Mostrar mensagens com a etiqueta Tracy Chapman. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Tracy Chapman. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, novembro 10, 2020

Imagine

 


Um dia que tenha a cabeça mais descansada, conto melhor: estamos a tentar que a minha mãe se adapte às reuniões e aulas remotas. Conseguimos convencê-la a inscrever-se na universidade sénior mas, claro, as aulas presenciais acabaram. Tem agora um tablet e, sem nunca antes ter usado computador ou quaisquer tecnologias, tem que aprender a usá-lo e ir à caixa de correio ver as convocatórios, entrar em reunião, ligar o microfone ou a câmara, etc. Tudo novidades. Esteve cá, uma turma de professores a ensiná-la, depois aulas práticas, tudo a ver se saía daqui operacional. Mas tem sido uma luta, para ela e para mim. Digo-lhe para sair, não sabe de onde, digo-lhe para entrar, não sabe onde, digo-lhe para carregar no link, não vê o link. Ontem, já em sua casa, a treinarmos, estava de pernas para o ar e insistia que tinha o tablet direito. Depois não sei onde tocou que ficou sem imagem. Nem sei. Mas é uma questão de vencer aquela barreira psicológica que a leva a achar que não vai conseguir. Há-de vencer, haveremos de lá chegar. A ver se amanhã consegue entrar a tempo e horas na aula da manhã. Tínhamos pensado em ensiná-la a fazer muitas coisas mas já percebemos que temos que ir com calma. Step by step.

Mas agora não tenho distanciamento e sossego mental para falar nisso. Só quero que ganhe autonomia e que aprenda a contactar-se com os outros por esta via.

Entretanto, voltando aqui aos temas da minha vidinha, estamos agora na fase de arrumar LPs e CDs. O mesmo critério, mais ou menos, que para os livros: por tipo e, dentro de cada tipo, por ordem alfabética de compositor ou de intérprete. Dito assim pode parecer fácil mas a verdade é que a toda a hora nos surgem dificuldades. O meu marido ficou com os mais inequívocos pois não tem qualquer paciência para perder tempo com equívocos. Portanto, ficou com os brasileiros, com os franceses, o rock, os portugueses, a ópera por intérprete. E mais tópicos, mas agora não me lembro. Eu fiquei com o jazz (relativamente tranquilo) e a música dita clássica. Quando se trata de compositores, não suscita questão. Agora quando no mesmo cd estão vários compositores e o que une é o maestro, aí, claro, por maestro. Mas depois aparece-me um compositor num sítio e o mesmo, quiçá outra obra, numa outra sequência, a dos maestros. Ou, por intérprete, a mesma dificuldade: como quando, no mesmo cd, a Martha Argerich interpreta vários compositores. E hoje aconteceu-me uma que me deixou sem ânimo. Depois de ontem à tarde ter estado a sequenciar os compositores todos -- e, uma vez tendo posto por ordem no chão, arrumado tudo nas estantezinhas de cds --, hoje fui descobrir mais uma caixa com uns quarenta ou mais cds. De facto, ontem tinha estado intrigada por achar que me faltavam Beethovens, Mozarts, Vivaldi, Brahams, Rachmaninoff. Mas acabei por desistir, já estava a admitir que se tinham perdido, sei lá. Hoje, para meu espanto, ao arrumar os de jazz, fui dar com esta caixa. Agora vou ter que retirar tudo o que já tinha arrumado para voltar a encaixar estes na ordem devida. Mas, enfim, prefiro assim pois gosto de ter as coisas arrumadas com uma lógica facilmente perceptível. Mas o tempo que levo nisto, senhores. O que vale é que, enquanto o faço, estou a ouvir boa música.

E estou a falar sobre todos estes fait-divers para não falar na covid. Quem por aqui me acompanha lembrar-se-á de como, em Março, Abril, eu não partilhava dos pânicos do Buescu que antevia milhões de infectados no prazo de um mês. Eu não. Achava que a coisa ia controlar-se e que se chegasse aos 30.000 em Abril ou Maio (já não me lembro) seria muito. E a coisa deu-se como eu previa. Achatou e minguou. E veio o verão, vida ao ar livre e porta e janela aberta, ar limpo para respirar, e os números andavam ajuizados, relativamente contidos. Mas agora, como venho dizendo há algum tempo, não estou optimista. Nada mesmo. Ainda vamos a meio do outono e a curva já vai disparada, a galope, empinada, o nariz apontado ao alto. Com meses de frio e chuva pela frente (ou seja, de gente em espaços fechados, sem ar livre e sem janela aberta) a coisa só pode piorar. A única solução (e não seria solução, seria apenas remedeio) seria pôr travão às quatro rodas, toda a gente para dentro de casa e, na rua, só os 'pobres coitados' que forçosamente teriam que continuar a dar o corpo ao manifesto para que as redes de abastecimento se mantivessem operacionais, os invisíveis -- sem os quais seríamos nada -- a manterem a vida a rolar. Mas como? Uma coisa é fechar um país em casa durante um mês, outra, imprevisível, seria fechá-lo durante cinco ou seis meses. Imprevisível e, na prática, impossível. Portanto, não sei. Talvez estas medidinhas atenuem. O teletrabalho obrigatório ajuda e as surtidas nocturnas também mas não sei se serão suficientes. A base de incidência já alargou demais. Qualquer percentagem sobre tal base dá sempre números altos demais para o que os hospitais estão preparados. A curva já nem é bem curva, a curva já está é a fazer cavalinho e a cada dia que passa mais arrojado é o cavalinho.

Ainda hoje fui a uma lavandaria. Tenho umas cobertas de veludo, duplas, com uma espécie de edredão por dentro. Não cabem na máquina cá de casa ou, se cabem, à vez, receio que a estraguem tal o peso. Embora tenham vindo bem acondicionadas, faz-me impressão guardar coisas sem antes as lavar.  Então fui lá perguntar se lavam coisas desse género e quanto custaria. A rapariga da lavandaria estava com a máscara pelo pescoço. Quando me viu, largou o que estava a fazer e veio ter comigo, mesmo para o pé de mim. Disse-lhe: espere, está sem máscara. E ela, na maior simpatia: não faz mal, não tem problema, pode falar à vontade. Fiquei parva. Dei uns passos atrás, pus-me à porta e disse: então fico aqui à porta da rua. E assim ficámos, eu de máscara, no portal de entrada e ela, na maior descontração, lá dentro, sem máscara. Hesitei. Tive vontade de lhe explicar que, ao estar sem máscara, está sobretudo a sujeitar os clientes a ficarem contagiados caso ela o esteja sem o saber. Mas de vez em quando acho que não é com lições assim, individuais, que se vai a algum lado.

E é nisto que acho que o Governo tem falhado. Não tem havido pedagogia suficiente. Tem que se explicar que quem anda sem máscara não está a mostrar que é destemido, está é a provar que se está nas tintas para os outros ou que ainda não percebeu nada de nada. É preciso exemplificar com situações concretas, mostrar erros involuntários. E depois há uma coisa: a menina da lavandaria e tantos e tantas daquela idade não vêem televisão, não vêem telejornal. Vêem é whatsapp, instagram, facebook, tiktok e coisas do género. É lá que tem que estar também a divulgação dos riscos de contágio por coronavírus. Nas televisões e a todas as horas. Por exemplo, acredito que muita gente que vê televisão ao longo do dia, está sintonizava no CMTV e, portanto, é também lá que têm que estar a passar as mensagens explicativas sobre cuidados a ter.

E é nisto que andamos: a tentar sobreviver a esta situação. Mas eu falo de barriga cheia. Pior os que vivem em casas lotadas, pior os velhos que vivem em lares, pior os que vivem fechados em casa sem família ou amigos, pior os que trabalham sem condições e têm que continuar a trabalhar, pior os que trabalham em restaurantes vazios, pior os que já sofriam antes de doenças ou solidão ou tristezas profundas. 

Mas de uma pandemia destas não se sai bem, seja como for, seja quem for. Sairemos outros, o mundo será outro. E todos teremos perdido alguma coisa. É bom é que tentemos perceber como é que nós, espécie tão inteligente, nos descobrimos, afinal, tão estupidamente frágeis.

Mas já chega de conversa destas senão ainda ficamos com os neurónios entrançados, às cores e apenas em metade da cabeça.

Imaginemos, antes, que o mundo ainda é o que era, imaginemos que poderíamos estar juntos, próximos, novos a falarem com velhos, sem máscaras, em que podíamos abraçar-nos na maior espontaneidade. Imagine. Imagine.

Partilho um vídeo delicioso. Uma ternura. Só para nos imaginarmos numa situação assim. 

________

Fotografias de © Alexa Sirbu @alexa_sirbu ao som de Tracy Chapman a interpretar Imagine.

_____________________________________________________

E tenham, meus Caros, um dia tão bom quanto possível.
Saúde. Força. Alegria.

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Encontre a sua alma gémea






Como nasce um amor? Pode alguém que ainda não conhecemos vir a tornar-se o nosso grande amor, aquele amor que nos fará experimentar inesperadas sensações de plenitude?

Eu acredito que sim.

Claro que também pode nascer de uma amizade de longo prazo ou até de uma inimizade de estimação. Mas eu acredito mais em amor à primeira vista, em golpes de paixão. Nada me parece tão estimulante como um escaldante coup de foudre, nascido do nada, imprevisto, inesperado, incontrolável.

Vem isto a propósito de quê? 

Acabei de escrever no Ginjal uma história sobre um desses amores e gostei. Quando escrevo sobre amores assim fico sempre muito leve. 

E agora, ao espreitar o The Guardian, resolvi parar no espaço dos que andam à procura de uma alma gémea. Soulmates (online dating)




Transcrevo os propósitos:


Guardian Soulmates is where like-minded people find great dates...

Welcome to Soulmates, the Guardian's online dating service. Soulmates dating is for individuals of any persuasion whether straight, gay, lesbian or bisexual and has thousands of new people joining every month. Since launching online in 2004 thousands of happy couples have found each other through Soulmates.

Join for free and create your own profile

When you join Soulmates, you will be able to create your own profile - letting people know who you are, what you like and who you would like to meet. You'll have the ability to search for people who interest you, browse through your matches and even receive messages from other users. When you're ready to contact someone you can subscribe to access Soulmates messaging.

Take the next step towards finding your perfect partner. 


Ao passarmos os olhos por alguns testemunhos vemos como aconteceu e como foi fácil correr tão bem.

Se virmos algumas das pessoas que neste momento estão à procura de companhia, percebemos que até têm bom aspecto.

Por exemplo o Creative55, 55 M (homem de 55 anos) ou a fay201, 32 W (mulher de 32 anos):



  • creative55
    • creative55, 55 M

    • Life part 2 !
    • Wimbledon, London, Greater London, England, United Kingdom
    Hi, just a few details ... photos/details are very accurate ( main pic was taken 15-12-2012 rest within a year ago) . Divorced 7yrs , have two young adults 21 + 19 this year ( live with their mum but I'm very activley involved ...



  • fay201
    • fay201, 32 W

    • Bright, bubbly, funny girl...
    • Hertfordshire, England, United Kingdom
    Hi! I have to admit I'm not completly 'sold' on the dating site idea but I'm giving it a go. I guess I'm a bit skeptical about it as I think its important to meet someone and ...













Claro que também há aqueles que eu consideraria uma pena já que andam à procura de um companheiro e não de uma companheira. Como exemplo, mostro-vos este jeitoso:


  • breakfast_in_bed
  • So i thought I'd got over the 40-year-old crisis pretty well - but actually 42 seems to be knocking me about a bit ... I just moved to the magical Hackney Wick and that skimmed about 5 years off me but ...



E os cavalheiros acharão que algumas das mulheres que estão interessadas numa companheira são também um desperdício... mas fazer o quê? Gostos não se discutem.


  • firework
    • firework, 42 W

    • Bursting into the sky!
    • London, Greater London, England, United Kingdom
    I am a lively and happy Londoner with an Italian heart! Don’t freak out, though: my English is to academic standard. Also, contrary to stereotypes, I am not temperamental, I don’t sing all day and I quite like ...



Nos que agora estive a ver, na relação pretendida, aparece quase sempre 'vamos ver o que acontece'. Acho isso saudável. Quem está sozinho e gostaria de ter companhia, qual o impedimento para tentar arranjar companhia desta forma descomprometida, a ver no que dá?

Tantas vezes, quando falo com amigas sozinhas, me dizem que os homens que interessam estão 'tomados'. Que maneira limitada de ver as coisas nesta era da globalização. Porque é necessário que a 'procura' se restrinja aos conhecidos, aos colegas, aos vizinhos? Com o mundo inteiro à distância de um click o que impede de abrir a janela ao mundo?

Imagino que, ao lerem isto, dirão: mas... em Inglaterra? O que eu respondo é o seguinte: e porque não? E, de qualquer forma, isto é um mero exemplo. Provavelmente há mil sites de dating credíveis, com gente normal, gente que apenas quer tentar descobrir aquilo que, por inibição (ou escassez mesmo - já que, de facto, acredito que gente interessante e disponível não se encontre todos os dias ao virar da esquina), até aqui ainda não foi capaz de encontrar.

*




As noites eram aquele enxame desperto as noites
eram noites bem bebidas
a elevação dos lábios interiores dos cálices
o pôr das mãos nos caminhos


Portanto, meus senhores e minhas senhoras, se vos apetece um pouco de romance nas vossas vidas, façam o favor de pôr as vossas mãos a caminho mesmo que, para isso, para ganharem coragem para dar esse passo, tenham que descontrair previamente com uma boa bebida. A vida foi feita para ser vivida com tudo o que de melhor houver. E o melhor não é a solidão, a amargura, a frustração. O melhor é o amor, a entrega, a partilha, a estima mútua.




Estamos tão perto
que aqui onde estamos
não nos descobre nem o ar
sequer a nervura das águas se agita.


Tão perto que podemos estar daquele ou daquela por quem esperámos toda a vida. Não o (a) façamos esperar.


E se ainda não estão convencidos e se for preciso eu abrir aqui uma secção de dating, também o farei.

(Uma secção assim: Meus amigos e amigas, se sentem o peso da solidão ou a inquietação de não terem ao vosso lado alguém com quem partilhem um grande amor, digam o que procuram e o que têm para oferecer. A sorte fará o resto.)

E não digam que não faço de tudo para que encontrem a vossa alma gémea.

Boa sorte e felicidades.


*

Os poemas são de Catarina Nunes de Almeida do belo livro 'Bailias'. A canção cantada por Tracy Chapman é o conhecido Stand by me.

*

Hoje gostaria muito que fossem até ao meu Ginjal e Lisboa pois escrevi uma historinha de amor que dediquei a todos quantos estejam por aí a sentir-se infelizes. As minhas palavras rodeiam o poema de Luiza Neto Jorge e a música hoje é Haydn interpretado por Richter.

*

Tenham, meus Caros leitores, uma bela quarta feira e que tenham a sorte de hoje ser o primeiro dia do resto das vossas vidas. Be happy!

terça-feira, maio 08, 2012

Recomeço


Música, por favor

Tracy Chapman - Be careful of my heart



Algum tempo atrás, num dia como o de hoje - uma névoa espessa, uma chuva miúda e incessante, uma humidade branca, opressiva - fez uma mala de roupa, empacotou algumas coisas, carregou tudo para a mala do pequeno automóvel que tinha ido levantar na véspera, e fez-se à estrada.

Tinha pensado num destino possível mas sem grandes cuidados, sem prudência, muito menos planeamento, e foi para lá que se dirigiu.

Ainda perto de casa, encostou o carro ao pé duma estação de correios e aí colocou uns envelopes.

Inexpressiva, jeans, ténis, uma tshirt vulgaríssima, um blusão de ganga, o capelo descuidado, conduzia como se não tivesse nenhum objectivo concreto.

Quase uma hora depois reparou que não tinha ligado o rádio nem o leitor de CDs. Ia em silêncio, janela aberta, distraída com os seus pensamentos. Mas tentou retomar o assunto em que tinha estado a pensar e não se lembrou. Ligou então a rádio na Antena 2.

Mais tarde, quando se deu conta, já estava perto da saída da estrada que tinha a placa com o nome da localidade. Saíu e dirigiu-se ao centro da pequena cidade (ou seria vila?). Deu uma volta a pé, saco pelo ombro, turista acidental. Andou sem pressa. Numa estreita rua na zona antiga, central, viu uma casa, uma espécie de prédio estreito e pequeno, com uma tabuleta de uma imobiliária para venda ou aluguer. Ligou para o número e disse que queria ver a casa.

Entretanto, dirigiu-se a uma das oficinas de bordados e pediu para falar com o gerente. Lá de dentro saíu um homem com ar de quem tinha estado a fazer contas, ainda com os olhos cansados.




‘Diga’. Ela disse que gostava de trabalhar lá. O homem abriu os olhos de espanto. Depois tirou os óculos, esfregou os olhos, alisou o pouco cabelo. ‘Essa tem graça’, disse. Ela não estranhou a resposta nem alterou a compostura. Explicou que podia trabalhar lá sem vínculo, que podia fazer uma coisa diferente usando a mesma técnica, que podia ser uma coisa à experiência, sem compromisso, ganhar à comissão sobre o que conseguisse vender. O homem ouvia-a admirado, ‘Então mas para que é que quer vir para aqui? Isso podia fazer na sua casa’. Inexpressiva, esclareceu, ‘É para ter companhia durante o dia’ e nem reparou que o homem estava cada vez mais admirado. ‘E também porque aqui há contactos, tem venda ao público, está ligado a uma associação. Vi na internet’. O homem estava sem jeito, sem saber bem como sair desta. Achava muito estranho mas, enfim, sem vínculo, sem compromisso, mal não podia haver. Mas, ainda assim, nunca fiando, ‘Então, à experiência, mas você assina um papel em como não vai haver nada disso que disse, nem vínculo nem compromisso’. Ela disse secamente, ‘Você escreve e eu assino’. O homem, discretamente, olhou-a de alto abaixo, alguma coisa devia haver, queria ver se descobria algum defeito na mulher, alguma coisa que justificasse isto. Só confirmou que devia mesmo haver razões para estar desconfiado. ‘Então e quer começar quando?’. Ela disse, ‘Amanhã’. Quando ia a sair, o homem perguntou: ‘E afinal como é que você se chama’. Ela virou-se, ‘Ana’.

A seguir voltou à casa que estava para alugar ou para vender. Já lá estava uma rapariga. A efusividade da vendedora contrastava com a apatia de Ana.

A casa era composta por um rés de chão e por um primeiro andar que não tinham ligação entre si. Quando se abria a porta da rua havia uma porta à esquerda e uma escada de madeira que levava ao piso de cima. A rapariga explicou que o piso de cima era igual, com a diferença que o rés do chão tinha um pequeno quintal nas traseiras e que, no primeiro andar, as janelas vinham até ao chão, dando para minúsculas varandas. Ana disse que queria começar pelo primeiro andar. Era uma casa muito pequena mas bem conservada - cozinha, casa de banho uma salita razoável, dois quartinhos. Cheirava a casa fechada, um misto de pó, de sombra, de desolação. O chão era de soalho, as portas interiores estavam pintadas de verde água, muito claro. As janelas eram altas e estreitas e tinham portadas de madeira pintadas da mesma cor. A vendedora abriu as janelas que davam para a pequena rua. A chuva continuava branda, triste. Depois abriu as janelas das pequenas divisões das traseiras que davam para outros pequenos prédios e olhando para baixo viu o pequeno quintal, um pinheiro a escorrer, o resto cheio de mato, tudo a pingar. A cozinha tinha chão de mosaico, armários de madeira pintada da mesma cor, bancada de mármore rosado.

Ainda tinha as mobílias, embora incompletas. A vendedora explicou que o rés do chão estava vazio mas que, do primeiro andar, o dono tinha retirado apenas algumas coisas mas, se quem comprasse ou alugasse, quisesse ele deixava ficar, caso contrário esvaziaria também aquele piso. Ana perguntou quanto era o aluguer de cada andar. A vendedora disse quanto era e acrescentou que o valor era o mesmo para cada um mas que o dono estava na disposição de negociar. Ana respondeu, como se nem tivesse pensado, que alugava os dois pisos desde que o dono fizesse um desconto de 40% e que o recheio podia lá ficar, acrescentando que esperava uma resposta do dono até às 3 da tarde. A vendedora engoliu em seco, não estava à espera de uma coisa destas, aquilo estava para alugar ou vender há mais de 1 ano e, agora, do pé para a mão, alugava logo os dois pisos de uma vez. Perguntou: ‘mas não quer ver o rés do chão? Nem o quintal?’. Ana respondeu secamente, ‘Não é preciso, obrigada’.

***

Hoje no Ginjal as minhas palavras voam em volta de um belo poema de Frederico Lourenço que fala de uma certa última dança, e tudo se pode passar ao som de Carmen de Bizet. Gostava de vos ter por lá.

***

E tenham, meus caros, uma bela terça feira.