Ontem deu-me para beber à noite um chá de uma misturada qualquer que para ali tenho e de cuja marca ou composição agora não me lembro. Tem um sabor bom, exótico. Só que me tirou o sono e, claro, também tive que me levantar duas vezes para ir à casa de banho. É que, ainda por cima, quando bebo chá, como gosto muito, bebo canecas cheias e, portanto, já estão a ver.
Acho que só adormeci já perto de amanhecer. Portanto, desforrei-me e deixei-me ficar a dormir até mais tarde. Acordei com o urso cabeludo a dar-me beijinhos na mão. Tenho impressão que, quando durmo até mais tarde, pelo sim, pelo não, ele gosta de conferir se estou viva. Mal acordo, fica descansado e pára com as lambidelas. O meu marido já estava levantado certamente há séculos e devia andar nas dele, tendo deixado a porta do quarto aberta.
O nosso dia foi calmíssimo. Longa e boa caminhada antes de almoço. Almocinho bom, simples.
Depois de almoço, estive a ver o Little big lies. O meu filho tinha-me aconselhado mas eu andava na Netflix, numa de The good doctor. Mas agora voltei à HBO e, de facto, é uma série tramada. Faz-me lembrar um bocado a onda do Twin Peaks. Para os mais novos, o Twin Peaks pouco ou nada deve dizer mas, na altura, deu que falar. Num lugar pacífico, tranquilíssimo, bucólico, onde nada acontecia e onde todos eram amigos, após a descoberta do corpo de Laura Palmer, aos poucos vai-se percebendo que, sob a fina capa das aparências, a inquietação vivia latente, sempre pronta a manifestar-se. A música era parte do ambiente de suspense, as cores e o excelente trabalho de David Lynch faziam o resto.
O Big little lies é um pouco assim. Num lugar de famílias ricas, casas fantásticas à beira mar, onde a escola e as actividades a ela associadas são um importante elo de ligação entre as famílias, aos poucos vamos descobrindo que sob a pele das mulheres elegantes e sorridentes e sob a pele dos respectivos maridos há mais do que o que aparece à superfície. A inquietação é crescente. Não há grandes acontecimentos, apenas pequenas mentiras, uma ou outra omissão, insignificantes encobrimentos. E o enredo vai avançando sobre essa mistura de acasos e opções que, na vida real, também desenha os destinos da gente.
A banda sonora também é qualquer coisa. A música lá em cima, The wonder of you, faz parte do episódio em que há uma festa temática, eles de Elvis, elas de Audrey Hepburn, e em que o Ed, o marido de Madeline (fantástica Reese Witherspoon), protagoniza um momento em que se sente, quase fisicamente, que a desgraça está para acontecer.
Há um crime, sabemos desde o início, mas não sabemos bem quem morreu. Mas vamos percebendo que qualquer um pode vir a ter um fim triste e que qualquer um pode ter estado envolvido no homicídio.
E há, a par disso, o extraordinário elenco de actores, nomeadamente de actrizes. Excelentes desempenhos. Citei Reese Witherspoon mas são todos incríveis.
[A grande arte da representação vai-se desviando do grande ecrã para o streaming. A evolução acontece muitas vezes (ou quase sempre) de forma inesperada, disruptiva.]
A seguir chegou parte da tribo. Chegam ruidosamente. Tocam à campainha mas os meninos fazem-se logo ouvir e a ferinha cabeluda salta de alegria e abala a correr para ir fazer-lhes a festa ao portão, saltos no ar, abracinhos, beijinhos. E eu vou atrás e só por decoro não me manifesto com idêntica exuberância.
Ontem tínhamos estado com a outra parte da tribo. Entre jogos de futebol, dois num clube, outro noutro, estudo para testes já para quatro deles, festas de anos, e, para ajudar à festa, as viroses que apanham nas escolas, nem sempre conseguimos fazer o pleno.
Claro que, em especial os miúdos, preferem quando estão juntos. Mas é sempre bom, sempre.
Hoje, enquanto uns jogavam futebol, a minha menina quis vir ver onde estavam as bolas grandes de Natal. Não me lembrava, pensava que estavam nos baús que estão numa arrecadação que temos num compartimento do sótão. Mas não, devem estar nos baús que estão na garagem. Mas ela não se desmoralizou. Nessa arrecadação há uma zona que, nos tempos dos anteriores proprietários, era usada como a sua biblioteca particular. O senhor levou os livros, claro, mas deixou ficar todas as estantes pois tinham sido montadas à medida. É aí que arrumo todas as carteiras, malas, malinhas e malões, sacos, mochilas, necessaires. Uma maravilha para mim que sempre tinha desejado tê-las bem arrumadas, tudo bem à vista e bem organizado. E uma tentação para ela. Resolveu pôr-se a abrir as mais pequeninas, as que eu usava em casamentos, cocktails, alguns eventos que requeriam coisa mais artilhada. A ideia, disse-me ela, era ver se descobria alguma coisa imprevista. Diz que gosta sempre de ver pois descobre sempre qualquer coisa. Descobriu moedas, papelinhos e descobriu um caderninho muito bonito que, em tempos, pensei usar como diário. Foi nos tempos pré-blog. Subtraí-lho pois não sei o que para lá estará. Por vezes tenho pensamentos impróprios para consumo. Mas prometi-lhe que vou reler e, se for, coisa capaz, a deixo ler. De resto, do que rapidamente folheei, parece que não deve ser mais do que meia dúzia de folhas escritas. Deve ter acontecido o mesmo de sempre: tudo o que entra nas minhas carteiras parece que se perde para todo o sempre. Mudo de malinha e lá ficam as coisas. Se volto a usar ou mudo o que lá está dentro para qualquer outra ou deixo ficar mas parece que o conteúdo se funde entre si. Por isso, fiquei tão surpreendida como ela quando ele lindo caderninho saiu à cena.
Entretanto, no outro dia comprei no supermercado uma grinalda de luzinhas pequeninas, que funciona a pilhas, e que na embalagem a mostrava dentro de uma taça de vidro. Hoje coloquei-a dentro de um copo grande e coloquei-o na mesa cá de fora. A minha menina deve ter achado que estava a modos que um bocado pobrezinho e foi lá dentro buscar uma espécie de taça baixa em aço brilhante e, então, em cima o dito copo. Ficou melhor, as luzinhas reflectiam-se na taça. Bonito. As luzinhas assim fazem sempre um ambiente acolhedor.
Para o lanche quiseram, e assim foi feito, sandes em pão de rio maior, quentinho, com tomate, queijo de cabra, brie e um fio de azeite. Em duas das sandes, também orégãos. Depois, para quem quis, diospiro às rodelas polvilhadas com canela e regadas com um fio de mel.
E, agora, ao chegar aqui, liguei-me no Youtube e ele, sabendo que sou dada a casas, a ambientes de aconchego e de afecto, apresentou-me o vídeo abaixo, muito bonito, com várias belas peças de artesanato, daquelas que me dão vontade de me atirar à obra.
Inside This Curator’s Bohemian L.A. Home Filled with Handcrafted Objects | Vogue
Step inside gallerist Alex Tieghi-Walker's avant-garde Los Angeles home in Vogue’s latest “Objects of Affection” video. As Alex walks around his property filled with handmade, one-of-a-kind objects, he regals us with the unique tales that make up the essence of these wonderful pieces. Watch as Alex discuses everything from his eye-popping ceramic cabinet to a handwoven Argentinian mountain hat that will forever reside in his bedroom.
Gerou celeuma na caixa de comentários eu ter dito que, do que tinha visto das (creio que) duas vezes em que fui à Festa do Avante, me tinha parecido sobretudo um encontro de campistas e excursionistas. Mas é, na realidade, a ideia com que fiquei: excursionistas e campistas todos cumprimentando-se por não se verem desde o ano anterior, todos numa de camaradas para aqui, camaradas para acolá.
Tão assim que até a mim, quando me apanharam a jeito, me trataram por camarada. Juro. E por tu. Tudo na maior intimidade. Contei isso, algures por aqui. A mim que me faz imensa impressão que pessoas que não conheço de lado nenhum me tratem por tu, imagine-se, 'Camarada, queres fria ou natural? Ok, toma lá. Tens trocado?'. Isto quando fui comprar uma garrafa de água ou coisa do género. Aquilo ali é como se fosse tudo deles. Não descansei enquanto não me raspei de lá, claro.
Coisa a atirar para o quase deprimente, desfasada da realidade, uma coisa muito na base do público do 'domingão', pela faixa etária dominante tudo mais na base do encontro de reformados e, quase todos, seguindo um dress code muito peculiar, um temático demasiado vintage, quase cómico.
Pois bem, diz Rui Bebiano (historiador, professor de história contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais. Atual diretor do Centro de Documentação 25 de Abril) no seu post Quatro tópicos sobre a Festa do Avante!:
A Festa é em larga medida a romaria, o farnel, o convívio, o namoro, a música, as exposições, e só depois outra coisa.
Isso. Exposições tenho ideia que vi uma razoável mas mal apresentada. De resto, feira de artesanato do mais banal que há. A parte política nunca frequentei, já seria demais para a minha capacidade de encaixe.
Em conversa posterior com outra pessoa e lembrando-me das pessoas que lá vi
-- umas de boina à Che, outras de echarpe aos quadradinhos pretos e brancos à OLP, quase todas ataviadas com adereços evocando um tempo passado em que ainda havia quem acreditasse que por onde o comunismo se instalou não tinha havido ditaduras, restrições à liberdade (de expressão e físicas) já para não falar em assassinatos à descarada e, tantas vezes, em larga escala --
ocorreu-me que, no fundo, era uma coisa folclórica muito parecida com aqueles encontros que há nos Estados Unidos entre os amantes do Elvis. Uns acreditam que ele está vivo, outros acham que foi do melhor que houve, quase todos também se arranjam evocando os adereços típicos do Elvis. No fundo é a mesma coisa.
Com a excepção de aqui, na Festa!, é mais grave, aqui não é coisa de brincadeirinha, aqui apoiam mesmo regimes de fugir, daqueles que faz favor.
De novo a palavra a Rui Bebiano no mesmo post:
(...) de acordo com a suas fidelidades políticas, o partido acolhe na festa representantes de regimes censórios, repressivos e de partido único, como tem acontecido, de uma forma particularmente questionável pelos da Coreia do Norte, da China ou mesmo de Cuba, entre outros. (,,,)
E já nem falo sobre a hipócrita posição do PCP sobre os miseráveis e inaceitáveis crimes de guerra de Putin contra a Ucrânia. Passo antes, de novo, a palavra ao Prof. Rui Bebiano.
Este ano a Festa tem a pairar sobre si os fantasmas levantados pela guerra de invasão da Ucrânia pela Rússia. O mote escolhido «Pela Paz! Contra o imperialismo, o fascismo e a guerra!» sublinha a posição oficial do PCP, que contra o imperialismo norte-americano exclui do seu universo de crítica o russo e o chinês, que adere à narrativa de Putin sobre o governo «nazi» de Kiev, que culpabiliza pela situação apenas o chamado Ocidente e que chega ao ponto de considerar a Ucrânia o país agressor. Uma posição muito pouco justa e racional, que não pode ser ignorada.
Enfim. Adiante. É o que é. Há gostos para tudo. Também não há aqueles encontros das Testemunhas de Jeová? Também não se acham todos uns iluminados? Que com eles é que o mundo era melhor? E vá lá a gente tentar convencê-los que nada do que dizem faz sentido... É o tipo de crenças que vira do avesso a cabeça de algumas pessoas. Parece mentira mas é verdade.
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A propósito de Rui Bebiano, cujos textos me parecem sempre de meridiana clareza, permito-me ainda transcrever parte de um outro que também me pareceu interessante e cuja leitura integral recomendo:
(...) Já o prosélito tende a persuadir o conformista. O proselitismo representa uma forma de conversão de pessoas ou grupos, entendido por quem a pratica como uma incessante missão, destinada a obter um apoio integral a determinada causa, doutrina, ideologia ou religião. O seu objetivo supremo é gerar outros prosélitos, pessoas convertidas à sua orientação, que depois continuam junto de outros a missão de convencimento. Encontramos sobretudo duas grandes formas de proselitismo, a religiosa e a política, que recorrem a técnicas de persuasão antiéticas e muito agressivas, não hesitando com frequência em mentir, deturpar ou caluniar, denegrindo outras ideias e convicções, para de forma mais rápida e eficaz, através da catequização e da total ausência de um verdadeiro diálogo, alcançarem os efeitos que procuram.
O prosélito é socialmente nocivo e perigoso, uma vez que se aproxima do fanatismo e do pensamento único, contrariando as ideias ou escolhas que, por pouco que seja, desmintam o seu programa e as suas certezas. Deste modo, é com frequência um promotor ou um defensor de ditaduras e regimes autoritários, sejam os do passado ou os do presente, e um inimigo dissimulado ou declarado das formas de democracia, se bem que frequentes vezes declare falar em nome desta. Desenvolve a sua missão em nome de ideais sedutores que podem parecer positivos aos olhos do cidadão comum, como os de fé, de salvação, de igualdade, de solidariedade, de justiça, de resistência, de povo, de pátria, de nação, de paz, de progresso, de ordem ou de liberdade, mas que na sua boca acabam sempre adulterados ou diminuídos.
Através da história, encontramos casos de proselitismo sobretudo entre adeptos fanáticos e irredutíveis de certas religiões, ideologias ou causas, ou de determinados partidos e movimentos políticos, em particular entre aqueles que recusam dialogar com todos os que escapam ao seu círculo de influência e aos seus critérios de verdade, rejeitando desde logo os que, por um dia terem dialogado com as suas convicções e delas terem divergido como apóstatas, mais perigosos se tornam para as suas certezas e objetivos táticos. Contra eles estão até dispostos a usar a maior violência, seja esta verbal ou, se as condições o permitirem, mesmo física. (...)
E para que não se pense que desvalorizo o Elvis, o original, aqui o afirmo a pés juntos: não desvalorizo, não senhor. Um rei. Ainda por cima um rei com sentido de humor.
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E, sim, volto a dizer (para que não voltem a lembrar-mo), não me esqueço nem nego o valor do PCP na luta contra o fascismo antes do 25 de Abril. Não é isso que está em causa. Há umas décadas atrás o PCP fez sentido (actuando muitas vezes de forma questionável, com aquilo dos controleiros e etc., já carregados de ortodoxias, já não querendo ver que a utopia que defendiam tinha pés de barro e mãos sujas de sangue -- mas, enfim, adiante).
Também considero que o País precisa de partidos de esquerda, mais à esquerda do que o PS. Mas falo de uma esquerda moderna, aberta aos desafios do tempo presente, sabendo interpretar o futuro. Não é o caso do PCP que, tal como hoje é, não faz falta nenhuma ao País.
Nota: Claro que no espaço de Rui Bebiano, A Terceira Noite, não há cá gifs ou macacadas: as imagens que aqui aparecem são, como é bom de ver, escolha minha. As suas palavras são as que neste post aparecem em itálico. E, claro, fui eu que resolvi destacar duas das palavras, não ele.
Só nesta semana foram dois os leõezinhos a aniversariarem. Num dos dias, dia de semana, o festejo foi mais light mas hoje tivemos festejo duplo.
Para o jantar, o prato principal foi requerido pela aniversariante: lasanha. E quem a fez foi o pai que veio carregado com os ingredientes já meio cozinhados e que a montou aqui em casa para ir ao forno. Completou-se com pizas, coisa que está no tom e que é também do agrado de todos os meninos.
A menina veio com uma das toiletes oferendadas e estava linda. Estava não: é, é linda. O mano que tinha feito anos a meio da semana vinha todo orgulhoso com uma tshirt de futebol. Provavelmente é influência do primo mais velho que tem como tesouro uma gaveta cheia de tshirts oficiais de equipas que admira.
Os primos, acabados de chegar do campo onde passaram uns dias com parte da grande família do lado do pai, tinham novidades. Para além de outras proezas, uma menos boa. Por lá há galinhas à solta. Os cães de guarda, que também andam à solta, já não ligam aos galináceos. Mas a cadela, cachorra, ida da cidade, estranhou aquela fauna: matou o galo e uma das galinhas. Diz que apareceu toda contente com a galinha na boca. Perguntei-lhes se tinham comido a galinha e o galo mas ficaram admirados, que as galinhas não eram para comer, só para pôr ovos, e que o galo estava lá apenas para efeitos de procriação. Não especulei para não ferir susceptibilidades.
O menino mais velho chegou com uma fisgada: tinha mesmo que ver o jogo do Sporting. Foi para o piso de cima e nem quis saber de brincadeiras ou convívios. De cada vez que o Sporting marcava um golo, ouvíamo-lo gritar. A seguir vinha cá abaixo informar o avô.
Tirando isso, tivemos música, dança, cantoria. Mas o dia tinha sido cansativo para os dois aniversariantes e para o irmão mais novo pois tinham tido festejos ao longo do dia (escapes rooms e almoço colectivo para amigos dos meninos em restaurante escolhido pela menina, bolo de anos em casa) e também para os que chegaram do Alentejo e, por isso, o bailarico e a cantoria foi a meia pilha.
Pelo lado que me toca, de manhã, tinha ido passear com a minha mãe que mais parece uma turista com a sua roupa de verão, sapatilhas, chapéu. Como saqueta para guardar a carteira e o telemóvel, usa, a tiracolo, uma que fez em crochet de rosetas, muito bonita, como agora se vê à venda a bom preço. Fico com vontade de também fazer bolsinhas, com cores, missangas, lantejoulas, brilhos, bolsinhas interiores, fechinhos bonitos. Em contrapartida faço reuniões e maço-me a chamar a atenção para isto e para aquilo. Muita incoerência da minha parte.
Mas isto tudo para dizer que não tenho visto notícias, parece que estou relativamente fora deste mundo.
Espreitei há pouco os onlines e, para além da barbárie russa (que alguns energúmenos e outros tantos cobardes tentam desculpabilizar elencando actos dos ucranianos que, para se defenderem das agressões injustificadas e criminosas, se vêem obrigados a deitar mão a tudo o que podem) e de outros actos de guerra aqui e ali,
que o mundo é um espaço habitado por gente de bem mas, também, por muitos estúpidos e por muitos bandidos,
o que encontro são acidentes, dores individuais que serão gigantes para quem as sofre mas que, só por si, não trazem mal ao mundo, ou, então, temas banais, coisas que não prendem a minha atenção.
Agora estou com vontade de ir ver se descubro uma boa história de amor no netflix. Gosto de histórias de amor. Não gosto de histórias no passado em que os amantes, separados, passam o resto da vida a carpir o que não souberam manter vivo, mas histórias de amor a sério, amor vivido, com danças e contradanças, momentos de paixão e vontade de a fazer perdurar, momentos de ternura e momentos de desafio e loucura.
Mas, antes disso, vou partilhar o que vi há pouco quando, talvez por preguiça ou por algum cansaço, me retirei para o youtube para procurar a serenidade da arquitectura e decoração integradas na natureza. Há-de ser o futuro, chame-se arquitectura biofílica ou outra coisa qualquer, mas será o futuro -- assim o planeta nos conceda tempo para essa reconversão e assim os homens, em vez de andarem a tolerar assassinos (como Putin, que usa o tempo que o planeta generosamente lhe concede a destruir países), se ocupem a melhorar as condições de vida de todos.
Mostro duas casas que me agradam, uma com muita vida e muitos objectos dentro, muito alegre, e uma outra, de um minimalismo que quase parece excessivo mas não é pois a natureza é décor mais do que suficiente para dar corpo ao ambiente.
A sensualidade da Dakota Johnson polvilhada com o que parece ser uma inocente espontaneidade e que é, sem dúvida inteligência e sentido de humor, está bem patente na sua casa e na graça com que se passeia por ela. Uma casa linda onde deve ser muito bom viver.
A outra, no Brasil, no meio da floresta, é uma maravilha, a vida vivida no meio do verde, oxigénio puro, tempo para respirar e olhar.
Inside Dakota Johnson's Serene Hollywood Home | Open Door | Architectural Digest
Today Architectural Digest brings you inside the lush home of Hollywood star Dakota Johnson. The wood-framed house features wall-sized windows in the living room, perfect for highlighting the decorative crystals that pepper the space. From the books that line the walls of her home office to the fruit-bearing citrus trees in the backyard, Dakota’s home is a reflection of the things that bring her joy.
The Intimate Tie Between Nature and Shelter in Itamambuca House
Near Itamambuca beach seashore and surrounded by rich rainforest vegetation, this residence is named concerning its location. The architect Gui Mattos claims the site itself pointed towards the concept, enriching the natural ventilation and sunlight inside. It is defined by a lifted floor raising from nature, and an inverted prism concrete slab with its columns on the borders. Learn more about the connection between nature and shelter by watching in loco with Gui Mattos.
Vire eu a televisão para onde vire, ouço falar em Sócrates. Seja o que for que aconteça neste País, a culpa foi do Sócrates. Na SIC Notícias uma jornalista encarniça-se, toda invocada, transtornada até, parece cansada que ainda haja quem não tenha percebido que, qual Berardo qual carapuça, qual presidente da Caixa qual carapuça, quem manobrava tudo, mas mesmo tudo, era Sócrates.
E, se rebobinarmos a box por tudo o que é canal e pusermos os papagaios a repagaguear, o que se ouve é o de sempre: um homem que negociava em lixo e ofereceu robalos ao Vara estava mancomunado era com Sócrates, que com robalos no bucho o Vara era mais fácil de manobrar, e o Vara bem manobrado dava muito jeito, e o Zeinal, esse pipi cagão que se pelava por milhão, recebeu condecoração e não devia, nada a ver com quem o condecorou e nem digo quem foi para não baralhar a lógica, a culpa foi do Sócrates, e a Manuela Moura Guedes com quem a Judite se zangou a ponto de deixar de lhe falar, tudo culpa do Sócrates que não ia com a Boca Guedes nem à lei da bala, e, o Moro que o diga, se o Lula está preso, a culpa é do Sócrates que o inspirou. Pelo mundo fora, se não foi Sócrates, o próprio, foi a sua aura que inspirou delito, grande delito, pequeno delito. Até roubo por esticão, bater na vovó, cuspir na sopa. Tudo. Tudo coisa do Sócrates. Um mito is born.
E, se não há prova, mais provado está, só prova a inteligência dele e, se ninguém ouviu, mais provado está, o bicho é esperto, fala sem ninguém ouvir, tudo para não deixar indício.
Agora isto do Berardo: alguém ainda tem dúvida? Por amor da santa. Os bancos, vários bancos, deram dinheiro, não executaram garantia, deixaram que o calote virasse imparidade e, no fim, ainda houve quem desse condecoração, comenda, coisa fina, e também nem interessa dizer quem deu para não estragar o raciocínio, porque a culpa, como é óbvio, é do Sócrates.
E nem vale a pena a gente somar o tempo que ele levou a governar, a ter reuniões e a fazer viagens, mais o tempo em que esteve a urdir uma trama mais comprida que dez diâmetros da terra e que o levou a armar testas de ferro dentro de testas de ferro, umas dentro das outras, para terem contas que não eram deles mas de outros que não tinham dinheiro porque o dinheiro era sempre de outros, mais o tempo gasto a engendrar esquemas para controlar a comunicação social, Boca Guedes incluída, mais a banca, mais as telecomunicações aqui e no Brasil, os empreendimentos imobiliários no Algarve, os computadores magalhães na venezuela, mais os quadros do Berardo -- para concluirmos que, nem que dormisse menos que o Prof. Marcelo, o Sócrates teria sido capaz de fazer tudo. A menos que fosse o que é: um deus, uma alta divindade, um mito dos bons, dos supersónicos, um Elvis sempervirens.
Não tarda teremos poster do Sócrates a enfeitar parede de quarto de adolescentes, os jovens imitarão o estilo com jeans, gola alta e echarpe esvoaçante à Sócrates, teremos cantigas da Capicua com a história cantada do Sócrates, verso do Carlão contando as aventuras, desventuras e milagres de Sócrates, telenovela com o monstro Sócrates que subornava tudo o que era grande empresário e que, às escondidas, ia rezar numa igreja abandonada e soltar sentida lágrima e que, para espanto geral, era pai da inocente Cláudia Vieira e namorado da vilã Alexandra Lencastre que o enganava com o Diogo Morgado, e avô secreto do Lourenço Ortigão que era, afinal, irmão gémeo de outro que ninguém conhecia, esse, sim, o verdadeiro bandido da história.
E, mais importante ainda, não tarda teremos novo mega best seller do José Rodrigues dos Santos, O verdadeiro segredo de Sócrates, que virará filme com o Joaquim de Almeida como galã, e um dia destes tê-los-emos aos três, o Orelhas, o Sócrates e o Joaquim Almeida no programa da Cristina Ferreira, não sem que, depois, a TV 7 Dias traga uma fotografia ao longe do Sócrates aos beijos à Cristina Ferreira e, a seguir, na Nova Gente, a grande notícia de que o Casinhas fez uma espera ao Sócrates porque ele e a Cristina secretamente reataram e logo a Caras desmentirá isso tudo porque Sócrates afinal entrou foi para um convento onde viverá secretamente amancebado com uma certa senhora que lá vive disfarçada de Madre Superiora. E o mito manter-se-á vivo, sempervirens.
E um dia, daqui por muitos e muitos anos, e o Juíz Ivo Rosa -- já., então, parecido com o Assange de agora, cabelo e longa barba branca -- estiver quase a acabar de ouvir as gravações e ler os dossiers, já ninguém saberá de que é que afinal o procurador Rosarinho acusou o Sócrates, essa eterna e omnipresente estrela pop, se foi por ele ter tido relações sexuais com uma Madre Superiora, se por não querer assumir ser avô do bandido Ortigão, se por gostar de comer lasanha com robalo escondido, se por tirar a ex-Procuradora Moura Guedes do sério, se por ter dito que o Cavaco era a mão atrás da moita, se por gostar de saltar à vara e cair sempre em cima da Alexandra Lencastre ou se por ter dito ipse se nihil scire id unum sciat quando era suposto filosofar era em grego.
E, assim, putativos políticos, jornalistas justiceiras, dominatrixes, santas manas, pseudo-procuradoras, gralhas e papagaios comentadeiros contribuirão para, ao longo de anos e anos, ajudar a manter vivo o mito Sócrates. Sócrates-a-lenda. Sócrates Super-Star. Forever and ever.
O meu marido já começou a alertar-me: já não falta muito, é preciso pensar qual o repasto, é preciso começar a pensar em comprar o que for preciso para não termos que andar no supermercado à última hora. Tem razão, claro. Mas, oh senhores, o que me custa engrenar no espírito antes de o espírito descer em mim... É certo que já tenho arvorezinhas e luzinhas, é certo que já comprei presentes (mas ainda não todos, credo...)... mas agora estar a pensar em bacalhau, batatas, couves, galos capões e sei lá que mais é que ainda não. Parece-me tudo ainda muito prematuro.
No caminho para casa a minha mãe lastimou-se: quis comprar calças de ganga para os meninos e não encontrou o número, queria um casaquinho para uma das meninas e não encontrou, queria uma camisola quentinha e original e não encontrou. Conta-me as lojas onde foi, conta-me como já estava perdida de calor. E eu, cansada, de noite, no carro, concordei quando ela disse que isto é um disparate e que já começa a faltar-lhe a paciência para estas incursões consumistas que lhe estão a sair tão infrutíferas. Mas começo a pensar que, com almoços de natal, reuniões e compromissos, estou a ficar sem tempo para o que falta e, na verdade, sem grande disponibilidade física e mental para puxar pela cabeça para resolver quais os presentes em falta.
Quando, à noite, me junto ao meu marido para irmos fazer a nossa breve caminhada, ele tem que puxar por mim para que eu não pare para ver um presépio amoroso e pequenino na loja dos indianos, as luzinhas a piscarem na loja chinesa. Diz-me aquilo que eu estou farta de saber: não precisamos de mais bugigangas. Não precisamos mesmo. Mas parece que o meu espírito vagabundo prefere prestar atenção a coisas simples e inocentes deste tipo (em que, para além disso, basta entrar, escolher e pagar) do que andar em centros comerciais a abarrotar, onde não há falta de estacionamento, onde as lojas estão cheias, com filas gigantes nas caixas, onde o tempo passa sem que a gente consiga despachar-se.
A época é natalícia mas tanto o trabalho e tão curtos os prazos para tudo que, no trabalho, o pessoal anda stressado, impaciente, embirrante. Eu ando zen. Quando vejo toda a gente ao rubro, a tranquilidade invade-me. Nem por fora, nem por dentro. Não me enervo. Posso ser um bocado rude se vejo que há coisas que devem ser endireitadas e que, com meiguices, a coisa não vai lá, posso ser particularmente exigente quando acho que o profissionalismo e o rigor devem ser reforçados -- mas estou calma. Não apenas o meu corpo é assim, sereno, quando se vê no meio de turbilhões, como a minha mente acredita piamente que não vale a pena a gente deixar-se ir abaixo. Mesmo que, do outro lado, haja gente exaltada que grite, chateie, até invente ou seja intelectualmente desonesta, eu mantenho-me na maior. Dizem-me que as minha reacções são surpreendentes. E até a mim me surpreendem. Mas é assim. E acho que ainda bem.
O que sei é que, durante o dia, no intervalo, nos breves instantes em que consigo dar um salto à copa ou à casa de banho ou encher um copo (de água) no corredor, ouço com toda a atenção e empatia uma queixar-se da mãe que é uma peste, outra a insurgir-se contra a sogra que é uma vadia, outro a falar do filho que não atina, outra que, por mais que coma, não consegue engordar, outro a falar de dívidas que contraíu e que lhe dão conta da qualidade de vida. Genuinamente, gosto de ouvir as pessoas. Gosto que as pessoas tenham isto de me contar as suas vidas e gostaria de acreditar que a minha atenção, as minhas palavras ou o meu sorriso as confortam. Genuinamente acho que o afecto é um dos mais potentes motores da nossa existência.
E isto é o que me ocorreu dizer agora. E, nem de propósito (ou a despropósito, sei lá...), apareceu-me este vídeo tão lindo. É muito recente, já deste mês. É um anúncio mas não interessa. É uma ternura. Vejam, está bem?
Cheguei agora da praia. São quase onze da noite. O mar estava negro e ruidoso e a lua, ainda em fase crescente, não tinha luz que chegasse para o iluminar. Mas não estava muito frio e é bom andar na praia à noite.
O dia não foi dos piores. Aliás, deslizou sem sobressaltos e coube dentro de horários razoáveis, que é como os dias de trabalho devem ser.
À hora de almoço ouvi que Frederico Lourenço tinha sido escolhido para receber o Prémio Pessoa 2016. Ouvi a sua reacção, desorientado com o telemóvel que agora não pára e, na véspera, surpreendido com o telefonema de Balsemão. Depois Balsemão, até a voz cada vez mais esfíngica, explicando a escolha. Ouvi a notícia sem grande emoção. Melhor: sem emoção. Não é que considere o prémio injusto. Não é isso. É mais que me deixa indiferente. Algumas das crónicas de Frederico Lourenço agradam-me. Escreve com graça e desenvoltura. É culto. Li com agrado O Lugar Supraceleste. Algumas poesias suas também são bonitas. Além disso, como pessoa, é simpático.
Contudo, aquilo por que é mais louvado e que penso que esteve na base da atribuição do prémio é a sua faceta de tradutor do grego. Ora aqui é que a porca torce o rabo -- e, como já aqui o disse, inclino-me para que o problema seja meu. Conhecendo eu a Odisseia e a Ilíada apenas pela sua tradução, confesso que o que li não me fez ficar maravilhada. Não sei sequer explicar bem porquê. Dá-me ideia que há qualquer coisa de banal que eu não esperaria encontrar em tal obra. Histórias chatas e compridas, às quais falta aquela toada e aquele maravilhamento que a poesia que me agrada tem. Não sei se o mal é de origem, se já foi ao Homero que faltou rasgo, ou se foi o Frederico Lourenço que estava sem grande inspiração e sem ouvido para a música quando as traduziu. Mas se calhar está tudo bem e eu é que cheguei às obras com as expectativas muito altas. Não sei mesmo.
Agora a Bíblia. A mesma coisa. Parece que a escrita é técnica, parece que lhe falta harmonia. Pode ser da tradução ou pode ser dos autores primevos. Não faço ideia. E, já o referi e até me custa dizer isto pois cheira-me a que é disparate do grosso: tanta anotação, tanta referência desagrada-me. Não será culpa dele e provavelmente os estudiosos acharão que nisso está parte do mérito do livro. Não eu. Como escrevi no outro dia, ao procurar a Bíblia, procuro o silêncio, o despojamento absoluto. Ora, a cada linha, encontrar números e anotações é ruído que me faz perder o interesse na obra, é uma pessoa tropeçar a cada passo que dá, uma maçada.
Portanto, não digno que o prémio seja imerecido, digo apenas que não me diz muito.
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Contente fiquei por passar pela Gulbenkian e dar com a Festa do Livro. Estava com pouco tempo mas a tentação sobrepôs-se ao resto.
Trouxe apenas quatro livros mas estou muito contente não apenas pelas obras em si mas também pela enorme poupança.
Elogio do Inacabado -- Agustina Bessa-Luís
Memórias -- Rómulo de Carvalho
Gramática da Linguagem Portuguesa -- Fernão de Oliveira
e não é livro mas é leitura: Al Berto -- Colóquio Letras
Apenas folheei ao de leve mas estou desejando poder tê-los nas mãos por mais tempo.
Do livro de Rómulo de Carvalho, que acabei agora de espreitar, transcrevo um soneto da irmã Noémia:
A velha baronesa de Almavia,
taful, garrida, loura, e bem falante,
fora outrora a donzela mais galante,
a mais ardente e ambicionada diva.
Agora, já caduca, mas lasciva,
amava um moço esbelto e, provocante,
confessou-lhe, numgesto petulante,
o seu amor com fala ardente e viva.
Sorriu com bonomia o novo Apolo,
e olhado, dessa dama, o ossudo colo,
responde, sem mostrar maior quezília:
- Cupido vos lançou a dura seta...
Senhora! Casarei com vossa neta,
Ficamos assim todos em família.
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E, estando eu agora, na maior indolência, ouvindo sem qualquer interesse o Expresso da Meia-Noite e laureando por aqui e por ali, dei com um vídeo de The wonder of you do Elvis Presley com uma inesperada Kate Moss e (alô, alô Bob!) deu-me logo vontade de trazer par aqui.
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E apeteceu-me intercalar aqui fotografias dos cogumelos que rebentam de todo o lado in heaven.
Para que a coisa ficasse ainda mais alucinada, puxei-lhe pelas cores até quase ao ponto de saturação. Claro que não têm a ver com nada do que aqui está mas, para dizer a verdade, também nada tem a ver com nada e assim é que a mim me parece bem. Problema meu. Provavelmente, culpa dos cogumelos.
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E, para já, é isto.
E façam o favor de perdoarem a minha heresia: sei que o coro de apologistas de Frederico Lourenço vai ser uníssono e a minha voz dissonante pode soar a blasfémia. Mas se é o que eu penso, a que propósito ia eu dizer o contrário....?