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sexta-feira, março 04, 2022

O que ganha Putin com esta guerra? Nada.
Destrói a Ucrânia mas destrói, ainda mais dramática e duradouramente, a Rússia.

Что получает Путин от этой войны? Что-нибудь. Он уничтожает Украину, но еще более драматично и надолго уничтожает Россию.

 

Serhii, pai de Iliya, chora sobre o corpo do seu filho
Сергей, отец Ильи, оплакивает тело сына
 Fotógrafo: Evgeniy Maloletka/AP

Kyrie Eleyson- Ukrainian Orthodox Chant of the XV Century by Kyiv Chamber Choir

Há dois dias, ao falar com a minha filha, um dos meninos, o mais novo, quis fazer-me uma pergunta. Queria saber se eu achava que ia haver guerra nuclear. Nunca lhes minto mas, num caso destes, receio alarmá-los. Creio que disse que não, que acho que não vamos por aí, mas que já não dizia nada pois achava o Putin perigoso. 

Hoje estava a falar com o meu filho e, às tantas, ele disse-me que o menino do meio estava no carro e que estavam em alta voz. Presumo que, no meio do percurso e da conversa, tenha ido buscá-lo ao pavilhão em que pratica desporto. O menino disse: 'Não faz mal, eu gosto de ouvir'. Eu e o meu filho fomos conversando. O tema da invasão e da guerra e dos riscos medonhos inerentes a tudo isto assustam-nos a todos. Queremos compreender o que se passa, encontrar causas remotas, causas próximas. No meio da conversa contei-lhe que tinha tido um pesadelo, que estava a passar mesmo por cima de nós uma espécie de avião largo com mísseis. Contei que, quando tinha ido dormir, estavam as sirenes a tocar a Kiev e que, mesmo tão distante, tinha sentido medo. Ouvi o menino a perguntar ao pai o que são sirenes.

Depois da covid e do confinamento e de todos esses medos agora assistem, pela televisão, a uma bárbara invasão, à guerra, à destruição. Não sei que efeito terá isto na maneira de ser de uma criança. Tentamos informá-los, tentamos que se sintam seguros e que cresçam protegidos e muito amados. Mas sabe-se lá.

E o que é isto comparado com o que as crianças ucranianas estão a passar? Crianças sem casa, separadas das famílias, abandonando o conforto das suas vidas anteriores para irem não se sabe para onde, em condições precárias, no meio da confusão, vendo as mães a chorar, cheias de medo. 

Enquanto escrevo, tenho a televisão ligada. De vez em quando faço zapping. Não há uma única notícia tranquilizadora. Pelo contrário.

Agora vejo que há um incêndio numa central nuclear, Zaporizhzhya, depois de um bombardeamento russo. Não se sabe ainda o que vai agora acontecer. Pode um quarto do país ficar sem energia, e isso seria dramático, ou pode haver uma desgraça muito mas muito mais grave do que foi Chernobyl. Do que percebo não se sabe se foi mais um crime deliberado ou, o que pode ser provável, uma asneira resultante de impreparação ou desgoverno no terreno. Qualquer das hipóteses é deveras preocupante e péssimo prenúncio para o que ainda pode estar por vir.

Estamos a assistir a uma situação a todos os títulos trágica -- e não me refiro apenas a esta situação agora da central nuclear. Refiro-me a tudo. 

É incrível como a segurança da população (não apenas do país atacado mas de todo o mundo) pode estar dependente de um mitómano tresloucado. 

Quando me foco em Putin dizem-me que não é apenas o Putin, é todo o seu regime. Mas tenho para mim que é Putin que polariza o ódio que está por detrás desta ofensiva que não é apenas contra a Ucrânia mas contra a humanidade. Ou seja, acredito que caindo Putin, se desconstruirá todo o actual regime autocrático russo.

Estamos a assistir, em directo, ao dizimar de um país. E, no fim, se cá estivermos, faremos o inventário do mais que foi dizimado.

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Entretanto, tentando compreender o que se passa e como foi possível chegarmos até aqui e, sobretudo, tentando antever como será possível que este pesadelo acabe antes que mais gente morra e que a nossa confiança na inteligência da humanidade.

Captured Russian soldier cries whilst being allowed to speak to his mother |

 Russia-Ukraine war

Russian soldiers have accused Vladimir Putin of using them as “meat shields” and lying to them about their mission, in videos posted online by the Ukrainian Security Service.

One prisoner of war says that everything he was told by his Russian superiors was “bull----” while another breaks down in tears as he says there was no attempt to pick up the corpses of his fallen comrades.

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Ukrainian citizen volunteers take up arms to fight Russian invasion - BBC News

As the Russian invasion continues, thousands of ordinary Ukrainians are volunteering to fight to defend their neighbourhoods, despite many having no previous military experience.

Men between the ages of 18 and 60 are banned from leaving the country and have been urged to fight.

The Ukrainian defence minister says that 25,000 guns have been handed over to territorial defence members in the Kyiv region alone.

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Ukraine war: Is Putin’s attack plan coming unstuck? - BBC Newsnight

It's been one week since Russia invaded Ukraine and attacks are intensifying on key cities.

Russian advances have slowed in many places, revealing an army struggling to make progress.

Reports suggest Russian troops near the capital Kyiv have barely advanced in the past 48 hours.

Instead, bombardments have started, as seen in the seizure of of a key port city in southern Ukraine, Kherson.

Does the Russian military has the will, means and agility to finish off this campaign?
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What are Vladimir Putin’s goals? l ABCNL

What is driving Russia’s offensive in Ukraine? Chris Costa compares the invasion of Ukraine to the Soviet invasion of Afghanistan and other past Russian invasions.
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Is Ukraine losing the war? See former CIA director's answer

Former CIA director and retired US Army Gen. David Petraeus explains what factors could lead to Russia losing the war in Ukraine.

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The Sorrowful Mother, Страдальна Мати – Ukrainian Lenten Hymn

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Boa sorte à Ucrânia e longa vida ao Mundo

sábado, agosto 07, 2021

Nestes Jogos Olímpicos, a propósito do desempenho masculino, volto àquilo do sexo bem aviado

 

Aviso: se calhar este post é politicamente pouco correcto. Podia disfarçar e, em minha defesa, dizer que isto não é de mim, que é da silly season. Mas, está bem, está, me engana que eu gosto.

Este post é o que é porque sim, sem mais explicações. Mas, ainda assim, tenho que informar que:

  • Este post não fala do Medina e do Trocos, nem sobre a indigência de o Trocos andar a copiar os cartazes do Medina nem sobre o nonsense de andar a agourar pouca sorte aos lisboetas prometendo-lhes sangue, suor e lágrimas.  

  • Também não fala da opinião de Marcelo, Professor em Infecciologia, sobre a vacina para crianças, ao antecipar-se aos estudos dos especialistas, mostrando que lhe está na massa do sangue opinar sobre tudo nem que seja na base da fezada. 

  • Nem fala das garantias que Vieira apresentou para poder ir à rua, antes tão poderoso, todos a lamberem-lhe o rabo, e agora, sozinho, a fazer contas para ver se o super-alex o deixa pôr o pé fora de casa.  

  • Também não fala na minha incompreensão sobre a marcha, um desporto que me parece quase maluqueira dos Monty Python, uma coisa que mais parece uma cena de passos amalucados a fingirem que querem mas não querem correr, agarrem-me se não eu corro.  

  • Também não fala das dietas de verão nem dos cuidados de saúde a ter em tempos de sol.  

  • E, obviamente, muito menos este post fala da pressão que dizem que os desesperados  e os brincalhões andam a fazer sobre o Rangel -- essa águia, esse leão, essa fera, esse macaco de rabo pelado, esse gato, esse galaroz, esse falcão, esse potro, esse ursinho peludo, essa coisa fofa -- para que dispute a liderança do PSD ao mangas-de-alpaca.  

  • Ná. Este post não fala de nada desses temas interessantes e politicamente aceitáveis.

Tenho a impressão que se fosse um homem a fazer um post assim, como este, toda a gente lhe cairia em cima a pés juntos. Chamá-lo-iam de machista para baixo. Para baixo ou para cima. Por isso, não sei se, ao fazer eu este post, terei direito a ser chamada de feminista. Se tiver, também está certo. Não ligo a rótulos: que ponham os que quiserem. 

A questão é que, nestes inícios de Agosto, abro os onlines e há uma coisa que me salta à vista. E isto sendo eu míope, faria se não fosse.

No outro dia estava a escrever que o título era só para chamar a atenção para a biografia e a pensar que está bem, abelha, engana quem quiseres, ó Ujota Emezinha, que a mim não me enganas tu. Se fosse sincera, o que teria escrito é que 'o título, na componente do sexo bem aviado, claro que tem a ver com a justa medalha atribuída ao Pichardo'. 

Ó Pichardo
Que a lavas no rio
Com um pé em cada margem
Salta este desafio
Carregadinho de vantagem
[Amofinado]

Talvez até acrescentasse 'curioso nome, este' ou, ainda, 'Pichardo -- what's in a name'. Mas, pronto, nesse dia contive-me. O tema era o de louvar a biografia do Cardoso Pires bem como o biógrafo e o biografado, não ia pôr-me a ser parva.

Ora hoje, já imbuída no indecente espírito do fim de semana, deixo-me de coisas e olho para o que está bem à vista. Bom... 'bem à vista' é uma maneira de dizer que também não exageremos. Aliás, aquela moda de se querer que as raparigas usem roupa bem curta e bem reveladora nos desportos de praia deveria estender-se aos homens, seja em que desporto for. Não uns bem comportados calções de lycra mas uns shorts bem shortinhos. Em tom nude, para quase parecer que o 'bem à vista' não é completamente uma metáfora.

Agora acho que, assim como assim, deveria haver um protocolo, alguma homogeneidade. É que isto de uns usarem tshirt por cima, outros a esconderem não se percebe bem onde, uns a guinarem para a direita, outros para a esquerda, é algo desestabilizador. A gente quer apreciar os dotes desportivos e, mesmo sem querer, põe-se a apreciar os dons ocultos ou, como soe dizer-se, as soft skills. Bem, não sei se tão soft assim (and, of course, the pun is intended)


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Bem, para me redimir, vou aqui ouvir uns meninos a cantarem um belo canto gregoriano. Ouço isto e fico logo santificada. Claro que melhor seria se, em vez de estarem de vestidinho até aos pés, também estivessem com uma reveladora lycrazinha. Mas, enfim, quem nos garante que o não estão? Quiçá, mesmo, sem qualquer underware. Quem é que diz que isso é exclusivo da Sharon Stone? 


Ámen!

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Desejo-vos um dia feliz.
Saúde. Risota. Afecto.

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A pedido de quem, em comentário abaixo, sugeriu que aqui tivesse o CR7 a ombrear com os supra olímpicos, aqui está ele


E o que, neste caso, posso dizer é que isto não me parece normal
(mas, neste caso, acho que o 'artista' é que deve ter um grande pénis dentro da cabeça para lhe dar para um empolamento destes)

quinta-feira, novembro 07, 2019

Em vidas passadas, fui um sage, uma alma velha.
[Isto apesar de, actualmente, só ter entre 20 e 25 anos]


Tenho coisas. Devo ter dito que sim a algum pedido e, agora, vai 'ele' e coloca-me cenas no meio de coisas que não têm nada a ver. É o que digo: está tudo doido. Esta coisa do RGPD, que faria muito sentido se não tivesse descambado numa autêntica bebedeira de 'aceito os cookies', leva a que a gente, para ver qualquer porcaria, tenha que pôr aceito em todo o lado. Ou, então, sou só eu que, farta de macacadas, não estou com pachorra e, mal me aparece uma caixa de peditório a pedir um aceitozinho para poder dar mais um passo, nem penso duas vezes: tome lá e não se fala mais nisso.

Ora isso resulta em coisas que só se explicam se vierem a reboque de algum 'sim, aceito' onde, incautamente, cliquei. 

Isto para dizer que estava para aqui a ler sobre temas importantes para o futuro da humanidade e, pelo meio, do nada, começaram a aparecer-me casaquinhos de tricot. E eu, sendo o miolo mole que se conhece, imediatamente me distraí do futuro da humanidade para me pôr a perceber se seria coisa que eu soubesse fazer ou que me ficasse bem.

E de tal forma me acontecem estes achaques alienatórios que, tendo em mente, ontem à noite, vir aqui explanar com douta sabedoria um tema disruptivo, resolvi antes fazer um little intróito relativo aos 4 dias de trabalho por semana e, tendo-o começado, logo me esqueci que era para ser um post pin y pon e fui por ali fora. E, sem dar por isso, esgotei o tempo de antena dos meus três neurónios. Fiquei-me por ali.

Agora, ao retomar o fio de ariadne do meu tresmalhado pensamento e, ao querer documentar-me sobre o tema fora da caixa em que tinha pensado, logo voltei a desviar-me ficando enredada no ponto (liga do avesso, meia pela frente, torcido nos ombros), no corte e nas cores de um lindo casaquinho de malha.

E, dissuadida e preguiçosa, já longe do futuro da humanidade e disrupções, nem sei como dei por mim a vaguear por outros maus caminhos: testes, quizzes, daqueles aparvalhados. E, quanto mais aparvalhados, mais me dão vontade de saber a resposta. Não há explicação.

Agora, só para verem o calibre da menina, fui fazer um teste para ver quem é que fui numa vida passada. Como se isto de vidas passadas existisse. Quer dizer: de uma forma meio quântica, é capaz de existir. Mas como não sei explicar, é mais cómodo dizer que não, não existem nada. Ou seja: sei lá.

Bem. Fiz o teste. E o resultado é do catano: fui um homem.
Embora, pensando bem, até aqui nem seja nada de novo, só confirma aquilo de dizerem que tenho tomates. Mas não faz mal: não me incomodam.
Ou, então, lá está, homem lato sensu. Ser humano. Mas não um qualquer. Um sage. E o teste ilustra o texto mostrando um daqueles monges que tanto aprecio, especialmente quando lhes dá para cantar em coro. E não confesso aqui, porque este não é o lugar para dúvidas existencialistas, que há um tema que não me sai da cabeça quando os vejo em grupo, a cantarem. Só posso dizer que tem a ver com a roupa interior deles. Ou a ausência dela. Mas, pronto, deixo isso para quando escrever deitada no divã.




Mas, então, reza assim a descrição do que fui noutras vidas:
You were a sage in ancient times. Someone people would go to for advice. People may have called you an "old soul" in those days and nothing has changed. You have a strong intuition and can read people really easily and it's all due to your past life as an all knowing, all seeing wiseman.
Traduzo com o tradutor da google para a coisa ficar mais gira (e aqui o uso da palavra gira não é acidental)
Você era um sábio nos tempos antigos. Alguém iria pedir conselhos. As pessoas podem ter chamado você de "alma velha" naqueles dias e nada mudou. Você tem uma forte intuição e pode ler as pessoas com muita facilidade, e tudo isso se deve à sua vida passada como um sábio onisciente e onisciente.
Portanto, já sabem, esta é a verdadeira explicação para aquilo que sou. Uma alma velha ao vosso dispor.

Mas, calma aí, só a alma é que é velha porque no resto dão-me entre 20 a 25 anos. E isto porque fiz outro teste. Já em tempos tinha feito a ver a idade mental mas este agora é mais abrangente, é mesmo adivinharem-me a idade a partir do que vejo numas imagens. E o veredicto foi este:
You're really 20-25 years old! Every detail counts, it's almost as if no one can get something pass you. You like to give people your undivided attention when they're speaking to you. Though you feel stressed and/or busy the majority of the time, your Netflix list seems to always do the trick!
E não será a lista da Netflix mas é ainda mais simples: basta pôr-me aqui a escrever ou a ver televisão ou qualquer coisa para o stress se evaporar. Pensava que era por ser primária mas, afinal, é por ser uma jovem (quiçá inconsciente).

Entretanto, já fiz mais uns poucos mas não vos vou maçar. E agora até-jázinho que vou aqui ver qual a cor que melhor define a minha personalidade. 

Ah, é verdade... o dia foi mesmo uma coisa pouco recomendável mas, fazer o quê?, já se me varreu tudo, nem vestígios em mim. Novinha em folha. Bastou fazer uns testes da treta para ficar bem disposta, com os meus vinte e poucos anos a cintilarem de juventude e irreflexão. 

segunda-feira, agosto 13, 2018

Retrato de um dia especial na vida de uma devota


Num certo dia de verão, quando nada fazia prever a borrasca, fui chamada a uma conversa. Na maior inocência, sentei-me e escutei. Sorrisos, elogios, desafios, uma proposta irrecusável.

Primeiro foi um, depois esse foi chamar outro que, pelas mesmas e outras palavras, repetiu a mensagem. Tudo envolto em apologias, em simpatias. 

Saí de lá a pensar. Com tanto sorriso e tanto reconhecimento, qualquer coisa ali parecia não bater certo.

Tendo o cardeal e o papa recomendado que fosse eu aconselhar-me com o sacristão, lá fui. Ele sorria, manhoso. Sabia de tudo. Jogadas de bastidores são com ele. Demais, acolhido como é na cúria, acha-se bispo, todo ele treme de orgulho quando os mais humildes ou os mais cobardes, temendo não lhe cair em graça, acorrem ao beija-mão. Sorriu, disse-me que era bom, que não duvidasse eu da bondade da proposta. Quase insinuou que deveria eu sentir-me agradecida.

Mas bicho desconfiado que sou continuei na minha: alguma coisa ali não batia certo. E não consegui mostrar gratidão.

E, quanto mais ia pensando, mais ia percebendo os contornos da 'proposta'. Não era prebenda, não, era uma tocaia, infame cilada.

E o sacristão a rondar. Os capangas, os jagunços são assim, mesmo quando se apresentam de sacristãos. Sondam, manipulam, ouvem, levam e trazem, fazem o trabalhinho sujo, aplainam o terreno. Alguém que bem o conhece disse-me dele: um sabujo.

Disse-lhe: já percebi tudo. E ele, fingindo-se confidente, fazendo-se de confiável: Acredite que é o melhor que lhe pode acontecer. acredite.

Saltei-lhe ao pescoço: uma vergonha, uma indignidade

Saíu de pé de mim, escorraçado, fazendo-se de ofendido, e logo o vi agarrado ao telefone. Adivinhei-o a passar a mensagem ao cardeal, ao papa. 

Nesse dia, à noite, lembrei-me de outras ocasiões em que o mesmo aconteceu a outros que, sem que nada o fizesse esperar, também apareceram tolhidos em inescapáveis armadilhas. Quando o pasmo se desenhava nos rostos, lá vinha ele: Acreditem, foi o melhor que lhes aconteceu. Muito tive que me esforçar para não ser bem pior. Ainda queria agradecimentos pelas patifarias que ajudara a concretizar. Agora comigo o mesmo.

Nesse dia escrevi ao cardeal: Percebi que o me ofereceram não é bom. É muito mau. Não aceito.

Na volta, um mail: Amanhã falamos.

No dia seguinte apresentei-me. Inteira. De frente: O que propuseram é inaceitável. E ele que não, que é muito bom, que eu sou fantástica, a melhor. E eu: Se sou, não percebo porque estão a fazer isto. Prefiro que me empurrem porta fora. Chocado, o cardeal benzeu-se, que não, que ideia, que estou a perceber mal, que ideia, alguma vez. Mas que ia transmitir, que logo viria com a decisão.

A revolta tinha tomado conta de mim mas, ao mesmo tempo, uma segurança grande na minha vontade. Não se verga facilmente quem dedicou uma vida a fazer o mais e o melhor que sabe, com ética, rigor e sentido de responsabilidade.

O sacristão não voltou a rondar. Gente assim não gosta de ser enfrentada. Gente assim tem muitos rabos de palha, tem medo de ser desmascarada, tem medo de ver maculada a imagem que tão bajulantemente cultiva, tem medo de ver diminuída a sua influência junto da cúria.

No dia aprazado, voltei a ser chamada.

Sentei-me de frente para o cardeal. Percebi que estava pouco à vontade. Lamentou a minha reacção. Voltou a dizer que sempre tiveram o maior apreço por mim. As mãos vagueavam sobre a mesa. Perguntou se tinha pensado melhor. Disse-lhe que a minha opinião não se tinha alterado. Perguntou se estava mais calma. Respondi que nunca tinha deixado de estar calma. Percebi que ganhava tempo. A minha não aceitação, trazia-lhes inesperados incómodos. Continuei a olhá-lo de frente.

Percebi que, finalmente, depois de se ajeitar na cadeira, ia avançar para a decisão final. 

Abri então, devagar, a bolsa do telemóvel que tinha pousado sobre a mesa. Com ar contido, disse: Peço desculpa mas deixe que aqui coloque o meu santinho de estimação. É o meu anjo da guarda. Se a minha vida vai ser aqui decidida, deixe que o meu santinho me proteja. 

Ele mostrou alguma estupefacção. Nunca me soubera crente, muito menos a esse ponto. Mas, dadas as circunstâncias, não quis contrariar-me. Deve ter pensado que não se nega o último pedido a um condenado.

Fui-me justificando enquanto o retirava da bolsa: Cada um é como é. Este aqui acompanha-me nos momentos decisivos da minha vida. Posso não demonstrar mas, acredite, a minha crença é tão verdadeira como a sua.

Ele olhava-me, perplexo. Está bem. Não percebo porquê isso mas, se quer, está bem.

Tirei, então, o santinho da minha bolsa e coloquei-o em cima da mesa, a meio, virado para mim. Benzi-me e, num sussurro, com a mão sobre a sua cabecinha, pedi-lhe a bênção e disse: 'Mostra-lhe o caminho'.

Ele olhava, intrigado e visivelmente nervoso, a minha súbita devoção.

Então, lentamente, virei o santinho bem de frente para ele. E, olhando-o bem nos olhos, com o  meu ar mais beato, puxei a guita com uma das mãos enquanto levantava, depois, a outra como se o benzesse do lado de cá da mesa. E disse: 'Ora tomem'.


Escusado será dizer que deu um salto, apavorado, fugindo da sala quase a correr. Levantei-me, guardei o santinho e também saí. Pela porta entreaberta da sala do Papa percebi que estavam ambos de joelhos e pareceu-me que oravam. Presumo que, a esta hora, ainda lá estejam e acho que fazem muito bem. 

Amén.

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[E que me desculpem a heresia por aqui trazer um cântico religioso mas apetece-me.
E, por acaso, até acho que o pecado é inofensivo -- e, de resto, quem sabe?, com isto não fico purificada ]

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Se tiver inspiração, continuarei na senda dos contos devóticos. 
Senão, logo vejo.

sexta-feira, abril 07, 2017

Shortinha número dois
[Luisinha e o ensaio geral]





Quando chegou a casa, Maria Luísa, trocou de roupa. Vestiu-se discretamente. A ocasião assim o pedia. Ao ver-se ao espelho, achou que faltava quelque chose. Percebeu o que era. Um pequeno chapéu igual ao vestido, uns brincos simples.

Sobreveio-lhe um arrepio. Pensou que, de facto, ainda não estava no verão. Foi então buscar umas luvas para lhe aquecerem os antebraços. Escolheu umas que faziam pendant com o top.

Espírito inquieto, o coração a pedir um sobressalto, procurou um livro ao acaso. Apetecia-lhe algo. Pegou e largou um e outro e outro. Depois ficou-se pela Pastoralia do Saunders. Folheou. Depois pensou: 'Pena. Se tivesse o que lhe falta talvez me convencesse'. Deslizou pela sala. Pegou, então, num outro. Inconfessável este.

Já impaciente, pegou no telemóvel. A voz era outra, rouca, 'Então, bebé, como é que é?'. Do outro lado alguém a fez rir. 'Está mas é maluco... ', fingiu ela que o censurava. Qualquer coisa mais disse ele que ela soltou uma gostosa gargalhada: 'Não está bem a ver. Se estivesse, teria mais cuidado.'. Do outro lado alguém falava. Maria Luísa parou de rir. Ouvia com atenção. Depois, em voz baixa, disse: 'Está bem, eu digo consigo. Mas, olhe, diga devagar.' Então ele dizia e ela repetia:

Oh dá-me beijos mil, depois um cento,
Depois mais outros mil, e um outro cento,
Depois ainda outros mil, e mais um cento.
Depois, quando os milhares forem já muitos,
Erraremos a conta, a não saibamos,
Para que a inveja não nos leve a mal,
Sabendo quanto foi de beijos dado.

Por fim, como num rebate, Maria Luísa disse: 'Espere lá! Não era para ser em latim...!?'. E riu. 'Pensava que se escapava...?'

Depois ficou a ouvir, silenciosa. No fim disse: 'Não percebi nada. Na volta, esteve para aí a inventar. Mas não faz mal. Olhe: acha que vá pondo as minis no congelador?. 

Ela riu com a resposta dele. E foi a sorrir que lhe perguntou: 'What? A Luisinha...? Quer que o ensaio geral seja com a Luisinha...? Yes, sir, pode ser. Why not...?'

Voltou a mudar de roupa. Viu-se ao espelho. Voltou a optar por bolinhas mas agora estava Luisinha dos pés à cabeça.

Passado um bocado, os frades começaram a chegar.

Luisinha, afável, recebeu-os com aquela sua expessão angélica, flores na mão. O último a chegar foi ele. Luisinha foi buscar as minis e os tremoços.

Os frades falavam de futebol, achavam mal que o Canelas não estivesse ainda proibido de jogar, eram unânimes: o Rui Santos tem razão, é uma vergonha. Um outro gabava o físico de Marco Gonçalves, aquele que partiu o nariz do árbitro. O amigo de Luisinha concordou: 'Que músculos, menino, que músculos... quem me dera a mim. Viu bem aquele cabedal...?'.

Luisinha, mini na mão, zangou-se 'Meninos. Ai! Chega de troloró. E que conversa mais abichanada vem a ser essa? Ai, ai, ai, ai-ai. E vamos lá mas é a porem-se alinhadinhos que está mais do que na hora. Daqui a nada chegam as irmãzinhas da caridade e, quando chegarem, já vocês têm que estar ao fresco. Já sabem como é que a madre superiora é: nada de misturas!'

Eles acataram. Puseram-se de pé, os mais altos atrás, os mais baixos à frente. Não era por vozes, Luisinha preferia-os por tamanhos. Distribuíu-lhes, então, as folhas com as letras. Latim. Tinham um concerto na capela da paróquia no próximo sábado, e um concerto de canto gregoriano não é brincadeira. Ela queria tudo sabidinho na ponta da língua.

O ensaio correu bem. Afinados de dar gosto. Uma emoção -- coisa já quase já do domínio do religioso. Talvez pela proximidade do santo mês do maio, ouvindo-os a cantar assim, Luisinha quase se tentou a converter-se. Mas não, endiabrada demais para tal.

No fim, à medida que se despedia, Luisinha deu uma palmada no rabiosque de cada um e avisou: 'No sábado, quero-os a todos de vestidinho. Já sabem. E cuidado com as cuequinhas. Nada de fio dental, ouviram? Antes nada que essa pouca vergonha. Já sabem. E é para brilhar, ouviram, seus marotos...? Ah, e é verdade: vamos caprichar no latim, hein? Nada de aldrabar que não quero que, no fim, as beatas me venham chatear que a letra do Pai Nosso não era nada daquilo. E todos à uma, afinadinhos e alinhadinhos. Ou querem que as irmãzinhas vos passem a perna...? Vejam lá.'

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E desçam, por favor, até à Shortinha número um, caso queiram saber o que Maria Luísa, também dita Luisinha, comprou quando andava numa de Lulu.

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sexta-feira, maio 20, 2016

Pois em lugar algum se vê um imortal já no céu...


O tempo corre em plena luz do dia tão secretamente
como o ladrão na noite.

Cravar o olhar no tempo, gritar até que o
medo o petrifique: redenção ou catástrofe?





Com uma certa indolência, deitada no sofá, o computador em cima de mim enquanto leio, deixo passar o tempo devagar. Que ele nunca passe apressado, roubando partes de mim. Quero-me mortal, sim, degustadora de tempo, amante do fluir que, um dia, me há-de levar para o lugar do nunca.

Sem pressa, dizia, vagueio pelas páginas dos livros, pelos ecrãs. Procuro o que me pareça coisa rara.
Mas não é fácil. Penso que há tanta, tanta gente que escreve que me parece provável que, tal como eu escrevo anonimamente, algumas das pessoas com quem lido diariamente, também o façam.
Talvez a blogosfera não seja formada por um grupo restrito de pessoas que não passa sem escrever nas, sim, por uma amostra da sociedade. É que, ao ler alguns blogues, detecto uma cópia da futilidade que encontro no dia a dia, mais do que a necessidade de escrever. Para já, nunca descubro blogues por mim, sou pouco mais do que blog-excluída. Contudo, volta e meia vou atrás de alguns comentadores que vejo noutros blogs. E fico perplexa. Como daquelas ondas baixas que, junto à rebentação, trazem toda a espécie de lixo que o oceano cospe, assim alguns blogues: insinuam, maldizem, atacam-se uns aos outros ou copiam-se  ou comentam as vacuidades que outros já comentaram. Cansa-me isso e interrogo-me: porque escrevem? Mas vejo pouco mais que a ponta de um imenso iceberg de palavras que se propagam pelos ares: instagram, facebook, twitter, blogues, blogues, blogues. Por cabo ou pelos ares, o planeta deve estar saturado desta imensa cacafonia que por aí circula. E eu, que para aqui estou a falar, contribuo para isso.

Mas o que penso de muitos blogs, penso também de livros. Entro numa Fnac e são prateleiras e estantes cheias de lixarada. As montras da Bertrand a mesma coisa: lixo, lixo, lixo. Muita cor, muita palavra vazia.

No meu dia a dia a mesma coisa: pessoas que só falam de trabalho e que, com ar enfático, dizem que nem deram por ser feriado ou fim de semana. É frequente eu receber mails de trabalho ao sábado, ao domingo. E geralmente nunca é nada de urgente, tudo coisas que, sem problemas, poderiam ser enviadas durante a semana, em horário normal. Porque, mesmo aos dias de semana, é frequente receber mails de trabalho às onze da noite, quando não depois da meia noite.

Acho uma tristeza. São estas pessoas que se vangloriam, como se se lamentassem, que não têm tempo para ler, para passear, para ficar a olhar o mar.

Hoje voltaram a dizer-me que sou desalinhada. Sou. E nem consigo disfarçar. Afirmo-me como sou mesmo que veja uns pares de olhos espantados presos às extravagâncias que digo.

Se ouço toda a gente a dizer que fez e aconteceu, que reviu, validou, e etc, e tudo isto à noite, toda a gente a enviar cenas uns para os outros, eu digo 'a essa hora estava eu a ver as luzes sobre o rio e a ouvir Arvo Pärt'. Silêncio. Para já devem pensar: quem diabo será esse e, de resto, a que propósito vem isso? E já falo no belo do Arvo porque é muito conhecido. Um dia destes ainda digo que, em vez de mails que pouco acrescentam, prefiro ouvir monjas beneditinas. Presumo que a incompreensão seja ainda mais perfeita.

Não é que eu, por vezes, não tenha coisas para tratar fora de horas. Tenho, claro. Mas é a excepção, o frete, não o supremo gozo ou o pratinho de ração diário.

No entanto, volta e meia sou ultrapassada e isso tenho também que confessar. No outro dia, conversando com quem juraria eu ser do mais conservador que à terra deus deitou, confessa ele que agora faz parte de um grupo de teatro amador, que até já participou num espectáculo. Fiquei sem palavras. Perguntei se era coisa a sério, com as pessoas a pagarem bilhetes. Claro que sim!, respondeu-me, Nem nunca tinha ouvido falar em tal grupo de teatro. Dias depois contei aos meus filhos. O meu filho ficou ainda mais passado que eu: foi uma vez, ao engano, ver uma peça. Diz que é do mais surreal, só maluqueiras e palavrões da pesada. Fiquei, de novo, sem palavras.

Por isso, tenho que deixar na minha mente espaço para me surpreender. E tenho, também, que conseguir não fazer juízos precipitados. Mas não é fácil.

Contudo, uma vez que posso escolher, evito tudo o que me parece tóxico, oco, inútil. Vou-me tornando niquenta, pouca coisa me agrada de verdade. Vagueio por aqui e por ali à procura do que me agrade e cada vez é mais raro. Procuro o canto dos índios ou dos pássaros, fontes de água limpa, caminhos silenciosos, a neblina que cobre os rios ou se esconde por entre as árvores, o cheiro do pão quente, a carta que chega, a ausência de disfarces, a generosidade, as palavras puras. De vez em quanto encontro e aí me fixo. Ou, se ando pelas livrarias, escolho livros que me falem do aroma do tempo, do desenho das sombras, da arte de fazer luz, dos enigmas que vivem dentro do nosso corpo, de mistérios que a física há-de um dia descobrir. Coisas assim. Mesmo poesia me vejo aflita para encontrar: não suporto lugares comuns ou versinhos de efeito fácil. Tenho que sentir a fibra e o osso, o sopro e o olhar, a respiração e o toque da pele, o tronco e a raiz, o barro e a pedra, a cor e a doce toada, o bater do coração, a suavidade da mão que se quer carícia, a força do braço que se quer abraço,

Quem, se eu gritasse, me ouviria dentre as ordens dos anjos? e mesmo que um me apertasse de repente contra o coração: 
eu morreria da sua existência mais forte. 
Pois o belo não é senão o começo do terrível, que nós ainda mal podemos suportar, e admiramo-lo tanto porque, impassível, desdenha destruir-nos. 
Todo o anjo é terrível.

[Rainer Maria Rilke]


Porque é que não se inventou nunca
um deus da lentidão?

[Peter Handke]


Aquele que um dia ensinar os homens a voar terá deslocado todas as barreiras; para ele, as próprias barreiras voarão pelos ares, e dará um nome novo à terra, chamando-lhe 'A Leve'

[Friedrich Nietzsche]


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E depois estão vocês aí desse lado. Todos os dias. Ao escrever, por vezes, espreito as estatísticas. Estou a escrever e vocês aí. Neste momento, à uma e dez da manhã, oitenta pessoas partilham o seu tempo comigo. Gostava que sentissem que me sinto grata por sentir a vossa companhia.


Portugal - 50; Brasil -12; Estados Unidos - 5; Alemanha - 4; Arábia Saudita -3; Ucrânia - 2; Bélgica - 1; França - 1; Indonésia - 1;  Irlanda - 1


Mas não são números, são pessoas que lêem as minhas palavras, são vocês, Caros Leitores. E eu sinto-me em dívida. É certo que parte do meu tempo é-vos oferecido, parte da minha vida está convosco. Mas não sei se vos agradeço o suficiente. Podem não acreditar mas, mesmo sem vos conhecer, sinto estima por quem está aí, comigo.

Lembro-me das palavras de Cecília de Meireles.
Tenho amigos em toda parte. Mas sou feito o Drummond que é tão amigo quase sem a presença física. Esse meu jeito esquivo é porque eu acho que cada ser humano é sagrado, compreende? Eu sou uma criatura de longe. Não sei se me querem mas eu quero bem a tanta gente! Sou amiga até dos mortos. Amiga de muita gente que nem conheci. Você não imagina quanta gente eu levo ao meu lado. E fico emocionada quando penso como uma criatura só recebe tanto de tantos lados, de tantas pessoas, de tantas gerações!


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As palavras do título são da autoria de Friedrich Hölderlin. As do início do post são de Proust. Todas as palavras em itálico são referidas no livro 'O aroma do tempo', Um ensaio filosófico sobre a Arte da Demora, de Byung-Chul Han. As pinturas são da autoria de pintores orientais (que, dado o adiantado da hora, não vou agora repescar).
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Abaixo encontrarão um vídeo surpreendente. A bem da inclusão.

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segunda-feira, maio 09, 2016

Querido Diário - 5
Hoje vi uma igreja muito bonita


De tarde, andámos a passear. Depois de um sábado em que mal pus o pé na rua, este domingo o azul que espreitava entre as nuvens e o solzinho que, a medo, lá se ia afoitando, foi tentação a que não me dei ao trabalho de resistir. Passeio ao princípio da manhã, à tarde e quase até à noite.

Já não íamos há algum tempo ao Jardim da Estrela. Dantes atravessava-o todos os dias pois morava lá perto e ficava-me em caminho. Anos depois, ia por ali perto frequentemente mas por razões distintas. No entanto, na Basílica não entrei muitas vezes. A bênção das fitas da minha filha foi lá. Sem ser baptizada nem nunca ter tido práticas religiosas, naturalmente que não ia afastar-se do grupo de colegas e, portanto, lá fomos, a família inteira, avós incluídos, a minha mãe, claro, toda de lágrima no olho. Cantaram, acho eu. Estava toda feliz, elas e os colegas. Volta e meia ainda vejo algumas, continuam a dar-se.

Hoje apeteceu-me entrar. Bonita. Gosto muito de igrejas, são edifícios de uma arquitectura vigorosa mas elegante, com uma escala que pretende trazer a iluminação divina aos que pisam a terra.



Ouviam-se cânticos. tentei perceber se estava algum coro mas não vi, talvez fosse uma gravação. Eram vozes femininas suaves que ondulavam como as florzinhas que veria depois, no campo.

Estava pouca gente, apenas algumas pessoas rezando. Nunca estive assim, em silêncio, sentada, numa igreja, só por mim. Quando não estou em acontecimentos familiares ou festivos ou tristes, vou em turismo: entro, olho, dou uma volta, sinto que aquele ambiente que me traz uma grande tranquilidade. Penso que talvez tenha a ver com a dimensão do espaço, com a luz velada, com o silêncio ou, neste caso, com os cânticos, e, também, com a quietude que se sente no semblante dos outros que lá estão.

Um dia tentarei deixar-me estar assim, um bocado, sem fazer nada, sem olhar, sem fotografar, sem pensar. Tenho que ter cuidado com isso pois, não sei porquê, mal me distraio, em lugares assim, dá-me para mentalmente agradecer. Geralmente sinto-me agradecida mas não sei a quem e, ali, vá lá saber porquê, dou por mim a agradecer. Ou, então, o que é ainda mais sem jeito, a pedir. Claro que, mal tomo consciência, me recrimino: a que propósito aproveito para pedinchar? E a quem é que estou a pedinchar?


Mas estas coisas não são conscientes. E eu estou longe de ser coerente. Muito menos perfeita. Por isso, frequentemente faço coisas irracionais e que, mesmo que queira, não consigo justificar.

Mas, independentemente do significado de tudo isto, acho estas imagens de uma grande beleza. Mesmo que me quede pelo lado estético, confesso que me sinto pequena perante a dimensão da beleza algo transcendental destas imagens, destes espaços. Ou desta luz. Ou do cuidado com que tudo está disposto, acarinhado. Não sei. Mas acho que não vale muito a pena tentar saber.

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Sobre os cânticos lá em cima, Ave Maria e Quam Pulchra, transcrevo: Il coro femminile Eos, diretto dal Maestro Fabrizio Barchi, al concerto eseguito presso la Basilica Papale di San Giovanni in Laterano in Roma in occasione del pellegrinaggio dei Cavalieri del Santo Sepolcro di Gerusalemme per l'anno mondiale della fede.
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Convido-vos a descer até ao último capítulo do meu diário relativo a este domingo.

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sexta-feira, março 06, 2015

A Madre Superiora estava a finar-se. Os advogados usam todos preservativo. Depende. Fliz anvers.


Hoje fico-me por palavras alheias. No post abaixo tenho um suculento naco de prosa, a história da Menina Otília que foi às Finanças, que me foi enviada pelo estimado e inspirado Leitor P. Rufino. Não é história inocente, digo eu - mas isso é porque, provavelmente, tenho uma imaginação muito fértil. Condimentei-a com umas imagens à maneira que já foram devidamente aprovadas pelo autor.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, continuo a dar a palavra aos Leitores. Daqui a nada tenho que estar a pé e, quando o sol nascer, já eu estarei a caminho. Por isso, tenho mesmo que encurtar razões.

E, para começar tenho que me desculpar por uma dupla heresia. Vou colocar aqui, no meio, canto gregoriano. Ora eu gosto, mas gosto muito, de canto gregoriano. Mas, como a primeira história mete freiras e como estou com pressa, não tenho tempo para puxar pela cabeça e lembrar-me de coisa mais apropriada e, portanto, vai mesmo.






A Madre Superiora de uma congregação irlandesa, com os seus 98 anos, estava no seu leito de morte.

As monjinhas rodeavam-na, tentando tornar cómoda a sua última viagem.

Deram-lhe leite quentinho. Bebeu um gole e não quis mais.

Uma monjinha levou à cozinha o copo de leite. Nesse momento, recordou que havia na despensa uma garrafa de whisky irlandês que lhes tinham dado para o Natal, e pôs uma boa dose no leite.

Voltou ao leito da superiora e aproximou o copo da sua boca.

A superiora bebeu um golinho, depois outro e antes de que se dessem conta, bebeu até a última gota.

As monjinhas disseram-lhe, então: "Madre, dê-nos uma última palavra de sabedoria antes de morrer"

Com um último esforço, levantou-se um pouco e disse-lhes: "Não vendam essa vaca".

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Manuel estava na aula quando a professora pergunta:

- Manuel, quantos são dois e dois?

- Depende professora, se os números estão na horizontal são 22, se estão na vertical são 4.

- Muito giro, você parece que é mesmo do contra! Diga lá agora: quem descobriu o Brasil?

- Depende, se se refere a 1500 foi Pedro Álvares Cabral, se refere antes de 1500, foi o Índio que já lá estava.

- Ah!... Você se julga muito inteligente, não é Manuel? Você se acha um superdotado, certo? Agora diga-me, quantos são os mandamentos da Lei de Deus? Os mandamentos são?

- Bem... depende professora!

- Como é que é depende...?

- Depende porque se são para homens são dez, mas se são para mulheres são nove, porque as mulheres não podem desejar a mulher do próximo!

- Depende.., sussurra a professora.
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A minha filha completou quinze anos e organizámos a festa num salão para que convidasse todos os seus amigos.

Nessa noite, à medida que iam chegando, se acomodavam no lugar designado e em seguida abriam os seus smartphones e começavam a conversar por meio de mensagens de texto

Era muito comovente vê-los concentrados, cada um no ecrã dos seus sóbrios e negros telemóveis.

Que grandes estão todos! E pensar que os conheço desde que falavam entre eles... Todavia me recordo da voz deles, alguns não acreditam que quando eram crianças falavam e se olhavam nos olhos. Eu não os corrigia, claro; “vão crescer e vão aprender sozinhos a não falar”, pensava.

Quando chegou o momento do baile, cada um conectou os auriculares ao seu celular, escolheu a lista de músicas que mais gostava e entrou na pista de dança. Dava a sensação de que todos estavam bailando ao som da mesma música.

A entrada de minha filha foi apoteótica, exultante de emoção. Os seus amigos desesperavam por serem os primeiros em fazer-lhe chegar o seu texto de felicitações, movendo a toda velocidade seus dedos.

Alguns, os mais precavidos, já tinham a mensagem preparada e o único que deviam fazer era carregar no “ok”.

O telefone da minha filha não parava de vibrar e como era impossível lê-los todos, guardou alguns para mais tarde.

Aproximei-me dela e, sem me dar conta, disse-lhe: "Feliz aniversário, filhinha".

Ela olhou-me horrorizada e afastou-se de mim. Preocupado, fui atrás dela e perguntei -lhe se havia algum problema, se eu tinha feito algo que a incomodasse. Agarrou no telemóvel  e enviou-me uma mensagem de texto:

- Qres m envrgonr frnte ms amgs? Fzme o fvor, pra q exst os tlfnes?

Não tive outro remédio senão abrir o meu telemóvel e mandar-lhe as minhas felicitações.

- Prdao. Fliz anvers, filnha. T am. Papa.

Foi um aniversário perfeito!

Como passa o tempo e que "velho" estou. Pensar que quase lhe dei um beijo!

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A música é Inviolata integra et casta es Maria por Chant Group Psallentes

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E não deixem de saber a fantástica história da menina Otília. Digo-vos que é das boas (a história, claro).

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira.

sábado, janeiro 17, 2015

O Papa Francisco é um perigoso terrorista?




Da Pacem Domine

Chant of the Templars



Apesar de os meus pais me terem baptizado e ter feito a Primeira Comunhão e a Comunhão Solene, a minha ligação à religião praticamente terminou aí. Não professo religiões pelo simples facto de que não. 

E, no entanto, respeito quem o faz. Aqui há tempos, falando com uma pessoa que tinha que ser operada, dizia-me ela que a religião dela não permitia que se fizesse ou mexesse em sangue (se não estou em erro era isto) e que, portanto, tinha que descobrir um médico e um hospital em que isso fosse respeitado. Fiquei admiradíssima, nunca tinha ouvido falar em tal coisa. Contudo nem questionei, muito menos critiquei, gozei ou tentei demover. Ouvi aquilo intrigada e calada - e ponto final. 

Por isso, tenho que confessar: se o Islão pressupõe a não representação do Profeta – e eu não faço ideia se, de facto, pressupõe ou não, apenas estou a admitir como hipótese – então eu acho que, não é por se seguir uma outra religião que já se estará moralmente livre de o fazer em relação a outras ou de gozar com isso. 

Da mesma forma que se alguém, por motivos de crença, não come porco, eu, lá porque a mim isso não me faz confusão, não acho que tenha o direito de lho dar a comer. Eu, por exemplo – e não é por motivos religiosos mas sim culturais – não consigo sequer pensar na ideia de comer carne de cão. Só de pensar nisso sinto uma sensação de repulsa, e não acharia graça nenhuma a piadas que passassem por comer carne de cão. 

Contudo, claro que não me ocorreria passar para a violência junto de quem publicasse artigos com isso embora, assumo, ficasse seriamente incomodada se tal acontecesse com frequência tanto mais que recearia que se banalizasse a ideia de que comer cães é uma coisa normal e aceitável. 

E note-se que estou a falar de um aspecto cultural. Um aspecto de índole espiritual e religioso ainda deve provocar reacções mais extremadas – admito eu.

Não conhecia o Charlie Hebdo antes do que agora aconteceu. A minha sabedoria a esse nível ficava-se pelo Canard Enchainé. Contudo, mal soube que, por terem feito cartoons ironizando Maomé, tinham sido mortas várias pessoas o meu pensamento único foi de repúdio e horror. Tirar a vida a uma pessoa está fora de questão em qualquer circunstância. Mesmo que não tivesse sido aquela mortandade mas sim o que já tinha acontecido antes (terem incendiado as instalações), acharia condenável e inadmissível.

Mas, dito isto, acho que não é o ser banal desenhar o Deus dos católicos que confere alguma superioridade ideológica e moral que torne admissível parodiar as crenças dos outros. Ou seja, acho que haverá mil formas de fazer humor com os extremismos fanáticos, com a bestialidade hedionda sem representar graficamente os símbolos da religião se isso é um tabu sério para os seus devotos.

E embora mil milhões de vezes sejam poucas vezes para condenar a violência dos terroristas, acho uma provocação dispensável que se tenha voltado a fazer capa com isso, tanto mais que se sabe que isso incendeia ódios, desperta sentimentos primários e irracionais de vingança e que pode desencadear situações extremas de violência.

É certo que no caso dos terroristas qualquer coisa lhes pode fazer desencadear reacções irracionais. No outro dia, como aqui falei, degolaram um deles apenas porque fumava.  Por isso, nem é a pensar nos terroristas que estou a pensar quando digo que é dispensável fazer coisas que choquem as convicções profundas de carácter religioso de um grupo considerável de pessoas: é a pensar, sobretudo, nos muçulmanos pacifistas, tolerantes.

Cada pessoa é livre de comer peixe assado as vezes que quiser e onde quiser. Contudo, sabendo que pode provocar um incêndio florestal de consequências imprevisíveis, é pouco avisado que acenda uma fogueira no meio do mato para o assar. E isto nem é por alguém lhe coarctar a liberdade, é apenas uma questão de bom senso, de respeito pela natureza, e uma inteligente avaliação de riscos.

Ontem, quando ouvi o Papa dizer que seria normal ter a reacção de dar um murro em alguém que insultasse a mãe, ri. 


Se há coisa que costuma provocar reacções de raiva é que chamem p... à nossa mãe. A mim nunca me disseram tal coisa (pelo menos à minha frente) nem me dá para andar ao estalo com os outros mas até admito que, num contexto de discussão acesa e ânimos exacerbados, a mão me pudesse saltar para aplicar o justo correctivo em alguém que estivesse mesmo a pedi-las. Mas o que mais me divertiu foi isso ter partido do Papa que, mais uma vez, se assume como uma pessoa comum e não como um ser paranormal. No decurso de uma conversa que decorria em registo informal, saíu-lhe esse exemplo e provavelmente, agora, ele já o considere uma gafe mas, bolas, gafes qual o ser humano que as não comete?

Do que ele disse não me pareceu que estivesse a justificar os assassinatos no Charlie Hebdo, tanto mais que fez questão de reforçar que não se mata em nome de Deus, apenas me pareceu que estava a defender que a liberdade tem limites, alguns dos quais se prendem com o respeito pela fé dos outros. Por isso, não alinho na condenação histérica que já por aí vai como se o Papa fosse um anjo caído em desgraça; e acho que melhor faríamos se fossemos todos mais tolerantes e compassivos uns com os outros, respeitando-nos mutuamente, tentando compreender-nos uns aos outros, querendo a paz sobre tudo.  

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segunda-feira, outubro 27, 2014

Deus lhe pague (O humor que os Leitores me enviam - Parte 2, com Canto Gregoriano e o Mr. Bean à mistura)


Depois de no post abaixo ter contado a história do Poeta e do Alentejano com alguns extras de bónus, aqui, agora, prossigo com o humor que os Leitores me enviam.


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E que me perdoem a heresia já que gosto tanto de canto gregoriano que talvez não devesse trazê-lo para este texto mas, enfim, what the hell!


"Commovisti, Domine" in  "In Paradisum - Les Soeurs"




Canto Gregoriano pelas Bénédictines du Barroux

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Um transeunte escorregou na rua, caiu e foi levado para o sector de emergência de um hospital particular, pertencente à Igreja, administrado por freiras. Verificou-se que teria que ser urgentemente operado ao coração o que foi feito com total êxito.

Quando acordou, ao  seu lado estava a freira responsável pela tesouraria do hospital e que lhe disse prontamente:

- Caro senhor, sua  operação  foi bem  sucedida  e  o senhor está salvo. Entretanto, há um assunto que precisa de sua urgente atenção: como pretende o senhor pagar a conta do hospital ?

E  a cobrança começou...

- O senhor tem seguro-saúde?

- Não, Irmã.

Tem cartão de crédito?

- Não, Irmã.

- Pode pagar em dinheiro?

- Não tenho dinheiro, Irmã.

E a freira começou com suores frios, antevendo a tragédia de perder o dinheiro da conta hospitalar! Continuou com o questionário:
- Em cheque então, o senhor pode pagar ?

- Também não, Irmã.

Nessa altura, a freira já estava à beira de um ataque. E continuou...

- Bem, o senhor tem algum parente que possa pagar a conta?

 - Ah... Irmã, eu  tenho  somente  uma irmã solteirona, que é freira, mas não sei se ela pode pagar.

A freira, corrigindo-o disse:

- Desculpe  que  o  corrija senhor, mas  as freiras não são solteironas, como o senhor disse. Elas são casadas com Deus !!!

- Magnífico! Então, por favor, mande a conta para o meu cunhado!

Assim nasceu a expressão: "DEUS LHE PAGUE"


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Relembro: o Poeta e o Alentejano com Alberto Caeiro, Van Gogh e etc à mistura vêm já a seguir.

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