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domingo, maio 15, 2022

Dicas para uma boa vibe.
Torne a sua vida ser um pouco mais feliz

 



Li um artigo com dicas para uma pessoa se sentir um pouco mais feliz. Shift your vibe! 60 quick ways to make yourself slightly happier. Li e concordei com quase todas.

Recomendo a sua leitura pois tem conselhos muito abrangentes e, acredito, eficazes. Contudo, aviso desde já: não recomendo a leitura deste post a filósofos, cépticos, pessimistas ou infelizes por vocação.

Pensei em trazer para aqui os conselhos do Guardian mas, se me pusesse a traduzir, nunca mais acabava pois 60 conselhos são muitos conselhos. Claro que poderia ir ao tradutor automático e já estava. Só que não é bem assim pois o tradutor volta e meia pontapeia a minha sensibilidade e, portanto, tinha que estar a rever e corrigir. Não me apetece. Estive a ver a Eurovisão (comecei a ver e achei que aquela gente parecia estar numa boa onda, a produção era espectacular e, não menos relevante, estava cheia de preguiça para fazer outra coisa). E agora é tarde.

Portanto, vou repescar algumas daquelas dicas ou acrescentar outras ou escrevê-las à minha maneira. 

Caminhe todos os dias

Não é preciso ser muito mas, se for, melhor ainda. Pode ser ir até a um parque e dar lá umas quantas voltas, pode ser dar umas quantas voltas ao burgo, pelo passeio, pode ser ir até à beira rio ou à beira mar, pode ser andar na montanha. Andar ao ar livre. Li no outro dia que, pelo menos durante 10 minutos por dia, a intensidade da caminhada deve ser razoável. Ou seja, pelo menos durante 10 minutos não andar a pisar ovos, em deambulação lenta e romântica. Chova ou faça sol, de chapéu de sol ou de chapéu de chuva, nada deve fazer-nos arranjar desculpa. Andar. Cumprimente as pessoas com quem se cruzar, de preferência sorrindo. 

Eu tento andar pelo menos durante meia hora. De facto, ando quase sempre mais do que isso. À tarde, se puder, ando quase uma hora. E agora com o meu amigo felpudo tenho motivo para andar também a meio do dia. Contudo, se for só eu e ele, este é sempre um passeio pequeno. Mal faz as necessidades, quer vir para casa. E eu, como tenho que almoçar e geralmente não tenho muito tempo, também não me importo.

Leia ao ar livre

Leia no jardim, seja ele privado ou público, na varanda, no parque, numa esplanada -- onde for. E se não há jardim ou varanda, coloque uma cadeira ao pé da janela e abri-la. Por vezes ler ao sol é difícil. Pelo menos para mim é. O excesso de luz, incomoda. Então agora descobri o antídoto perfeito. Uso um boné daqueles que têm uma pala comprida. Dá um jeitão.

Coma bastantes saladas e frutas

Frutas e saladas são uma fonte de bem estar. Em todas as minhas refeições como salada (alface ou canónigos ou tomate, temperada com azeite e orégãos). A fruta é o meu ponto fraco. Como mais fruta do que devia e isso não é bom, tem açúcar a mais. Começo o dia com uma banana, uma laranja, meio abacate. Depois a meio do dia como uma maçã. Depois ao jantar como um kiwi ou uvas ou morangos ou nêsperas ou o que for de época. E, se há tangerinas e me dá a fome depois de alguma reunião, lá vai uma. Não deveria. Deveria cingir-me a três peças de fruta. Mas gosto imenso pelo que abuso.

Veja arte, de preferência em galerias ou museus

É daquelas coisas que faz bem à alma. Andar por lá, olhar, ficar parado a observar. Se houver bancos, ficar sentado a olhar. Por causa da covid e agora por causa do dog, isso são hábitos de que tenho andado arredada. Mas tenho que arranjar maneira de retomar. Museu de Arte Antiga, por exemplo. Depois vir para o jardim, olhar o rio, ficar sentada a sentir o fresco. Ou Gulbenkian. Ou outro qualquer. Não podendo, navegue por museus virtuais.

Faça arrumações

Despeje gavetas e arrume depois, tudo bem arrumadinho. Arrumar livros. É bom arrumar. Ver que fica tudo organizado e mais espaçoso. É uma boa sensação. Se for preciso, lave a roupa que estava guardada ou ponha-a ao sol, arrume depois, tudo mais direitinho, mais limpinho e organizadinho.

Experimente ir a sítios diferentes 

Vá ao lançamento de um livro, ouça o escritor e o que os outros dizem dele. Se calhar é uma chachada mas não faz mal, ouvir gente que se acha é uma fonte de diversão. E, com sorte, pode ser interessante. Vá a uma conferência ao fim da tarde. Vá a um workshop de jardinagem, culinária ou maquilhagem. Vá a uma aula experimental de qualquer coisa. Inscreva-se num clube de leitura. Inscreva-se em aulas de dança. Ou seja, experimente, diversifique. Ouse.

Ouça reggae ou afins

No artigo to Guardian refere Country Music. Um estudo provou que quem ouve este tipo de música melhora a circulação e o seu estado físico. Contudo, para mim, se há coisa que me deixa automaticamente bem disposta e com vontade de dançar é aquela música toda ela boa onda que logo me faz lembrar Bob Marley. Podendo, é pô-la bem alto, abrir a janela e deixar que o corpo faça a festa. Dance, sorria, cante a plenos pulmões.

Invente um cocktail

Uma boa bebida, fresquinha, a olhar a paisagem e a ouvir música é do melhor que há. Se não é de bebidas alcoólicas não tem problema. Tenha uma água tónica fresquinha (ou uma água das pedras), tenha um sumo, misture outro, misture uma casquinha de limão ou de laranja, uma pedrinha de gelo. Ou uma folha de hortelã. Ou, gostando de um cheirinho, junte-lhe rum. Ou vodka. Ou gin. Um copo grande, uma bebida colorida, o olhar descansado a olhar coisa nenhuma. Relax. Feel good.

Faça umas tostas variadas e boas

Torre um pãozinho cortado fininho ou tenha tostas já compradas feitas. Ponha na mesa manteiga, queijinhos, compotas, orégãos, azeite, tomate, mel Misture. Saboreie. Coma com calma. Acompanhe com uma bebida boa. Tenha uma musiquinha boa a tocar. De preferência esteja na varanda ou, pelo menos, de janela aberta. Se tiver amigos que possa convidar para lhe fazerem companhia, melhor. Senão, fica para a próxima.

Esqueça as redes sociais

Viva o prazer de estar e ser sem ter que estar a partilhar o que está a fazer nem sinta curiosidade em ver o que os outros andam a fazer. Descubra o prazer das coisas em si. Desligue-se da opinião dos outros. Procure encontrar a felicidade por si, nas pequenas coisas.

Brinque e faça mimos a um cão (ou a um gato)

Se tiver um na sua família, melhor. Se não tiver, descubra algum amigo que o tenha e combine encontrar-se com ele. Se não, veja se descobre algum grupo de voluntários para passear cães. Ou veja se isso pode ser um extra ou um hobby na sua vida. Ter um cão, brincar com um cão, passear com um cão é do melhor que há. Se calhar o mesmo se passa com um gato ou com uma tartaruga mas isso não sei.

Aprenda a fazer arranjos em casa

Pinte móveis antigos, pinte vasos, dê vida nova a objectos velhos, aprenda a pendurar coisas, pendure um espelho junto às flores, transforme um copo numa jarrinha, arranje florzinhas (de verdade ou artificiais, mas bonitas), conceba recantos confortáveis na sua casa.

Abrace a vida

Queira ser feliz. Queira estar de bem com a vida. Afaste-se de pessoas complicadas e procure a companhia de pessoas que transportam a vida com leveza. Sinta-se agradecido/a por viver em paz. Aprecie os milagres da perfeição espontânea. Sinta-se com sorte e com a vida pela frente. Sorria. Abrace alguém. Deixe-se abraçar pela alegria de viver.

Etc.

Não vou continuar pois, com isto, já passa das duas da manhã. E os conselhos, vendo bem, poderiam ser infinitos. 

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As fotografias são da autoria de Kellie French
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Desejo um bom dia de domingo

domingo, janeiro 09, 2022

Tarde de praia com um mar grande e um cão felpudo -- e muito amor para dar

 



Da noite para o dia a cameleira apareceu coberta de camélias. O jasmim amarelo começa a também estar composto com as suas pequenas e delicadas florzinhas. A ver se fotografo para aqui deixar registo da graça da natureza a despontar em toda a sua delicadeza.

De repente parece que começámos a entrar na primavera. As buganvílias ainda têm algumas flores. É certo que o chorão ainda agora ficou nu mas, não fora isso, e dir-se-ia que passámos do verão à primavera com uma fugaz passagem pelo outono e sem termos entrado no inverno.

Almoçámos no terraço e estava-se muito bem. Fiz peixe cozido, maruca, com batata normal e batata doce, cenoura, feijão-verde, brócolos, cebola e ovo.

Depois fomos até à praia. Não houve jogo de futebol (até porque o meu filho já tinha feito cinquenta quilómetros de bicicleta e, portanto, já tinha um pouco menos pilhas do que de costume) mas houve outros jogos de bola e brincadeiras com o ursinho felpudo que, mesmo sem o prendermos, pouco se afasta de nós. A única vez em que poderia ter ido sem pestanejar e bye-bye little teddy bear, foi quando resolveu correr atrás de outro cão. 

Por sorte, o menino mais novo estava com ele pela trela. Com a força e o impulso da corrida do ursinho, caiu e foi arrastado pela areia, de barriga para baixo... mas não largou a trela. Impressionante. Um valente.

Constatamos que o patudo-peludo gosta de brincar com outros cães. Não tem medo de nenhum. Dá ao rabo e aproxima-se mesmo que os outros lhe ladrem. 

É uma coisa boa andar com o nosso cão na praia mas é ainda melhor estarmos com os nossos filhos e netos e todos brincarem uns com os outros e com a pequena fera. Um tempo ameno, uma luz maravilhosa, uma boa disposição partilhada. Muito bom.

Miúdos e graúdos, uns mais afoitos e a menininha ainda a bit reticente, todos gostam de sentir o pelo macio e a maneira de ser deste nosso novo elemento da família.




Depois da praia ainda tivemos afazeres. Portanto, quando chegámos a casa já era de noite, Passámos ainda pela pizaria para trazermos daquelas pizas de forno de lenha de que tanto gostamos.

E, aqui chegada, depois de jantar, escolhi as fotografias que tinha feito na praia e enviei-lhes. E depois deu-me um sono total. Adormeci. E ainda estou a lutar contra ele. A semana teve momentos complicados e a sexta-feira foi especialmente tensa e complexa. Quando é assim, o corpo pede retempero ao fim de semana.

A pequena fera teve uma semana pouco complexa e nada tensa mas a tarde na praia, as corridas e as escavações deixaram-no KO. Chegou, comeu desalmadamente e caiu para o lado, dormindo a sono solto, deitado de lado no chão aqui da sala. Foi um caso sério conseguir que se levantasse, que fosse até ao jardim fazer chichi e que regressasse à sua cama. A cada passo, deitava-se e queria dormir.

O mar estava lindo, lindo. Gosto muito de fotografar o mar. 

Nenhum surfista. Não sei distinguir os tubos, o fechamento das ondas, a sua sequência e altura. Mas alguma coisa era pois não se via um único surfista. 

Em contrapartida, na praia onde estávamos -- e acho que foi a primeira vez que lá fui -- havia um cheirinho a erva no ar que não era brincadeira. Aliás, toda aquela malta tinha um ar especialmente cool. 

Qualquer coisa nas pessoas, no areal e na forma como as pessoas o ocupavam, na luz que a meio da tarde começou a tingir-se de névoa num dos lados e de sunset sobre o mar parecia prenunciar que havia por ali muito amor para dar. Ainda bem. 

Quando lá cheguei, eu disse que havia qualquer coisa em todo aquele ambiente. A minha filha disse que tinha um boa vibe. E era isso. 

Dantes, quando íamos à praia em Janeiro, éramos muito poucos. Agora as praias estão cheias. É muito bom. Adoro o ar livre, adoro a beleza da natureza, adoro ver pessoas a desfrutar as maravilhas da natureza. Acho que toda a gente fica mais feliz quando anda ao ar livre.

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Ode ao mar -- Pablo Neruda


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Desejo-vos um belo dia de domingo

sexta-feira, janeiro 07, 2022

Entre o António Costa e o André Ventura, obviamente ganha o Costa.
Entre o André Ventura e o meu ursinho felpudo, obviamente o urso peludo




Grandes progressos. Inaugurámos hoje o peitoral com trela para prender a fera ao cinto de segurança do banco de trás. 

Em casa, espantado com a coisa, nem ofereceu grande resistência. Habitualmente, pôr a coleira e a trela é um momento de diversão. Saltita, recua, brinca, rodeia-nos, rasteja. Uma brincadeira para ele. Desta vez, intrigado com o novo apetrecho, chegou-se e deixou pôr. 

No carro também aceitou tranquilamente a nova disposição. E eu, aleluia, aleluia, consegui ir no banco da frente. 

Contudo, de imediato, se esticou para vir colocar a parte da frente do corpo entre nós. De vez em quando deitava a cabeça no meu ombro ou encostava-a à minha cabeça. Outras vezes, encostava-se ao braço do meu marido.

Tem tanto de brutinho quanto de meiguinho. O caminho todo assim. Desconfortável para ele mas agarradinho aos donos. Uma fofurinha. 

Estávamos na nossa hora de almoço a caminho do campo. Lá chegados, coloquei a tigelinha da ração e a da água. Nem lhes tocou. 

Como fui fazer o almoço e o meu marido trabalhar, ele ficou connosco em casa. Escolheu um sofá e instalou-se, encostado a uma almofada, todo aconchegado. 

(O penacho mais claro é a parte de dentro de uma orelha que ficou virada ao contrário) 

Um montinho de pêlo. Fui fazer-lhe uma festa. Quando está assim, fica muito quentinho, um peludinho quentinho. 

Mal acabámos de almoçar, fomos dar uma volta. Aí ele fica outro. Corre pelos caminhos, aventura-se entre as árvores e os arbustos de alecrim, sobe a muros, bebe água das covas das pedras, cheira tudo, desenterra nem se sabe o quê e, contra a nossa vontade, come e lambe-se todo.

Se ouve algum carro a passar lá em cima, na estrada, desata a ladrar e desata a correr até ao pé do muro e do portão. Depois, vem a correr ter connosco, a abanar o rabinho, a abanar-se todo, todo contente, e senta-se a olhar para nós à espera que lhe digamos que fez muito bem, que toma muito bem conta da casa. Fazemos festinhas, elogiamos e ele todo se derrete de alegria.

In heaven, está tudo muito verdinho, há muito musgo. Mas também há muitos cogumelos. Alguns cogumelos são grandes, aparatosos. Fico sempre receosa. Mas, felizmente, parece que os cogumelos não o atraem. Não devem ter cheiro. Mas, se vê porcarias, nem sei se serão cogumelos desfeitos ou coisa pior, logo se atira, todo entusiasmado. Se tentamos demovê-lo, rosna e até mostra os dentes. Parece que encontrou um tesouro e não quer ser desapossado. O que vale é que, se conseguimos distrai-lo, já fica outra vez amistoso e feliz da vida.

Quando regressámos, já era noite, vinha cansado. Começou por se deitar no banco. Pensámos que viria todo o caminho a dormir. Mas, afinal, ao fim de pouco tempo voltou a levantar-se e a vir aninhar-se ou junto a mim ou junto ao meu marido.

Quando aqui chegou, comeu a ração, bebeu água e agora dorme tranquilamente no chão aqui da sala. Para ele, tal como para mim, foi um belo dia. 

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O teletrabalho tem isto de bom. A gente trabalha no campo tal como no escritório. Não se pode falar de ubiquidade mas a verdade é que é mais do que mobilidade, é mesmo o ser irrelevante onde a pessoa está. Posso estar de manhã na cidade, de tarde no campo, à noite de volta à cidade. E sempre presente.

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Entretanto, estive a ver na RTP 1 o António Costa a aturar o sabujo André Ventura. Custa a compreender como um populista e um desavergonhado como este execrável "consultor fiscal" (e ponham-se muitas aspas nisto pois não há quem não saiba o que os consultores fiscais aconselham...)  chegou até aqui. Se só houvesse dois candidatos às eleições legislativas, o amoral Ventura e o meu fofo peludinho, eu não teria dúvidas em votar no último. Só gente ignorante, estúpida ou de má fé é que vota no Chega. Não vejo outro motivo para haver votos naquela espécie de partido. 


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E até já.

quinta-feira, setembro 02, 2021

Peace in heaven

 


Já vimos os quatro episódios na nova temporada da Grace & Frankie. Já vi todos os episódios de 'A Directora' (estes só eu é que vi) e voltámos a The Crown. 

E voltámos às arrumações, ele à estante da tralha dele na despensa e eu ao apartamento. No meu caso, foi mais limpezas: varri, lavei, afastei móveis e sofás. Há um detergente branco com cheiro a sabão de que gosto bastante e que deixa no ar um perfume a casa lavada.

E fiz uma máquina de roupa que foi estendida como gosto: nas cordas que pusemos entre os pinheiros. Dá-lhe o ventinho e seca num instante, até parece que foi passada a ferro.

E deu-me uma ideia. Era para estofar duas bergères, talvez pintar-lhes as madeiras de branco envelhecido. Como estão, em madeira escura e com veludo cor de tijolo, não apenas têm um aspecto datado como, ali, no actual contexto, ficam com um ar pesado. A sala agora está leve e aquelas bergères destoam. E não seria barato modificá-las. Aliás, ainda não arranjei quem me fizesse sequer o orçamento. Pois, neste meu ímpeto transformador, levei-as para a salinha que fica na base da zona antiga da casa. Estão lá reunidos vários despojos e parece haver alguma unidade e harmonia naquela misturada. Ou seja, ficam bem ali. E a ver se arranjo agora umas mais actuais, mais leves, mais claras e mais confortáveis para colocar perto da lareira. 

Quando vejo a minha casa agora tão clara e luminosa com as portas, janelas e rodapés, tudo em branco, e a decoração mais leve, sinto-me tão bem. Parece que a casa traz alma nova a quem nela está. A mim deixa-me feliz. 

Vou vendo, de vez em quando, os mails do trabalho. Retirei as notificações no telemóvel. Assim, só vou ver quando me apetece e isso está a trazer-me uma paz de espírito considerável.

O dia esteve incerto e, de tarde, enquanto víamos a sonsa e cumpridora Lilibet a esfriar os ânimos à fogosa irmã e a ir na cantiga do enervante e eficiente Tommy, trovejava. Era aquele trovejar contínuo e distante que faz boa companhia e que faz desejar um chá quentinho e uma tarde à beira da lareira. Apenas choveu ao de leve e foi pena pois uma chuva forte viria a calhar. As terras estão secas.

Uma figueira grande, lá em baixo, morreu. Se calhar é normal. A vida, nas suas diversas formas, é finita. Era tão grande e tão vigorosa e, não sei como, este ano não nasceram as folhas e ficou com o tronco escuro e sem vida. Felizmente tenho muitas fotografias com ela. Assim, a sua existência poderá ser lembrada. O meu marido cortou-a. Se fosse há uns tempos, teria ficado doente de desgosto. Agora já vou aprendendo que, na natureza, é mesmo assim: morrem umas árvores ou umas pessoas e nascem outras. Não haveria espaço neste mundo para novas vidas se as antigas não lhe cedessem espaço e vez. 

Por exemplo, vejo pés de pinheiro a despontar por aqui e por ali. Há um viço intrínseco na terra, uma vontade de renovação. Não sei se os arranque ou se deixe ver no que vai dar. Por segurança, devemos obrigá-los a um distanciamento mínimo mas vou deixando andar. Não quero forçar ou condicionar o rumo dos acontecimentos.

Hoje, quando estava a andar, de dentro de um arbusto baixo, ouvi o som de um salto, um roçagar assustado de folhagem, uma corrida precipitada. E, no entanto, não consegui ver nada. Não faço ideia do que teria sido. Grande parte do que acontece é invisível. Tal como nas nossas vidas, parte do que há neste mundo está oculto, apenas percebido por quem se abeira de bem perto e com vagar suficiente para deixar que o mistério, a seu tempo, se materialize. 

Reparei também que as três grandes águias voltaram a sobrevoar o terreno lá em baixo, perto dos eucaliptos grandes. Andam lá muito no alto, voam em círculo. Tentei fotografá-las mas não consegui. São rápidas demais. Há vários anos que, de quando em vez, esta coreografia tem lugar. Não sei onde andam quando não andam a voar ali. Podem passar-se dias ou semanas ou meses sem que as veja. Quando as vejo é como se recebesse o atestado de que estou onde pertenço: aqui, in heaven.

Ah, já me esquecia. Estive também a embalar os orégãos deste ano. Há um mês e tal, talvez mais, já nem sei, apanhei braçadas deles. Depois abri um lençol (lavado, bem entendido!) sobre um sofá cama aberto no estúdio e coloquei lá os ramos de orégãos. Há nessa sala uma entrada de luz através de uma fiada de mosaicos de vidro. Portanto, a sala tem sempre luz indirecta, óptima para secar os orégãos.

Hoje trouxe o lençol para cima da mesa aberta da sala de jantar. Com o pano do lençol esfreguei os pequenos ramos uns contra os outros a fim de que as folhinhas se desprendessem. Depois, sempre em cima do lençol, fui limpando pontinhas secas, os pequenos pauzinhos secos que sustinham as flores e as folhinhas. Pensei que é isso que devem fazer os trabalhadores temporários que acondicionam as aromáticas. Um trabalho de paciência e atenção. A sala ficou perfumada de dar gosto, um perfume mediterrânico que tem dentro o sol e o amor pela terra.

Tinha vários frascos que fui guardando ao longo do ano ou de espargos ou de doce ou de mel. Enchi vários, de vários tamanhos. Somos grande consumidores de orégãos. E ofereço alguns com o prazer de quem oferece preciosidades. 

No estúdio, em cima da mesa da kitchnette, há um pequeno regador de metal pintado de amarelo onde estavam uns pés de alfazema já seco, quase sem cheiro. Deitei-os fora. Apanhei pés novos, com o perfume ainda bem activo. Juntei uns pequenos rebentos ladrões de laranjeira que têm um forte e fresco odor cítrico que muito me agrada. Juntei ainda um ramo de loureiro. Penso que o bouquet vai trazerr um perfume bom àquele compartimento.

Há tempos li sobre uma forma de fazer um perfume ambiente a partir de produtos naturais. Quero ver se encontro. Sou muito sensível a perfumes. Gosto de aromas frescos, limpos. Se conseguir ter a casa sempre com um perfume agradável a partir das plantas de cá melhor. 

Depois passei pela pereira e reparei que tinha umas quantas peras. Uma comi-a logo ali. Doce. Se não fosse pelo açúcar, poderia alimentar-me quase só de fruta. Figos pingo de mel, uvas dulcíssimas, moscatéis, peras macias, boas. A vida simples é uma coisa boa.

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As fotografias são algumas das melhores de The 2021 Comedy Wildlife Photography Awards

Bob Marley interpreta She used to call me Dada

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Desejo-vos um dia feliz

Tudo de bom: saúde, alegria, motivação

terça-feira, agosto 24, 2021

Dar à luz

 



No nascimento de qualquer dos meus filhos houve falsas partidas. Nasceram ambos no limite, às quarenta e duas semanas, de partos induzidos. Antes houve ameaços, contrações, idas ao hospital. No caso da minha filha, cheguei a ficar lá um dia inteiro a parecer que ia mesmo nascer. Mas não nasceu. O médico, pessoa em quem tinha grande confiança, dizia que achava que se deveria deixar a natureza seguir o seu curso. Nada me parecia melhor. 

Portanto, nos dois casos, esperámos até ao limite e, no dia acordado, apresentei-me para que, a bem ou a mal, as crianças saltassem cá para fora. Nos dois casos só soube o sexo depois de terem nascido. Era informação irrelevante. Seriam os meus bebés queridos, fossem o que fossem, fossem como fossem.

Nos dois casos fiz preparação para o parto e, nas duas vezes, fui convencida de que não me ia custar nada. Nem por um instante coloquei a hipótese de que poderia doer. Pelo contrário, o que combinei é que não havia anestesia por qualquer via e que cesariana só em último caso.

Não fui nervosa. Pelo contrário, irritava-me quando me diziam que doía. Achava que a dor era psicológica e que eu, encarando a coisa na boa, não iria senti-las. Mesmo na segunda vez, depois daquilo por que passei na primeira vez, tive exactamente a mesma ideia.

Contudo, as dores que tive, horas e horas de violentas contrações, o organismo em sofrimento absoluto, transpirando em bica, por fim verdadeiramente desesperada de dores, seriam para deixar marca em qualquer animal, humano ou não. 

Lembro-me de estar num estado tal, incapacitada de todo, que, quando se aproximou o momento da expulsão, a enfermeira me ter dito que tinha que me pôr de pé e ir para a marquesa que estava mais além. Eu disse que não conseguia. As dores eram dilacerantes, parecia que alguma força invisível estava a rasgar o meu ventre, a agarrar o meu corpo por dentro, a esmagá-lo. Não sei explicar pois, na verdade, nunca antes tinha vivido uma situação de tal impotência perante o fenómeno que estava a enfrentar. Chegou a um ponto em que notoriamente as dores estavam para além do suportável. Pensei que poderia acontecer qualquer coisa de limite pois o sofrimento que estava a sentir já não era compatível com a natureza humana.

Nessa vez em que a enfermeira me mandou andar e me disse que conseguiria, não sei como mas, na verdade, consegui. Encontramos forças onde não sabemos que existem. Fui, quase inconsciente de tantas dores, o corpo todo tolhido. 

Quem não passou por isso não pode imaginar. Não se comparancom dores musculares, ósseas ou traumáticas. É coisa de outra dimensão, uma violência profunda, um espasmo doloroso, visceral, integral, o corpo em carne viva.

Acresce que, por características de família, criança não queria descer.  Melhor: não conseguia descer. No meu nascimento aconteceu o mesmo, no da minha mãe idem. Já mão me lembro mas tenho ideia que são os ossos da bacia que, na altura devida, não dão o espaço devido. Não sei. 

O médico fez de tudo para evitar a cesariana, conforme eu lhe tinha pedido. Saiu com ferros, o médico a puxar para a frente, o meu marido e a parteira a puxarem-me para trás. Não sei como resisti, não sei como não desmaiei. Mal a minha filha chegou cá fora e ma puseram em cima dizendo-me que era uma menina, apaguei. Mas apaguei condicionalmente pois vinha a mim para perguntar se a menina estava bem. Diziam-me que sim, eu caía no vazio para logo de seguida voltar a mim e perguntar pela menina. Até que cheguei ao quarto e foi como todas as dores se tivessem evaporado e se iniciasse uma nova fase em que me ia entregar a ela, dando-lhe o meu leite, alimentando-a e enchendo-a de amor. 

Fui para o segundo parto com a descontração e inconsciência da primeira vez. Contudo, foi pior. Ele era enorme. No momento do parto, sentia-me como se estivesse a rebentar, dores insanas. O médico tentou convencer-me a ser anestesiada. Não quis. O médico disse que deveria ser cesariana. Não quis. Gritavam-me para eu não fazer força pois poderia rasgar o útero mas não era eu que fazia força, devia ser ele. Ou era todo o organismo, não sei. Dores, dores, dores.

Daria a minha vida por eles.

Achava que ao natural, sem anestesias, sem artificialismos, as crianças seriam mais saudáveis. E, por isso, por elas, eu deixar-me-ia despedaçar se necessário fosse. 

Hoje pensaria de uma forma menos linear: tantas horas de dores, de contrações, de brutal sofrimento, afectarão de alguma forma a criança? Sofre também? Estará num sufoco, apertada, quase sem respirar, quase asfixiada durante as contrações? Se a resposta fosse positiva, isto é, que sim, que a criança também sofre e que tanto sofrimento seria escusado se a mãe aceitasse abreviar e atenuar o sofrimento, certamente pensaria melhor. Na altura não me ocorreu nem ninguém me falou de tal hipótese.

Também não me ocorria que uma criança, mesmo que com meses ou escassos anos, tinha sentimentos e pensamentos como qualquer ser humano. Na altura, preocupava-me sobretudo que fossem bem alimentadas, bem higienizadas, bem tratadas, acarinhadas, as suas necessidades compreendidas e atendidas. Se interpretavam bem ou mal os meus gestos ou se sofriam psicologicamente com alguns dos meus actos isso não me ocorria. Tantas vezes debaixo da pressão de trabalhar e deslocar-me e atender as suas necessidades, quantas vezes terei deixado os meus bebés sem perceberem bem as minhas opções? Terão ficado neles marcas de que nem eles próprios suspeitam?

Não sei. 

Sei que queria (e quero e sempre quererei) que sejam felizes e saudáveis. Mas será que há um ponto de equilíbrio entre o que queremos a nível de saúde e a nível de felicidade e que, muitas vezes sem querer, sem nos darmos conta, estamos a desbalancear num ou noutro sentido?

E estes são apenas exemplos de uma coisa. Conheço algumas pessoas que dizem que, se fossem hoje fazer uma coisa, fariam exactamente da mesma maneira. Acham que isso é sinal de coerência. Eu sou o contrário. Talvez seja inconsciente, incoerente. Mas mudo, penso segundo outras perspectivas. Hoje talvez os meus filhos tivessem nascido mais cedo, de cesariana. Pelo menos não teria sido tão irredutível e não pensaria tanto no lado físico, dedicando mais atenção ao seu lado psicológico. A ciência avança e, o que parece de uma maneira, rapidamente deixa de sê-lo pouco tempo depois. Temos que ter a humildade de reconhecer que, por vezes, julgando que estamos a fazer o melhor possível, estamos a errar.

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E já não sei bem a que propósito vinha isto. Caí aqui no sofá e o torpor do cansaço tomou conta de mim. Adormeci várias vezes ao escrever. Estou in heaven. Viemos ao fim do dia, depois de reuniões que demoraram mais do que se tinha previsto. Depois, parámos ainda no supermercado. Pelo meio, consegui convencer o meu marido a desviar-se para irmos aos gelados. À chegada, tivemos que arrumar as coisas. Jantámos às dez e tal. A seguir não se encontravam os cabos da televisão. E não sabíamos onde estavam os lençóis. Tivemos que fazer a cama.

Com tudo isto a pesar-me, comecei a escrever com um objectivo mas, pelo meio, perdi-o e agora, depois das duas e meia da manhã, já não consigo pensar. Portanto, fica assim. Pode ser que alguém consiga descortinar onde é que isto ia levar ou se o texto, tal como está, pode existir por si mesmo. 

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As imagens são da autoria de Adrian Murray que, de forma tão terna, sabe fotografar os seus filhos. 

Bob Marley interpreta Three little birds

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Desejo-vos um dia feliz.

sábado, fevereiro 22, 2020

Joie de vivre


Um britânico, Kevin Freshwater, que deve ser um bacano, começou um programa em vídeo que se chama «Finish the lyrics» que o mostra, na rua, a interpelar abruptamente os passantes e pedindo-lhes que completem a canção que ele, de raspão, entoa. As reacções são díspares e todas engraçadas. Mas curioso foi o que aconteceu quando uma elegante loura desatou a cantar como gente grande. Um vozeirão envolto em charme.

Entretanto, já se sabe que é Charlotte Awbery e que gosta de cantar, colocando vídeos seus na sua conta de Instagram que, até à data, era pouco vista e que, num ápice, com isto, disparou de 7000 para cima de 264.000 subscritores, tendo o vídeo sido visto mais de 17 milhões de vezes no Facebook. 

E com este golpe de sorte não apenas Charlotte se tornou internacionalmente conhecida como o jovem Kevin Freshwater foi catapultado para provavelmente nunca tinha imaginado.

Mas partilho a notícia [que pode ser vista aqui] não apenas pela qualidade da voz da Charlotte mas para celebrar os acasos e o que eles podem ter de bom. E também para celebrar a alegria, a boa disposição, a capacidade que algumas pessoas têm de instaneamente aderirem a desafios, com sorriso na cara, com piada. Mesmo os que não alinham têm, na maior parte das vezes, muita graça.




E, por falar em acasos, abaixo um outro, um daqueles que, imagino eu, acontece uma vez na vida a alguém que mostra a sua habilidade (leia-se: arte) na rua. 

David Gilmour convida um tocador de copos que actua nas ruas de Veneza a participar num concerto na Praça de São Marcos. A surpresa do homem é divertida e, imagino, nunca na vida se esquecerá não apenas desse inesperado convite como da maravilha que deve ter sido tocar naquele palco, naquele dia de chuva, junto aos acordes mágicos de David Gilmour.



Outro momento único. Um homem cantava, e bem, imitando Bob Marley. Eis senão quando uma mulher na assistência começa a cantar. Junto a ela estava um outro que aparentemente seria um músico amigo do que cantava e que, reparando na forma animada como ela cantava, falou nela ao Bob Marley. O que acontece a seguir mostra como ela ousa actuar, de corpo e alma, entregue à alegria de viver. É contagiante. 


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😋 😎 😉

Be happy!

terça-feira, setembro 03, 2019

Nadar, fotografar. Candeeiros, calções e brincos de pérola chineses.
Trajectos filosóficos frustrados. E outros desportos náuticos.
[Os cus dentais ficam para mais logo]




O Verão agora começa em Setembro. Antes, em Maio ou Junho, assoma ao de leve e, nesses dias em que se anuncia, vem com força. Mas é apenas um preview, coisa breve. Verão a sério, do bom, é em Setembro. Uma luz indecorosa de tão límpida que é, um azul vibrante e omnipresente, um mar que chama por nós, afável, bom para mergulharmos nele, peixes em nossa volta, a pele num sossego, um entardecer suave, dourado, umas noites tépidas, boas para passear, para estar nelas.


No trabalho, tudo regressando, tudo a bombar e a gente nem aí, a gente assistindo de longe, a gente no bem bom.

Não há televisão, não há rotinas ou horários, o carro nem a gente se lembra dele, parqueado, em repouso. 

Bom mesmo é nadar. Entrar nas águas, entrar, ir andando até que é só um pequeno impulso para começar a nadar e ir. Nadando, mais ao longe as águas mais verdes, mais fundas, aquele cheiro bom do mar. E mergulhar. O corpo todo debaixo de água. Tão, tão, tão bom. 


Vejo agora, pelos títulos, que deve ter havido debate na televisão. Costa e Jerónimo, não foi? Na volta, pela cidade, já cheira a eleições. Aqui não, aqui só cheira a maresia. Por isso, não posso pronunciar-me: estou fora. Ontem também vi título com uma tiradinha do Marques Mendes. Certamente mais uma das suas abelhudices, coisa de chico-espertinho que mete o bedelho em tudo. Não retive: estou fora. Ou isso ou o arrufo, de verdade ou pseudo, entre o Costa e a Catarina. Tenho visto título por aí, gente a tomar posição. Não sei detalhes, não me assiste: estou fora. E também quase me sobressaltei com a perspectiva de uma snap election lá por terras da Sta Sua Majestade, terras daquela santa senhora que pode ver o reino desmoronar-se que não mexe um dedo, quanto mais uma palha. Mas não mergulhei no assunto: estou fora. Mergulhar só mesmo na água: ou no mar ou na piscina. Bom, mesmo bom. Sou bicho das águas. E às vezes da terra, das pedras, do regaço das árvores. Sou bicho, portanto.


Ah, é verdade: levei mesmo um livro para ler enquanto estava na praia mas não sei onde estava com a cabeça para achar que teria cabeça para ele (e sorry pela redundância da cabeça mas a falta de cabeça dá nisto, para usar o seu santo nome em vão). O solzinho bom a dar em mim, a aguínha boa a chamar por mim, os motivos a florescerem chamando pela minha câmara e eu... filosoficamente a ler o José Gil...? Está bem, está. Ainda tentei, ainda li salpicadamente umas quantas páginas mas naquelo registo vadio em que à segunda página a gente já nem sabe bem de que se tratava na primeira. Um desperdício. E a culpa não é do José Gil, atenção. Os seus Trajectos Filosóficos devem ser coisa fina, nada em que alguém possa pôr defeito. É minha a culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Amanhã tentarei outro, mais à medida das minhas limitadas circunstâncias.


A registar ainda um facto que, por sinal, é identicamente pouco épico mas não tem mal, é o que é. De manhã, antes de irmos para a praia, o meu marido disse que tinha visto uma loja de chineses numa das ruas a caminho da baixa e que achava que deveríamos ir lá ver se tinham candeeiros pequenos para agarrar ao computador. Queixa-se amargamente de eu, à noite, ficar de luz acesa, custa-lhe a adormecer.  Percebo. É sempre isto. Por causa disso, noutra vez, já se arranjou um desses candeeirinhos mas, como é bom de ver, esqueci-me de o trazer. Lá fomos. Duvidei que tivesse. Contudo, a chinesa, mostrando ser muito à frente, não desarmou: 'É USB?'. Dissemos que sim. Chamou um colega, falou-lhe em chinês e ele lá nos levou. E tinha mesmo. E dá boa luz, até tem duas intensidades à escolha. Tem é um problema: o cabo é minúsculo. Como não me apetece estar sentada à secretária ou ali no sofá ou, mesmo, num dos cadeirões, estou a escrever deitada, ligeiramente soerguida. Numa perna, que está flectida, o portátil e, na outra, aberta talvez a 45º. o candeeiro em equilíbrio, apontado ao computador. Uma ginástica. Mas ilumina bem o que escrevo e não interfere com o sono do meu companheiro de leito.

É extraordinário como estas lojas têm de tudo o que se possa imaginar. O que também sei é que andava a precisar de uns calçõezinhos brancos, que dão imenso jeito para usar com uma túnica ou coisa assim ligeira para a praia, já que os outros que tenho já estão muito usados, bons para usar é lá no campo quando ando ao figo ou a cortar mato -- e, já que ali estava, resolvi ir espreitar. O meu marido, como é fácil perceber, passa-se: 'Só visto, vens a uma loja de chineses no Algarve comprar calções?'. Pois comprei, sim senhor. Uma bela compra. Nove euros. Altura e largura certas, tecido levemente elástico, cós na cintura também elástico. Mesmo tudo no ponto. E, na caixa, outro achado. Estava ele já a pagar o candeeiro e os calções, vi uns brincos de pérola, pérola genuína, uns em cor-de-rosa e outros em azul claro. Um jeitaço. Um euro cada par. Hoje à noite já estreei os azuis. Lindos. 


Bem. Abreviando. Fotografo de gosto, estou nas minhas sete quintas. Fotografo os casais que passam, meu motivo habitual, fotografo momentos de ternura maternal, fotografo veleiros, velhos e novos, gaivotas armadas em patinhos -- tudo. E hoje pensei: vou fotografar actividades mais ou menos desportivas na praia. Pensei: desportos náuticos. Mas depois alarguei o âmbito. É o que aqui agora mostro.


Fotografei também outra coisa -- e as feministas que não me roguem pragas nem ranjam os dentes que isso me arrepia. O meu marido, observando-me sempre a ver através da lente, disse-me: 'Olha lá, um bom motivo para fotografares sabes qual é? Fios dentais. Para se poder eleger o melhor fio dental'. Penso que já deve ter dado para perceber que ele tem um lado bem safadão. Não machista, não senhor, que eu isso certifico. Simplesmente safadinho. Mas eu gosto dele assim, malandreco. Pareceu-me bem, a ideia. Não propriamente para eleger mas para glorificar. É que há corpos que, a descoberto, são obras de arte e acho que glorificar o corpo das mulheres nunca será de mais.


Mas, depois, derivou. O tema já não era 'fios dentais' mas 'cus dentais'. Volta e meia, estava eu a focar uma mãe a ajudar uma filha a equilibrar-se numa prancha ou uma gaivota a sobrevoar um veleiro ou um casal a passar e dizia-me ele: 'Cu dental à esquerda, junto ao chapéu de sol verde'. E, portanto, fiz fotografias de uns quantos.

Mas é o que vos digo: apesar de nada fazer, chego a esta hora e estou pedrada de sono. Por isso a ver se durante o dia publico a série de cus dentais que, entretanto, colhi. Hoje fico-me pelos desportos náuticos. Lato sensu, claro está. Tanto lato sensu que termino com a fotografia da bela nadadora-salvadora que, a bem dizer, se tudo correr bem não precisará de nadar para salvar ninguém. Mas, pelo menos, passeia a sua beleza pela praia e isso também me parece um desporto bastante meritório.



E até já. Bons dias de sol. 

[E, como bem vêem, até faço de conta que isto das alterações climáticas nem tal e coiso]

PS: Amanhã teno responder aos comentários e aos mails que tenho pendentes, está bem.? Agora não consigo mesmo, estou para lá de Bagdad,

sábado, julho 20, 2019

Is this love?





Depois de dois dias preenchidos de alto a baixo, cansada das ideias e sem pitada que possa aqui reportar, é de gosto que regresso ao meu sofá e leio a troca de ideias na caixa dos comentários aos post 'Em tudo havia beleza'. Convido-vos a irem até lá -- e estejam todos à vontade para opinar se os humildes e sérios estão de um lado e os políticos de outro já que o tema se afigura como tendencialmente fracturante. E, mesmo que não se sintam apetrechados para esgrimir argumentos através de fraseado de fino recorte, não se acanhem, opinem na mesma. Ou, se preferirem, leiam apenas. Estimula os axónios e os dentritos.

Eu não digo nada porque tenho a cabecinha muito esvaída, as sinapses estão fraquinhas, um fiozinho de nada de energia a correr por entre um bando de neurónios adormecidos. O que há esgota-se no prazer de ler as espadeiradas entre a Isabel, o P. Rufino e o A Kullervo.

E o que posso dizer é que, de todas as notícias que li, agora que percorri num relance jornais e revistas, a única que reteve a minha atenção foi uma que não me agradou: o euromilhões saíu e não foi a mim. Ah, que desiludida fiquei. Já tinha um plano tão bom na minha cabeça: chegava ao pé de uma certa marmanjona que se acha muito madama e mandava-a ir comer bolotas. E chegava ao pé de uma pessoa por quem nutro genuína empatia, que juraria ser recíproca, e dizia que tinha muita pena mas que já tinha dado demais para o peditório do politicamente correcto pelo que sorry but bye buy, alimentasse ele a outra a bolota. 

Tirando isso o que posso dizer é que me apetece ir ao cinema ver um grande romance de amor, uma daquelas fitas em que há sedução, uma inteligência fulminante ao serviço do amor, passeios no bosque, canto de passarinho na copa da árvore sob a qual o casal se abriga para experimentar os prazeres do corpo, desacatos caprichosos, cenas de ciúme mal comportado, e, para apimentar a coisa, um professor de uma matéria muito inesperada surgido do nada, uma prima inocente que só atrapalha, um mistério de resolução impossível -- e uma cabana na serra e mil olhares suspeitos, mil olhares de pura atracção, mil olhares de puro deleite, mil olhares de uma incontornável malícia. Ah, e um filósofo poeta para desafiar preconceitos e ortodoxias. Ou seja, um filme daqueles com um enredo onde não se possa pôr defeito. Mas ao espreitar o que aí vai só vejo o Rei Leão e afins. Portanto, mais uma frustração.

Poderia ir à procura de dvd, rever a Constance ou outra, ou o Visconde do olhar irrecusável e uma língua a passear pelos lábios na mais descarada alusão, ou outros. Mas ver filmes em casa é sucedâneo, coisa insuficiente. Bom mesmo só no escurinho do cinema. 

Ou livro. Livro de amor. Ah, apetecia-me um livro de amor, mas dos bons, uma escrita destilada, frases elegantes, daquelas que deslizam sem ruído, uma melodia suave e bela, palavras que se se enleiam como se dançassem abraçadas, um daqueles abraços profundos, longos, pele, carne e entranhas em sintonia, corpo uno, e o prazer absoluto da admiração mútua, do olhar que não sabe como desprender-se. Mas também não sei de nenhum que desconheça, que me surpreenda como se me deixasse em mar alto, me tirasse o pé, como se estivesse a fazer-me nascer pela primeira vez.

Ou carta. Carta também seria bom. Uma carta linda, um papel bonito, suave como uma seda roçagante, e nele uma letra sincera, palavras boas de ler e reler e reler, mil vezes. E que lá de dentro, ao desdobrar o papel, se soltasse uma flor romântica, perfumada como só as flores de amor conseguem ser. Mas já não há cartas. Para que estou a pensar no que apenas existe na minha memória?

Também podia ouvir bater ao de de leve aqui na janela e apanhar um susto dos antigos e, ao ir espreitar, trémula e aflita, descobrir um pequeno vasinho de violetas com um bilhetinho e, desdobrando o bilhetinho, um poema. Mas um poema de verdade, sem palavras normais, só palavras leves como delicadas notas de música. E um tigre azul a saltar do telhado para a rua, um salto leve como um voo.

Mas qual quê. Tenho que aceitar que tudo isto não passa de uma louca rêverie numa noite quente que desliza para o fim de semana.


Portanto, vou ver se me ocorre um assunto qualquer sobre o qual escrever porque, assim de repente, não me ocorre nada. Só se me puser a ouvir poemas.


Ou isso ou pensar naquilo de que, na volta, há vida por aí a pontapé, por todo o lado na nossa galáxia e no universo

Até porque, se calhar, um dia abro a janela e entram-me mil folhinhas de papel, cada uma com seu poema, poemas feitos de palavras até aí inexistentes, cintilantes como se nascidas de uma luz ao mesmo tempo muito antiga e muito nova -- uma luz impossível de descrever porque nunca antes sequer imaginada -- e mil pétalas cada uma de sua cor, cores nunca vistas, perfumadas, acariciantes, ciciantes como segredos sussurrados ao ouvido. E, se olhasse para o céu, é mais do que certo que veria mil serzinhos insolentes, insolentes como nunca antes conheci nem em vida, nem no cinema nem em livro. 

Mas, pronto, vou calar-me para não estar para aqui a maçar-vos com esta falta de assunto.

["Je ne peux pas choisir l'air que je respire - pourquoi serait-il différent avec les sons que j'entends, les symboles que je vois?" -- on m'a dit e eu não sei o que responder porque é óbvio que é mesmo isso]

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A primeira fotografia é de Sanjeev Gupta e a segunda não sei.

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Um belo sábado.
Saúde, alegria e amor para todos.

quarta-feira, junho 12, 2019

Sinais. Ruben. Olhares. Árvores. Memórias.
E um tango com o perfume de uma mulher.





Há gente que a gente não conhece e de quem, no entanto, já se habituou à companhia. Dois deles são da rádio. Não são só esses mas desses eu hoje quero falar. Poucas vezes consigo ouvir os Sinais do Fernando Alves mas, quando posso, não perco e, mesmo antes dele começar, já antecipo o arrepio que sempre sinto quando aquela voz encorpada roça aquelas suas melódicas palavras que caminham para o final no qual tudo converge, como braços de rio a avançar para uma doce enseada. E não desconheço a mecânica dos rios, não, usei mesmo aquela imagem por deliberação porque assim as palavras dele, correndo, sobressaltando-nos ou levando-nos nos braços e, no fim, não se perdendo no mar mas, antes, tudo se resolvendo e aquietando, represado em nós.


Hoje consegui ouvir. Falava de olhares, de uns olhos azuis e de uns outros, verdes que ficavam amarelos, falava de duas mulheres, uma que recordava e outra que ouvia, e falava também de um poema de Octavio Paz.

Cheguei aqui para ouvir outra vez, o arrepio a querer de novo percorrer-me a pele. E, então, aparece-me o Nónio, que quer que me registe se quero ouvir os Sinais. Um desconsolo. As belas palavras e profunda voz do Senhor Rádio a serem condicionadas por uma treta contra a qual os jornalistas deveriam manifestar-se. Gostava de aqui poder partilhar convosco o que senti ao ouvi-lo. Não posso, não quero ser condicionada desta forma tão escancaradamente absurda. 


E queria, a propósito do que ouvi e de outras coisas cá minhas, falar de olhares, de como, para mim, é indispensável o contacto visual com o olhar do outro. Pelo olhar me desnudo, pelo olhar procuro a alma do outro. E queria contar como os meus olhos mudam de cor e como me desreconheço quando espero um tom do fundo do mar e os vejo, no espelho, da cor de pedras reluzindo ao sol e não sei se é o espelho que lhes dá a luz ou se são os meus olhos que inventam cores novas quando se vêem ao espelho. E queria contar que os meus olhos míopes parece que não precisam de ver para me darem a conhecer o que dizem os olhos dos outros e adivinham até o temor dos que não deixam que os meus os olhem de frente e em profundidade, como que receando que eu mergulhe fundo demais. Mas isto, se calhar, não é bem assim, isto, se calhar, sou eu que sou dada a rêveries, a inofensivas loucuras.

Mas, pronto, não tendo eu para aqui partilhar convosco os Sinais, não falo. 


E foi também no carro que tive uma má notícia: tantas vezes a nossa companhia ao sábado junto à hora do almoço, Ruben de Carvalho -- que se divertia à grande com Jaime Nogueira Pinto, os fantásticos Radicais Livres -- tinha-se libertado das amarras da vida. E escrevo assim não porque a hora careça de metáfora mas porque não gosto de usar a palavra certa. A palavra certa assusta-me quando a a ceifa atinge pessoa que me faz boa companhia. Parece que receio que contagie, que seja mau presságio. Evito.

Muitas vezes tínhamos que levantar o som, apurar o ouvido, eles falavam ao mesmo tempo, riam-se, tinham o prazer da concordância, sempre contentes por se lembrarem das mesmas coisas ao mesmo tempo, avindos apesar de tudo. Histórias, episódios, apartes -- e sempre ambos a completarem-se, rindo da sintonia. Riam um do outro, o da esquerda e o da direita, gozando com a própria irreverência face à ortodoxia. Radicais e livres. E agora o Jaime Nogueira Pinto não terá o seu amigo para desfiar memórias e opinião a par e par e nós, no carro, não teremos o prazer de o ouvir trocando postalinho com o seu companheiro. 


Se calhar vai chegar o dia em que vou começar a sentir que o meu mundo vai ficando mais pobre, sem muitos daqueles que acompanham os meus passos. Ainda não quero dizer isso porque não sou fatalista, não gosto de curtir tristeza. Mas custou-me mesmo que ele se tivesse ido embora e, ainda por cima, sem dar aviso, sem que eu fosse criando mentalização para o que estava para vir. E falo de forma egoísta, não falando no sofrimento dos que lhe são próximos, falando apenas de mim, no carro, a ouvi-lo. Mas acredito que, quem fala na rádio, fala como se falasse para cada um que o ouve e é dessa tertúlia agradável e culta que vou sentir muita falta.

Mas é assim mesmo a vida, cheia de coisas destas, de olhos que se fecham, coisas nem sempre esperadas, coisas que nem sempre causam arrepio bom na pele.

Mas continua. Sempre continua, a vida. 


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Os teus olhos  -  Octavio Paz

Tus ojos son la patria del relámpago y de la lágrima, 
silencio que habla, 
tempestades sin viento, mar sin olas, 
pájaros presos, doradas fieras adormecidas, 
topacios impíos como la verdad, 
o toño en un claro del bosque en donde la luz canta en el hombro de un árbol y son pájaros todas las hojas, 
playa que la mañana encuentra constelada de ojos, 
cesta de frutos de fuego, 
mentira que alimenta, 
espejos de este mundo, puertas del más allá, 
pulsación tranquila del mar a mediodía, 
absoluto que parpadea, 
páramo.

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E para não chegar ao fim num tom dolorido, com saudades de olhares longínquos, com a melancolia de amores perdidos uns dos outros, com a nostalgia de vozes que gostaríamos de ter perto de nós, vou lá acima trocar o Nocturno pelo Redemption e vou colocar as minhas palavras sob a copa das minhas tão amadas árvores que me abrigam quando estou in heaven

Ou melhor: vou acabar a dançar. E vou buscar um dos tangos mais enternecedores e mais sedutores de que tenho memória. E com uns olhos que, na realidade, vêem mas que ali, não vendo a fingir, vêem mais do que todos os olhos que com ele deslizam no salão, a menina deslizando nos seus braços, rendida, transportada.



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Entretanto, por gentileza de um Leitor num comentário abaixo e a quem muito agradeço, recebi a indicação de aqui se consegue ouvir a crónica do Fernando Alves:

http://podcast.static.tsf.pt/sin_20190611.mp3