segunda-feira, maio 27, 2024
domingo, março 24, 2024
Antes que os porcos triunfem
Várias ideias me ocorrem mas vou rejeitando umas por exigirem um espaço e uma ponderação diferentes deste canto em que escrevo e outras por temer não encontrar as palavras justas.
Vou antes falar das perplexidades que têm ocupado o meu pensamento nestes meus últimos dias. É certo e é devido que todos tenham direito a votar e que o voto de um marginal ou de um ignorante valha tanto quanto o de um trabalhador esforçado ou de um catedrático. Um voto é um voto e todos os votos são iguais. É um dado adquirido e penso que assim deve ser.
O que me custa é que não se perceba que é muito provável que os ignorantes, em especial os que nem têm consciência de quão ignorantes são ou os que gostam de viver nas margens da sociedade, tudo farão para se vingar dos outros, dos integrados, dos que estudam, dos que sabem.
Se há coisa que sei, até pela minha formação, é que só se podem fazer generalizações quando a amostra é significativa.
Para conhecer a opinião dos portugueses sobre dado assunto, não precisamos de ouvi-los a todos. Podemos apenas ouvir uns quantos. Mas temos que ouvir os que representem fielmente a população. Por exemplo, se x% são homem e y% são mulheres, tenho que ter essa percentagem representada na amostra. Se uns tantos são analfabetos, uns quantos têm o 9º, outros o 12º, uns a licenciatura e outros o doutoramento, é bom que a amostra também os contemple em idêntica percentagem. E se x% têm até 18 anos, y% estão entre os 18 e os 25, etc, etc, etc....(e por aí fora). Saber montar uma amostra significativa é uma tarefa exigente e requer que se saibam identificar os factores que influem na votação. Por exemplo: se os desempregados votam de uma maneira diferente dos que trabalham, então a amostra deve inclui-los na devida proporção. Ou, relevantíssimo pelo seu peso, os reformados/pensionistas que também devem estar presentes na proporção certa.
E agora vou dizer uma coisa que pode ser polémica e que, para eu poder fazer finca-pé, teria que validar. Ou seja, afirmo-o agora por mera intuição: creio que a população que se informa sobretudo via redes sociais deve ter um comportamento diferente da que vê televisão, lê jornais ou lê vários livros por ano. Seria interessante que este factor diferenciador fosse testado em estudos de opinião e, se se verificasse a diferenciação, que esse aspecto passasse a estar presente nas amostragens.
Ou seja, constituindo uma amostra significativa, se ouvir o que pensam, poderei generalizar ao todo, embora haja sempre uma certa margem de erro (que desejavelmente será bastante baixa).
Portanto, eu arrepiar-me com os disparates que ouço no balneário ou mesmo com alguns dislates que ouço a amigos, uns porque são mais conservadores, outros porque não pensam e se limitam a ser maria-vai-com-as-outras, não significa que isso seja amostra do que vai pelo país. Sei disso.
Mas, apesar de não poder generalizar, não posso ignorar. Não posso fazer uma estatística e atribuir probabilidades mas posso acreditar que o que ouço são indicadores.
E o que ouço são coisas descabeladas, sem pés na cabeça, fruto da mais profunda ignorância. Votam convictamente por assumirem como verdadeiros pressupostos que são disparates sem ponta por onde se pegue, fruto da mais profunda iliteracia económica ou social ou de ausência completa de estudo ou de raciocínio. Repetem mentiras já mil vezes desmascaradas, afirmam anormalidades que não são verdade nem aqui nem em parte nenhuma do mundo. Mas acham que, ao votarem no Chega, estão a fazer justiça. Uma dizia, ufana: 'Depois ainda não querem que a gente diga as verdades? Quem é que julgam que são para nos quererem impedir de dizer as verdades?'. E várias outras sorriam e acenavam que sim, que claro que sim, que a elas ninguém as calava. E eu pensava: 'Mas estão a falar de quê? De quem? Elegeram quem? Estão convencidas de quê?'
Passei no outro dia por um sítio em que ganhou o Chega e, olhando para aqueles prédios, pensei: 'Andares e andares de gente inculta, desinformada, ressabiada, ignorante. Vão votar sem perceberem que estão a dar tiros nos pés'.
A democracia contém todas as permissões para que, quem queira, a devore, a detone, a faça implodir.
Não acredito que seja benéfico nem quero que se restrinjam liberdades. Longe de mim.
Mas alguma aprendizagem estes ignorantes deveriam ter. Não sei como. Seria bom, num mundo ideal, utópico, certamente meio maluco, que, para se votar, as pessoas tivessem que estudar e passar num teste em que mostrassem saber o bê-a-bá do que é a sociedade, de como funcionam as instituições, de quais são as bases da Constituição, de quais são os riscos das sociedades anti-democráticas em que a liberdade individual não é respeitada, do que é a Economia e as Finanças, do que é a Justiça. E quem chumbasse, qual exame de Código, não poderia ir votar. Tão simples quanto isto.
Se calhar, está na altura de se pensar outra vez no Serviço Cívico ou nas Campanhas de Alfabetização. Engendre-se uma coisa adaptada aos tempos actuais, quiçá via redes sociais. Não sei.
Uma coisa é certa: alguma coisa deve ser feita. Senão, um dia destes estamos a ser governados por porcos que lá porque andam em duas patas e se vestem com calça e casaco já se julgam tão ou mais preparados que os humanos.
Haverá, entre quem me lê, quem ache que, dizendo isto, estou a revelar um elitismo descabido. Seja. Mas pense-se na qualidade dos primeiros deputados que pisaram a Assembleia da República a seguir ao 25 de Abril e compare-se com parte significativa dos que vão pisá-la dentro de dias. Uma diferença abissal. É como querer comparar o Género Humano com o Manuel Germano. Vamos continuar a aceitar que a democracia vá caminhando por esta rampa descendente que não se sabe onde vai levar (mas a bom sítio não é)?
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E parece que vem aí, outra vez, a chuva. E ainda bem. Faz falta sempre a agora, em particular, para lavar o ar que anda carregado de poeiras.
Que entre, pois, o genial Jacob Collier (que, aqui, vem acompanhado por: Madison Cunningham & Chris Thile).
Jacob Collier - Summer Rain
quarta-feira, março 20, 2024
No reino de Kafka
Fotografei também o recanto do terraço onde estão os dois pequenos cadeirões e a mesinha que a minha mãe pintou de azul claro, que vieram de casa dela e que têm por trás as hastes arqueadas e floridas do jasmim amarelo.
Ia, pois, falar dos perfumes, das cores, da beleza.
Mas vou antes falar do que tem acontecido comigo e com o meu marido.
Não quero fazer generalizações, dizer que tudo funciona mal. Não sei, não faço ideia. Posso apenas falar da realidade que conheço e que me toca de perto.
O que concluo do que vou contar, e antecipo já, é que há ainda muito a fazer. E, como sempre, o principal tem a ver com organização. Definir processos ágeis, realistas, eficientes e honestos é sempre o mais importante. Geralmente as empresas ou as instituições tendem a pensar que a primeira coisa a fazer é informatizar, gastar pipas de dinheiro a automatizar -- e isso é um erro, começar por aí é apenas deitar dinheiro para cima dos problemas.
Por exemplo, estando um assunto meu por resolver há quase um ano e tendo eu enviado diversas reclamações, estão todas dadas por resolvidas porque escreveram lá que estão na mesma, em análise.
Idem com o meu marido.
Eu conto qual a minha situação, que tem na base a mesma situação que meu marido.
Ambos trabalhámos a vida praticamente toda em empresas, descontando para a Segurança Social. Ambos somos agora pensionistas da Segurança Social. Mas, no início da nossa vida profissional, descontámos para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), eu como professora e ele também como professor e depois na Marinha.
Por isso, quando solicitámos a reforma, pedimos a pensão unificada, ou seja, o somatório das duas parcelas, uma da SE e outra da CGA. Em alternativa, poderíamos receber duas pensões separadas. Preferimos, uni-las. Na altura informaram-nos que não tínhamos que enviar comprovativos dos tempos de serviço inerentes aos descontos para a CGA, pois a CGA tinha lá essa informação. Mas, por via das dúvidas, enviámo-los na mesma.
Passado pouco tempo de termos requerido a reforma, fomos notificados com o valor provisório, isto é, sem a componente da CGA. E foi isso que começámos a receber.
Decorridos 6 meses, recebi uma segunda notificação já com a indicação do valor completo.
Mas, a olho nu, duas coisas chamaram a minha atenção.
A primeira é que, às tantas, no meio daquela babilónia de cálculos, aparece uma operação aritmética. Agora não estou para ir ali dentro buscar a papelada para aqui pôr os números tal e qual mas imaginem que aparece qualquer coisa como
3.000 x 80% = 2.100
Aparece assim, com o enunciado do cálculo.
Olhei e pensei: estão doidos? O cálculo está errado, o correcto é 2.400.
E depois é o valor errado que entra na sequência de cálculos, portanto fazendo com que tudo esteja mal até ao fim.
Numa outra folha, onde aparecem os valores que vêm da CGA, aparece a data de início e a data de fim dos descontos. E vejo que a data de fim está mal, acaba 11 meses mais cedo. Ou seja, deve influir negativamente nos cálculos e no tempo de serviço.
Liguei para lá a referir aqueles dois erros e diz-me a menina que me atendeu: 'Ah, pois é, se calhar a minha colega que tratou do seu processo enganou-se...'.
E diz-me ela: 'Mas o que tem que fazer é apresentar uma reclamação, expondo esses erros.'
Assim fiz. No 1º semestre do ano passado.
E nunca mais nada.
De cada vez que ia ao portal e apresentava reclamação por não ter resposta à reclamação (e voltava a repetir as minhas razões), recebia a resposta de que estava em análise e pimbas, reclamação dada por resolvida.
Mandei mails, telefonei, coloquei reclamações. Nada.
Hoje resolvi não largar.
Quando se liga para estes sítios, a gente tem que ir com paciência, determinação... e muito tempo pois vai marcando os números correspondentes ao assunto, se quer isto digite 1, se quer aquilo o 2, etc, e depois de estarmos para ali a escrever números, esperamos, esperamos pois aquilo toca, toca, toca, e nada. Até que a chamada cai.
Mas tanto insisti que finalmente fui atendida. A senhora disse-me que a Segurança Social é a porta de entrada mas que os cálculos são da responsabilidade do Centro Nacional de Pensões (CNP) pelo que iam transferir a chamada. E aqui novo castigo: toca, toca, toca até que se atinge o tempo limite e a chamada cai automaticamente.
Continuei a insistir.
Perguntei: 'Mas do CNP já enviaram o pedido para a CGA?'
A senhora disse: 'Devem ter enviado porque aqui o que tenho é que está em análise.'
Ainda tentei que tentasse ver em que data tinham enviado o pedido para a CGA. Disse-me que isso não conseguia saber.
Resolvi, então, ligar para a CGA. Já com aquilo quase a fechar fui atendida por um senhor muito simpático. Para meu espanto disse que não havia nenhum pedido da CGA relacionado comigo, nada.
Quando me mostrei espantada e sem saber o que fazer, sugeriu-me que eu enviasse um mail para a CGA a dizer que no CNP me tinha informado que estavam à espera da resposta da CGA. E que eles me responderiam que ninguém lhes tinha pedido nada.
Lá mandei o mail, e acrescentei, de minha lavra, que fizessem o favor de verificar aquilo das datas e que informassem o CNP das datas correctas.
Não sei se o farão nem sei quando é que este nó estará desfeito.
Uma coisa aparentemente tão simples...
Até que hoje também não desarmou. Na SS, disseram-lhe que o tema está no CNP. Ligou para o CNP: que estão à espera dos cálculos da CGA. Ou seja, a resposta de sempre: o assunto está em análise.
Então ligou também directamente para a CGA. E, para espanto dele, a resposta é que não fizeram nada porque não lhes enviaram os comprovativos. Ora quer no pedido da pensão quer nas reclamações e mails ele juntava sempre os comprovativos. E isto apesar de nos dizerem que não são precisos. Mas... se agora, afinal, são precisos e não os têm, então não pedem...? E da CNP não estranham passarem meses sem resposta e não questionam a CGA?
Lá enviou um mail para a CGA com os ditos comprovativos.
Vamos ver qual a evolução. Mas é asfixiante. Uma pessoa esbarra em paredes, parece que não vai conseguir furá-las, parece que fica sem saber o que fazer, parece que fica a descrer de alguma vez conseguir resolver os assuntos.
Como aconteceu com a minha mãe. Porque tinha insuficiência cardíaca, porque tinha sido operada a cancro do cólon e mais uma série de coisas, a médica de família tinha-lhe feito um relatório médico que ela enviou para a Segurança Social, para efeito de qualquer coisa chamada Multiusos, que lhe daria direito a ter algum desconto no IRS. Enviou no início de 2021. Responderam que agendariam uma inspecção numa Junta Médica. O tempo ia passando. Volta e meia eu mandava um mail para lá a saber como estava aquilo. Respondiam que se tinha atrasado tudo com a Covid, que esperasse. E o tempo passando. Para aí em Novembro, numa altura em que a minha mãe estava pior, mandei um mail a dizer que o estado de saúde da minha mãe se agravava e que já lá iam 2 anos e tal. Ligaram-me no dia do velório para, então, agendarem uma Junta Médica. Dei-lhes a notícia: tarde demais. Poderiam, ainda assim, ter emitido um relatório pois ainda há que pagar o IRS de 2023. Mas não. Morreu, morreu, azarinho, fecha-se o assunto e é menos um assunto em aberto .
Provavelmente haverá mil razões: falta de organização, falta de pessoal, falta de formação do pessoal. Mas que isto deixa os cidadãos a quem acontecem situações destas a sentirem-se impotentes e desanimados, lá isso deixa...
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Mas não quero que isto abale os meus alicerces, muito menos a minha boa disposição.
Portanto, que entre o talentoso Jacob Collier (com Tori Kelly)
Witness Me
sexta-feira, outubro 06, 2023
Tostas saborosas em família e um belo, belíssimo, Animaris Rex
Never gonna be alone
Never gonna be alone
Portanto, o lanche foi dividido entre o que levei para os que estavam fechados e para as meninas que aproveitaram o sol e o ar livre.
Tinha trazido dois pães de forma de Rio Maior que fatiei, um de chia e mais qualquer coisa e um pão rústico, tudo fatiado no supermercado. Não aproveitei as fatias que se partiram ou enrolaram umas nas outras.
As duas grelhas do forno já não são suficientes para as tostas. Enquanto o pão está no forno, vou tostando mais fatias na torradeira.
Fiz de três tipos. Como todos gostam muito, partilho convosco pois podem querer aproveitar a ideia.
1 - Levo umas fatias ao forno. Quando já estão a alourar, tiro-as e pincelo-as com um pouco de azeite com alecrim. Vão de novo para o forno. Depois de lourinhas, retiro-as. Tiro o alecrim pois já lá deixou o sabor (e não vão eles embirrar com as folhitas secas; se fosse para mim, deixava ficar). Ponho uma fatia de queijo em cada tosta (no caso, era Terra Nostra). Vai ao forno outra vez, para amolecer. Quando está praticamente derretido, tiro do forno, ponho uma fatia finíssima de presunto em cima. Antes de servir, passo por cima, muito ao de leve, uma brisa invisível de azeite e uns quantos subtis orégãos.
Dios pratos, dos grandes, destas.
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2 - Já contei mas, para ficar aqui, repito. Num copo misturador ponho dois tomates de rama, grandes e bem maduros. Ponho um pouco de sal e um pouco de orégãos. Com a varinha mágica, moo muito bem. Depois de moído, junto um fio de azeite enquanto continuo a bater com a varinha, o que faz engrossar. Esta emulsão é muito boa e saudável.
Tiro mais um tabuleiro de tostas do forno e, com uma colher, ponho uma boa quantidade desta emulsão em cada tosta. Por cima de cada, ponho uma fatia de salmão fumado. Em algumas ponho, ainda, um apontamento de queijo mozarella de búfala. Noutras, polvilho um pequeno nada de alface ou de cenoura ralada. Por cima, o mesmo sopro invisível de azeite e uns salpicos de orégãos.
2 pratos destas
3 - Os restantes 2 pratos são parecidos mas apenas com a emulsão de tomate, umas fatias bem generosas de mozarella de búfala. Em algumas salpico, por graça, com uns discretos toppings de salmão fumado.
Desaparece tudo, num ápice.
Uns acompanham com bongos, outros com iogurtes líquidos magros, outros com minis.
A seguir, uvas.
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Um pormenor relativo ao almoço. A pedido de várias famílias, tudo o que é doce ou engordativo deve ser banido. Portanto, para sobremesa, fiz assim: para uma taça grande de vidro, cortei aos bocadinhos dióspiros bem maduros, pêssegos maduros e doces, maçãs, muitas uvas inteiras e sem grainha. Depois deitei lá para dentro um iogurte magro de frutos vermelhos e seis embalagens de gelatina sem açúcar acrescentado, de pêssego e manga. Envolvi tudo e coloquei no frigorífico até ser servido. Ficou muito agradável. Gostaram. As crianças assim comem bastante fruta, sem protestarem
Animaris Rex
Since the beginning of this summer I have been trying to connect several running units (Ordissen) in succession. Animaris Rex is a herd of beach animals whose specimens hold each other as defense against storms. As individuals they would simply blow over, but as a group the chance of surviving a storm would be greater. It is 18 meters long (5 meters longer than the largest Tyrannosaurus Rex found.)
Theo Jansen
quinta-feira, setembro 21, 2023
Dilemas sem solução evidente
Não posso dizer que o dia tenha sido dos mais tranquilos. As situações com a minha mãe vão ocorrendo mas aparecem-me, sempre, envoltas nos receios que ela tem e que, voluntária ou involuntariamente, não me permitem clareza de análise. Acho que já o referi (e talvez, até, mais que uma vez): tem mais medo dos medicamentos do que das doenças. Por isso, faz de tudo um pouco, para provar que não precisa ou que não pode tomar o que prescrevem.
No outro dia um amigo médico enviou uma piada de médicos (não sei se sabem mas há milhares de piadas sobre médicos e doentes que os médicos animadamente trocam entre si). Nessa piada a que me refiro, um 'paciente' vai ao médico contrariado, apenas para fazer a vontade à mulher que acha que ele está doente. O médico prescreve uma coisa que não ata nem desata, apenas para o homem sair dali confortada e a mulher convencida. A verdade é que o comprimido provoca um efeito secundário que deixa o homem incomodado e o leva novamente ao médico. A seguir segue-se uma longa narrativa em que para tratar o mal que os comprimidos anteriores fizeram, o médico vai prescrevendo outros. Às tantas, o pobre 'paciente' já está mesmo doente, toma todos os dias dezenas de comprimidos e, ao fim de algum tempo, morre.
E, até porque, na realidade, a gente nunca sabe o que vai acontecer e porque, na verdade, a minha mãe é autónoma e independente e sabe o que faz e é senhora do seu nariz, nunca quero pressionar. Mas não é fácil. O meu lado pragmático, racional, objectivo, fica sem saber bem como lidar com estas situações com que me vou deparando. E depois, com alguma frequência, as decisões dela, baseadas (ainda que não conscientemente ou, pelo menos, não assumidamente) nos seus medos, não dão bons resultados.
Mas, enfim... Apesar de tudo ainda consegui dar um salto até à praia. Estava boa. Pouco sol mas temperatura amena.
E tinha metido na cabeça levar uma toalhita, daquelas pequenas e ultraleves, para me deitar ao sol. Não sei onde é que estava com a cabeça. Mal a estendi na areia, a fera fez-se de lord e, imediatamente, deitou-se-lhe em cima. Pimbas. Tudo dele. Pensou, imagine-se, que a toalha era para Sua Excelência.
Afastei-o, claro, mas fez-se de desentendido e o mais que consegui foi espaço para me sentar.
Logo de seguida, levantou-se e, freneticamente, desatou a escavar à volta, enchendo a tolha de areia. Tive que me afastar para não ficar revestida a grãos de areia.
A seguir, quando apareceu água no buraco que fez, enfiou-se lá dentro. E depois, todo molhado, sacudiu-se. E depois voltou para a toalha. Ou seja, impossível refastelar-me. Estive de pé, pois claro. Portanto, aquele devaneio de estar a apanhar banhos de sol saiu-me duplamente furada.
Menos mal. Só de estar na praia já é bom. E caminhámos e fui à água. Mas se me molhei à gato, a minha valentia não deu para mais, não consegui coragem para mergulhar.
Em casa fiz sopa e caldeirada. E telefonei. E estive a ler.
E, de concreto, para além do relatado, pouco mais.
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E que entre Jacob Collier, ao vivo em Lisboa, com Somebody To Love
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E chamo a vossa atenção para este alerta (por favor carreguem no link para lerem o texto completo da autoria do sempre atento e sempre jovem Eugénio Lisboa):
Eça vai ter de dar muitas voltas, no túmulo, a tentar destemidamente evitar que lhe remexam nos ossos. E não vale a pena invocar a autoridade de eminências académicas, para justificar o injustificável: os textos e a vida do escritor falam por si.
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Desejo-vos uma boa quinta-feira
Saúde. Paciência. Paz.
terça-feira, junho 14, 2022
A arte da vida
Como uma estrela em ascensão no campo da matemática abstrata, Michael Behrens descobriu que podia ver beleza e padrões onde outros não conseguiam. Mas o seu caminho não era estar dentro da academia, nem mesmo dentro da sociedade. Ele partiu numa grande aventura para unificar o seu budismo com sua capacidade de ter uma visão expandida da realidade. Ele criou beleza num lugar onde ninguém mais o faria, e fez amigos entre os golfinhos.Zaya e Maurizio foram ao Havaí há alguns anos e, numa praia remota, conheceram Michael. Depois de um tempo, ficou claro que Michael não era um homem comum… Nós conversamos sobre física quântica, budismo, espiritualidade, arte e ele convidou-nos para a sua casa depois de se certificar de que tínhamos “sapatos suficientemente bons”Logo depois de estacionarmos o carro numa estrada remota, entendemos o porquê…Michael mora no meio de uma selva densa, a 20 minutos da estrada num terreno que ele mesmo limpou. …à mão!!!Ele levou todo o material aos ombros e construiu um jardim incrível baseado na geometria sagrada. Um lugar incrível dedicado à beleza e impraticabilidade...A casa não tem água corrente no interior, apenas um chuveiro do lado de fora e sem eletricidade. Michael comprou recentemente um pequeno painel solar para poder continuar a sua pesquisa e comunicar através de seu computador com outros matemáticos e com o mundo. (...)
segunda-feira, novembro 15, 2021
Sob o Sol e Move me - dois filmes da Netflix que dão gosto ver
De vez em quando esqueço-me ou não tenho tempo. Passam-se tempos sem frequentar. Por isso, ainda não atinei com algumas coisas que devem ser básicas para toda a gente.
E depois aborreço-me, desisto. As coisas deveriam ser simples, intuitivas. Não deveria haver inteligência numa caixa ou numa estante. Se eu quero ir à procura de uma coisa deveria ser capaz de encontrá-la.
Mas não. O que vi, deixa de estar visível. Se quero procurar os filmes que já vi, não consigo.
Se não me lembro minimamente do nome nem sei o nome dos actores ou realizadores então é que estou no mato.
Gostava que me aparecesse um separador a dizer 'já vistos'. Mas não descubro.
Vou interromper para ver se consigo descobrir o que quero, para vos dizer. Daqui por uns anos, talvez não muito, ou consigo ir acompanhando o maravilhoso mundo das apps e da forma como nelas navegar ou ficarei isolada. Não é uma boa perspectiva.
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Bem. Já descobri. É que vi um filme na Netflix de que gostei bastante e não apenas queria recomendá-lo como queria falar de um outro de que também gostei. O de hoje, mal fora, ainda sei o nome. Agora o do outro dia não tinha nem ideia. Tive que googlar para ver como pesquisar filmes ou séries já vistas. Não é directo. Consigo ver a minha actividade mas apenas me aparece o nome do que vi. Tive que ir clicando até acertar com o que queria. E agora também não consigo encontrar no youtube o respectivo trailer. E não sei se na Netflix há maneira de obter o trailer para partilhar. Chatice.
Nada disto é simples.
Mas o que eu gostava de dizer é que não ando muito numa de grandes dramas, pesados sofrimentos (por exemplo, a série Maid, com uma incrível Margaret Qualley no papel principal, é extraordinária mas deixa um rasto de desgraça, um travo a infortúnio, esmaga-nos a muita luta e muita dor por que Alex passou para conseguir tirar o pé da lama), não ando numa de ambientes negros, muita sombra e pouca luz.
Não: procura justamente o oposto. Nos espaços livres ao fim de semana, como praticamente desisti de ver televisão, entretenho-me com a Netflix. Mas carrego em várias opções até conseguir fixar-me. Muita palhaçada, muita frivolidade, ou, pelo contrário, muita coisa às escuras.
Hoje acertei. Vi Sob o sol e gostei imenso. É um filme sueco. É daquelas que não pesco uma pelo que tenho que, forçosamente, ler as legendas. É um filme luminoso, tranquilo, terno, romântico, simples. Mas que prende. Na sua simplicidade, é um filme com uma luz que me prendeu do princípio ao fim. E os personagens principais, Olaf na sua candura e Ellen na sua misteriosa sofisticação, levam-nos pela mão até à última cena.
O outro filme, creio que dinamarquês, é Move me. Também simples. Despretensioso. Mas muito directo, muito espontâneo, muito agradável, muito bom de se ver. Não há subententidos, não há rancores, escuridões. Há uma mulher que parte para outra. Não sem dificuldades, hesitações, percalços. Mas com simplicidade e uma energia muito positiva. A gente vê o filme e fica na boa.
Não serão filmes de agora mas, diria, são histórias intemporais. Não sou entendida, sou apenas apreciadora. Por isso, não levem a mal a superficialidade da apreciação.
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Outra coisa chata na Netflix é que, se quiser encontrar a banda sonora dos filmes, também não é directo. Gostava de aqui colocar alguma das músicas de algum destes filmes mas, de forma linear, também ainda lá não cheguei.
Portanto, terá que ficar 'Here comes the sun' na interpretação do prodigioso Jacob Collier para acompanhar esta pintura solar de Van Gogh.
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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira
Tudo de bom. Dias felizes.
sábado, novembro 06, 2021
O amor num campo de flores, um solitário entre lobos, um comboio nocturno, uma amiguinha alien, uma Mary Poppins com um saco cheio de alegrias
Já não moro no centro da cidade. Mudei-me para os bairros da periferia onde o apelo ao consumo não existe. Por isso, não sei se, nos centros urbanos, já começaram as instalações de Natal. Sempre que as via a despontar sentia um misto de contrariedade e de quase angústia. O acelerar do tempo, o consumo e o fútil a dominar as nossas existências. Agora que já não vivo dentro delas parece que sinto uma espécie de nostalgia. É uma ficção e um apelo ao consumo mas é também o pretexto para iluminar e embelezar as ruas e isso é uma coisa boa.
Pela parte que me toca, resisto sempre e, se cedo, é sobretudo pelas crianças que enfeito a casa. O ano passado até bolas pendurámos nas árvores e nos arbustos do jardim. Gosto de uma pequena árvore dourada com luzinhas nas pontas que, quando acesa, dá um aspecto muito confortável à sala. Gosto tanto dela que está na pedra da lareira ao longo de todo o ano.
Mas se a euforia consumista não me seduz, em contrapartida aprecio a publicidade de qualidade que, nesta altura, mostra como a criatividade faz toda a diferença na divulgação de um produto.
Por vezes, os criativos embalam, o anúncio ganha vida própria e dificilmente se percebe o que tem a ver com o produto ou serviço que pretende promover. Pode até haver um excesso que faça pender a balança para o quase kitch. Não interessa. Se está bem feita, gosto de ver.
Tenho ideia que a melhor publicidade é a dos perfumes franceses. Excedem-se.
A publicidade é isto: em vez de apregoar o produto, induz-se o sonho, a ilusão de que, se usarmos o produto, poderemos habitar o mais belo romance.
Tudo isto pode parecer frívolo (e até é) mas, não nos esqueçamos, é também o motor de toda uma série de máquinas produtivas que estão por trás, o motor de várias indústrias, o motor de uma economia que, se equilibrada, não poluente e sustentável* é vital ao bom desenvolvimento dos países. E, quando comparadas com outras máquinas -- como a dos vídeos ou jogos em que a violência e a banalização do mal são omnipresentes --, são até o menor dos males.
Portanto, para nossa momentânea paz de espírito, esqueçamo-nos um pouco do lado negativo destas coisas e deixemo-nos encantar com a graça ou a beleza que que sempre é possível encontrar nestas coisas.
sexta-feira, maio 14, 2021
Tempus fugit. Vita brevis.
Não tenho nada de interessante para contar. Tenho muito trabalho e o meu tempo útil é praticamente absorvido por essa insana actividade. Ao telefone, eu disse-lhe: esta empresa esgota-me. Do outro lado nada. Pensei que talvez não tivesse percebido o sentido do que eu tinha dito. Expliquei: parece um mar que passa por cima de mim. Nada. Expliquei melhor: esta empresa é ingerível. Do outro lado, uma gargalhada. Disse: não estou a brincar, estou a falar a sério. Ele disse: havemos de conseguir dar-lhe a volta. Depois reconheceu: é mais difícil do que pensávamos mas haveremos de conseguir. Respondi: acredito que sim. Mas com que esforço? Quanto tempo vai ser necessário?
Depois fomos elencando os nomes em que nos poderíamos apoiar e aqueles que só atrapalham. E aí eu: mas como é que a gente se livra dos que minam tudo, que desestabilizam? E ele: havemos de arranjar maneira.
Queremos aproveitar todos, mesmo os casos perdidos. Mas os casos perdidos são os que mais desestabilizam. Não acrescentam um cêntimo de valor, só destroem. Mas, em cima disso, infectam, inquinam, espalham confusão.
Ao fim do dia liguei para saber como tinha corrido uma reunião da qual tive que sair mais cedo. Contou e, no fim, comentou um mail que ambos tínhamos recebido mas que eu ainda não tinha tido tempo de ver. Ao querer contar-me, desatou a rir, mal conseguia falar, gargalhando de gosto. Quando conseguiu falar, foi a minha vez de desatar a rir. Sabemos que quem o fez trabalhou afanosamente reunindo trabalhos de outros que devem ter igualmente trabalhado com afã. Mas o resultado era uma coisa tão absurda, tão inexplicavelmente descabelada que não parávamos de rir. Como se descalçam botas assim sem ferir susceptibilidades? Fazendo nós o trabalho deles sem que eles se apercebam que o que fizeram foi direitinho para o lixo?
No fim, concluímos: Enfim...
É que nada mais havia a dizer.
Agora, aqui, já vi mails de trabalho e estou a controlar-me para não continuar a responder e despachar trabalho. Este excesso anda a causar em mim um efeito colateral: todos os meus assuntos pessoais vão sendo protelados. Não tenho tempo, durante o dia, para tratar de coisas minhas. E isto traz-me sempre com uma nuvem de apreensão em cima de mim: o receio de deixar passar prazos, de não fazer o que tinha que fazer. Olho o calendário e está preenchido o suficiente para perceber que nem tão cedo vou ter tempo livre. Uma situação overwhelming.
Praticamente não consegui almoçar. A última reunião da manhã acabou tarde, tinha outra logo a seguir e, pelo meio, tinha que ler uma pasta zipada de documentos complicados, rebuscados e, ainda por cima, em inglês. Ainda estava a mastigar e já a pentear-me, depois a encher um copo de água para a próxima.
E, estando nessa, outra tourada, vi no whatsapp da família que as meninas crescidas estavam tristes, a comentar a morte da Maria João Abreu. Fiquei francamente abalada. Mas tive que deixar a emoção dentro de mim e, por fora, continuar igual ao que estava antes de ver as mensagens.
Vita brevis, tempus fugit. Há qualquer coisa de apelo à lucidez numa morte assim, um apelo para que percebamos quanto somos efémeros e como são absurdos todos os momentos em que desaproveitamos o privilégio de viver.
Nos poucos tempos que tenho livres -- agora só ao fim do dia, quase à noite -- enquanto, andando lá fora, falo com a minha mãe e com a minha filha (o meu filho liga-me mais tarde), vou espreitando as flores. Agora vou ver os vasos que suspendi no gradeamento do terraço da cozinha. Estou desejando de ver se as flores se desenvolvem. Também vou espreitar o 'cágado'. Tenho a impressão que está um pouco mais gordo. Mas deve ser impressão. Fui pôr-me também em bicos de pés, a puxar as folhas da nespereira a ver se baixava a pernada para conseguir apanhar nêsperas. E apanhei uma meia dúzia que comi enquanto falava com a minha filha. A árvore, gigante, carregada delas. Mas tão lá em cima que só de helicóptero. Estão quase boas. As que vejo lá em cima, expostas ao sol, estão mais douradas.
Há cada vez mais pássaros, maiores, mais próximos de nós. Ainda não consegui ir comprar alpista ou milho ou o que for. A gaiola continua de porta aberta mas, como não há lá nada que se coma, nenhum pássaro lá vai dar-me o prazer de se banquetear e, depois, trinar só para mim e, após uma vénia de agradecimento, sair de cena, voando, dançando pelos ares.
Tenho agora aqui à minha frente, na estante que agora tem a televisão em cima, duas fotografias de quando os meus filhos eram pequenos. Não foi assim há tanto tempo. A minha filha manteve muitas das suas feições. O meu filho mudou mais. Talvez seja da barba. Não sei explicar. Olho para eles e lembro-me do que têm vestido, apesar de não se ver na fotografia da minha filha e mal se ver no caso do meu filho. Não sei como passaram tão rapidamente os anos que os números confirmam que passaram. Sorriem para mim. Gosto de estar aqui com eles a sorrirem para mim.
No parapeito do pequeno hall à saída do quarto estão as molduras com as fotografias dos mais pequenos. Passo por lá e olho para cada um. Já cresceram muito desde que as tirei. Mas são tão lindos, tão alegres. E são tão amigos uns dos outros. E isso é o que mais me enleva. Amores do meu coração.
E é isto. Ando sem assunto. Nada tenho a dizer senão estes pequenos nadas que a quem me lê nada devem dizer. Sorry.
quarta-feira, abril 07, 2021
Sócrates, House e o papagaio cantor
Já vos contei que estou outra vez viciada no House...? Pois... confesso: estou... E isso está a colidir à força toda com a escrita no blog. Coexistem no espaço e no tempo. Trabalhei até perto da meia-noite. Quando me despachei e confirmei que nada de transcende aconteceu no mundo (para além das desgraças e irrelevâncias do costume) fui ver o episódio de ontem. Só agora que acabou peguei nisto. E, entretanto, estou a ver o episódio de hoje. Não sei se são episódios recentes ou se são antiquíssimos. Poderia averiguar mas não me interessa. Gosto de ver. Aquele raciocínio agudo, aquele sentido de humor intragável e aquela insolência aberrante do House são um cocktail que me prende do princípio ao fim.
Só que, com isto, consumo o cada vez menos tempo livre que tenho.
A comunicação social já começou a salivar para a decisão que aí vem sobre o Caso Marquês. Há anos que esta pouca vergonha dura: começaram por prender o homem com as televisões a acompanharem em directo o indecoroso e indigno ataque à privacidade de uma pessoa num momento tão delicado. Interrogaram-no, divulgaram escutas, divulgaram bocados das peças processuais, mandaram-no preso para Elvas, devassaram-lhe a vida pessoal, a vida da mãe, da ex-mulher, da ex-namorada, dos amigos, impediram-no de viver uma vida normal, obrigaram-no a viver como um acossado. Anos disto. Uma verdaeira pouca vergonha. Pelo meio, foram arregimentando mais gente, mais suspeitos, o caso foi engrossando, engrossando, virou o paquiderme judicial do regime. Quando penso naquele que começou por ser o intrépido e irreverente advogado de defesa, o João Araújo, que, coitado, não viveu o tempo suficiente para assistir ao desenlace de tão fatídico caso, tenho tanta pena. Mas também me mói a ideia de que o principal suspeito tenha a vida em suspenso há tantos anos. Anos, anos disto. Anos disto sem sequer se saber se o caso tem sustentação ou não. Uma vergonha. A Justiça não pode funcionar assim. Os culpados vêem a vida parada sem pena decidida e acabam na prisão quando já estão no fim da sua vida, muitas vezes a dar as últimas. E os inocentes vêem a sua vida anulada, desgraçada. Enquanto isso, os ilustres juízes, alguns com forte pancada na cabeça e sem admitirem o escrutínio de ninguém, continuam a fazer o que muito bem querem e lhes apetece. E o resto das instituições assobiam para o lado. Separação de poderes muito bem, tem que ser. Mas bandalheira a céu aberto, não. Alguma coisa deve e tem que ser feita.
A nossa democracia tem dois cancros: a Justiça e as Redes Sociais. E com metáteses na Comunicação Social. Claro que isto das redes sociais não é coisa só nossa assim como a comunicação social também não. Só que isso, conjugado com a grave doença na Justiça, pode minar a nossa democracia que, sendo recente, tem ainda muitas vulnerabilidades.
Mas, enfim, queria falar sobre isto mas não é às duas da manhã que estou em condições para dizer coisa que se aproveite. Dirão as más línguas que nem às dez da manhã o estou. Mas para o que as más línguas dizem eu também não tenho tempo.
Portanto, para ver se durmo alguma coisa antes da manhã que me espera que é daquelas em que até tremo com o que vou ter que fazer, calo-me já.
Quando me vê tão debaixo de trabalhos e maçadas, a minha filha diz que não tenho necessidade disto. E há uma perspectiva sob a qual talvez não tenha. Mas a verdade é que tenho este espírito de missão, de mulher da classe trabalhadora, toda a ter que cumprir com deveres e obrigações, mulher que mais depressa verga que parte, que não cede nem abranda até que ache que fez o que julga que tem que ser feito. Não é que queira: é involuntário, é coisa genética. Ou seja, vejo-me cercada de uma canseira da qual tenho dificuldade em fugir porque parece que sou eu que não consigo passar sem viver assim, no limite do que posso.
Enfim.
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E despeço-me com um outro grande momento musical que espero que seja do vosso superior agrado
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E é isto.
O que eu estimo é o que eu desejo.
Saúde e alegria
sábado, janeiro 23, 2021
Deixai, deixai cair uma palavra
Quanto ao dia que passou, o que posso dizer é que passou. Fiz o que tinha a fazer, tive reuniões, fiz e recebi telefonemas. E fiz a minha caminhada. E nisto o meu dia se esgotou.
Há pouco, antes de adormecer com a meia almofada de veludo a envolver-me a nuca, voltei a pegar em Acidentes, de Hélia Correia. Tenho que ler devagar, a cabeça limpa de tudo, toda eu entregue às palavras para que elas, se para isso tiverem sido cerzidas, me deixem perceber a sua toada implícita. Ler poesia, quando a poesia consegue tocar a minha alma, é, para mim, uma fonte de felicidade. Nessas alturas gostava de ter aqui ao meu lado quem me dissesse, baixinho, estas palavras -- mas lesse como eu acho que elas devem soar. Contudo, se eu ousar dizê-las, não consigo. A minha voz não tem a profundidade que me agrada quando ouço poesia.
Tirando isso.
Esforçamo-nos por não termos uma overdose de covid. Evitamos notícias catastrofistas mas todas elas agora o são. Se o meu marido aqui estivesse já teria mudado de canal. Estou a ver a fila de ambulâncias à porta de Santa Maria e os médicos a descreverem aquilo que eu, por outra via, já sabia que estava a passar-se. Terrível. O que se passa arrasa toda a gente: em primeiro lugar os que estão doentes e a precisar de apoio hospitalar mas, e segundo, os profissionais de saúde. E as famílias. E toda a gente que assiste a isto.
Hibernar os que o podem fazer, claro. Tem razão Chevrolet. Não podemos nunca esquecer-nos dos que continuam a expor-se para que os que hibernam e todos os outros consigam sobreviver.
Bem.
Com tudo isto nem me apetece falar de uma coisa que, noutra ocasião, me traria transbordante de alegria: a lufada de normalidade, racionalidade e decência que varre a Casa Branca.
Limito-me a partilhar um vídeo com Amanda Gorman, a jovem que encantou o mundo com a graça das suas palavras na tomada de posse de Biden, e com Jon Batiste, o músico que conheci no programa de Colbert. Há qualquer coisa neste vídeo, como noutros que tenho visto recentemente, e talvez tenha a ver com a força das palavras ou com a beleza da música ou com a diferença ou com a modernidade ou com a elegância ou com o sorriso, não sei, não sei mesmo dizer, que me faz acreditar que não devemos abandonar a esperança num mundo que talvez possa ser um pouco melhorzinho do que aquele em que agora vivemos.