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terça-feira, dezembro 12, 2017

Estejam à vontade, troquem-me as voltas que eu gosto




Já o disse, não disse? Na beleza eu gosto de uma pitada de insólito, na perfeição eu gosto de encontrar um grão de imperfeição, na harmonia eu gosto de perceber a fractura possível.
Em mim, eu gosto de sentir a vontade para, quando menos se esperar, ser capaz de me portar mal. 
E em si, Caro Leitor, gostaria de lhe sentir a vontade de que eu, a despropósio, fosse capaz de coisas verdadeiramente escaroladas. Mas, pronto, se não for esse o caso, não faz mal. Como diria a grafómana mais criativa do espaço virtual, gosto de vocês na mesma.
Mas vá. Por exemplo. E estou a falar mesmo a sério. No outro dia tive vontade de arranjar um mé-mé de louça ou de cimento para o colocar no meio do meu petit bois. O meu marido não me deu ouvidos. Mas, vocês escrevam: tenho a certeza que ainda hei-de tratar disso. Será uma coisa tão disparatada que mal vejo a hora de ir a passear com os meus filhos, por entre os cedros e pinheiros, o chão atapetado de caruma, os caminhos ladeados por alecrim e madressilva e, de repente, um ingénuo carneirinho de faz-de-conta ali no meio. Imagino o escândalo!  
Mãe!!!! O que é isto?!?!?! Pai!!! Como é que deixaste?!?!?!
Ainda estão na idade de quererem compreender tudo e, claro, um mé-mé naturalista, de cimento, no meio da natureza mais pura não faz qualquer sentido. É que eles terão que adquirir mais alguma maturidade para perceberem que, no inusitado e inexplicável, residirá a graça da ovelhinha. Mas os pimentinhas de certeza que hão-de adorar não lhes ocorrendo a descodificação da opção. A lógica por vezes não é facilmente desvendável, mas eles ainda têm as mentes suficientemente abertas para aceitar sem racionalizar.


Ah, sim, a propósito. Ainda não vos contei.

Há pouco tempo, o vizinho que, lá mais para baixo, tem vacas e rebanhos contou que arranjou uma burra para ela o ajudar a guardar as ovelhas, protegendo-as das raposas. Isto já vos contei. Na altura fiquei estupefacta: raposas por ali...? Sim, sim. Raposas. Só não sei se ruivas se prateadas. Terei que perguntar. 

Pois bem. Agora mais novidades. Contava ele que os cães, pela noite, ladravam, ladravam. Ele e os restantes habitantes do casal (nome que dão ao aglomerado de casas a que eu chamaria quinta) intrigados com aquilo. Levantavam-se e ouviam como que uma correria. E já não viam nada. Até que descobriram: javalis. Javalis correndo estrada abaixo. Diz ele: vêm da serra, vão beber água ao rio. E diz que, pelas pegadas, comprovam que são bichos grandes. Está espantado, ele. E eu ainda mais. Javalis...? Como é que é possível? Que mais ainda vamos nós descobrir que por lá anda...? O urso pardo, afinal não extinto...? Imagine-se que, um belo dia, me aventuro a espreitar para dentro da gruta e me sai de lá o último exemplar do urso-pardo...


Bem. 

E já no outro dia disse: ali tudo aparece. Já mil vezes o contei: era um terreno pedregoso de mato rasteiro e é agora um bosque frondoso. Passarada que só ouvida. Coelhos. Gatos. Por lá perto (espero que não lá dentro), agora raposas e javalis. E um dia. Escrevam. Um dia, um rio. Um dia veremos uma nascente. Depois um regato, depois o regatinho engrossando, virando um ribeiro a querer fazer-se rio. Depois os peixes. Talvez a seguir cheguem os patos.

Uma vez plantei um chorão. Não se deu, precisa de muita água. Pois talvez um dia, à beira do rio que vai nascer lá, nasça também um belo chorão com as delicadas ramagens mergulhadas nas águas. E depois virão as elegantes garças brancas. 

Nessa altura deverei deixar crescer o meu cabelo até bem abaixo da linha da cintura para, quando andar por lá a passear toda nua, poder minimamente condizer com o luxuriante da paisagem. Claro que levarei atrás de mim, voando, umas vinte de borboletas exóticas mas, ainda assim, acho que precisarei de algo mais para não destoar naquele deslumbrante paraíso. Talvez fique bem o meu marido a tocar uma harpa portátil.  E, se estás a ler isto, baby, não te arrelies até porque uma harpa portátil não vai ser difícil de transportar. Pior será o muito que vais ter que aprender para te fazeres um emérito harpista que atraia ainda mais aves canoras e quiçá, também, trovadores.



E que entrem agora os destoantes virtuosos
-- e, atenção, este vídeo é mesmo para ser visto até ao fim.
OK?



E agora tu, Bobby, põe-nos a cantar: mostra o poder da escala pentatónica na criação do espontâneo coro universal.


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Lá em cima, a interpretar a Sonata para Piano, No 13, D 664. 3rd Movement de Schubert, Radu Lupu.

E aqui em baixo, o fantástico Encore / L'Arpeggiata: Soprano - Nuria Rial; Mezzo-soprano - Giuseppina Bridelli; Male alto - Vincenzo Capezzuto; Countertenor - Jakub Józef Orliński; Ensemble - L'Arpeggiata / Christina Pluhar

E a seguir Bobby McFerrin demonstrates the power of the pentatonic scale, using audience participation, at the event "Notes & Neurons: In Search of the Common Chorus".

As fotografias mostram flores congeladas (em água gelada) e claro está que não têm nada a ver com o texto -- uma coisa na base do mé-mé de faz-de-conta a passear no meio dos cedros, não sei se estão a ver. É como o título... nada a ver.

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E, caso vos apeteça agora um toque de beleza breve, queirem descer um pouco mais.

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sábado, janeiro 23, 2016

A receita da felicidade segundo a Harvard Medical School





Já anteriormente aqui falei do tema. Falei também de Hygge, o tão bem guardado segredo. No entanto, quando falo nisto, até a mim me parece que falo já a medo. Parece que é conversa de mulherzinha fútil, coisa de quem não tem mais do que borboletas brancas a sair-lhe da cabeça - quando é sabido que as borboletas brancas saem é dos dedos.

Ou seja, sei que é tema banal, que não há livreco de auto-ajuda que o não aborde. E eu que fujo de best-sellers a sete pés e, se forem de auto-ajuda, até ligo o turbo... (A questão é que me maçam, me cansam, me enjoam os lugares comuns e esses livros são, regra geral, um enunciado acéfalo de banalidades). E, no entanto, aqui não há como fugir: a felicidade é mesmo um lugar comum.

Penso que a felicidade é o que toda a gente deseja alcançar e, no entanto, não é como fazer contas que isso a gente já sabe que tem que primeiro aprender a tabuada. Imensa gente prega a forma de a alcançar, seja através da religião, da meditação, da alimentação, do exercício físico, de tratamentos faciais, da frequência assídua nas redes sociais, de olhar o céu azul ou fazer festinhas a gatinhos fofos. Sei lá. Estou para aqui a inventar mas é mais ou menos assim.

E, no entanto, soubéssemos nós como se alcança essa coisa da felicidade e estávamos a toda a hora de sorriso estampado no rosto, num estado zen, e, quais bonsais flutuantes, estaríamos num permanente estado de pura levitação anímica. Tão bom que seria.



Mas a verdade é que, na vida, há mil opções a fazer a cada instante, mil acontecimentos fortuitos que nos podem ir levando para caminhos por onde não passa a felicidade.

Conheço pessoas que teriam tudo para terem uma vida feliz e, no entanto, têm uma vida desgraçada. Dá ideia que a cada bifurcação que encontram, optam pelo lado errado. Parece que o lado bom da vida lhes passa estupidamente ao lado. Podem ser pequenas coisas mas dá ideia que as falham todas. É difícil ajudar pessoas assim pois parece que lhes está na massa do sangue darem passos errados. Não é que não queiram. Mas parece que quase têm medo de acertar e, então, arranjam maneira de falhar. Ou, então, parece que se habituam a uma vida de ausência de estímulos, a viverem num permanente cumprimento de rotinas destituídas de verdadeiro prazer. Parece que acabam por passar bem sem a felicidade. Não é deliberado, talvez nem se dêem conta. Quando vejo pessoas assim, lembro-me do Stoner.


Há ainda outra casta: as pessoas que não atinam com nada e que, vá lá saber-se porquê, se acham superiores às outras, como se fosse por superioridade intelectual ou moral que encontram motivos para angústias, coisa que não está ao alcance da compreensão dos menos dotados. Então depreciam a felicidade dos outros, quase se esforçando por quererem fazê-los sentir seres inferiores. Pessoas assim são tóxicas. São pessoas que vivem angustiadas mas que, pior que isso, parece que as nuvens negras que carregam alastram à vida de quem se lhes chega perto. De fugir.

Sobre as razões, acho eu que não vale a pena invocar problemas, desgraças, fatalidades para justificar o estado permanente de ausência de felicidade. Claro que há pessoas a quem tudo parece acontecer e que, naturalmente, se vão abaixo. Mas a verdade é que por períodos maus toda a gente passa, problemas toda a gente os tem. Só que há que ter vontade de os ultrapassar ou, então, saber procurar ajuda. Saber e querer - não esquecer a vontade de ser feliz.

Em contrapartida, conheço outras que têm aquilo que se poderia chamar de vidinha, nada que pareça ser especialmente motivador. E, no entanto, vejo-as sempre animadas, equilibradas, felizes da vida. Uma pessoa vê-as radiosas e interroga-se: o que é que lhes traz tanta felicidade, que não se divisa? Não sabemos, é lá coisa delas. Mas, seja o que for, funciona, fá-las felizes. E isso é bom.

Olhem eu. Se eu fosse enumerar a quantidade de chatices que tenho tido nos últimos meses nem acreditariam. Dumas tenho falado aqui, de outras nem pouco mais ou menos. E, no entanto, com maior ou menor dificuldade, ponho-as para trás das costas e para a frente é que é caminho. E, se me puser a fazer uma retrospectiva, em primeiro lugar lembro-me das coisas boas e parece que as coisas más foram incidentes passageiros ou coisas que há que aceitar como elas são, sem dramas.


Tenho para mim, e isto sou eu a falar numa perspectiva racional, que se conseguir manter o discernimento e relativizar os problemas e, pelo contrário, enaltecer as coisas boas, tudo se torna bem mais suportável. Só que, em mim, esta atitude perante a vida não é pensada: sou mesmo assim, naturalmente, sem ter que me esforçar. Por isso, sempre atribuí sobretudo à minha genética esta minha maneira de ser. 

Contudo, um estudo da Universidade de Harvard veio agora revelar o resultado de um estudo longo, extensivo no tempo, cuidadoso na análise. Não percebo é porque é que apenas incidiu sobre uma amostra masculina mas lá devem ter as suas razões: seguiram o quotidiano de 724 homens ao longo de 75 anos. Tiveram o cuidado de diversificar a amostra de forma a cobrir pobres e ricos, letrados e iletrados, de umas zonas e de outras diametralmente opostas. As pessoas fizeram análises ao sangue, os seus cérebros foram vasculhados e a alguns, ao morrerem, até autópsias fizeram. Os seus hábitos foram acompanhados ao longo da vida, falaram com pais e filhos, amigos e vizinhos. Nada escapou a este estudo.


E a conclusão foi não tem nada a ver com isso, nada. Mais: a chave da felicidade também não reside nem na riqueza nem no sucesso, mas na qualidade das companhias. Não viver sozinho ou mal acompanhado é a chave da felicidade, da saúde e da boa memória.


O estudo revelou que um mau casamento é péssimo, que pode ser preferível o divórcio. Revelou que viver fechado em casa, sem amigos, é horrível: mata. Revelou que ter (boa) companhia é um suporte afectivo que traz segurança e motivação, felicidade, saúde e longevidade.

Não são resultados que me surpreendam: se eu tentar perceber a razão do meu estado de alma habitual sou levada a crer que o saber que não estarei sozinha num momento em que precise de suporte me traz muita serenidade, que o saber que tenho com quem partilhar preocupações, medos ou alegrias me traz conforto, que o saber que sou amada, estimada, respeitada me tranquiliza, que saber que tenho pessoas a quem amo me aquece o coração. E isto tudo junto faz-me sentir, a maior parte do tempo, feliz.

Falando de felicidade, até ficava mal não colocar aqui uns gatinhos, não...?

A quem se entenda bem com o francês, deixo aqui o link para a Madame le Figaro onde poderão ler coisas como esta:
Trois quarts de siècle se sont écoulés depuis le début de l’étude. Le premier constat est manichéen : les relations humaines sont excellentes pour le bien-être tandis que la solitude tue. L’expérience montre que les individus les plus connectés à leur famille, à leurs amis et à leur cercle social sont non seulement plus heureux mais aussi en meilleure santé. À l’inverse, les personnes isolées sont moins heureuses et leur état de santé décline en milieu de vie tout comme leurs capacités cognitives. Les personnes seules mourraient aussi plus jeunes.

De qualquer forma, deixo-vos com Robert Waldinger que aqui divulga as conclusões do estudo. O vídeo encontra-se legendado.

O que torna uma vida boa? Lições do mais longo estudo sobre felicidade.




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E agora, caso queiram atingir um patamar superior no que à boa disposição diz respeito, queiram descer até ao post seguinte, e ver o que a simpática Blanche DeBris tem para nos mostrar neste dia dedicado à reflexão sobre o que nos trouxe até aqui, até a esta pobreza franciscana de candidatos. 
Se eu não fosse cá de coisas, votava era em branco. Mas como sou toda de nova horas e sentido cívico e o escambau vou mesmo votar.  
E pronto, hora de ver uma bela farrinha (e quem não gostar de ver rabiosques masculinos azarinho, concentre-se nos femininos ou espreite com atenção que é capaz de ver outras coisas)

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sexta-feira, março 22, 2013

A moção de censura do PS, o Governo que, segundo o SOL, já admite a demissão, o regresso de Sócrates como comentador na RTP, as petições, as histerias, meio mundo a correr atrás do rabo, e, enquanto isso, o caso do Chipre a mostrar que estamos entregues a bandos de idiotas - cá e nas instâncias europeias, uma desgraça pegada


Hoje estava com vontade de escrever sobre outra coisa. Comecei por divulgar um excelente (e bem bonito) diseur declamando um poema de Alberto Caeiro (dois posts abaixo), depois expliquei a falta de tempo com que ando, que me leva a sacrificar uma coisa de que gosto tanto dado que não me é fisicamente possível sacrificar tantas horas de sono (post seguinte) e, quando me preparava para falar de uma coisa sobre a qual me apetecia escrever, vejo-me obrigada a ceder à força dos acontecimentos. 

A televisão está ligada aqui na sala e vejo o que se está a passar.


1. A Europa, tal como nos foi vendida, a provar que não passa de uma ficção entregue a gente que, não tendo lugar nos seus países, foi parar às diversas instâncias europeias. Salvo raras e muito meritórias excepções, vai para um lugar de responsabilidade nesta Europa quem era difícil de encaixar nas listas nacionais, ou quem merecia um upgrade de vencimento, ou quem devia estar um tempo afastado dos holofotes, ou quem não fez nada de jeito e esse é mesmo o perfil ideal.




Veja-se Vítor Constâncio. O que fez ele por cá? Esteve de olhos fechados enquanto o BPN e o BPP distribuiam prebendas por amigos, desviavam dinheiro para onde lhes dava jeito, aldrabavam contas. E não é que foi para vice-presidente do BCE? Alguém percebe isto? Eu não. 

Veja-se o Durão Barroso? O que fez ele por cá? Nada. Nada. E, no entanto, não está onde está?

E o que está ele a fazer lá, presidente da Comissão Europeia? Nada. A Europa a ferro e fogo e ele a fazer o quê? Que eu saiba, nada.

Como seria de esperar de nulidades assim, o resultado está à vista. Um mundo de burocratas à solta sem que uma gestão forte, estratégica, liderante, conduza aquele mastodôntico barco segundo um rumo certo e definida. Um disforme elefante branco a fingir que é um navio, andando por aí aos tombos, à deriva.

E o que fazem estes burocratas, estes aprendizes de estadistas-de-faz-de-conta, entregues a si próprios? Porcaria, só porcaria.

Não sabem prever o impacto das medidas que tomam tal como não sabem avaliar o impacto das que não tomam. 

Juntaram a trouxe-mouxe países culturalmente muito diferentes, em estádios de desenvolvimento completamente diferentes, com políticas fiscais distintas, e, claro, o resultado está à vista: assimetrias perigosas, nacionalismos exacerbados, prepotências ignóbeis.

Vejo as ruas do Chipre e tudo aquilo não parece a Europa civilizada, pacífica, a que nos tínhamos habituado. Os bancos fechados, os russos como alternativa à UE, gente à pancada na rua. Uma vergonha, uma grande vergonha civilizacional.

A Grécia, a Espanha, a Itália, Chipre, Portugal - países em que a miséria alastra como uma nódoa humilhante. O mundo a andar para trás. Uma coisa impensável. Em dois ou três anos os países ficam de pantanas, devastados, depauperados, esvaídos.


2. Em Portugal, Cavaco Silva parece que finalmente está a acordar e começa a falar claro, manifestando que, na cabeça dele, este Governo 'já era'. Cavaco Silva já não disfarça a irritação que estes ignorantes lhe causam.

O Governo está totalmente isolado. Sem poder sair à rua, acossado, com os resultados a falarem por si, o Governo é a imagem do falhanço mais absoluto. Já ninguém acredita naquelas estúpidas medidas pois o trajecto seguido atirou-nos para dentro de um poço sem fundo, conduziu-nos a um cenário de negra devastação. Um desemprego que coloca toda uma sociedade e o futuro de várias gerações em perigo, um défice que é uma vergonha, uma dívida impossível de pagar, uma recessão descontrolada - este é o resultado da desgovernação do inteligente Passos Coelho e da sua clique de onde se destacam o Gaspar-não-acerta-uma e o Vai-estudar-ó-Relvas.




Face a isso, os patrões põem-se de acordo com os sindicatos para atacarem o Governo. E dentro dos próprios partidos do Governo já não há vozes decentes que defendam o que é indefensável. Aparentemente os próprios ministros já não acreditam em nada daquilo. O Sol diz que por aquelas bandas alguns já admitem a demissão.

Ou seja, na prática, o Governo já caíu, embora, com o autismo e burrice de alguns (escuso de referir nomes), nem tenham dado ainda por isso. 


3. O PCP e o BE já pediam a demissão do Governo há algum tempo e hoje foi a vez do PS sair da casca e anunciar que vai apresentar uma moção de censura ao Governo.




Com a conclusão do Tribunal Constitucional a aproximar-se e sem quaisquer condições para impor mais o que quer que seja, este Governo arrasta-se como um morto-vivo, um patético morto-vivo.

As moções de censura não conduzem à queda do Governo mas, depois da rua ter mostrado um estrondoso cartão encarnado e agora com todos os partidos da oposição a fazerem o mesmo, e com os Parceiros Sociais já impacientes perante tanta estupidez, Cavaco Silva não vai poder esperar muito mais tempo.


4. No meio disto soube-se hoje que a RTP contratou Sócrates como comentador. E o País, que tem verdadeiras razões para estar preocupado com coisas sérias, o que faz? Entra em histeria e desata a fazer petições.

Sócrates foi diabolizado por esta trupe de Passos Coelho e por bloggers avençados que manipularam completamente a opinião pública - e, dois anos decorridos, e vendo o que se passa, ainda há pessoas que pensam que foi ele que virou a Europa de pernas para o ar... Como é isto possível, senhores?

O primeiro mandato de Sócrates foi bastante razoável (o défice foi reduzido, o desemprego era baixo, havia algum crescimento). A seguir deu-se a crise financeira do Lehmans's e da Europa vieram ordens para se avançar com investimento público à farta para estancar a crise. Sócrates alinhou e, claro, alinhou à custa da dívida. Eis então que as agências de notação e demais especuladores resolvem atacar, como abutres, um pequeno País que se debatia e que precisava de ajuda.

E porque precisava Portugal de ajuda?

Porque, desde a integração europeia, Portugal foi conduzido (com a conivência dos vários governantes, com Cavaco à cabeça) à redução da sua actividade económica. A UE despejou dinheiro para acabar com a frota pesqueira, para acabar com a agricultura, para fechar fábricas, para fazer auto-estradas.

Numa crise como a que assolou o país em 2009, Portugal viu-se desprotegido, sem economia e rodeado de abutres.

Durante essa crise, naqueles dois últimos anos, Sócrates foi exemplar? Não. Aumentou o ordenado dos funcionários públicos quando era notório que o não deveria fazer. Alimentou falsas esperanças quando a situação já era de aflição. Mas fê-lo porque sabia que a alternativa era muito pior. E fê-lo porque tinha a garantia do apoio da Alemanha. Julgou que a UE o ia ajudar sem ter que se colocar nas mãos da troika. Lutou já sem apoios. Temia que a troika pusesse o país de joelhos e lutou mesmo sem ter a maioria na Assembleia e sabendo que o fariam apear (como fizeram). 

Diabolizar Sócrates é um disparate. O País está mal desde que começou a desfazer-se do seu tecido económico. O que sucedeu na recta final foi apenas a evidência disso.




Faz algum mal que a RTP o contrate como comentador? Claro que não. Sócrates é um cidadão livre. É natural que tente ganhar dinheiro. Presumo que não viva do ar. E, além disso, tem direito a dizer de sua justiça. 

Que vai causar embaraços ao PSD e ao próprio PS e que, numa altura em que as pessoas andam de cabeça perdida, se calhar nem vão ouvir o que ele tem para dizer, lá isso é verdade e, portanto, não sei se os seus comentários vão introduzir esclarecimento ou se vão incendiar ânimos que já andam descontrolados.

Mas fazer disso um caso nacional...? Que disparate.

Preocupemo-nos, isso sim, com uma Europa em decomposição e com o molho de brócolos em que estamos metidos. 

Quando à frente das organizações estava gente com visão, com força, com cultura, havia um caminho pela frente. Agora, com as organizações todas ensarilhadas e entregues a idiotas, o que vai ser de nós? 

Isso, sim, merece reflexão. E sangue frio. E cabeça fria. 


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Música para animar, se faz favor

Grandes intérpretes




Hush Little Baby

Violoncelo: Yo-Yo Ma
Voz: Bobby McFerrin
Violino: Mark o'Connor
Contrabaixo: Edgar Meyer



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Como acima referi, este é o meu terceiro post de hoje aqui no UJM (não tenho emenda, senhores...) pelo que, se estiverem para isso, é irem por aí abaixo para os verem a todos.

E, no Ginjal, hoje também matei saudades. Um novo Poeta fez a sua entrada por lá, José Carlos Soares, e uma entrada em grande. E levou-me pela mão até à beira do rio onde desfiei saudades. Na música continuamos com Nelson Freire, um magistral intérprete, desta vez jogando em casa, interpretando uma Bachiana brasileira de Villas-Lobos. Muito gostaria de vos ver por lá.

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E é tudo. Tenham, meus Caros leitores, uma bela sexta feira apesar deste tempo. 

E que a serenidade não vos abandone.