De vez em quando sou surpreendida com a minha própria surpresa pois ela não teria razão de ser se eu fosse mais atenta, mais desperta para o que me rodeia. Percebo, então, como é absurda a minha ignorância. É que a ignorância mais absurda é aquela a que só os verdadeiramente ignorantes acedem, aquela ignorância que só existe porque os muito ignorantes nem da sua ignorância têm consciência. Convivem com ela com a displicência dos mentecaptos.
Como se um dia percebesse que ando de pé porque ando em cima das pernas e ando em cima das pernas porque elas têm força e maleabilidade para se movimentarem comigo em cima. E, no dia em que percebesse esta banalidade, percebesse também a minha anterior desatenção, estúpida, incompreensível.
Bem, pode o exemplo ser também absurdo mas é o que é. Um ignorante até para metáforas é limitado.
Isto porque consumo a wikipedia como gostava de poder comer pãezinhos quentes: a toda a hora. Se quero saber quem é um desconhecido ou um conhecido das outras pessoas mas mal conhecido por mim, vou à wikipedia. Se quero recordar algum conceito mais escuso da física, vou à wikipedia. Se quero saber de obras de um escritor ou cineasta -- ou mil outras coisas -- vou à wikipedia.
E isto como se a wikipedia fosse coisa de geração espontânea e, ao mesmo tempo, coisa científica, hiper-validada e super-editada.
Sou agnóstica: respeito as coisas distantes sem as querer perceber. Deixá-las lá onde estão, indiferentes à compreensão. Sou assim. Com deuses, com o milagre da natureza, com a magia da inspiração e da beleza. Com o mar. Com uma pessoa a nascer de dentro de outra pessoa. Com a generosidade absoluta. Com a intuição aguda, incompreensível. Com o amor louco. Com o princípio dos tempos. Com a memória que perdura apesar da ausência.
Agnóstica com tudo o que me transcende.
Por isso, consumindo a wikipedia a toda a hora, nunca me tinha ocorrido a pergunta óbvia: como aparece feita?
Tanta gente a trabalhar nela, certamente a toda a hora, por vezes logo em cima do acontecimento, e eu sem me ocorrer a curiosidade óbvia: quem escreve os artigos? quem os actualiza? são pessoas de verdade? desocupadas? sábias? ubíquas?
Pois bem. Hoje uma surpresa: há um homem que sozinho já editou milhões de artigos (em língua inglesa), que escreveu sozinho milhares de artigos. Pelo prazer da generosidade, pelo prazer do conhecimento. Sem receber um cêntimo por todo esse abnegado trabalho.
Trata-se de Steven Fruitt que usa o nome de Ser Amantio di Nicolao, personagem da ópera que admira, ele que adora ópera.
[Coloquei aqui uma mulher debaixo de água, perplexa com a sua condição, para vos mostrar como me sinto por, antes, não ter tido sequer a curiosidade de tentar saber quem é que, por detrás de tudo o que tenho podido aprender, se dá a todo este galáctico trabalho. Por não ter antes confirmado que há gente como Steven. Eu, aqui cheia de frescuras a fazer links para a wikipedia enquanto pessoas como Ser Amantio di Nicolao estão usando o seu tempo para partilhar o seu conhecimento, para investigar -- para que, nós aqui, possamos degustar os frutos que ele colhe.]
Conheçamo-lo, ouçamo-lo. Não vale dizer que ele é um cromo. É. Talvez seja. Mas que interessa que seja isto, aquilo e o outro se, graças a ele e a outros como ele, temos o conhecimento ao alcance das mãos?
E também não vale dizer que a wikipedia é coisa pouca, conhecimento superficial, por vezes com erros -- e que bom, mesmo bom, coisa boa a sério, é ler os gregos em grego antigo. Não digo que não. Mas há patamares e o meu é cá em baixo. E o conhecimento, ainda que vago e superficial, que se pode ter, num ápice, com um simples lamiré como uma rápida consulta á wikipedia é relevante para quem sabe pouco como eu.
Mas o que sei ou deixo de saber também não interessa. Conheçam, por favor, Steven Pruitt, o Senhor Wikipedia:
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