domingo, março 31, 2013

Acreditar, lutar, renascer


A professora do meu filho, na reunião de pais, contou que, na aula de religião, pela Páscoa, a colega, quando contou o episódio da ressurreição, foi interrompida pelo meu filho que disse, 'é porque não estava morto, só devia estar desmaiado'. E os outros meninos concordaram. E que a colega já não conseguiu prosseguir porque ele não acreditava e porque ela não conseguiu explicar de forma convincente que Jesus tinha morrido e tinha voltado a viver.



No Ginjal, espaço talvez morto para alguns


Eu sabia que isso se tinha passado porque ele me tinha contado. E eu também não consegui convencê-lo completamente porque, claro, este é um dos episódios da história de Jesus que sempre tive muita dificuldade em perceber. Como poderia eu explicar a uma criança uma história mal contada?

Mas tentei. Expliquei-lhe que em volta da vida real de um homem que viveu há muitos anos se tinha construido uma história e que as histórias têm momentos de fantasia. Lembrei-lhe várias histórias infantis conhecidas que estão também cheias de factos que não correspondem à verdade, que são coisas da imaginação e que não é bem para acreditar tal e qual mas apenas para ver o lado bonito da história. E que Jesus tinha sido um homem muito bom e que as pessoas preferiam acreditar que ele estava vivo para as ajudar quando fosse preciso.

Tenho ideia que encolheu os ombros, como se tivesse achado que não valia a pena muito mais conversa sobre o assunto. Provavelmente percebeu que tinha que dar um certo desconto e não fazer interpretações tão literais do que lhe diziam.



No Ginjal, ruínas, paredes de onde a vida se ausentou - pensarão alguns


Tinha seis anos na altura, o meu filho. Presumo que, agora que é um homem feito e pai de filhos, ainda pense o mesmo que pensava na altura. Criados num ambiente de racionalismo, livros de ciência, explicações lógicas para os factos, os meus filhos nunca foram dados a efabulações e eu, as que me ocupam a mente, são as que resultam da minha imaginação ou as que me levam pela mão quando as leio através das belas palavras dos escritores.

Em tempos, um colega meu, muito frequentador da igreja mas, simultaneamente, muito racionalista, desejou-me uma boa Páscoa. Agradeci mas disse-lhe que para mim é dia que não tem significado. Ele disse-me, então, que para ele é, de todos os dias, o mais especial, o dia da verdadeira Fé. 



Objectos que antes embelezavam outros espaços, renascendo em beleza aqui, no Ginjal,
trazidos pelas águas do Tejo


Tentei que me explicasse como era possível que gente inteligente pudesse acreditar que alguém que tivesse morrido ressuscitasse. Perguntei-lhe ainda que se, de facto Ele não tivesse morrido mas, sim, estado em coma e depois tivesse recuperado a consciência e o andar, porque não havia registos da sua morte, já que, de facto, era um homem. Respondeu-me que aquilo em que os crentes acreditam é que não mais morreu, vive ainda entre nós. Que isso é a Fé.

Para mim isto é ficção, claro. 



"Amizade é muito mais que picas e litrosas!",  lê-se numa parede do Ginjal
E é: é estarmos por perto, é termos uma palavra, é apoiarmos na procura de um tempo melhor.
E é mais que isso ainda.


No entanto, sinto com muita interioridade (se é que assim me posso exprimir) o facto de acreditarmos (e eu acredito!) na bondade humana, na generosidade, no perdão, na dádiva, na partilha, na compreensão, na ajuda, na esperança. 



Espaço recentemente recuperado no Ginjal.
Onde antes havia uma ruína há agora um edifício arranjado em cujo beiral nascem flores


Perante todas as provas em contrário, perante toda a maldade, toda a arrogância, toda a ganância, perante todas as desgraças, toda a tristeza, todo o desânimo, eu acredito sempre que melhores dias virão, acredito que o tempo da paz, do desenvolvimento, do saber, da serenidade, do afecto, chegará, acredito que vale a pena lutar por ele, por esse luminoso tempo de felicidade que nos está reservado. 


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Muito gostaria que me visitassem também no meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras espreitam um espaço vazio e desolado para verem a luz que há ao fundo e vou guiada por um imprevisto poema de Gonçalo M. Tavares. A seguir Anna Netrebko e Marianna Pizzolato cantam Stabat Mater Dolorosa de Pergolesi.


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E nada mais que isto. Desejo-vos, meus Caros Leitores, um dia muito feliz.

Chove muito enquanto escrevo, talvez chova durante todo o dia. Vou passar o dia com os meus amores e amorzinhos. Um dos pequeninos faz anos e, também por isso, é dia de alegria e festa. Os tempos andam sombrios mas não tarda virá o sol e a esperança. Por isso, não desanimemos: melhores dias virão para todos nós. Acreditemos e lutemos por isso.

sábado, março 30, 2013

Maria Madalena




Maria Madalena é descrita no Novo Testamento como uma das discípulas mais dedicadas de Jesus Cristo. 

A Igreja romana, seguindo São Gregório Magno, além de a identificar com a "pecadora", também a confunde frequentemente com Maria de Betânia, irmã de Lázaro, e celebra as três Marias com uma única festa. 




Ela acreditava que Jesus Cristo realmente era o Messias. (Lucas 8:2; 11:26; Marcos 16:9). Madalena esteve presente na crucificação e no funeral de Cristo, juntamente com Maria de Nazaré e outras mulheres. (Mateus 27:56; Marcos 15:40; Lucas 23:49; João 19.25) (Mateus 27:61; Marcos 15.47; Lucas 23:55). 




No sábado após a crucificação, saiu do Calvário rumo a Jerusalém com outros crentes para poder comprar certos perfumes, a fim de preparar o corpo de Cristo da forma como era de costume funerário. 




Permaneceu na cidade durante todo o sábado, e no dia seguinte, de manhã muito cedo, "quando ainda estava escuro", foi ao sepulcro, achou-o vazio, e recebeu de um anjo a notícia de que Cristo havia ressuscitado e foi-lhe dito que devia informar tal fato aos apóstolos. (Mateus 28:1-10; Marcos 16:1-5,10,11; Lucas 24:1-10; João 20:1,2; compare com João 20:11-18). Nada mais se sabe sobre ela a partir da leitura dos Evangelhos Canónicos.




Em Lucas 8:2, faz-se menção, pela primeira vez, de "Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demónios". Não há qualquer fundamento bíblico para considerá-la como a prostituta arrependida dos pecados que pediu perdão a Cristo; também não há nenhuma menção de que tenha sido prostituta.Este episódio é frequentemente identificado com o relato de Lucas 7:36-50, ainda que não seja referido o nome da mulher em causa.


(in Wikipedia)




Perante toda a gente, no salão
sob os pés de Jesus
os cabelos no chão serão tapete e toalha.
Do Gólgota no cúmulo,
os cabelos no chão, aos pés da Cruz,
sonharão ser mortalha.
Maria! - diz Jesus
levantado do túmulo.
(Maria, que te diz o coração?)
E os cabelos no chão
são oiro, mirra e incenso em poalha...


['O Pólo Sumo - Em louvor de Santa Maria Madalena' de José Régio in Filho do Homem]


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Antonio Vivaldi  - Stabat mater


1. Stabat Mater
2. Cuius animam
3. O quam tristis
4. Quis est homo
5. Quis non posset
6. Pro peccatis
7. Eja Mater
8. Fac ut ardeat
9. Amen

Sytse Buwalda, alto
Netherlands Bach Collegium
Pieter van Leusink, conductor

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As obras apresentadas representam Maria Madalena e os seus autores são, respectivamente, Gheorghe Tattarescu, Guido Reni, Giovanni Bellini, Pietro Perugino, Peter Paul Rubens, Gregor Erhart.


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Muito gostaria também de vos ver no meu Ginjal e Lisboa. Hoje, por lá, continuo com a poesia dita, textos ditos. Eunice Muñoz diz Guerra Junqueiro e Marco D'Almeida diz o Cântico Negro, também de José Régio. Depois Divino Sospiro interpreta Madalena aos pés de Cristo.


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E, por  hoje, apenas isto. Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom sábado.

(E espero bem que o que se está a passar entre as Coreias lhes passe e que não venha por aí mais fogo para incendiar este mundo já tão castigado. Tanto que precisamos de paz...!)


sexta-feira, março 29, 2013

Audrey Hepburn ou o sentido de uma vida




Audrey Kathleen Ruston, conhecida internacionalmente por Audrey Hepburn (Ixelles, 4 de maio de 1929 — Tolochenaz, 20 de janeiro de 1993), foi uma premiada actriz, modelo e humanista belga, radicada na Inglaterra e Países Baixos, eleita em 2009 a actriz de Hollywood mais bonita da história. É considerada um ícone de estilo e a terceira maior lenda feminina do cinema, de acordo com o American Film Institute.

(in Wikipedia)




Funny Face, Audrey Hepburn e Fred Astaire. S'wonderful






Breackfast at Tiffany's  - Moon River

Moon River, wider than a mile,
I'm crossing you in style some day.
Oh, dream maker, you heart breaker,
wherever you're going I'm going your way.

Two drifters off to see the world.
There's such a lot of world to see.
We're after the same rainbow's end--
waiting 'round the bend,
my huckleberry friend,
Moon River and me.





 Audrey Hepburn, a musa, e Hubert de Givenchy, estilista





Gardens of the World com Audrey Hepburn



Em 1987 deu início ao seu mais importante trabalho: o de Embaixatriz da UNICEF. Audrey, tendo sido vítima da guerra, sentiu-se em débito com a organização, pois foi o "United Nations Relief and Rehabitation Administration" (que deu origem à UNICEF) que chegou com comida e suprimentos após o término da Segunda Guerra Mundial, salvando a sua vida. Ela passaria o ano de 1988 viajando, viagens estas que foram facilitadas pelo seu domínio de línguas (Audrey falava fluentemente francês, italiano, inglês, neerlandês e espanhol).

(ainda na Wikipedia)

Foram anos dedicados a chamar a atenção para a pobreza, a fome, a situação dramática de tantas crianças, a necessidade de vacinação, o direito à educação.




A entrevista





A emoção


E sempre a mesma elegância e beleza



Audrey Hepburn morreu poucos meses daquela entrevista em Janeiro de 1993, aos 63 anos.



Durante os últimos meses de vida, apesar de doente com cancro, ela continuou a trabalhar para a UNICEF, para viajar para a Somália, Quénia, Reino Unido, Suíça, França e Estados Unidos. Não sei se lavou os pés a alguns dos muitos pobres e doentes que carregou no colo magro mas admito que sim.

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Audrey e Sean




Palavras do filho, Sean Ferrer, My Best Friend: Audrey Hepburn
(1º parte)


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Vocês desculpem-me mas eu hoje não tive paciência para falar da actualidade, de política, da desgraça pegada em que estão as contas públicas, da crise em que estamos mergulhados com um governo incompetente, paralisado, sem saber a quantas anda.

Hoje apeteceu-me rever imagens de uma mulher muito bela, muito elegante, muito coerente - uma mulher que depois de ter conhecido o glamour e ganho todos os prémios que havia para ganhar, resolveu dedicar-se ao combate à miséria de parte do mundo.


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Hoje no meu Ginjal e Lisboa não segui o registo habitual e, uma vez mais, dei a voz a grandes vozes, Fernanda Montenegro e Marília Pêra. A seguir, Bach por um grupo de virtuosos. Se aparecerem por lá, penso que vão gostar (eu, pelo menos, gostei de escolher aqueles pequenos filmes).


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E, por hoje, é isto. Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma sexta feira muito feliz. E, se pensarem nos mais desfavorecidos, nos mais pobres, não fiquem apenas com pena, está bem? Pensem, por favor, que temos que lutar contra isso, seja de que forma for, cada um na medida das suas possibilidades.

quinta-feira, março 28, 2013

Entrevista de Sócrates na RTP: o fim do silêncio. Como sempre, José Sócrates levava a sua 'narrativa' bem preparada: desmontou os 'embustes', desferiu golpes profundos em Cavaco Silva, a quem não reconhece autoridade moral e a quem chama a mão escondida atrás dos arbustos; desferiu golpes certeiros em Passos Coelho a quem acusa de, com esta política de austeridade, escavar um buraco profundo no país do qual não se sairá a menos que mude de política. O País parou para o ouvir e Miguel Relvas vai perceber que, ao defender a contratação de Sócrates como comentador, deu um grande tiro no pé. E mais, muito mais.





Gosto de pessoas inteligentes, lutadoras, determinadas, corajosas. Gosto. Não precisam de ser santas, de ser certinhas, de ser bem comportadas, de usar sempre argumentos piedosos e lisos. Não, não precisam, porque para lhes perceber as manhas estou cá eu.

Não tenho grande paciência para gente burra, básica, gente que não percebe nada de nada, gente inculta, gente manipulável. Nem paciência nem compaixão. Assim como não tenho paciência para com gente amorfa, beata, cinzenta, sempre muito politicamente correcta.

Gosto de gente com carisma. Gente que concita paixões, ódios, que divide as águas. Gente que provoca, que tira os mansos das tábuas, que os traz para o meio da arena.

Não precisa de ser gente que nunca pisa o risco. Claro que não. Porque para perceber quando estão a pisar o risco e permitir ou perdoar (ou não) estou cá eu.

Posso não concordar sempre com o que fazem ou dizem. Mas gosto de gente que dá o peito às balas, que se expõe, que vai a terreiro e arca com as consequências. Se forem homens, podem não ser gente com quem casasse a minha filha (se ainda estivesse casadoira) ou gente que eu queira para meu amigo íntimo - mas a questão não é essa. São planos distintos.

À frente de uma empresa tem que estar gente inteligente, com querer, com carisma, com pulso, com uma voz própria, com empatia. Pode ser alguém que por vezes manipula, por vezes é incoerente, alguém que erra. Mas tem que ser alguém que vá no bom sentido, com convicção. À frente de um país tem que estar alguém assim e mais, muito, muito mais. Tem que ser culto, generoso, resiliente, corajoso (fisica e moralmente corajoso), tem que ser confiante, tem que ter uma visão de futuro e de conjunto. E mais, muito mais. Mas não precisa de ser perfeito. Muito menos santo.

A entrevista de Sócrates na RTP 1 mostra a fibra dele. À vontade, solto, livre, com permissão para ser politicamente incorrecto, disse de sua justiça. Bem preparado, afirmativo, veemente, foi ele próprio.

Estou agora a ouvir alguns comentários nos vários canais e, salvo algumas análises inteligentes e interessantes, aqui estão alguns pequenos homens (homens em sentido lato, claro: homens e mulheres), presos a minudências, a irrelevâncias, a enredarem-se em coisas de nada. E aqui ouço os patetas do costume que falam do que não sabem, misturam números e conceitos, confundem coisas que não têm nada a ver, diabolizam palermices. O costume. Muitos dos que por aqui andam na comunicação social são uns papagaios que mais não fazem do que poluir a opinião pública. Faz-me muita impressão ouvir falar de economia a pessoas que não distinguem as causas das consequências. O nefasto que isto é...

Mas volto a ele: será Sócrates um homem perfeito? Não. Claro que não. Errou algumas vezes? Errou, claro que sim. Mas que é muito melhor que os incompetentes que lhe sucederam, disso não haja dúvida. E as escolhas políticas fazem-se por comparação. 

Que seria importante que houvesse gente melhor que ele, isso é verdade. A política e a qualidade de vida ganham quando há gente inteligente, com visão estratégica, determinada, culta, no terreiro a debater, a lutar por melhores condições, pelo desenvolvimento; em suma: a puxarem uns pelos outros.

Que um dos grandes males deste país é a rarefacção que levou a que os bons deste país se tenham marimbado para a política é um facto - e uma pena. 

A governação de Sócrates (especialmente a recta final, porque a sua primeira fase foi muito razoável) teria ganho muito se na oposição tivesse havido gente de qualidade e se o Presidente também fosse de outra cepa. O drama é que tenha sido derrubado por gente mil vezes pior que ele. Os resultados estão à vista.

Ouço os comentadores, muito aborrecidos por Sócrates, nesta sua primeira entrevista depois de dois anos de silêncio, não ter assumido erros. Deveria ele ter um espírito mais humilde, deveria aparecer de corda na garganta a dizer pequei aqui, pequei ali...?  Talvez. Mas isso não seria ele. Ele é um combatente. Um combatente daqueles que morre a lutar. Para lhe dar o devido desconto, cá estamos nós. 

Vejo que as pessoas que gostam de sentir a sua superioridadezinha, precisam de ver os outros em momentos de fraqueza, em exercícios de auto-punição. Prefeririam vê-lo a pedir desculpa, a bater no peito, em actos de contrição, lágrima no canto do olho. Sócrates não dá esse gosto a ninguém. Não está na sua natureza. Talvez daqui por muitos anos, quando for um velhinho muito velhinho, apaziguado, cheio de artrites e bonomia, quando estiver a escrever as suas memórias, confesse alguns arrependimentos, algumas dores. Antes disso, não.

Antes disso, há-de esconder sempre algumas dúvidas que o assaltem, há-de calar os lamentos, há-de fazer das tripas coração - e há-de aparecer sempre a desafiar quem o questiona, quem o afronta.

Os amigos devem dizer-lhe mil vezes que se modere, que seja mais polido, mais contido, que tente parecer mais humilde. Mas ele não consegue. Ele existe para ir à luta, para desafiar, para atacar, para abrir caminho. Acredito que, mil vezes, depois destas contendas, chegue a casa esfarrapado. Mas jamais dará o braço a torcer. É dele.



José Sócrates na RTP 1: fisicamente em forma, intelectualmente em forma - a
 defender-se relativamente ao passado e negando ambições quanto ao futuro.
Sincero, não tenho dúvidas.

Mas pode alguém ser quem não é?
O tempo o dirá mas isso agora é o que menos importa. O que for soará.


José Miguel Júdice, ao falar de Sócrates, comparou-o a Marilyn Monroe que, quando entrava numa sala, atraía sobre si todas as atenções.

De facto, todo o país parou para ouvir Sócrates e, agora que escrevo, as televisões todas estão numa euforia, não se fala noutra coisa: finalmente apareceu alguém que agita as águas, que eleva a discussão política, que baralha o jogo, que dá que falar.

O que estarão Cavaco Silva, Passos Coelho, Miguel Relvas... e Paulo Portas, a dizer a esta hora? Imagino. Imagino como devem estar de cabeça perdida.

O ataque que desferiu a Cavaco foi um frontal, violento. Justo. A mão escondida atrás do arbusto, disse Sócrates de Cavaco. E disse bem. E disse que não lhe reconhecia autoridade moral para falar de deslealdade. E disse bem.

Perguntar-me-ão: e Seguro? Não sei. Talvez aproveite. Talvez seja bom para ele. Sócrates abrir-lhe-á o caminho que ele, pela sua natureza, tem dificuldade em abrir.

No meio disto alguma coisa me chateou na entrevista? Sim. A enxurrada de 'narrativas'. Senhores! Parece que não lhe ocorria outra palavra, credo. Narrativa para aqui, narrativa para acolá. A ver se para a próxima já lhe passou esta febre narrativa porque não suportarei mais uma nova indigestão de narrativas.

Uma palavra sobre os entrevistadores: Sócrates chamou-lhes um figo. Gente que o desafie é do que ele gosta e, quanto mais o desafiarem, mais ele gosta. Por isso, foi uma animação quando 'enquadrou' o Paulo Ferreira. Quanto ao pasmado e sorridente Vítor Gonçalves, penso que quase nem deu por ele.

Penso também que, agora que falou do passado e se defendeu, voltará ainda à carga mais algumas vezes para garantir que diz tudo o que tem a dizer mas acho que, logo a seguir, vai virar-se para o futuro. Pessoas como Sócrates, depois de limparem a honra do convento, viram-se para a frente.

Gosta de correr, ele. Não nos esqueçamos.

E, quem corre, corre para a frente.


*

Hoje no meu Ginjal o dia é diferente. José Saramago diz a sua poesia e podemos ainda ouvi-la noutras vozes, dita e cantada. Na música há também uma surpresa: Julia Fischer aparece-nos não como uma grande intérprete de violino mas, hoje, no piano. Interpreta Grieg e vale bem a pena ouvir o talento desta miúda.

*


Hoje fico-me por aqui. Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quinta feira muito boa, muito feliz. 



quarta-feira, março 27, 2013

2014 vai ser um ano de estagnação (e não de crescimento) se o Governo avançar com os cortes previstos, avisa Carlos Costa do Banco de Portugal. Os cortes, afinal, parece que já não são 4.000 milhões de euros mas, sim, 5.600 milhões. Álvaro Santos Pereira, o ministro a quem todos os Secretários de Estado abandonam, aguentar-se-á durante muito mais tempo? Jorge Silva Carvalho, o ex-espião de quem se diz o piorio, vai ser integrado na Presidência do Conselho de Ministros (com direito a receber retroactivos?). Isto tudo é o quê? Para os apanhados? Uma piada de mau gosto? ... É que não acredito que isto seja a sério.


Nota: Quem quiser ler sobre depilação masculina e não tiver paciência para crises, pode deslizar até ao post seguinte. Quem quiser conhecer as mais recentes gémeas separadas à nascença deverá descer um pouco mais, é a seguir à depilação.

Prestada esta informação, vamos então a coisas sérias.


Quem tenha ou tenha tido um cão sabe do que estou a falar: aponte-se num determinado sentido e ver-se-á que o cão em vez de olhar no sentido para que apontamos, olha para o nosso dedo.

Presumo que seja isso que está na origem daquele ditado oriental que diz que enquanto, ao apontar para o céu, uma pessoa inteligente olha para a lua, um idiota olha para a ponta do dedo.




Tenho-me lembrado muito disto a propósito do que se passa em Portugal (em Portugal e não só, porque idiotas é o que não falta por aí). Inventam um número, dão-lhe a força da palavra sagrada e ignoram os efeitos colaterais e secundários.




É como uma pessoa ter uma dor nas costas e um médico qualquer achar que o problema é dos rins. Vai daí prescreve-lhe uns certos medicamentos. O doente, ainda mais burro que o médico, diz que, em vez de tomar 3 comprimidos por dia, o melhor é tomar 10 para ver se se põe melhor mais depressa – e concentrar-se só nisso pois, quanto mais depressa se puser da dor nas costas, mais depressa vai ficar preparado para depois se dedicar a outras coisas. E quase deixa de comer ou de fazer o que quer que seja, todo ele concentrado em tomar os 10 comprimidos por dia.

Cada vez mais fraco, cada vez com mais dores nas costas, aumenta a dose para 15. Cada vez mais fraco, já sem emprego, já sem dinheiro para os comprimidos, endivida-se e, para ver se fica melhor de vez, passa para 20 por dia.

Toda a gente lhe diz que é um disparate, que não está a resultar. Que nada. Mais dívidas para emborcar aos 30 por dia.

Até que cai de cama, já mais morto que vivo.

Ao chegar lá e ao ser examinado descobrem que o problema das costas era uma hérnia, quais rins?!, mas que, entretanto, com tanto comprimido que tomou e com a debilidade geral do organismo, não apenas os rins mas todos os órgãos estão já em pré falência - para além de ter acumulado uma dívida impossível de pagar. 

Soa familiar, não soa?




É que é isto, tal e qual, que está a acontecer ao País nas mãos do Gaspar e do Passos.

Agora já não são só 4.000.000 euros para cortar sabe-se lá onde. Do nada, apareceram mais 40%, já se fala em 5.600.000 euros! 

Porque acontece isto? Porque o buraco está a alastrar como uma ferida de um doente acamado, como uma putrefacta escara. Porque todas as medidas que se põem em prática vão no sentido errado, porque o problema do País é ter uma economia débil e tudo o que andam a fazer ainda a mata mais.

E diz o etíope que está desapontado, que não percebe nada do que se passa, que não era para ser assim e que já não sabem o que fazer e que a responsabilidade desta desgraça toda é do Governo. 

Em parte percebo-o. Desconhecendo o frágil tecido económico, imaginou uma coisa diferente do que veio a constatar. Provavelmente também acreditou que os seus interlocutores eram gente com cabeça, que o alertariam para a realidade e afinal o que lhe apareceu pela frente foi o Moedas, o Gaspar, o Passos, e outros que não conheço, tudo gente teórica, impreparada, alguns se calhar até com baixo QI.




Além do mais, quando a troika estabeleceu um plano de reformas, nunca lhes deve ter passado pela cabeça que isso seria tomado como um programa de Governo. Aquilo era para ser apenas a parte das reformas do estado, não todo o programa de festas. Ora o Governo Passos Coelho não apenas se esqueceu completamente de tudo o resto (nomeadamente da Economia!, nomeadamente da Demografia!!, etc) como, por sua alta recriação, resolveu carregar na dose.

Claro que o resultado foi este, esta porcaria.

Agora pergunto eu: sendo isto tão incrivelmente óbvio como foi que tantas luminárias não o viram? Só agora, com o País todo devastado é que estão a perceber? Agora sacodem todos a água do capote, que a culpa é deste e daquele. Uma vergonha. 




Não são umas luminárias: são, isso sim, umas alimárias, umas verdadeiras alimárias!

Agora veio o Banco de Portugal alertar para outra evidência. Se for aplicado o corte, o País não se levanta do chão, o desemprego continua a aumentar e, portanto, os últimos números previstos pelo Governo estão, de novo, todos engatados. E, mesmo assim, o BP fez as contas para os quatro mil milhões e não para os cinco mil e seiscentos milhões. Imagine-se se for para os 5.600.000. Um descalabro. A espiral recessiva a acelerar. O buraco a alastrar de forma descontrolada.

Hoje soube-se de outra anedota. Mais um da Economia que vai de asa. Já é o 5º Secretário de Estado, de seis, que se vai embora. Não páram lá. Incompatiblizam-se uns com os outros, com o ministro, o ministro com ele. Claro. Algumas vez aquele pobre daquele Álvaro tem experiência de vida para agarrar um cargo daqueles? Claro, toda a gente faz dele gato-sapato. 




Quando o problema Nº 1 do País é a economia, entregam a pasta a um pobre sem qualquer experiência de gestão, um professor que para lá estava a dar aulas no cu de judas, no Canadá veja-se bem.

Agora que sai o Secretário de Estado da Economia imagine-se qual a solução destes inteligentes: não o substituem. Dividem o serviço pelos outros. Isto é do além. Nunca se viu tanta parvoíce junta. Os outros que já não davam conta do recado agora ficam com bocados do serviço do outro. Só visto. Uma anedota.

É que já não atinam mesmo, já fazem disparates uns a seguir aos outros, descontrolados, desatinados, alucinados.




E como se a cegada já não fosse suficiente agora vão meter o Jorge Silva Carvalho - o ex-espião que tinha ido para a Ongoing e que parece que andou a passar segredos para fora - dentro da Presidência de Conselho de Ministros. 



(do blogue We have Kaos in the Garden)


Mas o que é isto, alguém me explica? Inventei isto tudo? Estou a ter um pesadelo? 



Os ministros do Governo Passos Coelho?
(... com medo de serem reconhecidos na rua...? Pudera!)


Digam-me, por favor, que isto é para os apanhados, que nada disto é a sério. Ou digam-me que aterrei no meio de um episódio dos Monty Phyton. Qualquer coisa, por favor.


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Agora que deixei de responder aos comentários para ver se consigo deitar-me mais cedo, ocupo o mesmo tempo escrevendo mais. Não tenho emenda. Este já é o meu terceiro post aqui no UJM. 

Abaixo poderão ver um post sobre a depilação masculina e, a seguir, um sobre duas gémeas separadas à nascença. 

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E, ainda por cima, escrevi também no meu Ginjal e Lisboa. Hoje o André Tomé levou-me a dissertar sobre a leveza, sobre a beleza, sobre a felicidade, sobre a vida. Na música temos mais uma grande interpretação de Julia Fischer, hoje tocando Brahms. Gostava que fossem até lá dar uma espreitadela.


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despeço-me que já não é sem tempo. Tenham, meus Caros Leitores, um bom dia apesar deste mau tempo que teima em não nos largar. Divirtam-se (se conseguirem, claro)!

Chamem-me careta, fora de moda, cota, o que quiserem... mas homens todos depilados...? (Com vossa licença, volto ao microcosmo da fisioterapia)



Tirando o facto de serem sessões demoradas, a seguir ao trabalho, e de, portanto, me fazerem chegar a casa tardíssimo, as sessões de fisioterapia são, para mim, um bom momento.

E são boas logo a começar pela parte da piscina de que aqui já falei: os exercícios sabem bem pois fazê-los mergulhada em água quente quase até ao pescoço é, para mim, uma maravilha. A massagem de jacto forte subaquático é também muito agradável. 



Se fosse assim ainda seria melhor


No fim de um dia de trabalho, depois de um percurso cheio de trânsito, enfio-me na piscina e parece que cheguei a um spa.

Depois, o ginásio também não é mau de todo. A parte da estimulação muscular por processo electrolítico não é má, dura uns vinte minutos durante os quais posso ler. Depois os alongamentos e a massagem são um bom remate. Claro que, pelo meio, há exercícios que me deixam de língua de fora, a testa a escorrer e, no fim, a necessitar de beber dois copos de água de penalti - por exemplo, a passadeira. 



Na passadeira também começo assim, fresca e cheia de força


Faço com uma inclinação de 9% e a uma velocidade média de 5 km/hora. Se fosse plano não cansaria tanto mas a subir é uma canseira que só visto. Talvez por este treino, agora, quando me apanho a andar normalmente, especialmente numa rua a subir, embalo numa velocidade difícil de acompanhar. Ainda hoje à noite isso aconteceu: chovia, um tempo desagradável, uma subida valente e eu quase a voar, uma endurance que haviam de ver.

Mas a fisioterapia é engraçada também pelas pessoas que lá vejo. Umas andam lá desde que cheguei, outras vão chegando, outras partindo. A maior parte é gente bem mais nova que eu, gente que se magoa no desporto, geralmente com problemas nos joelhos, frequentemente recuperando de intervenções cirúrgicas. Há também muita gente com tendinites nos ombros, dores nas costas, alguns aflitos dos pulsos, dos pés, outros recuperam de fracturas.  

A maioria, portanto, como referi, é composta de homens novos. Se lá chega algum homem da minha idade ou mais velho vem aflito, cheio de dores, mal se mexe. Vêm de fato de treino, alguns com calções pretos, ténis, homens normais, pernas mais ou menos peludas.

Mas os mais novos, alguns enormes, musculados, aparecem frequentemente completamente depilados, um horror.

Claro que os há normais, homens jovens que tiveram uma fractura, que deram um mau jeito, qualquer coisa do género e, esses, geralmente, nem são muito musculados e têm o pêlo normal para a idade.

Mas, vejam bem, ontem estavam lá dois que bem poderiam um ser o cavalo e outro o jockey. 




Olhava para eles, em marquesas ao lado uma da outra e era o que me ocorria. Um era um verdadeiro cavalão, outro um frangote. Ambos de calçãozinho justo pelo meio da perna e blusas de alças.

Um era ruivo claro, enorme, seguramente acima do metro e noventa. Cada braço dele fazia dois das minhas pernas, uma coisa do além. Não era do género músculos em tensão mas, sim, todo ele um portento. Costas larguíssimas, anca estreita, pernão. Cabelo quase rapado, barba aparada. Mas depois, imagine-se…!, sem um único pêlo no corpo (pelo menos na parte visível).

Ao lado, o outro era o seu oposto. Um homem moreno, também jovem mas todo ele mignon.  Mas muito proporcionadinho, todo musculadinho. A fisioterapeuta mandava-o fazer exercícios que o deixavam de rastos, nitidamente a conter-se para não gemer, e incentivava-o dizendo que, sendo ele homem do desporto, tinha que os fazer bem feitos e, ele, coitado, armado em forte, todo se esganava para o conseguir. Cabelo muito curto com uma popa maior que esvoaçava com os exercícios, todo ele era do tipo metrossexual mas em ponto pequeno. Moreno, barba feita mas… também sem um único pêlo (à vista...) 

Olho e fazem-me lembrar gatos esfolados. 




É que perdem logo a graça, credo.

Já na piscina há um calmeirão, moreno, esse com pêlo no peito mas sem um pêlo debaixo dos braços. Um despropósito. Quando levanta os braços para fazer exercícios até tenho que desviar os olhos de incomodada que fico com o disparate.



Vendo assim, bonitão como é, não se pode dizer que esteja mal sem pêlos até porque
poderia ser naturalmente assim mas o diabo é quando levanta os braços e se vê que se depilou


No outro dia, no meu emprego, uma jovem conversando com outra dizia que não podia com homens peludos, que obrigava o namorado a depilar-se, e ambas referiam-se enojadas que horror, peludos, como eu diria, por exemplo, que horror com a unha do mindinho enorme, nojenta…



Este está sorridente mas deve estar a armar-se em forte
porque depenar-se de alto a baixo não deve ser pêra doce.


NB:. Com este tema tão erudito espero não chocar duplamente os meus leitores: por um lado com a futilidade do tema e, por outro, quem me diz a mim que os meus leitores masculinos não são todos uns metrossexuais, depiladinhos de alto a baixo?


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Já agora: não fiquem por aqui... Desçam por favor se querem conhecer as mais recentes gémeas separadas à nascença.


terça-feira, março 26, 2013

Miss Piggy e Mrs Teggy (vulgo Teresa Caeiro) gémeas separadas à nascença?



Farta cabeleira, big mouth, algo inconsistente e sobejamente histriónica:
eis Miss Piggy  de quem se diz ser gémea separada à nascença de Mrs Teggy



Farta cabeleira, big mouth, algo inconsistente e sobejamente histriónica :
eis Mrs Teggy, a também conhecida por Deputada Teresa Caeiro (Sousa Tavares?)
de quem se diz ser gémea separada à nascença de Miss Piggy


Como é que eu sou? Loura? Ruiva? Nada disso? Está bem: eu descrevo-me. E o que dizem de mim a minha letra e o meu blogue? Dou umas pistas. E, para não dizerem que isto hoje não tem nada que se aproveite, partilho convosco um poema do último livro de Pedro Tamen, Rua de Nenhures, um livro belíssimo



Uns julgar-me-ão alta, esbelta, loura, olhos azuis, uma modelo nórdica, outros dirão que sou de altura mediana, arruivada, olhos esverdeados, ar de gata. Outros assim, outros assado, outros coisa nenhuma. E eu, seja o que for que pensam ou que não pensam, acho que não sou nada disso.




Mas, enfim, se fazem mesmo questão em saber, dir-vos-ei que sou transparente, que tenho asas, que saio à noite para voar sobre o rio escuro, junto a casas abandonadas. 




Posso também confidenciar que, por vezes, vivo no fundo do mar, entre rochedos cobertos de macios limos verdes, rodeada de grandes conchas madrepérola, entre seres coloridos e muito tentadores e que, outras vezes, pareço normal e caminho, caminho em silêncio mas à minha volta voam palavras e isso já é capaz de não ser muito normal.




Dir-vos-ei também que tenho por irmãos e amigos as gaivotas, os gatos, um certo pequeno pássaro preto de bico amarelo. 

Posso também confidenciar que gosto de jóias, que vivo rodeada delas. Agora que escrevo tenho-as junto a mim, por todo o lado. São livros as minhas jóias e eu, de gostos excessivos, encho-me delas, mais do que a decência aconselharia. 



A minha mesa hoje


Dir-vos-ei também que talvez eu já tenha vivido outras vidas. Acho que sim. Acho que fui etrusca e que vivia vestida com belos vestidos, reclinando-me numa larga e macia chaise longue colocada entre véus, no meio de um jardim existente na clareira de um bosque, e teria  cabelos umas vezes soltos, outros apanhados em cachos suaves, e flores no cabelo, e flores perfumadas à minha volta, e rodeada de artistas e cientistas, e rodeada também de homens bonitos, cultos, interessantes, generosos.  




E por vezes, quando o sol estivesse mais quente, permitira que me despissem e ali ficaria nua, ao sol, e depois permitiria que me acompanhassem enquanto me banhava num mar de corais, água tépida, densa, transparente. E apreciaria, depois, que me limpassem e dançassem comigo mas aí já num local resguardado, fresco, envolvida em penumbra. E não me importaria que um músico estivesse por perto, num canto, tocando lânguidas e lentas músicas e que, noutro canto, um poeta desfiasse poemas como uma toada descendo dos céus.

Não sei se era assim a vida das etruscas. Mas eu acho que foi assim que eu vivi noutras vidas e são estas memórias que eu trago dentro de mim.

Tudo coisas que não vos posso mostrar. Tudo irrealidades, sonhos, recordações remotas. 

E, além disso, mesmo que me mostrasse, estou longe, tão longe. Como me poderiam ver? 




Sou nada mais que invisíveis partículas que atravessam os longos espaços, que voam pela noite, que cruzam oceanos e continentes, que vêm de outros tempos e que para sempre aí perdurarão perdidas.

Resumindo: sou como me imaginarem ou o contrário disso.

&

Como já aqui o contei antes, frequentei durante uns meses o curso de grafologia ministrado pelo Dr. Alberto Vaz da Silva no Centro Nacional de Cultura, ali ao Chiado.  Muito interessante. Frequentado por professores, psicólogos e até por um juiz, acho que apenas eu era apenas uma simples curiosa.

Com o que aprendi, tenho feito alguns exercícios e geralmente quem é analisado através da sua caligrafia reconhece a justeza das minhas análises.

Por formação (e vocação), sou uma pessoa dos números, da lógica, da razão, da demonstração sistemática, rigorosa. 




No entanto, acontece aderir a algumas coisas por processos inversos, não pela dedução mas pela intuição. É o caso. Ou talvez, neste caso possa haver uma demonstração, sim, não dos processos mas da justeza dos resultados. Não sei. Apenas sei que observo a letra e intuo as características de quem a escreveu.

A minha dúvida é se isso se aplica, não apenas à palavra manuscrita mas, também, à palavra escrita aqui, no computador. Tenho pensado nisso.

Quando se pratica a grafologia não é tanto só o desenho da letra em si mas, para além disso, o espaçamento entre letras, entre palavras, entre linhas, a dimensão das margens, a inclinação, a mancha de texto, a força que se põe na escrita. Tudo revela o que a pessoa é.

Tento extrapolar para a escrita no computador, nos blogues, por exemplo. Há blogues em que a letra é miudinha, tudo muito certinho, uma carreirinha limpinha. Há outros em que a letra é miúda mas as margens são irregulares, por vezes um texto algo convulso. Há aqueles em que é tudo muito denso, pouco espaçado, o texto muito compacto. Outros escrevem com letras carregadas, a bold. Outros misturam formas diferentes de letras, itálico, bold, às cores. E o fundo que escolhem acho que também diz do que a pessoa é, digo eu. Olho para tudo isso e tento perceber como será o autor. E, por vezes, através do conteúdo, parece-me ver que as coisas batem certo.


O Professor Vaz da Silva dizia que se reconhecia muito bem a letra de uma mulher bonita - que geralmente é uma letra solta, descontraída, de quem sabe que costuma agradar sem ter que se esforçar para isso. 



Poemas manuscritos de Sophia



Será que aqui na internet isso também é verdade? Um dia, arrisco-me e digo aqui o que penso de alguns bloggers.

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Não sei se já aqui o contei: as aulas decorriam ao lusco-fusco. O professor projectava slides num retroprojector e apagava os candeeiros para vermos melhor. Geralmente, no fim das aulas, alguns alunos iam ter com o professor para tirar dúvidas. Um dia também fiz isso. Ele tinha estado a mostrar os vários tipos de f, dizendo que o f diz muito sobre uma pessoa e exemplificava, este é um f de alguém martirizado, este é o de uma pessoa agressiva, etc, etc, e eu não revi o meu em nenhum dos exemplos. Então desenhei o meu f e, no fim da aula, fui mostrar-lhe. Ele estava rodeado pelos meus colegas, tudo quase às escuras. Quando eu lhe estendi a minha folha, dizendo que não tinha visto o meu f nos exemplos mostrados, pode dizer o que lhe parece? Ele, sem olhar para mim, apenas para a folha, ajeitou os óculos, focou-se, e disse qualquer coisa de que não percebi o sentido (e de que agora já não me recordo). A modos que envergonhada disse, não percebo o que isso quer dizer. Ele, rodeado pelos outros, sem olhar para mim, apenas para o f, disse, é o f de uma sedutora. Depois olhou para mim e os outros olharam também todos, como se quisessem conferir. Escuso de dizer que fiquei atrapalhada. E ele, sorrindo, disse, é o que me parece mas verá se faz sentido. Sorri. E peguei na minha folhinha e vim-me embora rapidamente.

Agora, se calha ter que escrever um f, quase tenho vontade de o disfarçar não vá toda a gente olhar para ele e pensar, oh pá, mas este é um f de uma sedutora…

Estou a brincar, claro (não disfarço coisa nenhuma, a letra é impossível de disfarçar – a menos que o seja deliberadamente, geralmente por motivos pouco meritórios). A única coisa que disfarço é que tenho asas.




Quanto à análise da escrita, há uma que nunca analisei: a minha. Não sei explicar porquê. Acho que não me apetece radiografar-me a mim própria. Ou teria receio de não ser isenta e gosto de o ser. Não sei. Nunca o fiz. Acho que nunca vou fazer. 

Por isso, a bem da verdade também não é por aí que estou suficientemente esclarecida para vos esclarecer a vós. 


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Como poderão ter reparado, no meio da confusão que reina aqui na minha mesa, está a Rua de Nenhures, o último livro de Pedro Tamen. Estou encantada. Para me acompanhar aqui, permito-me escolher um poema:




                                                      Entro na floresta, sigo por entre
                                                      os ramos, vou pelos caminhos
                                                      que tu própria me indicas,
                                                      e chego enfim à líquida presença
                                                      do coração sonhado:

                                                                                                  rendo-me
                                                      na tua rendição, e a bandeira
                                                      é branca de alegria


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Se forem estóicos e conseguirem continuar, por mais um pouco, na minha companhia, muito gostaria de vos ver lá, pelo meu Ginjal e Lisboa. Lá, como aqui, é Pedro Tamen que me tem presa. E, levada pela mão de um poema feliz, as minhas palavras fazem-lhe a vontade, vestem-se de branco. Na música, começa uma nova grande intérprete, Julia Fischer. No violino, toca Mendelssohn.


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E é isto. Isto e desejar-vos uma bela terça feira. 
Inventem mistérios, fantasiem, brinquem, riam, sejam inocentes, alegres - é a minha sugestão e desejo de hoje, meus Caros Leitores.


segunda-feira, março 25, 2013

Passear em Lisboa, na Expo, junto às Tágides do Tejo e a Catarina de Bragança. Depois os Desastres da Guerra, Sombras do Medo de Graça Morais (na Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva). Depois do almoço no CAM, Exposição 360º - Ciência Descoberta na Gulbenkian


Hoje o passeio foi por outras bandas. Com a Ponte 25 de Abril cortada ao trânsito devido à Meia-Maratona, hoje de manhã fomos caminhar à beira-rio (claro, sempre à beira-rio), na zona da Expo, Parque das Nações.

Entre sol e chuva, nuvens e abertas, o passeio rente ao rio estava cheio de gente. A pé, a passo ou a correr,  com crianças, gente de idade, uns de bicicleta, uns com cães, outros sem cães, uns a fazer ginástica, outros a fotografar, ali é, sem dúvida, um lugar muito agradável para respirar ar limpo e sentir uma natureza  em parte desenhada, diria cosmopolita.




Nestas alturas sinto que sou transparente. Parece que ninguém me vê. Eu vou por ali, silenciosa, olhando, fotografando. Quem passa conversando, não reduz o tom de voz quando passa por mim e eu vou ouvindo o que dizem.

Ela diz que quer ter um filho, já viste?

É normal. 

Normal? Pá, não pensei ter outro filho. Já viste?

Pois. Os outros já crescidos. Mas é normal que ela queira.

E agora, já viste? faço o quê?

E lá se afastam, e passam outros, Pá, isto não tem saída.

E depois passa uma correndo, arfando. E depois passa outra com phones e vai cantando. E nós, que não ouvimos o que ela ouve, só a ouvimos a ela, cana rachada, cantando alto, na maior das naturalidades...

E depois outros fazem ginástica, deitam-se no chão. A Ponte Vasco da Gama quase ali ao lado.



Desporto sobre o Tejo


E há várias pontes assim, e não serão bem pontes, mais uns passadiços sobre o rio e vistos de longe parecem-me palafitas.



Ao fundo a ex-Torre Vasco da Gama, agora o hotel  Sana Myriad, um luxo de localização


Depois de ter estado uns dias nas cidades e vilas junto à Serra da Estrela em que dá ideia que as pessoas se conhecem todas ou, mesmo que não se conheçam, reparam umas nas outras, aqui ninguém olha para ninguém. Casais abraçados e quem é que quer lá saber se são legítimos ou clandestinos, mulheres sozinhas, gente vestida como quer, gente a apanhar sol apesar de estar frio e de chover a cada cinco minutos. 

Não sei o que é melhor, se é este espaço de indiferença ou o espaço de proximidade dos lugares mais pequenos. Sei que eu é nos grandes espaços anónimos que me sinto bem. Sempre assim foi e acho que sempre assim será.



Homem à pesca quase debaixo da Ponte Vasco da Gama


Quando vejo alguém assim, como o pescador que é pouco mais que um irrelevante ponto na paisagem, sinto que é também assim que eu sou. Insignificante, quase invisível, um ser quase transparente que caminha na beira do rio, em harmonia com a natureza.

Num local como este, apenas se passa alguém conversando, há um som. É tudo muito silencioso.



O lago das Tágides, as Ninfas de João Cutileiro


Num lago, há mulheres nuas que se banham, que brincam umas com as outras, seios à vista, braços ao alto. Lavam-se, riem, umas sentadas, outras deitadas, impúdicas, alegres.

Talvez que se, em vez de serem de pedra, fossem de carne e osso, as pessoas passassem sem estranhar. Talvez as fotografassem como eu fotografo as ninfas de pedra mas não mais que isso.

E, mais à frente, uma rainha de bronze, formosa, bonita. Catarina de Bragança.



Catarina de Bragança da autoria de Audrey Flack (Nova Iorque, 1931).


Vestido ondulando, fitas esvoaçando, é uma presença inusitada aqui à beira do rio e parece que também ninguém a vê. Transparente como eu.

E nem as gaivotas soltam os seus estridentes gritos. Aqui estão silenciosas. Deslizam no rio como sílfides.

Outras, muito sossegadas, olham o rio.



Sentindo a aragem fresca do rio, pensando na sua vida


E depois vamo-nos embora. Não me lembrei da Poesia no CCB. Só agora, lendo um comentário num dos textos mais abaixo, me lembrei. Que pena.

De qualquer forma, tinha uma pendência por cumprir e, por isso, lá fomos.

O destino era o Jardim das Amoreiras, um Jardim que conheço muito bem, que já muito frequentei e que se mantém inalterado, ano após ano. Um lugar bom para se estar.



Vieira da Silva agora


O destino era, pois, a Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva. Claro que aproveitámos para ver as obras da Vieira da Silva e do marido, Arpad Szenes, sempre um grande prazer. Mas, depois, o objectivo era ver a exposição da Graça Morais, Os desastres da Guerra.


Palavras de Graça Morais

Sombras do medo
Pinturas nas quais homens e mulheres se transmutam em animais. animais que ganham a força dos heróis.
Anjos que carregam nos seus braços seres que são resgatados do Inferno e dos desastres das guerras e das doenças


Não são obras fáceis de ver. Incomodam. Ferem. Ferem porque são feridas expostas. Ferem. Por vezes, temos vontade de desviar o olhar.




Alguns não sabemos se dormem, se estão mortos, se estão apenas desamparados. Ou com medo.

Mais à frente uma vitrina cheia de recortes mostra onde Graça Morais foi buscar estas imagens. Não as inventou. É gente de verdade.



Repare-se na imagem das crianças deitadas cobertas de branco e atente-se no desenho acima


São imagens de dor, de gente que foge, de mães que seguram os corpos dos filhos, pungentes pietàs, gente caída, ensanguentada, crianças.



O medo, a tristeza, o amparo, os animais

Há um sofrimento grande que transparece, que sai das telas. Há muita violência. Incomoda. Incomodam os rostos gastos e sofredores.


Palavras de Graça Morais:

A caminhada do Medo
Fuga do Caos e do Abismo. São milhões de seres humanos que migram em busca de um futuro melhor. Fugidos de guerras, de genocídios, do terrorismo, de catástrofes naturais, lutando numa cruzada contra a fome, a doença, as injustiças sociais e as perseguições políticas.


Nestas obras de Graça Morais o que vemos é que são animais que nos regem, são animais, somos animais, somos seres irracionais. Quem faz a guerra? Quem comanda o mundo? Pessoas como nós? Animais? Animais como nós?




E há fogo no ar, sangue, beligerância e há a grande besta que tudo destrói. E há o cansaço, o fim da linha, o fim do sonho.



Um Chagall ao contrário: não há sonho, não há romance, fantasia.
Em Graça Morais, nestas obras, há sombras, medo, cansaço, guerra, dor, fome, morte


Trouxe uns livros, tenho-os aqui e gostava de amanhã ter o dia todo para os ler, para passar as mãos pelas páginas macias.

Depois, Gulbenkian. Almoço no CAM. A seguir, Exposição 360º - Ciência Descoberta (exposição sobre a ciência ibérica na época dos descobrimentos) que fez os encantos dos meninos. Olha! Olha! Rinocerontes, crocodilos, pinguins. Mas disso já não vou agora falar porque não era permitido tirar fotografias e porque senão isto vai levar horas a ler e vocês rifam-me...

Mas, antes de me ir embora, e porque falar da Gulbenkian sem falar dos Jardins e dos patinhos até parecia mal, aqui vos dou conta que há imensos patinhos bebés, uma ternura.



Patos, Patas e seus filhotes Patinhos - nos lagos dos Jardins da Gulbenkian

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Este é o meu segundo texto de hoje aqui no Um Jeito Manso. A seguir poderão ver um texto e imagens relativos a um vestido espectacular de Joana Vasconcelos a propósito da sua Exposição no Palácio da Ajuda e outros modelitos dos StoryTailors


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Apesar de isto por aqui, no UJM, ser dose, ainda arranjo coragem para vos convidar a ir dar uma espreitadela ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras juntam-se às de António Ramos Rosa para falar de um país adormecido que repousa à beira mar e, a seguir, uma música bonita demais, a Dança dos Espíritos Abençoados de Gluck numa coreagrafia de Pina Bausch.

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Resta-me, por hoje, apenas desejar-vos uma bela semana, a começar já por esta segunda feira. 
Que a tristeza paire bem longe de vós. Saúde e alegria é o que vos desejo, meus Caros leitores.