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domingo, outubro 16, 2016

A mitologia grega e a violência doméstica




O deus do Tempo mutilou o pai, mutilou Uranus, cortando-lhe as partes genitais, que caíram sobre a Terra sob a forma de uma chuva de sangue. Desse sangue de Uranus nasceram muitas divindades benévolas, nossas conhecidas, por exemplo, as Ninfas ou as Oceânides. Mas nasceram também umas figuras temíveis, chamadas Erínias, as divindades que vingam a morte entre familiares; alimentando-se do sangue vertido, pedem mais. Ora, como o correr do sangue entre familiares não conhece sossego entre os mortais, as Erínias não têm mãos a medir.

Um dia, elas chegam a uma família, mercê de um crime que faz parte de um dos casos assinalados por Aristóteles na Poética como aqueles de que tratam as tragédias, a saber, o matricídio. Por sugestão de sua irmã Electra, Orestes mata a mãe, que vivia, desde a partida de Agamémnon para a guerra de Tróia, com Égisto, primo direito daquele. Convém não esquecer o fundamento escondido e gritante que subjaz a esta relação: o pai de Agamémnon havia morto os irmãos de Égisto, seus sobrinhos, dando-os em seguida a comer ao próprio pai, seu irmão. Égisto, que escapou ao monstruoso crime, não perdoou ao tio e resolveu vingar-se, daí a sua relação com Clitemnestra que, por sua vez, tem, também ela, uma boa razão para matar Agamémnon: a morte de Ifigénia, a filha que ela mais amava, às mãos do próprio pai, que sacrificou a virgem de modo a obter ventos de feição para prosseguir viagem até Tróia. Com a mesma arma, um machado de dois gumes, ela mata Agamémnon e aquela que, como despojo de guerra, o acompanhara até Micenas, a princesa-sacerdotisa em quem ninguém acreditava, Cassandra, que, por não ter aceitado levar até ao fim os impulsos amorosos de Apolo, tinha sido condenada à descrença.

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Etc.
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[Excerto de Rebuçados Venezianos de Maria Filomena Molder]

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E agora, depois das cenas de 'Maria, não me mates que sou tua mãe', caso queiram ver stratus, cumulus, cirrus, nimbus desçam, por favor, até ao post que se segue.

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] Leitores, não me matem pela heresia que eu sou a vossa UJM [

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domingo, março 23, 2014

'Silêncio que se vai pagar a dívida. Chiu...', escreve Pedro Santos Guerreiro. 'Um Estado Imoral', diz Maria Filomena Mónica. 'Portugal desceu de divisão', explica José Félix Ribeiro. [Apesar de algumas nulidades que lá escrevem, o Expresso ainda nos dá a ler coisas interessantes]


Os temas que aqui vos trago não serão do mais sexy que há, eu sei. Um domingo à noite pede mais do que dívidas imensas, impossíveis de pagar durante o tempo que dura uma vida, pede mais do que falar de um Estado imoral ou de um País que desceu de divisão e que não se respeita.

Mas, para que aqui fiquem registados alguns gritos de alma, faço questão de deles me fazer eco. São textos acutilantes, sérios, preocupados com a realidade que nos cerca. Lê-los ajuda-nos a perceber o que se passa e é uma forma de sentirmos que ainda há quem conserve a faculdade de ver as coisas com limpidez e o dever de cidadania de as divulgar.

No entanto, acredito que a alguns de vós apeteça mais um acorde, um cesto de cores, um perfume no ar. Por isso, para tentar que não se afastem já do texto, introduzo aqui o Martial Solal Trio, uma beleza.

E, vejam só, para tentar oferecer-vos a tal cor e, também, para enfeitar o texto (e desculpem-me a piroseira da palavra 'enfeitar' mas acho que as palavras ganham outra força se houver junto a elas um sopro de oxigénio - é sabido que o oxigénio favorece a combustão), acompanho-as com fotografias que fiz há pouco, in heaven.

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The Last Time I Saw Paris - Body & Soul - Begin the Beguine





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Somos o sexto país do mundo com maior peso de dívida mo PIB e temos dos mais medíocres registos de crescimento económico. O problema é que nem que a UE nos perdoasse os quase 50 mil milhões de euros que nos emprestou (o resto veio do FMI) ficaríamos tranquilos. Os termos da nossa equação ainda não mudaram. Temos saldo primário dependente de cortes de salários e pensões, não de uma transformação do Estado.

Chiu?

Pois é, chiu. O chinfrim sobre a dívida pública deixa sempre de fora o endividamento privado: são 280 mil milhões de euros e, lamento dizê-lo, também não serão pagos na totalidade.

Há plano para a dívida pública mas não para a privada. Talvez o Estado se financie às taxas anteriores à crise. Mas uma PME paga 6,5% por um empréstimo, quase o dobro do que paga uma concorrente alemã. Para compensar o sobrecusto do capital (e, já agora, da energia), as empresas cortam... salários.

Chiu? Mesmo?


Excertos de 'Silêncio que se vai pagar a dívida' do lúcido e honesto Pedro Santos Guerreiro (tomara que assim se mantenha; lê-lo é um sopro de ar fresco)



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O Presidente da República acaba de aprovar o orçamento rectificativo de 2014, que inclui, entre outras coisas, novos cortes das reformas. 

E que vejo eu?

O Governo entrega dinheiros públicos a escolas privadas, o serviço nacional de saúde corre o risco de perder qualidade e os tribunais deixam prescrever processos de gente tão poderosa quanto os administradores do BPN, do BPP e do BCP. Mais: a fim de salvar as chafaricas que dirigiam, o Estado já gastou cinco mil milhões de euros com aqueles patriotas: para nós, os velhos, não há dinheiro, mas ele existe para Oliveira Costa, João Rendeiro , Jardim Gonçalves & associados.

Por natureza frugal, a reforma dava-me para viver. Pensei que se manteria igual até à minha morte. Afinal, o Estado dera-me a sua palavra de honra, não dera?

Enganava-me.

Dou um salto até Espanha, um país governado por gente com quem não tenho afinidades, mas que trata os seus cidadãos melhor do que Portugal.

A minha irmã Isabel vive ali há cinquenta anos Eis o início da carta que, a 3 de Janeiro deste ano, recebeu:

"Estimado/a Pensionista: 

Após um ano, de novo entro em contacto consigo para lhe dar informações sobre a revalorização da sua pensão durante o ano fiscal de 2014. A 1 de Janeiro, a sua pensão aumentou 0,25%. Quero ainda informar que entrou em vigor uma nova fórmula de revalorização das pensões e subsídios do sistema público da Segurança Social, que garanta que as pensões subirão todos os anos seja qual for a situação económica e que nunca serão congeladas".

Assina Fátima Báñez Garcia, Ministra del Empleo y de Seguridad Social.

No que me respeita, tudo quanto recebo são papeluchos da Caixa Geral de Aposentações, onde, em várias colunas, aparecem 'abonos' e 'descontos'.

Continuando a olhar para os números, verifiquei que metade da minha reforma reentra imediatamente nos cofres públicos e que, desde 2007, o corte fora, em termos líquidos anuais, de 30%.

Há tempos, o primeiro-ministro declarou que afinal os cortes 'provisórios' eram 'definitivos'. Alguém protestou? Não. Portugal é um país de mortos.


In 'Um estado imoral' de Maria Filomena Mónica (excertos)



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Como se enfrentam todos estes desafios com a perspectiva de ter 20 ou 30 anos de austeridade?

Acho uma loucura dizer que vamos ter 20 anos de austeridade. (...) O euro foi criado com características que não o preparavam para ser uma moeda internacional em turbulência. As pessoas pensavam que era um avião mas era um planador.

Fomos apanhados na tempestade?

Quando os mercados perceberam que era um planador, começaram a disparar para a parte mais frágil que éramos nós e os gregos. Durante um ano e meio aguentámos os tiros. Além disso, quando houve a crise de 2008 do Lehman Brothers a ordem de Bruxelas foi para fazer despesa à vontade.

Mas nós fomos longe de mais.

Com uma ordem vinda de cima. Depois, de repente, as mesmas pessoas vêm dizer para pôr tudo em ordem em três anos. Há de haver um momento para ajustar contas com a europa.

Diz que Portugal só será um país periférico se continuar centrado na Europa. Devemos mudar o foco?

A crise do euro está a mudar a Europa. A Alemanha não tem nem condições económicas para gerir o euro nem condições políticas para liderar a Europa. Faz algum sentido o primeiro-ministro português ir saber o futuro pós-troika a Berlim e não a Bruxelas?


In 'Portugal desceu de divisão', excerto da entrevista de João Silvestre e Pedro Lima a José Félix Ribeiro, economista e ex-director do Departamento de Prospetiva e Planeamento.



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Os textos em itálico são excertos de artigos publicados no Expresso de dia 22 de Março de 2013.

O Martial Solal Trio é composto por:  Martial Solal - piano; François Moutin - baixo; Louis Moutin - bateria

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sábado, março 22, 2014

Maria Filomena Mónica e os diários numa sala de aulas onde professoras e alunas descrevem o que lá se passa


Vi há pouco Maria Filomena Mónica a ser entrevistada por Ana Lourenço. 


Naquele seu ar destravado, falou apaixonadamente sobre o tema dos seus novos livros. Desta vez gostei de a ouvir. 


Esclareceu que os livros, que descrevem a hecatombe do ensino público português, não significam que ela defenda o ensino privado sobre o público. Explicou que é ao contrário. 


Explicou que o ensino público tem que ser defendido de quem, por astúcia ou inépcia, o tem vindo a destruir.



E descreve aulas de trinta alunos onde os professores não conseguem dar aulas, não conseguem conhecer bem os alunos. Descreve uma carga burocrática sobre os professores que lhes retira a criatividade e o ânimo para preparar bem as aulas, descreve métodos absurdos que o Ministério inventa para controlar professores.

Reconhece que haverá alguns professores baldas (- mas há alguma profissão em que os não haja?), reconhece que a culpa não é exclusivamente deste ministro paranóico, reconhece que os pais também são responsáveis porque não ligam à educação dos filhos, reconhece que não é só a escola pública que está mal - e, descrevendo o que se passa nas salas de aula, descreve um cenário preocupante. Os manuais escolares são mal feitos, os programas são absurdos, as salas estão cheias demais. Tudo está mal.

Ora, e isto já sou eu a perguntar, se a escola não prepara bem os alunos e se os jovens avançam na vida sem saberem aprender e sem saberem comportar-se, que raio de sociedade é esta que estamos a desenhar?

E que raio de sociedade é esta que permite que uma das profissões mais nobres do mundo, a de professor, seja tão desprezada? Como podemos permitir que bandos de ignorantes, de medíocres, de fala-baratos, de vendidos (e estou a referir-me a governantes, deputados e papagaios avençados) façam tanto mal a uma profissão e façam tanto mal a um País?

Gaita!