Tive um dia complicado, enredada nas manigâncias burocráticas de funcionários que me atrapalham a vida com mentalidades e atitudes burocráticas, sem o mínimo de compreensão. Nem falo em empatia. Falo em compreensão básica. Dizem-me que o que é preciso fazer é aquilo que os outros fora das Finanças dizem que é impossível. Há um senhor que diz que se tem que fazer uma coisa que só na Conservatória se faz. E a Conservadora diz, embora com todo o respeito e em linguagem jurídica, que os das Finanças vão mas é dar banho ao cão pois o que querem é tecnicamente impossível. E é taxativa: já disse o que tinha a dizer, não vai dizer mais nada. Face a isso, lá fui outra vez para as Finanças.
Portanto, uma audiência. Uma audiência que me tirou do sério.
Na sequência disso, mal cheguei a casa fiz uma exposição para uma Notária.
E mais umas quantas coisas.
Portanto, não levem a mal mas hoje já não tenho cabeça para me insurgir contra as marcelices que se sucedem em catadupa nem para o que quer que seja que puxe pelo lado sério do meu pensamento.
Até podia falar da entrevista ao Galamba na CNN. Comoveu-me. Ainda não foi ouvido pelo MP. Ainda não conhece o processo. O que sabe, sabe-o pela Comunicação Social. Entraram-lhe pela casa, para fazer buscas, estando as filhas a dormir. Escutaram-no durante anos. Ninguém merece tamanha pulhice. Os danos de toda a espécie que isto causa na vida de uma pessoa... E, disseram os juízes da Relação, tudo porque se esforçou por fazer o melhor para o País. Qual crime...? Num outro dia, eu falaria sobre isto. Esta entrevista merece ser falada. E não tem a ver com a entrevista, pois ele foi até bastante contido, mas também não deve ser esquecido pois não é só uma coisa incompreensível por parte do MP (ia dizer canalhice mas não quero ir por aí), é também tudo muito obra do Marcelo que não descansou enquanto não lhe fez a cama. O que Marcelo pressionou António Costa para correr com o Galamba é coisa que não deve ser esquecida. Mas tem que ser num outro dia. Hoje estou com a cabeça feita em água.
Por isso, deixem-me mas é distrair-me com esta rapaziada aqui abaixo me põe bem disposta.
Calças que se rasgam nas virilhas | Fugiram de Casa de Seus Pais | RTP
Um problema que já lhe causou forte embaraço junto da polícia e que poderá ser resolvido, apenas, se ele tirar as calças.
Foi simples: passou a correr. Tanto que eu gostava de saber gerir o tempo de outra maneira.
Comecei o dia com arrumações. Ainda havia uns sacos de roupa interior, pijamas -- coisas de uso raro. Não que não use roupa interior mas o gosto tem mudado ou as circunstâncias também. Portanto, a de uso normal já estava arrumada. As peças especiais, pijamas e que tais ainda estavam à espera de inspiração no que à arrumação se refere. Uma coisa é a gente ter uma casa e, ao longo do tempo, as coisas irem tomando o seu rumo e outra, bem diferente, é a gente pegar nas coisas que estavam cada uma em seu buraco e agora vir com elas para uma casa nova e nem saber como arrumar. Às tantas só dá vontade deitar coisas fora. Mas uma pessoa vai deitar fora coisa boa, em bom estado, de que um dia pode precisar?
Depois chegou a minha filha e os meninos. Dia de empregada em casa. Os meninos instalaram-se a ver televisão, vinham ainda cansados da véspera. Meus meninos crescidos e lindos, meus amiguinhos. A minha filha deu um jeito na decoração do meu quarto, depois descobriu um passarinho gordo e em tons clarinhos que colocou na sala e varreu e provou o vestido cujas mangas a minha mãe tinha arranjado. Depois, para lhe mostrar, colocou-se em cima de uma cadeira da casa de jantar e fotografou-se no espelho que está na parede, sobre o aparador. E enviou a fotografia à avó com quem falou a seguir.
A seguir almoçámos na rua, debaixo do toldo que tem as buganvílias por perto. E sentimo-nos tão bem, num outro mundo. E eu senti aquilo que aqui sempre sinto: que tudo isto ainda me parece um sonho. Dantes, há mil anos, eu gostava disto aqui. Mas por isto, aquilo ou o outro foi sempre coisa que foi sendo deixada para lá. Até que agora. Quase por magia apareceu esta casa e agora aqui estamos.
Depois ela foi para a praia com os meninos e nós fomos para aquela missão que me dá conta da cabeça: buscar coisas à outra casa. Já vieram os meus casacos de inverno, impermeáveis, capas, casacões de malha. Ele não sei o que trouxe. Pelo menos um blazer eu vi, um dos muitos azuis escuros que tem, todos iguais. E trouxe as gravatas: dozens and dozens. Alturas houve em que não ia trabalhar sem gravata. Sempre teve muito bom gosto para gravatas. Todas hiper clássicas mas de boa qualidade, seda macia, ou lisas ou padrão discreto mas sempre com cores bonitas. Agora raramente usa. Não sei onde as guardou.
Lá viemos com o carro a deitar por fora, tipo a carrinha dos ciganos quando levantam a banca e vêm com a carrinha atravancada, a deitar por fora com grandes sacalhadas de roupas.
Eu, quando contrariada, calo-me. Foco-me no que tenho a fazer e pratico a contenção emocional. O meu marido é o meu oposto: pragueja, arrelia-se, ameaça que tão cedo não volta lá, que se deve é deitar fora tudo o que ainda lá está, que grande parte da tralha que lá está é minha. Furioso, furioso. Tento não responder para não inflamar ainda mais os ânimos.
Mas eu, muito sinceramente, estou cada vez mais na dúvida. Uma coisa é uma pessoa ir todos os dias para a empresa, ter reuniões várias vezes por dia, todos os dias da semana, ter aquilo de andar aperaltada e gostar disso, e outra, bem diferente. é ter estar em teletrabalho e desejavelmente assim continuar na maior parte do tempo, é ter a cabeça virada do avesso e ter ganho aversão ao consumo. Em que circunstâncias vou precisar de sair de casa dressed to impress? Talvez um ou outro dia. Agora todos os dias...? Não. Vários meses a andar descalça, quase sempre sem soutien, sem maquilhagem excepto para as reuniões (remotas) e, ainda assim, coisa ligeira, sempre na maior das descontracções, já não serei capaz de voltar à vidinha do costume. Tanta toilette, tanta coisa que, para falar a verdade, não sei quando voltarei a usar.
Mas a vida dá tantas voltas, tantas. Sei lá se um dia não volto a ter uma vida nova, cheia de cenas, a precisar de um blazer de linho branco com calças do mesmo? Ou um fato completo em tons de mel? Vou deitar tudo fora? Não sei mesmo que faça. Ou blusas branquinhas lindas mas que me estão justas demais, quase escandalosas... Deito fora? E se consigo refrear os ímpetos carnais que me levam a comer figos aos montes, kefir com frutos secos e mel, pêssegos, uvas e ameixas e volto a caber nelas à larguinha...?
Juro. Não sei mesmo o que fazer. Por um lado poupava-me horas de desgaste: tudo para sacos pretos e tudo para os contentores de roupa.
Mas, enfim. Quando chegámos e enchemos o corredor de sacos, chegou o meu filho. Veio deixar os miúdos enquanto foi correr com a mulher. Todos bronzeados, mais crescidos. Uma semana sem os ver e já os acho maiores. Mais lindos. Depois, contei-lhe duma coisa que se avariou e ele simpaticamente ofereceu-se para ver. Uma coisa do caneco, num sítio alto, difícil de atingir. Parece que até ficou mal do ombro, tanto se esticou. Mas ficou resolvido.
Quando se foram já não era cedo. Fui lá para fora e, pela primeira vez nestas duas semanas, abri uma cadeira espreguiçadeira e pus-me a ler um livro, neste caso o Narciso e Goldmund. Mas já havia pouca luz. Fui, então, buscar o ancinho que ele me ofereceu pelos anos e fui apanhar flores e folhas secas da relva. Descalça, a relva morna, uma sensação boa.
Depois fui tomar banho, fazer o jantar, peixinho cozido, maruca.
Quando vim para o sofá, deitei-me a ler. Por pouco não adormeci. Aliás, só não adormeci porque estava a ler de gosto o livro. Mas deu-me o cansaço, lá isso deu.
Quando liguei o computador, as notícias não me interessaram. Talvez porque a minha cabeça tem andado por outras pastagens, não há touradas que puxem pelo meu afã, nem avantes, nem tiro à dgs, nem marceladas, nem riozices. Não estou nem aí. Portanto, YouTube com ela. E, lá está, o sujeito percebeu que me farto de rir com os malucos e repetiu a dose. E eu, porque me divirto mesmo, com vossa licença, vou reincidir. Tão bom. Gente inteligente é um gosto de ver e ouvir.
Miguel Esteves Cardoso e Bruno Nogueira, uma dupla virtuosa:
O fulano começou por me propor Pedro Paixão, coisa que vejo sempre com agrado. Já assumi: malucagem é comigo. Gosto.
E, tendo constatado que vejo de gosto, começou a testar-me. Passou dele para derivadas dele, inclusivamente para uma entrevista da Lena d'Água em que ela fala do ano da graça de 1985 em que estava apaixonada por ele e ele a curtir o desgosto por ter sido abandonado por outra.
E, agora, derivou ainda para mais longe, agora já vai no amigo, no tal que ele adora de paixão (lá está, what's in a name) e que lhe ficou com a mulher, outro ganda maluco que, tal como o PP
(ao abreviar para PP refiro-me obviamente ao Peter e não ao Paul, que o Paulinho nem entra nesta história em concreto),
tem aquela graça que advém de terem neurónios em quantidade suficiente para falarem como se não estivessem a falar a direito, adornando a conversa com disfarces de todo o género -- de ironia, de erudição, de desdém, de humor, de desfaçatez, de gaiatice, de insolência, de graça.
Pois bem, desta vez o algoritmo propôs-me um excerto daquele programa com que eu delirava. Miguel Esteves Cardoso à conversa com Bruno Nogueira. Muito bom.
Deviam reatar e, quiçá até aumentar o naipe: umas vezes eles os dois, duetos sempre virtuosos, outras o Bruno e o Pedro Paixão, outras os três (a ver no que dava este ménage: se zaragata, se beijos na boca). Ou também o Manuel João ou o Alvim. Tertúlias em geometria variável mas só com malucos. Não perderia um programa. Juro. Em vez dos comentadores do costume, que já não consigo ver nem com molho de tomate, bem podiam pôr gente assim a encher os horários nobres da televisão. Isso é que era.
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E uma semana bem disposta, minha gente! Bora lá rir.
[E nem vale a pena irem indispor-se com o post abaixo. Estou a avisar]
Bem. Agora que já falei de, por pura distracção -- e logo no dia em que avantesma reapareceu travestida de assombração laranja -- ter passado ao lado do Dia das Mentiras, mas em que, nem de propósito, vivi um fantástico Dia dos Prodígios, resolvi dar mais uma volta pela net.
Antes, estava numa de tentar parecer vagamente erudita e já me tinha municiado com uns ensaios dantescos e até já tinha aqui uns coros a condizer, uma toda vestida de preto, da cabeça aos pés, numa igreja com aspecto sinistro, mais umas outras que tais ao fundo, todas a cantarem numa língua que não entendo (o que não é de estranhar já que pouca coisa entendo) mas que eu ia fazer de conta que percebia muito bem. Só que a natureza tem mais força. Bocejo, bocejo, bocejo. Portanto, como estou cheia de sono, resolvi que essa aventura fica para outro dia e que hoje nem meto o pé nos ensaios, que me fico pelos jornais online, pelos blogues. E, enquanto estava nisto, surprise, surprise, não é que dei com um outro prodígio...? A sério. E mais um daqueles de gargalhada.
E, talvez por isso, ocorreu-me fazer um post sobre malucos. Como é de todos sabido e consabido, há-os de toda a espécie e feitio. Os encartados, os engraçados, os tresloucados, os simplesmente parvalhões, os que mantêm a elegância, os que não têm jeito e se atiram para fora de pé -- há de tudo.
Ao escrever isto, apetece-me logo partir aqui para uma antologia. Podia pensar num âmbito alargado e transcrever excertos ou colocar links para a vasta amostragem que rapidamente colheria pela blogosfera. Mas não, há por aí muita fancaria, teria que perder algum tempo com avaliações para apenas aqui trazer malucos de qualidade. Por isso, não vai ser assim.
Vai ser uma coisa na base da 'consulta directa': ocorre-me uma meia dúzia de nomes, portugueses, homens e ligados aos meios artísticos (em sentido lato), e desses é que vou buscar uma amostra. Com tempo a ver se alargo a amostragem, que malucos é o que não falta.
Aviso: não é de espantar nem deve ofender a linguagem algo libertina e desprovida de auto-censura que se encontra nos vídeos que selecconei (afinal são malucos, digamos assim). Contudo, por prudência, as almas sensíveis deverão abster-se e saltar directamente para o post seguinte.
Ora, então, vamos lá. Pedro, Miguel, Manuel, Mário, Luíz, João. A ordem é aleatória. Cada um que escolha o seu maluco preferido.
1. Pedro
Uma mulher e uma pistola
Pedro Paixão fala com Nuno Markl
.....
2. Miguel
Amores e saudades de um português arreliado
Miguel Esteves Cardoso fala com José Adelino Faria
.....
3. Manuel João
New in Town
Manuel João Vieira e uma entrevista de vida
4. Mário
Um pouco mais de sol
Mário Cesariny diz um poema
...
5. Luiz
O Libertino
Luiz Pacheco, um querido muito cá de casa
....
6. João Vuvu
Vai e vem (lição com bolinha vermelha)
João Vuvu esclarece a uma amiga de longa data, em detalhe, como se pratica o Broche Chinês e, de seguida, contextualiza politicamente esta "tecnologia de ponta".
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(a continuar)
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Dado o adiantado da hora e o meu estado de sono absoluto, vou retirar-me. Queiram, por favor, continuar a descer que há não apenas se fala da pesca a amejua na tia doalvorcomo de outras aparições.
O post que se segue a este é um post triste. Vi Isaltino Morais, velho e magro, a sair da prisão e isso fez-me impressão. De que valem tantas vitórias e tantos ganhos quando há o risco de se passar por isto?
A seguir falo da entrevista de António Costa na SIC com a beldade que veio do frio, Ana Lourenço.
E, mais abaixo ainda, falo de António Costa e de Tó-ZeroinSeguro enquanto festejavam o S.João a norte, cada um em sua margem, um rio de diferenças a separá-los.
Mas isso é a seguir.
Aqui, agora, a conversa é outra. Muito outra.
O homem que diz adeus
Cada pessoa é um mundo feito de memória, a mais subtil de todas as matérias e, no entanto, a única que verdadeiramente existe.
O que é certo é que este meu país deu cabo do meu amigo. O génio do meu amigo foi esmagado, obliterado, esquecido por este país.
O meu país é um país que não reconhece o verdadeiro valor, não gratifica a excelência, e mal suspeita de alguma coisa original, logo, estranha, esmaga-a.
Camões morreu pobre e desolado. Provavelmente sem ter tido sequer a sorte de ter tido um único amigo, como eu tive.
O Pessoa, que viveu de quarto em quarto, foi morrer com o fígado trespassado a um hospital com nome francês que está no Bairro Alto e, ao que se diz, a última frase que se lhe ouviu foi em inglês que a disse I do not know what tomorrow will bring, para tirar as dúvidas a quem as tivesse.
O Ruy Belo, um magnífico poeta, foi um herói desprezado primeiro pela academia fascista e, depois, pela academia democrática.
O Ruy Cinatti, um poeta entre os maiores, enlouqueceu com a revolução dos medíocres e presumidos cravos, que entretanto desapareceram como espécie.
Eu só não me deixei esmagar porque não tenho valor algum em particular, nunca tendo chegado a ser o que queria, que é o que acontece a grande parte da gente, senão a toda a gente, que habita o meu país.
O meu país só reconhece os génios depois de estarem bem mortos e enterrados, de forma a já não poderem ofuscar nenhum dos irrisórios entes que tendem a demorar a morrer e gerem a chamada cultura nacional.
Aliás a maior manifestação cultural do meu país é o futebol, um jogo que se joga principalmente com os pés, uma manifestação que não só esmaga todos os desportos à sua volta como todas as outras manifestações presumivelmente culturais.
O Fernando só foi plenamente reconhecido quando começou a dar dinheiro, por assim dizer, e, passada uma eternidade de estar sepultado no cemitério dos Prazeres, as entidades culturais decidiram mudá-lo para o Mosteiro dos Jerónimos, do outro lado onde deviam estar os ossos de Camões, mas não há nada, a ele que explicitamente escreveu nada haver de mais estúpido do que a Igreja Católica.
Do último exíguo quarto onde foi morrendo devagar, fizeram, abusando do seu nome, uma casa de vários pisos onde decorrem as mais variadas manifestações culturais. Algo de intensamente agoniante, diria mesmo lúgubre, uma verdadeira falta de respeito pelo poeta, e pela essencial carência da poesia.
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A música é O homem que diz adeus pelo trio Bernardo Sassetti com ele no piano (música escolhida por Beatriz Batarda na Antena 2, ao ser-lhe pedido uma música especial do Bernardo)
As fotografias são do americano Bing Wright e representam o pôr do sol reflectido em espelhos partidos.
O texto abaixo do vídeo é da autoria de Pedro Paixãoin 'Espécie de Amor' do qual foi mais ou menos extraído o título deste post.
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Relembro: por aí abaixo encontrarão mais três posts, todos relativos à actualidade
(por esta ordem: o magro Isaltino, o seguro Costa, o inseguro Tó-Zero)
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E, por agora e sem ser capaz de rever tanta conversa, por aqui me despeço.
Tenham, meus Caros Leitores, uma boa quarta feira.
Abaixo poderão ver um vídeo maravilhoso com a Serra do Sol, a Serra da Arrábida. Foi um Leitor que mo enviou e eu estou-lhe muito agradecida. Não deixem de ver, por favor, tanto mais que encontrarão a identificação dos lugares indispensáveis. As recordações que me avivou este vídeo, tão boas.
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.
Tenho que vos confessar já à partida: estou perdida, perdida, perdidésima de sono. Passa da uma da manhã, cheguei há pouco a casa. Hoje foi noite de programa, os restaurantes do Avillez são, de facto, muito bons, o Chiado à noite, no verão, é uma animação, turistas e mais turistas, e Lisboa é uma beleza com o rio lá em baixo. E, enquanto por ali ando a cirandar, a aspirar o ar fresco da noite, na conversa, a ver as montras, no laré, sinto sempre aquela sensação que adoro: ser turista, andar à descoberta, livre de convenções, amarrações e outras aperreações.
Enquanto lá, não sinto cansaço, ando de gosto, feliz e contente e só não compro écharpes - lindas e a cinco euros - aos indianos que por ali andam porque sou arrastada antes de fechar negócio. E o ar levemente frio e húmido é o complemento perfeito para a terapia que aquilo é para mim.
O pior mesmo é vir para casa e, no carro, já a quebrar, depois chegar a casa a precisar de ir directa para a cama... e ainda querer vir para aqui. É que o cansaço acumulado por uma semana preenchida e cheia de momentos de tensão (e noites mal dormidas) parece que se guarda inteiro para se despejar em cima de mim quando chego a casa de um programa nocturno. Como é que eu, até há algum tempo, conseguia ir às sextas para a night, chegando a casa madrugada alta e, se necessário fosse, repetir a dose ao sábado?
Deve ser isto a idade, só pode.
Bem, adiante, que se faz tarde.
Pedro Paixão ainda. E posso dizer-vos: foi com espanto que li algumas das palavras que vou transcrever e com as quais ele fecha o livro 'Espécie de Amor': como poderão constatar os que, por aqui, me acompanham, algumas das palavras são muito similares a palavras minhas, que aqui tenho partilhado convosco.
(Os parágrafos fui eu que os abri, acho que torna o texto mais fácil de ler no computador. No livro as frases sucedem-se sem espaço entre elas)
Smile
Ser não é ter, a vontade de poder sendo uma espiral infinita cujo único objectivo é ser mais poder, sempre e apenas mais poder, uma vontade que termina inevitavelmente numa catástrofe de limites variáveis. Quanto a mim envelhecer passou a ser uma coisa natural, com largas vantagens. Primeiro deixei de lutar contra o tempo, um combate, deste sempre, condenado ao fracasso. Depois deixei de amar e odiar ao mesmo tempo, aprendendo devagar a ser quem sou, e não quem julgava que seria. Depois deixei de dever o que quer que fosse ao mundo, ou exigir do mundo o que ele não me pode dar. Abandonei o projecto absurdo de querer justificar a minha existência, julgando que ela precisava de ser justificada, uma injustificável vaidade. Comecei a olhar o que antes descuidava. Um frágil cogumelo no chão do meu caminho tornou-se algo maravilhoso, que me traz uma breve mas preciosa alegria, e me obriga a parar, e ajoelhar, para o ver de perto, de mais perto.
Comecei a agradecer, todos os dias, os dias que vivia. Um agradecer sem destinatário, e, assim, sem pedir resposta. Uma religião privada, apenas minha, sem a calculada intenção de ganhar um céu, ou o que quer que seja e não se sabe, o que lhe retiraria o valor que porventura tenha. Uma religião sem sacerdotes, rituais, e sacrifícios. Uma religião que diga sou aqui, e baste. Que guarde em silêncio o que não tem palavras e a bondade que não tem história. Deixei de ter insónias e de atafulhar-me em comprimidos. O que não quer dizer que não continue a ter a doença que sempre tive, apenas passei a aceitá-la, o que a transformou por completo. Não quero ser mais ninguém, um trabalho altamente corrosivo. Chega-me a pensão que recebo dos bons tempos em que tentava ensinar História da Arte.
Lamento ter gasto tanto dinheiro, que ganhei em tão pouco tempo. Gostava de ter sido melhor e mais generosos para os vários amigos que fui tendo. Arrependo-me de ter atraiçoado as mulheres da minha vida, antes de elas me atraiçoarem. Desejo que o meu inconfundível amigo esteja em paz consigo, e com o mundo, se isso for possível. Quem sabe, ninguém sabe, talvez tenha começado a escrever o seu livro, que será o melhor da geração. A escrever-se. A escrever-me. A escrever-nos. Não a ambos, mas a todos aqueles que são poetas no coração e nada mais têm que lhes pertença além das palavras e a indomável vontade de amar e aprender a morrer. Entre mim e ti nunca existiu ninguém. Se morreres, terei de te matar outra vez.
I have tried to write Paradise
Do not move.
Let the wind speak
that is Paradise.
Let the Gods forgive what I
have made
Let those I love try to forgive
what I have made.
Canto 120, Ezra Poundin 'Espécie de Amor'
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As imagens são de um dos meus fotógrafos de eleição, Steve McCurry e fazem parte da série Lost in Thought .
A canção Smile é interpretada por Jaimee Paul.
Os excertos pertencem ao livro 'espécie de amor' de Pedro Paixão no qual fala do seu (ex-)melhor amigo, Miguel Esteves Cardoso.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo fim de semana a começar já por este sábado.
No post a seguir falo das imaturidades cobardes do Governo do Láparo (presentemente a propósito da birra que está a fazer na sequência de mais um chumbo, agora o da aclaração) e do triste pântano em que nos movemos.
Mais abaixo falo de Mário Soares que fez um discurso digno de um verdadeiro leão ao apoiar a candidatura de António Costa à liderança do PS e, um pouco mais abaixo ainda, dou os parabéns ao gatésimo Chico que, a brincar, a brincar, já lá vai com 70 anitos.
Mas isso é a seguir. Aqui, a gora, a conversa vai ser breve mas é sobre outra coisa.
Pedro Paixão e Miguel Esteves Cardoso, uma 'espécie de amor'
Uma amizade louca - que foi interrompida
Estava a ler a autobiografia de um romancista, 'Os factos', de Philip Roth. Mas estava a sentir-me um bocado maçada. Em boa hora comprei os dois livros novos de Pedro Paixão. Os livros dele são irregulares, de qualidade um bocado aleatória. Mas eu gosto dele, talvez porque gosto de gente com pancada.
Comecei pelo 'Espécie de Amor' em que fala da sua desmedida amizade com Miguel Esteves Cardoso. E estou presa. Muito bem escrito, muito interessante, como se fosse uma história muito íntima mas que sabemos ser verdadeira. Uma amizade que esmagava Pedro Paixão.
Além disso, Miguel Esteves Cardoso casou com a ex-mulher de Pedro Paixão e isso custou-lhe muito, não por ciúmes mas por medo da má influência sobre o filho e, por isso, recusou ser padrinho de casamento deles, tendo-lhe, então, o Miguel dito que nunca mais se falariam. E estou a falar nisto porque acabo de ouvir na entrevista; se ele relata isso no livro, ainda lá não cheguei.
Mas o livro é mais do que o que ele conta, mais do que os episódios pitorescos. O livro valeria apenas pela escrita, é uma sucessão de frases incríveis. Um livro muito bom.
Se não fosse tão tarde, transcreveria uns excertos, para que pudessem ficar com uma ideia, mesmo que apenas ao de leve. No entanto, já são quase duas da manhã e não dá.
Mas peço que vejam a entrevista na Sábado. Não sei se por impossibilidade mesmo, se por nabice minha, não consigo inserir o vídeo mas, se carregarem aqui, poderão lá ir ter e ver. E a casa dele... maravilha.
Recomendo também que vejam Pedro Paixão dissertando, À Procura de Wittgenstein. Se não me engano, é apresentado por Luís Quintais.
Pedro Paixão pode ser meio louco mas tem laivos de genialidade. Eu, pelo menos, acho-o brilhante - mesmo quando um pouco louco.
(A forma como ele se esfrega enquanto é apresentado dá bem ideia da pancada que tem naquela cabeça. Mas que interessa isso?)
À procura de Wittgenstein
(Wittgenstein, de quem Pedro Paixão tanto fala no seu livro e que foi incentivo para tantas discussões com Miguel Esteves Cardoso quando viviam juntos)
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Relembro: por aí abaixo há mais coisas para ler mas, dado o adiantado da hora e o sono que tenho, não me vou repetir. Convido-vos apenas a irem descendo.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira.
Abaixo poderão encontrar dois posts sobre a situação político/económica do país e sobre as PPPs.
Mas agora, aqui, a conversa é outra. Ou melhor: dou a palavra a outros.
A vossa melhor atenção, por favor: les beaux esprits se rencontrent.
Para cantarle a mi amor
tengo mariposas blancas
Muito depende de sermos capazes de estar no momento em que estamos, sem pensarmos no que fizemos para ali estar ou nos preocuparmos para onde vamos a seguir.
Se pudéssemos ser inteiramente inteligentes, não pensaríamos senão no momento em que estivéssemos, sem expectativas. Para estarmos à espera, sem saber de quê. Anteontem, durante um segundo de um almoço de Agosto, pousou num copo uma borboleta espampanante. E logo voou, deixando-nos a falar dela.
O momento e o tempo estão tão ligados como o nosso coração e a nossa alma. Tenho a certeza que todos os dias somos visitados por lembranças do muito que nos pode acontecer, do pouco que sabemos e do pouco tempo que temos para ficar com uma pequena ideia do que tudo isto é.
Estas visitas espantosas, em que só se repara por sorte, só são bem recebidas e apreciadas, quando a nossa atenção se desliga de nós próprios e do mundo que gira dentro de nós e se vira, como se de uma casa vazia, para fora.
Há um estado activo de recepção, de estarmos prontos para o que vier, sem termos nada marcado ou expectativa nenhuma. Não se consegue ver a borboleta, se estivermos à espera dela e resolvermos: 'Agora vou estar aqui sentado, com a cabeça esvaziada, inteiramente distraído pelo que me rodeia, à espera que me apareça pela frente uma coisa maravilhosa'.
É quando se está com que se ama que se é mais visitado. Se calhar, o que atrai as visitas é a doçura da companhia e a distracção em que o amor vive. Ali.
[Mais a Borboleta, de Miguel Esteves Cardoso in 'Como é linda a puta da vida']
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O leitor que, à semelhança do de O'Neill, me pede a crónica que já traz engatilhada perdoar-me-á que, por uma vez, me deite no divã: estou farto de política! Eu sei que tudo é política, que, como diz Szymborska, "mesmo caminhando contra o vento/ dás passos políticos/ sobre solo político". Mas estou farto de Passos Coelho, de Seguro, de Portas, de todos eles, da 'troika', do défice, da crise, de editoriais, de analistas!
Por isso, decidi hoje falar de algo realmente importante: nasceram três melros na trepadeira do muro do meu quintal. Já suspeitávamos que alguma coisa estivesse para acontecer pois os gatos ficavam horas na marquise olhando lá para fora, atentos à inusitada actividade junto do muro e fugindo em correria para o interior da casa sempre que o melro macho, sentindo as crias ameaçadas, descia sobre eles em voo picado.
Agora os nossos novos vizinhos já voam. Fico a vê-los ir e vir, procurando laboriosamente comida, os olhos negros e brilhantes pesquisando o vasto mundo do quintal ou, se calha de sentirem que os observamos, fitando-nos com curiosidade, a cabeça ligeiramente de lado, como se se perguntassem: "E estes, quem serão?"
Em breve nos abandonarão e procurarão outro território para a sua jovem e vibrante existência. E eu tenho uma certeza: não, nem tudo é política; a política é só uma ínfima parte, a menos sólida e menos veemente, daquilo a que chamamos impropriamente vida.
[Coisas sólidas e verdadeiras, de Manuel António Pina in 'Crónica, saudade da literatura']
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Relembro que, se quiserem estragar a vossa disposição, há dois posts abaixo que são bem capazes de cumprir essa missão (e não venham depois queixar-se de que não avisei).
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Mas, caso prefiram antes lembrar o Dia da Espiga e ir espairecer para o meu Ginjal e Lisboa, então Pedro Tamen apareceu vindo de uma Rua de Nenhures para pôr a mão sobre o meu coração sonhador. Para iluminar ainda mais a brancura das palavras do poeta temos mais uma maravilhosa música do Mali.
*
E mais nada. Desejo-vos, meus Queridos leitores, uma sexta feira muito feliz, com mariposas blancas voando em volta do vosso coração e rosas tempranas na vossa imaginação (ou nas vossas mãos!).
Há pessoas que dá gosto ouvir. Umas porque são lúcidas, uma visão cirúrgica, uma argúcia luminosa, uma leitura a um tempo transversal e profunda do mundo, um verbo claro e directo; outras porque reparam nos pequenos pormenores, porque são deliciosamente caseiras, o amigo divertido que anima o serão com o seu humor de proximidade, um humor inteligente e carinhoso.
Assim são Eduardo Lourenço, o nosso Pessoa 2011, e Miguel Esteves Cardoso, o nosso MEC. Trago-vos hoje as suas palavras.
A seguir trago-vos uma presença assídua aqui no Um Jeito Manso, Jiri Kylian, um coreógrafo que ousa sair da normalidade, coisa que especialmente aprecio. Os seus bailados são sempre inusitados e, pelo menos a mim, levam-me para uma outra dimensão.
Finalmente, despeço-me de Cesária Évora. Uma fotografia cheia de cor e alegria a ilustrar uma vida que sempre perdurará, e a sua bela e quente voz entoa, a par de Marisa Monte, que é doce morrer no mar.
E tenham, meus queridos Amigos e Amigas, um belo domingo!