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domingo, outubro 14, 2018

Estantes, decorações, arrumações.
Estou na cidade enquanto ouço sinais de que a Leslie está a passar ao largo mas que, ainda assim, se faz ouvir.




Sábado atípico. Contudo, bom. Mas todo na cidade: nem campo, nem rio, nem mar. Cidade da cabeça aos pés.
[E isto para não falar na sexta-feira, ainda mais atípica, com um acontecimento que prova que isto a gente não deve desistir de nada por achar que é tão improvável que jamais acontecerá. Aconteceu-me e, no momento em que estava a acontecer, só pensei: Não é possível, isto não está a acontecer, não pode ser. Mas aconteceu. E não foi bom. Mas há coisas piores e eu sacudo para trás das costas tudo o que não me agrada. Não alinho em teorias da conspiração, não alimento paranóias, não fico a achar que 'só a mim...', não desanimo nem deixo que a apreensão me tolha os movimentos. Em bom português, e pardon my french: cago para as malapatas. Bola para a frente.]

Na sexta à noite cheguei a casa ainda meio apardalada mas, em vez de ir enfiar-me na cama ou de ir acender velas a pedir protecção a quem quer que fosse, fui pôr-me a fazer medições -- a móveis, a paredes --, a tirar livros de uma estante para a mudar de sítio só para ver se ficava bem ali, para o espaço ficar livre para outra maior. O meu marido passado. Não concordava com nada daquela mudança. Não queria sequer pensar em ir para o Ikea. Não percebia como tinha eu ainda disposição para andar naquilo. Eu a precisar de ajuda para ensaiar, para perceber se aquelas trocas resultariam, e ele contrariado, mal-disposto.

Depois, não apenas porque era tarde para fazer jantar como porque nos apetecia laurear, resolvemos ir jantar à praia. Uma humidade boa, a maresia bem activa, cheirosa. Não deu para ir passear à beira de água porque me tinha esquecido de levar um agasalho e o frescor das noites de Outubro estava a fazer-se anunciar.


Hoje de manhã o meu marido comunicou-me: acordei a pensar nessa coisa das estantes e tive uma ideia. Sobressaltei-me: pensei que ia ser uma parvoíce daqueles dele em que inventa tudo o que lhe vem à cabeça para não ter que ir ao ikea.

Mas não: uma ideia disruptiva. Acabar com o escritório até porque raramente é usado. Levar a secretária grande para o espaço de estar na zona fechada do terraço, perto do cadeirão americano, da conversadeira e dos banquinhos baixinhos. E, na parede da secretária, colocar uma big estante. 

Adorei a ideia. Boa. Fiquei mesmo contente.


Almoçámos lá, no Ikea, e fomos às compras a seguir.

Escusado será dizer que mal entrou no parque de estacionamento o meu marido entrou logo em desespero. Estava cheio. Por ele, dava logo meia volta. Mas lá o convenci a ficar. Depois, mal chegámos ao restaurante e vimos aquelas longas filas, disse outra vez que não tinha nada que aturar aquilo, que não foi feito para estes números. Mas lá ficámos. E foi bem bom. Ficámo-nos pela sopa, pelo wrap de salmão, pela salada de cuscuz, salmão, queijo, passas, tomate e rúcula, depois almôndegas vegetarianas com um arroz de legumes, para mim um sumo de cenoura, maçã e gengibre e, para rematar, uma tarte de frutos vermelhos. Muito bom. E arranjámos uma mesa junto à galeria, quase isolados, agradável. Quem diria que iríamos gostar de almoçar no ikea?

A seguir lá nos dirigimos às estantes. Tanta gente. Até eu me impaciento no meio da barafunda, de caminhos labirínticos. Mas, enfim, é o que é e thanks god there is ikea. Trouxemos a estante grande mas também uma estreitinha, de quarenta centímetros de largura mas com dois metros de altura, para encostar à coluna aqui da sala da televisão. A comodazinha que agora lá estava foi para um pequeno recanto no hall dos quartos. E ainda mais uma estante-cubo, com quatro compartimentos, para pôr ao lado de um dos maples.


Quando nos dirigimos ao piso de baixo para recolhermos as caixas, o meu marido bufando em contínuo, vimos aquilo que esperávamos: volumes grandes demais para o carro. Já tínhamos dado como adquirido: tem que ser com entrega. Só que, ao tentar retirar da estante a primeira das caixas, percebemos que era um peso bruto. Ele fulo, claro, que ia dar cabo das costas, que não comprasse eu tanto livro e não tinha ele que andar sempre a acartar e a montar estantes, etc, etc. Lembrei-me: mas será que não podemos simplesmente dizer o que queremos, sem termos que andar a levar as caixas para o balcão dos despachos?

Fui informar-me: têm esse serviço, sim senhor, mas pago. E assim fizemos: pagámos. O levantamento das embalagens, o transporte e a montagem. Portanto, só tivemos que fazer a encomenda detalhada do que queríamos e levá-la à caixa para pagar. Claro que agora vou ter que esperar um pouco mais de duas semanas quando estava mortinha por me pôr já a virar a biblioteca toda do avesso para arrumar numa nova disposição os livros que por aqui andam a monte. Mas não havia outra alternativa: era um peso, um tamanho e um trabalho de que só eu e ele não daríamos conta.


Antes de regressarmos a casa ainda me apeteceu um gelado. Depois, cá, deitámos mão à obra. A secretária ainda tinha as gavetas cheias de tralha do meu filho e de mais nem sei já bem o quê. E havia para lá mais uma data de coisas. Tudo passado a pente fino e muita coisa para o lixo. Transportá-la para o outro lado da casa foi um bico de obra. Em tempos, numa era pré-ikea, havia perto da minha casa uma loja de móveis muito bons. O dono negociava em antiguidades e tinha uma loja especializada em fornecimento de mobílias e decoração de embaixadas. Grande parte dos móveis da minha casa provém de lá. A secretária também. É enorme, pesada, em nogueira, com o tampo em pele verde. Se me lembrar, um dia destes fotografo-a. Para conseguir tirá-la de lá, o meu marido teve que tirar um outro móvel e os dois andámos com ela às voltas, tombada, para conseguir passar pelas portas e dar curvas. Arrumei também as gavetas da pequena cómoda que agora está no hall. A grande cesta onde tenho a juta dos arraiolos e as lãs também foi arrumada e mudou de sítio. Idem com os desenhos dos vários tapetes que já fiz.


Claro que não fiz outra vez jantar. Mandámos vir uma bela pizza em forno de lenha que comemos quentinha e saborosa. 

Agora estou aqui, meio a dormir (como de costume...), contente com a perspectiva de ir ter estantes novas e de conseguir ter esta sala minimamente arrumada, sem livros a transbordarem por todos os cantos, sentados em cadeiras, cadeirinhas e sofás, encarrapitados em cima da mesa redonda, das estantes baixas e das mesinhas de apoio, em pilhas ao lado de tudo. 

Cheia de preguiça e mais lá do que cá, à falta de notícias estrepitosas, tenho estado aqui entretida a ler 'O caminho estreito para o longínquo norte' de Matso Bashô; e, pelo meio, quando sinto que vou adormecer, ponho-me a navegar à bolina entre imagens de decoração quer da Madame Figaro quer da Elle parisiense; e repesquei umas quantas para acompanharem o texto, ao som de Finn Andrews que interpreta ‘Nobody Gets What They Want Anymore' de Marlon Williams.

E, para já, é isto que tenho a reportar. E domingo será um novo dia. E que seja, para todos, um dia feliz.


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E não me lembro se, no outro dia, vos mostrei uma coisa belíssima. Podia ir verificar mas estou tomada pela indolência. Por isso, pelo sim, pelo não, mostro. Une merveille.

Sarah Lamb e Steven McRae do The Royal Ballet ensaiam Mayerling