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terça-feira, agosto 08, 2017

Em noite de Império dos Sentidos, acabo a dançar no céu


de Ronald Wittek (no The Guardian)
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Dois leõzinhos fizeram anos. Estão crescidos e felizes. Tão bons os abracinhos e beijinhos, tão bom ver a alegria deles.

E, portanto, mais uma festa de anos. Passa da meia noite e daqui a nada começo o dia com uma reunião e o dia que me espera não vai ser um tranquilo dia de Agosto mas um longo dia de trabalho. Meio mundo de férias e eu, que sinto a impaciência a instalar-se dentro de mim, a ter que andar nisto.

Resumindo: o cansaço que tenho em cima impede-me de me evadir como gostaria. Se estou fisicamente muito cansada também pode acontecer que durma mal. E, acordada, é isto: parece que não encontro espaço para sair de mim e escrever descansadamente.

in heaven

Gostava de falar de pessoas corajosas. Tenho uma grande admiração por pessoas corajosas. Física e pscicologicamente corajosas. Estive hoje com duas pessoas excepcionalmente corajosas. Mas não enfaticamente corajosas, com discursos auto-laudatórios. Não, nada disso, normalmente corajosas, verdadeiramente corajosas. Mas não estou com cabeça para conseguir o grau de abstração que me permitiria abordar o assunto de forma alusiva e, portanto, deixo para outra vez.

Também podia falar de pessoas que têm algum verdadeiro poder e que sabem relativizar isso a ponto de quem, não sabendo, jamais sequer desconfiar. Ou falar de pessoas que fazem a diferença, que fazem verdadeiramente a diferença, dando cartas em domínios onde apenas uma pequena elite pontua e que, por perceberem a precaridade de todas as descobertas, conseguem omitir todos os seus méritos como se pouca relevância tivessem.

in heaven

E, se isto fosse um 'meu querido diário', escreveria os seus nomes, colocaria as fotografias que há pouco lhes tirei, poderia falar abertamente da sua maneira de ser que eu admiro. Mas, como já uma vez aqui me lamentei, sendo isto uma escrita quase em streaming, eu a escrever, vocês aí a lerem, tenho que me conter. A menos que me dedique a sério à reportagem e às crónicas e pergunte directamente a cada um deles se me autoriza que eu fale aqui deles. Mas ia perder a graça. O que é bom é as pessoas serem genuínas, elas mesmas, sem encenação ou rodeios.

in heaven

Portanto, não estando eu em dia de tirar as derivadas às coisas para aqui apenas enunciar as funções resultantes e não as suas observações, passo à frente. A única coisa concreta que posso referir é que a tarte de beterraba e queijo feta estava óptima e tudo o resto também e que, porque a ocasião assim o determinava, rebentei completamente com a dieta.

Portanto, sigo outro rumo: tenho vontade de falar de vidas diferentes mas, dadas as minhas circunstâncias, de forma limitada.

Na RTP 2 o Império dos Sentidos, um filme intemporal, de uma sensualidade e de uma estética que transcendem a normalidade. Vi-o há muitos anos e, na altura. impressionou-me bastante. Acho que não vou suportar voltar a ver a carnificina que se anuncia desde os primeiros excessos. E o mais doloroso é que o filme se baseia numa história verídica. Lembro-me sempre do que um homem de alguma idade disse quando lhe perguntarem como se havia com a sua jovem mulher: bem; o que é bom pouco basta. Não sei se isso é ou não verdade ou se é uma verdade absoluta mas sei que, pelo contrário, as obsessões quando alimentadas tornam-se doentias, por vezes fatais.

Estou a ver o filme mas com a inquietação de quem sabe que não vai acabar bem. Não poderia acabar bem. Mas há uma beleza extrema naquelas imagens, na dolência da música que as acompanha, no vermelho sangue do quimono, dos lábios dela, no sangue que vai aflorando o ambiente, na elegância dos enquadramentos, no estertor que se adivinha subjacente aos grandes planos.

Enfim. Situações.

by Pollock

Sigo, então, até onde posso ir. Mostro-vos os livros que aqui partilham o sofá comigo. A eles deito a mão, por eles deixo os olhos e as mãos seguirem de quando em vez. Tinha pensado escolher uma passagem de cada um mas do d'As oito montanhas ainda não li nada, não poderia escolher. Do Acta Est Fabula também apenas espreitei, gulosa, petiscando aqui e ali, mas também teria dificuldade em escolher um trecho (ou melhor, não teria que é sempre bom de ler). O problema é que estou com preguiça. Talvez um outro dia.

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Sigo, então, para outros comprimetos de onda.

Dançar desafiando a força da gravidade, como se a dançar no céu se estivesse.

Sky Dancing: How One Dance Group Defies Gravity


Bandaloop, os bailarinos que voam



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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma terça-feira muito feliz.

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segunda-feira, maio 02, 2016

Flores em Maio -- this is heaven to me
[E a natureza fractal da pintura de Pollock]


O perfume é intenso. A natureza impõe a sua tremenda energia. Tudo rebenta: os botões de flor, as folhas, as ervas, o mato, as árvores. Onde havia caminhos, há agora uma camada de pequenas hastes que ondulam, apenas aparentemente frágeis, douradas pela luz do sol. E eu baixo-me, encosto-me ao chão, quero vê-las como elas são, orgulhosas e belas.



Por todo o lado há arbustos, cores, os amarelos são intensos e a delicadeza das pequenas flores oculta a aspereza dos espinhos. Os pássaros estão doidos de alegria, cantam à desgarrada, todo o espaço está ocupado com a vibração dos odores e dos cantos. 


Por vezes, nos lugares de mais sombra, a terra rescende a uma humidade íntima, um cheiro morno e doce, perigosamente feminino.

E as flores neste sítio são virginais e, dengosas, colam-se à nossa pele, devem ter muito açúcar a circular na sua seiva.

A minha mãe sempre disse que a vegetação aqui é idêntica à da Arrábida. Por isso, quando no outro dia vi o livro 'Flores da Arrábida', Guia de campo, de José Gomes Pedro e Isabel Silva Santos, agarrei logo nele. Agora, consigo dar nome à flores com que por aqui vou enchendo a minha alma (seja lá o que for isso da alma).

Estas aqui abaixo são as Cistaceae. Passo as mãos por elas, tento soletrar o seu nome, quero que me reconheçam como igual.


Depois, por onde passo vou vendo composições cromáticas que me lembram pinturas. Frequentemente vejo Pollocks onde outros verão mato para limpar. A sobreposição amigável de gerações de pequenas plantas, umas maduras, outras que despontam, outras já secas, cada uma de sua cor, um emaranhado cromático que me dá vontade de me deter, decompor o que vejo em camadas, acrescentar dimensões de visão, certa de que, à medida que for aprofundando o que vejo, mais dimensões se hão-de revelar.

Pollock, com a sua abstracção resultante de gestos quase incompreensíveis é, para mim, um fiel retratista da realidade que os meus olhos vêem.


Sei que os campos têm que ser limpos mas esta é, para mim, uma altura de luta. Dever-se-ia meter uma máquina pelos campos adentro ou avançar com uma roçadora e isso é o certo, e eu tenho que aceitar que deveria render-me aos argumentos racionais, mas tudo isto por aqui, para mim, é sagrado: os pés de alecrim, as hastes de rosmaninho, as bocas-de-lobo, as marioilas, as roselhas, as mais humildes ervinhas. Tudo, para mim, deveria ser preservado, respeitado -- sinto-me sem direito a destruir tamanha beleza.


Quando vejo os lírios-roxos, Iridaceae, baixo-me para os fotografar. Por vezes, deixo-me tentar a procurar o melhor ângulo, tenho vontade de abrir as suas frágeis e belas pétalas para desvendar a sua intimidade. Mas é tão fino e macio o seu tecido que logo receio molestar, penso que são obras de arte que não devem ser tocadas. As cores são tão belas, o desenho das pétalas tão elegante, tudo tão delicado e superlativo que eu penso, muito sinceramente, que aquela flor atingiu, na sua evolução, um grau de sofisticação de que eu ainda me sinto muito longe.


Mas estar a eleger uma flor como a mais perfeita e sofisticada é um exercício absurdo. Na natureza há lugar para muita beleza, é tolice estar a eleger um ou outro dos seres que a habita.

Como poderia eu colocar num patamar menos honroso a madressilva, Caprifoliaceae, o arbusto do qual nascem caprichosas e perfumadas flores que nunca me canso de fotografar? Passar ao fim do dia junto a um destes arbustos é colher uma sensação inebriante.


E há a macieira. Por esta altura nascem flores de uma delicadeza e beleza que me encantam. Deve ser tanta cor e perfume que atrai a passarada. Como os compreendo. Pudesse eu e por aqui andaria também de manhã à noite vendo a natureza a existir em plena liberdade.

Daqui por algum tempo, haverá maçãs que ficam sempre pequeninas. Doces, doces. Mas os pássaros não as deixam crescer. Mal se adoçam logo eles as debicam. Para eu lhes levar a melhor tenho que as comer ainda pequenas e pouco doces -- senão nem chego a prová-las. Mas os frutos são mais dos pássaros do que meus. Gosto que eles tenham que comer por aqui para que por aqui fiquem, que gosto tanto de os ouvir, de os sentir a levantar voo das árvores baixas quando eu passo ao pé deles.

Poderia continuar por aqui a mostrar-vos as flores que me acompanham quando estou in heaven mas sei bem que uma coisa é estarmos nós emocionalmente próximos de uma coisa ou de uma pessoa: para nós tudo nos maravilha, não nos cansamos de olhar ou de louvar mas, para quem a eles é alheio, não tem graça nenhuma, é uma maçada.
Por isso, termino já. Mas termino com os cachos de uma das robínias. São tão lindos. Olho-os recortados em branco contra o azul do céu e fico assim, a olhar, tão feliz: parece que a perfeição que observo atesta a maravilha que é este nosso mundo. Que sorte a nossa podermos testemunhar tanta beleza.

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Já agora deixem que partilhe convosco:

Marcus du Sautoy explica a natureza fractal da pintura de Pollock




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Lá em cima Madeleine Peyroux interpreta This is Heaven to Me

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma belíssima semana, a começar já esta segunda-feira.


terça-feira, fevereiro 15, 2011

Quando a natureza imita a arte (Pollock & Berberis)

Arbusto despido in heaven (berberis)

Pintura de Jackson Pollock
Durante muito tempo fui indiferente à pintura de Pollock. Até que deixei de ser. Já aqui, há algum tempo, me referi à sua obra. Personagem excessiva, pintava de pé, em estado de quase alucinação, salpicando pincéis cheios de tinta, salpicando, salpicando, aleatoriamente, à toa, frenético, tantas vezes revoltado, tantas vezes alcoolizado.
Pollock: work in progress, uma dança a solo

E, no entanto, sujeita a análise, a sua obra revela padrões, pode ser estudada à luz da teoria dos fractais e, cromaticamente, tem um inesperado sentido estético.

Ao passar pela nuvem de ramos emaranhados do meu arbusto berbéris (creio ser este o nome) foi, por momentos, uma obra de Pollock que antevi. Fotografei e agora, aqui colocada junto a essa pintura, sinto que, como tudo na vida, é preciso darmo-nos tempo para vermos para além do que é superficial.

Há uns tempos, eu diria que a pintura de Pollock não passava de salpicos sobrepostos. Hoje, vejo para além dos salpicos que a compõem: vejo uma mancha abstracta que me convoca, uma realidade sobreposta de mil fragmentos. Não sei explicar. Mas comparemos as duas imagens: olhando-as, poderemos dizer que a pintura de Pollock é uma abstracção desligada da realidade?

E se fosse?