era muito grande. Quis viver sem sua casa até ao fim. Vivia sozinha. Tinha sofrido a perda do meu tio e isso tinha-a abalado muito. Os meus primos tinham a sua vida, não podiam lá ir todos os dias. Mas era tão apegada à casa que achava que estava melhor ali que em qualquer outro lugar. E creio que, até ao fim, tinha a esperança de melhorar. Pelo menos, nunca falava como se estivesse para morrer. Falávamos de tudo e apesar de já ser notória a dificuldade em falar e, até, respirar, sempre havia esperança nas suas palavras.

A minha mãe viu-a por esses últimos dias e veio de lá a chorar, dizendo que tinha sido, certamente, a última vez que a tinha visto em vida. Andava já encostada às coisas para se apoiar. Ela própria me dizia que descansava, levantava-se e dava uns passinhos, sentava-se. Mas dizia com orgulho que ainda era ela que tratava da casa. Penso que o sentir que tinha autonomia para viver sozinha e dar conta da sua lida era para ela uma forma de consolo. Ou de engano.

Durante muito tempo, quando chegava a hora de lhe ligar, eu ficava um pouco perdida, tentando assimilar que ela já não estava ali, do outro lado, para conversar comigo. Não sei se estava acordada ou se, antes de atravessar a fronteira, pressentiu que ia dizer as últimas palavras mas tenho a certeza de que seriam sempre palavras bem humoradas, sem dramas.

Não sei como será comigo mas, a dizer alguma coisa, gostava que fossem palavras de esperança e alívio. Qualquer coisa como isto: Que bem que estou a sentir-me. Não me macem com conversas da treta pois quero atravessar a luz na maior leveza. E saibam que saio desta para melhor. E beijinhos a todos. Love, love, love you. Inté, byzinho. Fui.

E fico-me por aqui senão não conseguirei até à cozinha para o ben-u-ron nem de lá para vale de lençóis.

E é isto. Beijinhos também para vossemecês. E carapaus para o gato. 


Uma happy and bright friday.

domingo, outubro 03, 2021

Um homem que partiu cedo demais

 


Ontem à noite pensei numa pessoa que me foi muito querida. Mais do que um colega com quem me dei muito bem, foi não apenas um amigo mas, sobretudo, uma pessoa que deixou as mais gratas memórias.

Já aqui falei dele algumas vezes, por vezes em episódios avulsos. Era daquelas pessoas de quem sempre se podiam contar muitas peripécias. 

No outro dia. falei de quando comecei a trabalhar em ambiente empresarial: uma grande, grande empresa, com uma longa, longa história, em que havia muita gente ainda a trabalhar de forma que a mim me parecia arcaica. Mas havia muita gente nova. Viviam-se tempos expansionistas, havia projectos com fartura e um enorme bando de jovens licenciados criava uma permanente animação um pouco por todo o lado.

Várias dessas pessoas acompanharam-me profissionalmente durante anos. Um deles viria a tornar-se um dos meus melhores amigos. Outro quase também. Outros apenas bons amigos (o que, convenhamos, não é pouco). Naquela empresa eram quase só homens e, com formação superior, as mulheres contavam-se pelos dedos da mão. Porque as coisas estavam organizadas dessa forma, eu quase apenas tinha contacto com os ditos licenciados. Até o refeitório tinha um horário e um local que eram destinados aos 'quadros'. Mas, elitismos à parte, era também uma questão geracional. As idades eram relativamente afins, as vivências também.

De todos aqueles jovens turcos, um destacava-se naturalmente. Não seria o mais 'apessoado' mas era um homem interessante. Mas era sobretudo um misto de muita coisa em generosas doses: hiperactivo, hiperdivertido, hiperinteligente. Onde ele estava, não havia lugar à monotonia ou à indiferença.

As mulheres caiam de amores por ele. A secretária do director era das mais apaixonadas. Mas havia outras. Tinham crises de ciúmes, ameaçavam denunciar-se umas às outras. Ele geria isso com boa disposição. Eram todas casadas e não era com ele. Tal como ele era casado e não era com nenhuma delas. Mas, se bem me lembro, tenho ideia que ninguém os censurava. 

Mais tarde, quando já éramos directores, uma equipa de, salvo erro, umas catorze pessoas, todos reconhecíamos que era ele o mais brilhante. Não era apenas a forma como delineava estratégias e as punha em prática mas também a forma como contribuía com boas ideias para as outras áreas, como trabalhava bem em equipa, como era sempre fair, como tudo o que dizia e fazia transpirava energia e joie de vivre.

Foi com ele que aconteceu aquilo de ter sido apanhado, fora de horas, no seu gabinete, a ter relações com uma colega de outro serviço. Toda a gente comentava e ele piscava o olho e ria. Nada parecia afectá-lo. Estavam em cima da mesa que, mais tarde, viria a ser a minha mesa de reuniões e da qual toda a gente dizia: 'se esta mesa falasse...'.  E ele, se o ouvia, ria-se. Era atrevido, descarado, bem disposto.

Numa altura, por razões que agora não vêm ao caso, a empresa quis aumentar brutalmente as vendas. 

A ordem era 'venda-se', 'alcancem-se as melhores facturações de sempre', 'esmague-se a concorrência'. Disseram-nos explicitamente: 'overbooking, se for caso disso'.  As nossas reuniões de trabalho eram de loucos. Ele vendia como se não houvesse amanhã. Na logística, nos aprovisionamentos, na produção, em todas as áreas, era a loucura. Dar vazão àquela avalancha de pedidos de compra por parte dos clientes era uma montanha russa em que uns dias nos ríamos e noutros nos pegávamos uns com os outros. Ele avisava: querem vendas, eu arranjo-as. Mas atenção que isso tem custos. Mil vezes, em público, avisou a administração. Mas alguém queria lá saber disso? Queriam era números.

Até que mudaram os ventos. O objectivo do record de vendas tinha sido atingido. 

Quando as canas por apanhar começaram a aparecer, quem tinha pedido, a qualquer custo, um valor extraordinário de vendas, saltou fora. Havia muitos incobráveis. Ele tinha vendido sem acautelar se os clientes tinham capacidade financeira para pagar a tempo e horas. Por muito injusto que fosse, quem estava no degrau acima, ao querer desresponsabilizar-se, fez a jogada clássica: começou por lhe fazer a vida negra para, de seguida, convidá-lo a sair da empresa.

Com a alegria de sempre, ao ter percebido o descaminho que aquilo ia levar, deixou de descartar os convites que frequentemente recebia. E, quando o outro o convocou para o convidar a sair da empresa, ele surpreendeu-o, apresentando a carta de demissão.

A notícia caiu como uma bomba em toda a empresa. Toda a gente gostava dele. O administrador iniciou, então, uma sistemática e furiosa campanha para o denegrir. Lembro-me muito bem disso. Como a campanha não lhe estava a correr muito bem, desencadeou uma caça às bruxas. Se sabia que alguém falava com o antes bestial e, depois, besta ou o defendia, era logo objecto de repreensão e velada ameaça.

Até ao dia em que descobriu que a sua secretária estava a organizar um jantar de despedida. Aí a sua campanha redobrou. Sondava-nos tentando saber se alguém se tinha inscrito, se já se sabia quem ia, dizia que quem estivesse a favor do outro estava contra ele. Fui pessoalmente alvo de toda a espécie de pressões. 

Ninguém se descoseu. 

Junto ao rio, num espaço gigante, juntaram-se centenas de pessoas. De todo o lado, vieram os seus colegas e ex-colegas, directos e indirectos. Foi um jantar muito animado e, ao mesmo tempo, muito emotivo. Penso que ainda tínhamos a esperança que o administrador voltasse atrás, que ele voltasse atrás. Havia surpresas e presentes para ele. Quem falava estava comovido. Mas ele, falando para aquele espaço imenso pejado de gente, falou com a sua alegria habitual. Desdramatizou. Era apenas uma nova etapa da sua vida.

E partiu. Ninguém acreditava naquilo. Como poderia a empresa tê-lo deixado ir embora?

Mas nas empresas a injustiça é frequente. Tão frequente que já ninguém se indigna muito.

Na empresa para a qual foi, toda a gente o passou a adorar. Era impossível não. Era daquelas pessoas que desenvolvia natural empatia para com os outros e que rapidamente apresentava resultados. E o seu sorriso, a sua inesgotável energia, a sua frontalidade e a sua inteligência eram irresistíveis.

Até que, pouco depois, veio a terrível notícia: tinha cancro. Foi um murro no nosso estômago. Não era possível. Não queríamos acreditar. Aquela energia, aquele poço de saúde...

Mas parecia que não era dos mais graves, continuava a trabalhar, muita gente lá nem tinha ainda dado por nada. Ia fazer os tratamentos e de lá seguia para o trabalho. 

Descansámos. Haveria de se pôr bom.

Algum tempo depois, chegaram novas notícias: parece que afinal não estava nada bem. Tinha alastrado.

Por essa altura, um dia, ao fim do dia, quase lusco-fusco, cruzámo-nos: ele descia num sentido, eu subia noutro. Ouvi apitar e alguém chamar o meu nome. Era ele. Disse que estava tudo a andar bem, sorriu, perguntou por mim, perguntou pelos meus filhos. Depois as filas andaram. Dissemo-nos adeus, até um dia destes. Apesar da fraca luz do fim do dia, pareceu-me bem encarado. Comentei isso no dia seguinte. Vinha do trabalho, de janela aberta, certamente a ouvir música, sorridente, igual ao que sempre foi. Não lhe notei sinais de dor ou mal estar, de preocupação, de tristeza, de que a sua vida estivesse por um fio. Nada. Pelo contrário, parecia que estava para dar e durar.

Dias depois chegou a notícia que ninguém queria ouvir: tinha morrido. A nossa consternação e pesar foram imensos. Não conseguíamos acreditar.

A capela mortuária estava cheia e o largo passeio também cheio. Colegas das duas empresas, todas as suas namoradas, todos os seus amigos. Ninguém conseguia aceitar ou perceber a injustiça que tinha acontecido. Da capela chegava o choro lancinante do pai. A mulher estava inconsolável. O filho, jovem adulto, era fisicamente igual a ele. Ambos, ele e a mãe, amparavam o senhor que, vergado pela dor, chorava: 'não devia ser permitido um filho ir antes do pai...'.

Isto já foi há algum tempo. 

Mas tento não me esquecer dele. A vida vai passando por nós, muitas pessoas vão ficando para trás, desaparecendo. Mas algumas foram tão especiais que é bom que, quem delas gostou, não as esqueça. Não sei bem porquê porque, na verdade, é tudo tão efémero, tão volátil, que não sei se a gente se lembrar faz alguma diferença -- mas sinto que é assim que deve ser.


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Pinturas de Zhao Mengfu (1254–1322) ao som de Take This Waltz por Leonard Cohen

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Desejo-vos um belo dia de domingo

domingo, agosto 15, 2021

Lá chegaremos, lá chegaremos...

 


Não sei se saberemos enfrentar com sucesso as alterações climáticas. Não havendo urgentes, inovadoras e muito eficazes medidas que, a nível do planeta, travem o desastre em curso, a vida humana pode começar a enfrentar sérias ameaças e não sei até quando conseguirá aguentar-se, pelo menos nos moldes que hoje conhecemos. Mas, admitindo que o toque a rebate se fará ouvir em todo o mundo e que a inteligência animal associada à sobrevivência se imporá, então, pode acontecer que se viva ainda o tempo suficiente para que os humanóides sejam uma realidade: seres humanos com aparência normal mas, de facto, programados para agirem como verdadeiros seres humanos.

No mundo das empresas o conceito o 'machine learning' já é quase um déjà-vu. Não que as empresas já estejam a usar em velocidade cruzeiro mas já falam, já estudam, já querem equipamentos cujo sotware assente em algoritmos que incorporem os dados obtidos e, mediante um encadeado de ifs, façam as máquinas terem em linha de conta as funções identificadas, as métricas adequadas, as estatísticas e as probabilidades associadas. Mas nem é preciso ir tão longe: a palmilha dos meus sketchers anuncia que tem memória. E há colchões que se anunciam com as mesmas capacidades. Aqui não há electrónica e computação, há simplesmente materiais estudados e fabricados mediante simulações e funções matemáticas para 'perceberem' o corpo que os vai usar. 

Programar uma coisa para agir como uma pessoa não é difícil. E conseguirá programar-se para ser meiguinho ou irreverente ou obediente ou desafiador ou sedutor ou mal-educado. Ou perigoso. Tivesse eu agora os vinte anos que tinha quando andei a navegar por águas afins e muito provavelmente andaria agora por estas paragens. Claro que, nestas matérias, penso que o que faria seria sobretudo pelo fun of it. Mas esse é também o perigo. Sendo uma área em que se actua de forma totalmente desregulada, quem garante que um maluco que está a programar coisas para agirem como pessoas às tantas não vai longe de mais ou que a 'coisa' não lhe escapa das mãos?

É que nisto há o auto-desafio -- e o auto-desafio é o maior produtor de adrenalina. 

Será que consigo...? 

Ou: Ora deixa cá ver até onde consigo que isto faça o que eu quero...

Ou: Deixa cá ver se o 'tipo' é capaz de me surpreender...

Parte da actividade dos hackers começa também assim: pela vontade de perceber até onde se consegue ir. E quem diz dos hackers diz a malta que se entretém a criar cenas na base da inteligência artificial.

Mas, tecnologias à parte, avancemos para o tema em questão: o dos seres 'feitos' à medida.

O tema é aliciante: em vez de se ter que aturar cromos, palermas encartados, zé-cuecas permanentemente encrencados, amélias, mal enjorcados sem pingo de sentido de humor, narcisistazecos de meia tigela 
-- sim, há quem, por ilusão ou falta de tino, tenha caído em esparrelas destas --, 
imagine-se que se poderia definir o conjunto de  parâmetros pretendidos e, tempo depois, receber alguém que neles assentasse que nem uma luva: que fizesse boa companhia, que fosse disponível, que divertisse, estimulasse, brincasse, ouvisse, que tivesse sempre a palavra certa no momento oportuno, que nunca desiludisse, que não empatasse a paciência a falar exclusivamente dele próprio e dos seus inúmeros problemas, que gostasse de passear, que gostasse de ler, com quem houvesse verdadeiras afinidades, que fosse de boa boca, amoroso, alegre, espontâneo, culto, simpático.

Claro que há quem tenha a sorte ou a capacidade para encontrar um/a assim, à sua medida mas em bom, ou seja, humano genuíno -- não um humanóide programado. 

[Uma vez que o meu compagnon de route ao fim de semana não vê isto de certezinha absoluta, posso aqui dizer que eu acho que me incluo no grupo das sortudas. Assim, não lendo, não fica a achar-se a última coca-cola do deserto, todo convencidão. Posso, portanto, na vida real, a continuar a deixá-lo na dúvida. Mas aqui confesso: não tenho dúvidas, não senhor. A mim saiu-me o brinde.] 

Mas há pessoas a quem sai a fava. E para esses ou para os/as mais aselhas ou os mais deslumbrado/as que tanto querem encontrar um príncipe/princesa encantado/a que se iludem e acabam por levar para casa um inútil sapo-cabeçudo, para esses a solução do humanóide movido a inteligência artificial era o que vinha mesmo a calhar. Aliciante. Diria mesmo: capaz de se tornar deveras viciante.

Se já antes o Her -- com Joaquin Phoenix no papel de Theodore, totalmente 'agarrado' à voz de Scarlett Johansson, como assistente virtual movida a inteligência artificial -- foi uma amostra do que pode ser mas em que a 'coisa' apenas se materializava através da voz, aqui, no 'I'm your man' o enredo vai mais longe, vai até onde um dia destes, se lá chegarmos, estaremos.

Transcrevo do artigo do The Guardian em que se fala de como se pode chegar à felicidade na companhia de um humanóide.

The last thing that academic Alma (Maren Eggert) wants, following a messy breakup with a colleague, is a man. But in order to gain funds for her own research, she is persuaded to take part in a trial: for three weeks, she must live with Tom (a deft comic performance from Downton Abbey’s Dan Stevens), a humanoid robot that has been precision-tooled to be her perfect companion.

(...)  it asks pertinent questions about loneliness and a world in which algorithms can know us better than our human partners ever will.

 

I'm your man



Tenho que ver, tenho, tenho.

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Desejo-vos um belo dia de domingo

quinta-feira, julho 22, 2021

Os mais libidinosos fatos de banho para homem



Tenho a dizer que os fatos de banho que aqui mostro são os mais fantásticos, elegantes e apetitosos fatos de banho de homem que já vi. Li na Vogue que são libidinosos -- e estou de acordo. A palavra é correcta. Libidinoso = Sensual; lascivo; caprichoso; dissoluto.

Vejo as sofisticadas tangas com olhos de ver, amplio para ver bem as costuras e a perfeição do corte -- e não lhes encontro defeito.

No entanto, posso estar a ser tendenciosa pois posso estar a pôr todos os atributos na peça de vestuário quando, para ser sincera, o que acredito mesmo é que dependerá muito de quem os vestirá. 

Por exemplo, no outro dia vi um homem vestido a rigor a tentar fazer kite surf. Mas, coitado, por mais que se esforçasse não conseguia sair da areia, dando divertidos saltinhos a ver se o vento lhe pegava e levava pelos ares. Mas nada, não descolava. Quando me aproximei, disse ao meu marido que estava tudo explicado. O meu marido não percebeu. Expliquei que, com aquele fácies, era óbvio que não ia a lado nenhum. Passando-lhe perto constatei que não era apenas a cara, era também o corpo que era para esquecer. Claro que enfiado dos pés à cabeça num fato de um reluzente neopren a coisa disfarçava. Agora imagine-se se aquele cromo se apresentava com um fato de banho como estes. Ou uma pessoa desatava a rir à gargalhada ou afastava-se cautelosamente não fosse o maluco desatar o atilho.

Também tenho que confessar outra coisa: se, por exemplo, o meu marido me aparecesse, em público, nestas figuras, acho que o embrulhava rapidamente numa toalha e mandava chamar os bombeiros para o levarem, atado, para o Júlio de Matos. Ou se fosse o meu filho. Credo, nem quero pensar. Acho que teria uma conversa com a minha nora para avaliarmos o que poderíamos fazer para ele ganhar juízo. E nunca mais ia ter à praia com eles enquanto ele não voltasse aos habituais calções de banho.

Já o disse: para mim os homens querem-se frugais, despojados, sem espalhafatos ou inovações estéticas. Clássicos ou desportivos mas sempre sóbrios, discretos. No caso do meu marido e do meu filho, ambos usam calções normais, um pouco acima do joelho, tecido, corte e cores 'normais'. Mesmo os meus netos usam calções de corte direito, compridinhos, do mais simples e discreto que há.

Mas isso são os meus 'homens'. 

Agora os homens das outras ou os que estão sem dono/a, os que não se importam de mostrar que estão no mercado, os que estão disponíveis para serem olhados, ah... ah esses, sim, podem ousar à vontade, podem ser extravagantes, em especial se seguirem a velha máxima de 'menos é mais'. 

Poderiam, até, ter apenas uma simples parra à frente e uma simples folhinha de limoeiro atrás. Ou vice-versa. Ou, melhor ainda, uma única folhinha de louro.

Os modelos que aqui apresento são obra de Ludovic de Saint Sernin, the designer who made poetic sensuality his brand's signatureLudovic de Saint Sernin se fait connaître en 2018 avec sa mode libidinale et son vestiaire "genderless" alliant chic et poésie. Son premier vestiaire, présenté en tant que finaliste du prix LVMH, a fait l'effet d'une bombe avec autant de modèles audacieux célébrant le corps masculin et ses attributs


E é o que, por ora, tenho a dizer. Quanto ao resto, pouca coisa do que para aí vai me assiste. Tudo muito do mesmo (e até as cheias diabólicas, o calor abrasador, os fogos imparáveis, as tempestades do outro mundo ameaçam tornar-se um infernal déjà-vu).

No domínio dos fait divers, li muito boa gente indignada pela divulgação do vídeo no qual o grande Paulo Rangel está a 'levar com ventos fortes'. Que isto, que aquilo, que aqueloutro. Uma infâmia, dizem. Pois a mim pouca coisa me ocorre dizer a não ser que ainda bem que ia vestido como ia e não com um fato de banho destes ou com uma destas toalhinhas tricotadas. E não é por nada a não ser que, lá está, acho que não tem cara nem corpo que aguentem tanta moda.


E um último apontamento: folgo em ver que estes modelos se apresentam com tudo o que é de lei. Detesto ver homens depilados. Estes, benza-os deus, estão como devem estar: felpudinhos de dar gosto.

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E até já

sábado, março 20, 2021

Como vivem os que se esquecem de morrer?
Quais as regras para viver até depois dos 100?

 



Se eu viver até depois dos cem e me mantiver assim, dada a escrever como se não houvesse amanhã, talvez possa ir reportando, na primeira pessoa, como é que, no mundo ocidental, se consegue viver sem fim à vista.

Por enquanto, o que tenho mais próximo disso é o que os japoneses que se esquecem de morrer fazem para o conseguir.

É certo que também tenho o exemplo da minha mãe que, ao falar comigo, refere que já não vai para nova ou que não gosta de ir aos Correios em algumas alturas do mês (não me perguntem quais) porque, segundo ela, aquilo está cheio de velhos (sic). E tem razão em falar assim já que a ente olha para ela e dificilmente a inclui na faixa etária dos 'velhos'. É totalmente autónoma, totalmente na plena posse das suas faculdades, tem ideias, projectos (pintar os muros do jardim, renovar a decoração do quarto, trocar de sofás -- coisas assim). E tem, até, um certo ar jovial. É um facto que, volta e meia fica ansiosa por coisas de nada, um estado de nervos que quase contagia, liga-me quase em pânico com coisas de nada. Mas isso, admito eu, deve ter a ver com o facto de ter convivido durante uma dúzia de anos com a situação periclitante  do meu pai, sempre vigiando sintomas, sempre angustiada ao ver o seu lento declínio e ao constatar como estava indelevelmente (ainda que por inteira vontade própria) aprisionada junto dele. Foram anos que abalariam o sistema nervoso de qualquer um. Portanto, até acho que até muito resistente deve ela ser. Além disso, durante todos esses anos ela tinha uma ocupação a tempo inteiro, uma ocupação que ocupavam todas as células do seu corpo. Com a morte do meu pai, desapareceu-lhe esse propósito, essa missão a que se tinha entregado de corpo e alma. Não deve ser fácil. Por isso, dou desconto àqueles seus ataques de ansiedade... até porque, em regra, duram pouco. Eu dou-lhe um banho de racionalidade e ela, reconhecendo que tenho razão, acaba por 'ir ao sítio'.

Se pensar no que a ela a mantém assim, fisica e mentalmente bem, penso que se deve a uma alimentação equilibrada e saudável, a manter-se activa quer a nível físico (trata da casa e do jardim, faz caminhadas) quer a nível intelectual (lê, frequenta aulas na universidade sénior), a fazer tricot ou crochet, a conviver e a gostar de viver. Se não tem nada que fazer ou se o tempo está mau e não sai de casa, vai-se abaixo, queixa-se de dores nas pernas, mostra-se aborrecida. Mas tendo programas de festas e saindo, fica fresca e pronta para as curvas.

De vez em quando, se se queixa de que tudo lhe chega, insurjo-me, que não tem razão para dizer isso. O que é que lhe chega? De que é que se queixa?, pergunto-lhe. Diz que não queria, às vezes, ter dores nas pernas ou coisas assim. Pergunto-lhe se queria chegar à idade que tem, já tão perto dos noventa, e estar como se estivesse dezoito. Digo-lhe que deveria era dar graças por estar tão bem,. Tão bem... -- discorda ela. Sim, tão bem -- insisto. Pronto, está bem - despacha-me ela.

Se virmos os vídeos abaixo sobre comunidades japonesas onde as pessoas galgam os cem como se não custasse nada, e que aos noventa e tal ainda fazem ginástica a dançam, o que se vê não é nada de extraordinário. Limitam-se a não complicar, a não inventar motivos para stressar, a não se empanturrarem, a manterem-se fisicamente activas, a manterem-se em contacto umas com as outras. A socialização é importante tal como é importante uma pessoa não se deixar ficar sentada à espera que a morte a vá buscar.

Tenho para mim que é condição necessária (embora, infelizmente, em alguns casos, não suficiente) para uma pessoa viver bem até provecta idade que queira viver, que goste de viver.

Também penso que o contacto com a natureza também é relevante, uma fonte de saúde e de felicidade. 


Four Japanese rules to live past 100



The remote Japanese island where the locals refuse to die



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As fotografias foram algumas das vencedoras do The 2020 World Nature Photography Awards

David Gilmour - Bird On The Wire (Leonard Cohen Cover)

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Desejo-vos um sábado devidamente primaveril

terça-feira, dezembro 15, 2020

Devagar, despreocupadamente, caminhamos para o fim da luz, para o fim dos tempos?

 



Acho que o mundo está a entrar num caminho estreito. E não sei se, no fim desse caminho estreito, há uma saída.

Não é só isto da pandemia 

(embora também o seja, pois não podemos desvalorizar uma pandemia que faz colapsar a economia em todo o mundo e em que, ao fim de quase um ano, ainda permanece o mistério sobre como funciona este vírus, transmutando-se e escolhendo uns e não outros e matando uns e não outros), 

é também tudo o que aí vem com as alterações climáticas e, não menos grave, o que está por vir com a dependência total de tecnologias omnipresentes, ubíquas, baratas, ao alcance de todos... e não apenas desreguladas como impossíveis de regular.

Esta segunda-feira vários serviços da Google estiveram em baixo. O impacto que isto tem na vida de muita gente é incalculável. Claro que grande parte das pessoas nem pára para pensar que tem parte da sua vida alojada e processada em computadores longínquos, geridos por gente que ninguém sabe quem é... e que, ao não pagar um tostão por nada disso, dificilmente pode algum dia reclamar o que quer que seja. Mesmo que o queira fazer vai ter a maior dificuldade em saber a quem se dirigir e de que forma o poderia fazer.

E não estou a falar só de gmail, hangouts, blogger, youtube, etc, que, para muita gente não é apenas coisa lúdica mas sim profissional, social, familiar. Estou a falar também de uma miríade de equipamentos, dispositivos e toda a espécie de objectos que, sem nos apercebermos, estão ligados sabe-se lá onde. Um carro que recebe actualizações automáticas e que está permanentemente a ser localizado para poder ter o gps a funcionar ou para receber informações do trânsito, por exemplo. E nem falo dos telemóveis: ligados a tudo, apps a ferver ligadas a bancos, a fnacs e bertrands, a supermercados, a cartões de tudo e mais alguma coisa, a todo o lado. Falo de fábricas, falo da alimentação eléctrica das cidades, falo de painéis de sinalização de autoestradas, falo de tudo. Tudo automatizado, tudo ligado a tudo... e cada vez mais. A internet das coisas. Tudo automatizado, tudo com inteligência, tudo com algoritmos. Machine learning. Ah pois é. E tudo tem o seu inegável lado bom, óptimo. Mas está à mão de semear para quem o queira usar para o mal. E o pior é que não há como controlar. Por perversidade, por brincadeira, por pirraça, por dinheiro, por descaso... tudo está aí à disposição de quem queira fazer o que lhe apetecer como, por exemplo, deixar um país às escuras, fazer os carros irem uns de encontro aos outros, atirar com fábricas pelos ares. E não digo mais para não dar ideias.

Não falo apenas de ataques cibernéticos, dos hackers que entram onde não devem muitas vezes a soldo de Estados que praticam ingerência noutros Estados, não falo de espionagem industrial em larga escala, não falo em sabotagem cuidadosamente orquestrada. Não falo porque tudo isto é real, existe, é conhecido. Falo, sim, porque é o que mais preocupa, de quando as máquinas se programarem a elas próprias, de quando os humanos se tornarem redundantes face à fiabilidade dos algoritmos, falo de quando os sistemas ficarem descontrolados e os humanos, indefesos, isolados, sem saberem como sobreviver.

Claro que o Marcelo andar a meter-se onde não deve é uma chatice e um déjà-vu sem os quais passávamos bem, claro que o Marques Mendes ser a alcoviteira do regime é daquelas para as quais já não há paciência, claro que haver um populistazeco de meia tigela a subir nas sondagens e levado ao colo pelo PSD e pela comunicação social é uma daquelas chatices que corre o risco de vir a acabar mal, claro que o meu País ter um serviço onde se pratica a tortura e o desrespeito pela dignidade e pela vida humana é insuportável, inaceitável e, se isso acontece, alguma coisa de muito grave se passa e, mais do que apenas pedir a demissão do ministro, deve haver garantia de que coisas assim jamais poderão voltar a acontecer (exames psicológicos e rastreio de álcool e drogas aos agentes, vigilância dupla, não sei), claro que, nesta altura, os professores andarem a falar em greve pela reposição do tempo de serviço é deslocado e despropositado, claro que tudo isso e muito, muito mais é verdade. 

Mas a gravidade e a urgência do que está por vir é de uma outra magnitude, ultrapassa o circunstancial. 

O tsunami múltiplo de desaires que está à espreita é global (tal como esta pandemia é avassaladoramente global), incontrolável e com tudo para ser dramático, talvez de consequências irreversíveis. E para isso ninguém parece estar atento. E o pior é que, mesmo que, aos poucos, alguns comecem a estar atentos, não sei se se vai a tempo. E quando falo em 'alguns' não falo em mim ou nuns quantos cidadãos mais preocupados e mais informados que eu. Estarmos ou não estarmos atentos e apreensivos é igual ao litro, não dá em nada. 

Falo, sim, que deveria haver uma urgência política reconhecida como a grande prioridade do mundo, falo numa espécie de abalo colectivo de tipo 'pára tudo!' que leve os Estados a encarem de frente, muito a  sério, os riscos e darem ordem expressa para que todas as baterias lhes sejam apontadas. 

E mais do que isso: um travão às quatro rodas, repensar tudo, criar mecanismos de não dependência absoluta das tecnologias. 

Mas não sei se vamos a tempo. 

O tempo de reacção política é um tempo lento, feito de cautelosas diplomacias, de demoradas negociações, de concessões, de sucessivos nivelamentos por baixo. E o tempo da tecnologia é o oposto, é o tempo do imediato, o tempo de quem age por si, o tempo de quem tem todos os meios à disposição, a baixo custo, o tempo de quem age por gozo ou por malvadez ou por mercenarismo ou por ambição, sem freios. De um lado está a malta do sistema, os totós que se acham o máximo e que não vêem um palmo à frente do nariz querendo apenas zelar pelos interesses mais próximos. Do outro estão os serviços de inteligência, os bandidos, os jogadores, os aventureiros, os novos piratas, os que desconhecem as leis ou conceitos tão abstractos como o bem ou o mal. 

Não sei se vamos a tempo.

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E, assim sendo, com estas preocupações em mente e com um dia cheio de manobras para pôr uma máquina em movimento, pouca disponibilidade física e mental me sobrou para ficções ou ilusões.

Cirandei pelo jardim mas pouco, fotografei, tentei que a cor das flores animasse o dia tão cinzento, tão escuro (tal como agora o faço, incluindo-as para que o post não fique demasiado sombrio), observei pela janela, enquanto falava ao telefone, os pequenos pássaros, tão frágeis, aparentemente tão despreocupados. Ao fim do dia estive a ler Adélia Prado, uma lufada de ar fresco. A cada frase espanto-me, surpreendida pela graça, pela irreverência da escolha das palavras, pela leveza dos pensamentos que dançam tão inocentemente sobre assuntos tão íntimos. Gosto muito. Gostava de ser capaz de decorar para agora, aqui, sem consulta, vos contar sobre algumas passagens -- mas não sou capaz e, ao mesmo tempo, não o tento. Sempre achei que quem decora muito e sabe tudo dificilmente se deixa encantar pelo que, de novo, for descobrindo. Esforço-me por preservar a minha ignorância e desprendimento.

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Desejo-vos um dia feliz.
Saúde. Boa disposição.

sábado, novembro 14, 2020

Democracia...?

 


O mundo assiste, perplexo, à palhaçada com que Trump continua a brindar os americanos e o mundo em geral. Com a pandemia a explodir em novos records todos os dias, Trump, que dizia que despediria Fauci, agora entretém-se a anunciar a vacina e como fará a distribuição. O grande contagiador, essa infame criatura a quem Anderson chamou tartaruga obesa, fala como se ainda não tivesse percebido que perdeu as eleições, como se não soubesse que os outros países já o isolaram, felicitando Biden como o presidente democraticamente eleito, como se a comunicação social não estivesse de olhos postos no que virá a ser a nova Administração e não na sua desorquestrada côrte constituída por filhos, advogados caquéticos e louras burras. 

Que país é este? Que democracia é esta que alberga tais palhaços como se fossem dignos de governar em liberdade?

Sou ferozmente contra todas as formas de autoritarismo mas não posso dizer que esteja contente com a deriva fofinha por onde navega a democracia. Não sou politóloga, socióloga ou filósofa para poder opinar sobre as coordenadas geográficas onde se deve colocar a linha vermelha. O que sei -- ou melhor, o que sinto -- é que a democracia não pode ser a casa da mãe Joana onde entra quem quer. Populistas, fascistas, racistas, xenófobos, narcisistas ou psicopatas não deveriam estar autorizados a ir a votos, a ocupar lugares de representação e, em geral, ocupar lugares de poder. São um atraso de vida e um verdadeiro perigo. 

Os Estados Unidos que, talvez ingenuamente, nos habituámos a olhar como um lugar de democracia, são agora o palco onde todas as cegadas são possíveis: um maluco governou aquele gigante país durante quatro anos, só dizendo e fazendo parvoíces, prestando-se ao escárnio, incentivando o que de pior a natureza humana esconde. Agora que foi derrotado porta-se como uma menina birrenta, um maluco desatinado, um ditadorzinho de caca, um palhaço que ainda não percebeu que está na hora de levantar a tenda. Uma vergonha.

Até há algum tempo não dei conta de que fosse costume usar-se a expressão 'vergonha alheia'. Agora é banal. E eu, que me aborreço com banalidades, não posso agora deixar de usá-la: assistir ao comportamento de Trump faz-me sentir vergonha alheia.

Na distraída deambulação que por aí faço, dei com o mangas de alpaca, Rui Rio de seu nome, na pacóvia gozação com quem o critica, no Twitter, pois claro, sendo glosado de perto (ou melhor: gozado implacavelmente) pelo alarvezeco de meia tigela que o ex-láparo, em tempos, promoveu a figura pública. Vejo isso e pasmo. Não quero perder tempo com figuras rasteiras de quem nunca nada de aproveitável alguma vez virá mas fico com pena: pessoas assim ainda merecem votos de confiança de alguém...? Como é tal possível...? Que desconsolo. 

Felizmente, estando para aqui eu neste desânimo, fui dar com mais uma da rapaziada do Lincoln Project. Grande equipa. Mais um vídeo à maneira. É ver.

Um apelo aos Republicanos: 

It's time for Republicans to put America first.



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Tal como no post anterior, sobre a vacina Covid, as flores são de chez-moi e vêm ao som de Leonard Cohen: Democracy

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Que o sábado vos seja bom