Chegarão cá e eu, que gosto tanto de cartas, lê-las-ei.
Para já, vou sabendo que a escrita culta, de sumptuosa gramática, transbordante de paixão e toda ela revelando cumplicidade e amor, mostram um François Miterrant completamente enamorado por uma outra mulher. A outra. Não Danielle, a sorridente legítima, mas a outra, a que todos desconheciam. Depois a que todos fingiam desconhecer. Anne Pingeot.
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Na inauguração do Musée d'Orsay, Anne é a cicerone vestida de branco, com uma flor branca no cabelo e capa vermelha, que acompanha a visita à área de escultura com Miterrand e outros |
Casado com Danielle, François, então com 47 anos, caíu de amores por uma jovem de 20. Era bela, culta, filha de uma família conservadora, gostava de arte. Ele o seu tutor, ansioso por ensiná-la. Ela a jovem cativa.
O amor durou até François morrer e encontra-se expresso nas imensas cartas que escreveu a Anne, sua namorada, sua amante clandestina.
Formada em História de Arte, foi à escultura que Anne, a mulher-sombra, se dedicou, trabalhando no Louvre e no Musée d'Orsay.
Vimo-la com um véu, tristíssima, no dia em que o mundo a conheceu, no dia em que o seu amor foi a enterrar. Era ela, a mulher que trouxe preso o coração de um dos homens mais importantes da Europa recente, a mãe de uma filha nascida fora do casamento oficial de François. Vimo-la, então, consolando a filha de ambos, a menina de seu pai, a jovem Mazarine. Muito perto, aceitando a situação, Danielle, a legítima com os filhos.
Então como depois, as fotografias mostram que Anne é uma mulher bela, uma estatura elegante, uma beleza serena e distinta.
Discreta durante a vida do seu amor e discreta depois do seu amor se ir, Anne não deu entrevistas, não procurou o perdão da sociedade mais conservadora que tanto censurou o adultério de Miterrand, não procurou a luz da ribalta.
Até que agora cedeu ao pedido e mostrou que, aos olhos do seu enamorado, ela não era sombria mas luminosa. Anne aceitou agora revelar a imensa paixão que François nutriu por ela ao longo de tantos anos. Não sabe se fez bem ou mal ao fazê-lo. Esperou que Danielle também se fosse, não quis dar-lhe mais esse desgosto. Esperou.
E, lendo excertos de algumas cartas das cartas de amor de Miterrand, enterneço-me.
No amor, no amor grande, todas as pessoas são iguais.
No amor, no amor grande, todas as pessoas são iguais.
Frágeis, carentes, inseguras, ternas, exageradas, infantis, generosas, delicadas, arrebatadas -- assim são sempre as pessoas que muito se querem, que desenham caminhos de luz que só elas vêem, que se aproximam em pensamento mesmo quando os corpos estão longe, que se sentem docemente dependentes uma do outra, que anseiam por uma palavra, por um gesto, que vivem para o momento em que, de uma qualquer maneira, conseguem sentir-se próximas.
Transcrevo excertos de cartas que obtive na Elle francesa e no Le Figaro e, porque não saberia traduzir mantendo a intensa toada das palavras de amor tal como foram pensadas, peço-vos desculpa mas deixo-as em francês:
« Vous êtes pour moi la vie, la mort, le sang, l'esprit, l'amitié, la paix, l'espoir, la joie, la peine. Tout cela cogne, fait mal, ou bien émerveille et purifie »
« J'aime mes mains qui ont caressé ton corps, j'aime mes lèvres qui ont bu en toi, j'aime le goût de ton être mêlé de soleil et de lumière, avant de m'endormir j'ai évité de frotter la journée de mon corps à grande eau comme je fais toujours pour garder ta trace, ton parfum, ta présence vivante sur lui. »
Ela, a quem ele chama Anne Chantilly, Nannon, Nannour ou Animour, retribui:
« Que j'aime ces merveilles que tu n'écris que pour moi ! »
« J'aime toutes tes folies, toutes celles qui arrachent d'un gluant quotidien. Avec toi, on ne se laisserait pas faire par ce qu'on ose appeler 'la vie'. Ô mon créateur de joie, je vous aime. »
Nas últimas cartas, dirigidas a Anne em 1995, um anos antes de morrer, François escreve: « Mon bonheur est de penser à toi et de t'aimer. Tu m'as toujours apporté plus. Tu as été ma chance de vie. Comment ne pas t'aimer davantage ? »
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Mas são muitas as cartas, muitos os excertos que a imprensa já divulgou:
(…) Mais je veux que tu saches aussi ceci: j'ai, moi, dépassé le point du non-retour. Merci ô mon Anne d'être celle par qui j'atteins le sommet de ma course: jamais plus je ne reviendrai en arrière. Je suis à toi, comme hier, aussi intensément mais par mon âme et non mon corps quand je t'écris ceci: depuis toi je ne puis qu'aller et regarder devant moi.
(Nevers, samedi 25 juillet 1964)
«Je t'aime.»
Anne, mon amour,

Sais-tu que je pense à toi et que c'est merveilleusement utile qu'il y ait l'amour Anne-François? Je t'adore Anne et je porte en moi la hâte de tes bras, de tes lèvres, de ta tendresse, de ta paix. Anne, mon Anne, à demain.
Je t'aime.
«Ô mon amour de vie profonde»
C'est une vague de fond, mon amour, elle nous emporte, elle nous sépare, je crie, je crie, tu m'entends au travers du fracas, tu m'aimes, je suis désespérément à toi, mais déjà tu ne me vois plus, je ne sais plus où tu es, tout le malheur du monde est en moi, il faudrait mourir mais la mer fait de nous ce qu'elle veut. Oui, je suis désespéré. Le temps de reprendre souffle et pied? Ô mon amour de vie profonde j'ai pu mesurer un certain ordre des souffrances. Ce sera peut-être le seul mot tranquille de cette lettre: je t'aimerai jusqu'à la fin de moi, et si tu as raison de croire en Dieu, jusqu'à la fin des temps. (…)
(3 juillet 1970)
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