O tempo avança a passos largos. No outro dia estava a ver os feriados do ano. Pensei que Abril era bom, uns feriadinhos para amenizar a dureza dos dias. Maio seria uma estopada, uma secura, mês longo e chato. Depois viria Junho, um apetite. Mais uns feriadinhos bons. Afinal passaram num instante e daqui a nada Junho terá chegado ao fim e estaremos a entrar na segunda metade do ano. Como foi que, de repente, meio ano praticamente já se foi? Não sei explicar, para mim é mistério.
Mas estava nisto e a pensar que, com a pressão para abandonar o diesel e a gasolina, qualquer dia, quem queira vender um carro 'à moda antiga' vai receber uma tuta e meia por ele ou, provavelmente, vai acabar por ter que pagar por ele, para o transformarem em sucata. Li que António Costa, para dar tempo a este período de transição, quer aboli-los só lá para 2040. Pensei: 'Vendo bem as coisas uns 18 anos é um período razoável para quem não tem dinheiro para grandes investimentos...'. E, então, de repente, caiu-me a ficha. Fiz as contas. E, não vou esconder, foi com um certo desconforto que me ocorreu que sei lá se estou viva daqui por 18 anos. Ou, se estiver viva, se ainda conduzirei. Pensei que incompreensivelmente, o tempo tem passado tão depressa que, não tarda, começarei a sentir o fim a aproximar-se, começarei a ver de perto as limitações que certamente terei.
Li que a Isabelle Adjani sente a nostalgia de pensar no tempo que lhe resta. Fez-me alguma impressão. Era tão jovem e bonita, ela. Agora pensa nos anos de vida que lhe restam. O tempo tem estado a passar também por ela.
No outro dia, foi outra.
Um colega muito maluco, histriónico, bon vivant, viajado, namoradeiro, uma força da natureza. Vive numa casa grande, antiga, um solar. Dantes ali era a periferia da cidade. Agora está dentro da cidade. Tem uma outra casa nas Beiras, uma grande casa de pedra no meio de um grande olival. Reconstruiu-a, modernizou-a. Apesar de ser como é, é também um homem de família. Filhos, noras, netos. Sempre em combinações com a mulher, ou eram obras em casa, ou coisas com os filhos ou com os netos, ou eram idas à casa de pedra, ou coisas com os cunhados, ou projectos na câmara. No meio da maior maluqueira -- anedotas, lembranças brejeiras das suas vivências -- atendia a mulher e, mudando rapidamente de registo, entrava naquelas inúmeras combinações.
Ninguém sabe. Mas, à medida que o tempo passa, mais nos aproximamos do fim.
Lembro-me do dia em que, tendo eu uns trinta e poucos, o que era o presidente da empresa foi ao meu gabinete despedir-se. Numa daquelas reviravoltas, o conselho de administração tinha sido mudado. Não se importava, ele. Tinha recebido uma avultada indemnização, tinha com fartura para viver até à reforma, estava contente. Naquela altura os tempos eram conturbados. Os ventos políticos sopravam num sentido diferente ao dele (e ao meu), a gestão do Grupo estava a ser varrida e uma onda de yuppies convencidos e broncos começava a chegar a todo o lado. Ele partia com alívio, não suportaria aquilo. Eu não via como poderia suportar. Abraçámo-nos e eu disse: 'Como o invejo, quem me dera estar no seu lugar'. Ele disse-me: 'Oh menina, não diga isso, não me inveje, não vê que tem uma vida inteira pela frente e eu não...?'
Não me esqueço disso.
O tempo passa e tanta gente vai também ficando para trás.
Enquanto isso, vou respirando o ar puro desta terra em que o céu me envolve, onde a luz torna douradas as árvores ao fim da tarde, em que os pássaros têm cores e cantos maravilhosos. E a ver se este sábado consigo voltar a pegar num livro.
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Jesuíta Barbosa (o Jove do Pantanal) recita "Borboletas" de Manoel de Barros