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quarta-feira, setembro 13, 2017

Regresso ao trabalho.
Pedro, o menino que tinha um único amigo: um monstro.
E Paul Auster sobre Trump


Tenho a dizer que já estou, de novo e em força, na minha vidinha de sempre. Mas, vinda de umas não-férias, ligeiramente com falta de descanso e, sobretudo, estando cada vez mais ciente da perecibilidade de tudo, não estou para meias palavras, mas-mas-mas ou simpatias ingenuínas. Portanto, se sempre fui frontal, sinto que estou cada vez mais a tender para o politicamente muito incorrecto. Olham-me, reconheço, com algum assombro, como se eu estivesse a pôr à vista algumas verdades incómodas e isso fosse assustador porque enquanto não se fala é como se não existisse mas, uma vez as coisas ditas, já não é possível fazer de conta que não existem.

Não sei se, um destes dias, vou voltar a cobrir-me de paciência e fazer de conta que levo a sério o que só pode ser brincadeira. Mas, até lá, é mesmo: 'Só pode ser brincadeira..'. Ou: 'Não vou, não estou para perder tempo com macacadas'. Do outro lado, o olhar espantado. Paciência.

Nunca fiz fretes mas volta e meia fazia de conta que não era nada comigo ou que, coitados, deixá-los pensarem que são importantes. Agora não. 

Mas, regressada à vidinha, voltei também ao trânsito. Não saí muito tarde mas cheguei tarde a casa. Uma maçada, isto. De manhã, ao fim do dia. O tempo que perco nisto, um mar de carros. É certo que deu para os telefonemas, para ouvir música, para olhar a luz que se esvai já tão cedo. Depois, à chegada, ainda deu para uma mini-caminhada mas coisa ligeira. Mas, ainda assim, um desperdício.

Depois, enquanto o meu compagnon de route sofria a ver o volte-face do Sporting, vim aqui ao computador a ver se descobria quem era uma tal Juju que vinha a cantar o Cry me a river. Pelo menos era a legenda que me aparecia no monitor do carro. Pois bem. Não descobri. Uma voz de veludo, um sussurro colado à voz. Mas, pondo Juju, nada do que me aparece tem a ver com a voz que ouvi. Não é a Julie London. Pareceu-me uma voz jovem, acetinada. Em contrapartida, o YouTube dizia que recomendava para mim o vídeo que aqui mostro. Não morro de amores pelo Paul Auster mas tenho que dizer que gosto de ouvir o que ele aqui diz sobre a besta quadrada que os americanos fizeram o disparate de eleger (e não vou entrar na conversa dos milhões de diferença e dos métodos de apuramento, dos votos por estados, ou, sequer, pelas escandalosas tramóias de toda a espécie que Trump ou sua entourage levaram a cabo nas eleições. Votaram, foi eleito, está onde está). 


Mas eu estava numa de ouvir música, uma qualquer nostalgia que me deu. Procurei. Não é fácil procurar quando se quer procurar o que não se conhece. Mas descobri. Uma metáfora. Ninguém sabe. O dragão do Pedro. O menino que tinha como amigo um dragão. Há meninos que gostam de viver com monstros, mesmo que monstros interiores, e que dificilmente conseguem separar-se deles.

Que canção tão bonita. Tenho estado a ouvir e estranhamente a música envolve-me em melancolia. Ou serenidade, nem sei.

Talvez seja porque é interpretada pelos The Lumineers. Gosto deles.

Ou saudades de qualquer coisa. Talvez de estar in heaven, talvez de passear junto ao mar.


I was silent in love

And nobody really knows what i would do for you

Nobody really knows how much I love you

I had a vision of you

That carried me through

Mas vejam se também acham bonito. A internet tem isto de fantástico: dá-nos a conhecer o que de outra forma dificilmente conheceríamos.


Mas, primeiro, if you please, o Paul Auster. Unhappy rest.

Paul Auster is one of the USA’s most important contemporary writers. In this short video, he speaks his mind about the growing right-wing and Donald Trump: “I think he’s the most dangerous being that has ever existed in public office in the United States.” 
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Nobody knows (da banda sonora de Pete's Dragon) - The Lumineers



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Até já.

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segunda-feira, fevereiro 13, 2017

Um fim de semana simples, recheado de pequenos prazeres




Dias bons, quase tranquilos. Campo, família, descanso, concerto à noite, passeio, algumas obrigações, alguns tpc a contragosto ainda por fazer e, imagine-se, até o Expresso. Saber que tinha que ir no carro sem livro para ler deu-me vontade de transgredir. Na estação de serviço lá aconteceu. Pequei. 

Foi mais pelo Lobo Antunes. Mas, como seria expectável, nada de novo. Anda há mil anos a dar entrevistas e a dizer a mesma coisa. As vezes que eu já li que um esquizofrénico, lá no hospital, foi ter com ele e lhe disse que o mundo começou a ser feito por trás. E narcisista que só ele. Para além disso, continua numa de ciumeira do Saramago que já não faz qualquer sentido. Engraçado e novidade foi saber que há um outro, tão maluco como ele, um americano, que está a estudá-lo e que, para tal, passa os dias a olhar para ele. Não falam. Depois vão almoçar juntos. E lê as folhinhas maradas que ele escreve. Um filme. Também novidade (pelo menos para mim), mas esta desagradável, ele ter tido mais dois cancros nos pulmões nos últimos três anos. Ainda por cima, continua a fumar.


Depois, o campo. Húmido, quase a sentir-se o vapor a sair da terra. Musgos, folhagens, cogumelos. O alecrim florido, delicado, tão bonito. Algumas árvores a começarem a querer despontar. A natureza, fêmea fértil. Sempre uma pena não poder estar aqui, acolhida, junto às árvores e aos bichos. Estou tão pouco tempo aqui. Tanto tempo perdido no trânsito e noutras coisas em que nem vale a pena falar e tão pouco num lugar onde me sinto sempre tão bem. 

De resto, bom, bom mesmo foi ter estado a ler ao pé do calorzinho bom da salamandra. Tão bom aquele calor tão orgânico, aquela luz quente e perfumada da madeira. Chá quente, lúcia-lima. Podia ter pegado num dos livros de lá mas estava mesmo para ler a revista do Expresso. Estava curiosa de rever a opinião de algumas vacas sagradas. E também a opinião a propósito de uma vaca sagrada. Refiro-me ao Paul Auster. Livro novo, 870 páginas. '4321'.
Por vezes -- já para não dizer muitas vezes -- sinto-me desalinhada dos bem pensantes. Confirmo, nessas alturas que não tenho vocação para intelectual e, nessas alturas, interrogo-me sobre que componente da inteligência me faltará. Inteligência lógica e racional, acho que tenho qb, inteligência emocional, também acredito que chega. Mas falho, certamente, em alguma que é determinante. Reportando-me ao artigo 'Veja aQI se é mesmo inteligente' de Isabel Leiria, e vendo a quantidade de inteligências identificadas, estou capaz de apostar que falho na existencial.

Toda a gente gosta de Paul Auster. De cada vez que sai um livro, é uma festa. A Luciana Leiderfarb diz maravilhas (o link é para uma entrevista, não para a referida recensão). E, no entanto, eu não apenas não vou comprar o livro como não vou sentir falta. E isto de certeza absoluta. Se nunca achei grande graça aos outros e raros foram os que consegui acabar dos mais pequenos, imagine-se se ia massacrar-me com um pesadelo daqueles nas mãos. Acho uma escrita banal, parece que não acrescenta nada, parece que não tem sentido estético na escrita. Não sei. Há ali uma falta de elegância ou falta de originalidade. Não sei dizer, não sou crítica literária. Antes eu ainda me dava para tentar ler os produtos das vacas sagradas. Agora já não. Tudo o que me cheire a seca, fica de lado.


Em contrapartida, uma boa notícia: livro de Raduan Nassar. Não é novo na raiz: é novo cá. Menina a caminho. Gosto da escrita dele. Há ali o prazer das palavras, a inteligência de quem sabe confeccionar uma história com pouco condimento. Gosto.


No jornal principal ainda não peguei, não tive tempo nem curiosidade. No da economia muito menos. A ver se folheio não vá saltar de lá alguma coisa que valha a pena. 

Às vezes penso que se eu fizesse um jornal não era nada disto. nada, nada, nada. Mas se calhar penso assim porque sou de outro tempo e tenho falhas na inteligência. 
Ao almoço, no restaurante, o meu marido viu-me a espreitar o telemóvel. Não me censurou apenas por pudor. Interrogou-me. Expliquei-lhe que a diferença nisto é que eu sou uma millennial e ele um baby boomer. Não tenho culpa mas é o que é. Mas, vá lá, riu-se e acho que, agora que sabe a explicação, vai passar a perceber melhor os meus hábitos. 
Adiante. Também bom, à noite, antes de ir para o concerto, passar pela gelataria na avenida de Roma e comer um belo gelado de chocolate fondant. Que bom estes pequenos prazeres. Um gelado numa noite fria e molhada é do melhor que há.

Depois o concerto da União das Tribos (ver post já abaixo). Uma energia fantástica, uma força contagiante. No fim todos a cantarem de pé, banda e público. Muito bom. Os senadores (Tim, António Manuel Ribeiro, etc) apadrinharam, no palco, esta nova banda que arranca com uma empatia com o público que só pode ser um excelente augúrio.


Este domingo fomos às compras com dois dos meninos. O mais pequenino claro que ficou em casa com os pais, come e dorme e, de vez em quando, olha o que o rodeia com algum espanto. Anda de colo em colo como um bonequinho fofo.

(Sobre esta ida às compras talvez escreva post autónomo. Logo vejo.)

Ainda tenho alguns compromissos e trabalhos para fazer (por exemplo, tenho que, em casa dos meus pais, conferir com a minha mãe as facturas deles no e-factura, e, de volta a casa, tenho que fazer um relatório e ainda uma apresentação) e, ainda, sopa e um estufado, e pôr a roupa a lavar e etc. E está tudo bem e em paz. E, cá para mim, a vida não tem que ter muito mais que isto para uma pessoa se sentir bem. Mas, lá está, capaz de ser aquela tal falta de algumas componentes da inteligência.


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E um filme que me agrada.


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Fotografias feitas in heaven.

A música lá em cima mostra Alisa Weilerstein and Barnatan interpretando Rachmaninov - Sonata for Cello and Piano in G Minor

O vídeo já aqui acima é Temptations de Mohammed Elnabarawy

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sábado, maio 25, 2013

Lydia Davis, Man Booker International Prize 2013: o reconhecimento da diferença, do desconcertante, da não linearidade da escrita



Lydia Davis quando era mais jovem e tinha uns olhos claros muito invasivos


Lydia Davis nasceu nos Estados Unidos em 1947. Está quase a fazer 66 anos e vive em Nova Iorque. É tradutora, ensaista e, sobretudo, novelista. Isto de dizer que é sobretudo novelista deve-se a ter sido por esta sua faceta, pelos seus peculiares pequenos contos, que ganhou o Man Booker International Prize 2013.

Devo dizer que acho o que ela escreve muito desconcertante. Por vezes são pequenas histórias mas, a maioria, são apontamentos, aforismos, ou coisas meio poéticas, ou piadas, ou, simplesmente, doideiras. É a anti-erudita por excelência. Ou melhor, até pode ser que seja erudita mas disfarça muito bem. Não sei definir melhor. Acho que nem faz sentido tentar definir. Só estou aqui a puxar pela cabeça para escrever isto para tentar que, quem nunca tenha lido nada dela, possa ficar com uma ideia.

O livro que tenho aqui comigo e que tem mais de 600 páginas é daqueles livros que abro, leio umas páginas, salteio, aterro onde aterrar, leio um pouco mais. Fecho. Tempo depois repito. Tenho sempre curiosidade em perceber o que vai sair dali. Talvez seja esse o seu maior mérito: a imprevisibilidade. Escuso de dizer que gosto pois a mim atrai-me sempre o que é assim, diferente, inesperado - e bem escrito.

Na juventude, Lydia foi casada durante quatro anos com Paul Auster, de quem tem um filho. Não foi coisa que tivesse corrido bem. Passaram a dar-se melhor depois de terem acabado a relação. Ambos partiram para outra, vieram novos filhos, a vida seguiu e seguiu bem.

Paul Auster fala do conturbado breve período em que foram casados no seu livro de memórias, Diário de Inverno. Transcrevo um pouco. Não se espantem com a forma como Auster se exprime - como o Jorge Jesus ou o Ronaldo também se exprimem (hi.... a heresia que estou a escrever...), quando falando deles próprios, dizem 'tu foste' em vez de dizerem 'eu fui'. Enfim. Conhecessem eles este livro e já poderiam dizer, todos armados em eruditos, que, ao falarem, adoptam 'o estilo Paul Auster' - a ver se mais alguém gozava com eles...:).



Paul Auster quando era mais novo
(e quase gémeo separado à nascença do Cunhal em novo, especialmente nos olhos)


No dia 6 de Outubro de 1974, cerca de dois meses do teu regresso, casaste-te com a tua namorada. Uma pequena cerimónia realizada no teu apartamento, seguida de uma festa oferecida por um amigo que vivia perto de ti, um apartamento muito maior do que o teu. Considerando as frequentes mudanças de opinião que desde o início vos afligiram, as constantes vindas e idas, os casos com outras pessoas, os rompimentos e reatamentos que se sucediam com a regularidade das mudanças de estação, a ideia de que qualquer de vocês tenha admitido casar-se parece-te agora fruto de um capricho delirante. No mínimo estavam a correr um risco enorme, pondo em jogo a vossa amizade e as vossas ambições literárias, para transformar o casamento em algo diferente do que já tinham experimentado juntos, mas perderam a aposta, ambos a perderam porque estavam condenados a perdê-la, e por isso só conseguiram que durasse quatro anos, casando em outubro de 1974 e separando-se em novembro de 1978. Ambos tinham vinte e sete anos quando deram o nó, idade suficiente para saberem o que vos esperava, mas ao mesmo tempo nenhum de vocês era nada que se parecesse com um adulto, no fundo continuavam a ser dois adolescentes, e a verdade nua e crua era que não tinham a mínima hipóteses.



Pintura de Edward Hopper -
que retrata bem o ambiente descrito acima, no texto de Auster, e em alguns  textos de Lydia Davis


A palavra escrita, então, a Lydia Davis:

O Outro

Ela muda qualquer em casa para aborrecer o outro, e o outro aborrece-se e torna a mudá-la, e ela muda outra coisa da casa para aborrecer o outro, e o outro aborrece-se e torna a mudá-la, e então ela conta a outras pessoas o que se passa, e as outras pessoas acham graça, mas o outro também ouve e não acha graça nenhuma, mas nada pode fazer para o mudar.



Mulher olhando a rua pela janela - ainda a pintura de Edward Hopper


Um estranho impulso


Olhei da minha janela lá para baixo, para a rua. O sol brilhava e os lojistas tinham saído para apanhar sol e ficarem a ver as pessoas a passar. Mas porque é que os lojistas tapavam os ouvidos? E porque é que as pessoas lá na rua corriam como se fossem perseguidas por um terrível espectro? Logo tudo voltou ao normal: o incidente não fora mais do que um momento de loucura durante o qual as pessoas não conseguiam suportar a frustração das suas vidas e cederam a um impulso estranho.


E, agora, a palavra dita por Lydia Davis que, para além de escrever, é também professora de escrita criativa (e que é Membro da American Academy of Arts and Sciences e que, para além deste prémio, já recebeu inúmeros outros).




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Ambos os pequenos contos de Lydia Davis acima transcritos fazem parte do livro 'Contos Completos' da Relógio d'Água numa tradução de Miguel Serras Pereira e Manuel Resende.

Abaixo, no post a seguir a este, há um vídeo muito divertido e, não é para assustar, mas deve merecer alguma reflexão por parte de quem se prepara para dar uma facadinha no matrimónio, que o que aconteceu àquele pode acontecer a qualquer um. Imagine que a coisa se passa num 9º andar, por exemplo...


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E, por hoje, nada mais. tenham, meus Caros Leitores, um belo fim de semana!