Depois de ter louvado a iniciativa de Renzi atribuindo 500 euros a cada adolescente para consumir em cultura, volto-me agora para a notícia que está a causar estranheza e a lançar alguma suspeição nos europeus:
O plano de defesa civil, que inclui o conselho para os alemães armazenarem comida e bebida para dez dias, foi hoje aprovado pelo Governo.
O governo alemão aprovou hoje um plano de defesa civil, que pede aos cidadãos para fazerem aprovisionamentos de água e alimentos, permitindo uma resposta em caso de atentados ou catástrofes naturais. (...)
Entre as recomendações feitas à população, contam-se a necessidade de reservas de água, de "dois litros por pessoa e por dia, por um período de cinco dias". Os cidadãos devem abastecer-se de alimentos suficientes para dez dias.
Prevê também planos de emergência em caso de interrupção do fornecimento de água ou eletricidade, uma série de medidas de segurança em caso de crise de natureza química, atómica ou biológica, ou ainda em caso de ataques cibernéticos.
Soube disto e desde então já ouvi interpretações diversas e comentadores para todos os gostos a especular a razão de ser de tão inusitada medida: que tem a ver com a Ucrânia, ou com a Turquia, ou com o Daesh, ou com severas ameaças às centrais nucleares ou com indícios de terramotos bárbaros, ataques cibernéticos ou, acrescento eu, invasão por marcianos.
Pode ser. Mas, como não tenho espiões debaixo das saias da Merkel, de facto não faço ideia.
Contudo, já trabalhei diversas vezes com alemães, uma das quais recentemente. E já trabalhei em diversos contextos e circunstâncias, algumas vezes durante períodos bem longos.

Contudo, se reconhecerem e lhes provarem, mas provarem bem, que uma solução menos ortodoxa parece valer a pena, então equacionam-na, enfiam-na no plano e deixa de ser heterodoxa e, portanto, passa a estar regulamentada, tornando-se admissível. E, uma vez estabelecido um plano, seguem-no ferreamente. Podem levar um ano ou mais a fazer um plano ao pormenor, quando, em iguais circunstâncias, os portugueses o fazem numa manhã, de forma não detalhada para deixar margem para os imprevistos que sempre acontecem. Os alemães não: os alemães elencam previamente todos os passos e todos os possíveis imprevistos e, neste caso, para cada um, estudam qual o antídoto. Só depois se abalançam à acção.
Para além do mais têm a paranóia da segurança e da propriedade das suas coisas. Podem optar por soluções pouco operacionais e pouco económicas mas priveligiam (ou melhor, exigem) a segurnça e o controlo absoluto das situações (a propriedade inquestionável e regulamentada da informação gerada nas suas organizações, a segurança à prova de bala das suas redes de dados, dos seus ficheiros, etc).
Ou seja, do que lhes tenho observado -- e, como disse, do que tenho constatado desde há alguns anos para cá, esta atitude vem-se tornando generalizada e inquestionável -- só se sentem bem se tiverem planos para tudo e, sobretudo, planos que garantam que, haja o que houver, eles estão sempre salvaguardados pois preveniram-se em terra antes de se fazerem ao mar.
Por isso, do que lhes conheço, não precisam de saber de alguma ameaça concreta para desencadearem estas medidas que agora aprovaram. Leio e acredito que isto faz parte de um plano global que vem sendo estudado desde de 2012 (ou seja, há 4 anos) e que visa substituir um outro que estava em vigor desde 1995.
Agir como eles, tem prós e contras. Eu acho que, com alguma frequência, tendem a levar a coisa ao limite do absurdo; acho que perdem a noção de que tamanha pre-ocupação é um excesso de zelo que pode não se justificar. No entanto, acho que entre a despreocupação portuguesa, de deixar tudo muito ao improviso, de não divulgar riscos para não lançar alarme, de se fiarem na virgem e não correrem e a confiança cega dos alemães em que tudo poderão prevenir haverá um meio termo virtuoso.
Por exemplo (e sem, de modo algum, querer cavalgar a onda da tragédia do sismo italiano), refiro um tema do qual já aqui, de resto, falei algumas vezes: algumas zonas do país e, em particular o Algarve, a Costa Alentejana e Lisboa e Vale do Tejo. são de alto rismo sísmico e o não ter voltado a haver um abalo violento como o de 1755 já é uma improbabilidade. Ou melhor, é uma grande sorte que devemos agradecer a todos os santinhos mas é, também, uma improbabilidade.

Por isso, teríamos já mais do que tido tempo não apenas para reforçar as estruturas dos edifícios que não aguentarão um desses tremores de terra valentes como para traçar um plano de contingência e de recuperação (a todos os níveis) em caso de desastre. Mas qual o quê...
Este plano pressuporia ampla divulgação, realização de simulacros e intervenções de toda a ordem. Contudo, portuguesmente assobia-se para o lado e espera-se que, na nossa vida, tal não venha a acontecer.
Não sou eu que o digo, que eu não percebo nada do assunto. Mas ouça-se um dos maiores especialistas nacionais na matéria, o Engenheiro João Appleton:
Tivemos um bom exemplo com a Parque Escolar, em que os edifícios foram, de uma forma sistemática, analisados e reforçados do ponto de vista sísmico, mas esse programa foi interrompido. Foram feitas obras em 200 e tal escolas, mas as outras centenas de escolas estão esquecidas e abandonadas. E o que é que acontece aos hospitais, aos edifícios de bombeiros ou governamentais, onde trabalham diariamente aqueles que tomam as decisões?
Estou plenamente convicto de que, se sofrêssemos um sismo de grande intensidade agora, colidiriam vários hospitais, vários quartéis de bombeiros, vários edifícios públicos de ministérios, porque não estão preparados para suportar um terramoto semelhante ao de 1755.Quando acontece um sismo de elevada magnitude num qualquer lugar do planeta, especialmente quando é mais perto, as televisões salivam e a toda a hora são mostrados escombros e pessoas a chorarem. Depois aparecem os comentadores, os senhores da protecção civil, os do INEM, não sei se também o Nuno Rogeiro -- e, passados dois dias, já ninguém se lembra de nada. Ora isto com os alemães seria o oposto e, de certeza, já se iria na 50ª versão de um plano exaustivo, sempre melhorada, divulgada e ensaiada.
Portanto, mais do que enveredarmos por teorias da conspiração e desatarmos a especular sobre o que é que os alemães sabem e nós não, acho que deveríamos reflectir um pouco e talvez seguir-lhes o exemplo pois, em caso de atentados, desastre grave, acts of God ou seja o que for, os planos e as cautelas podem salvar muitas vidas ou, pelo menos, minorar o desconforto de algumas situações.
E tenho dito.
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Lá em cima Marlene Dietrich interpreta uma das minhas canções preferidas de ever and forever: Lili Marlene
As imagens que escolhi para adornarem o texto mostram obras de pintores alemães, desta vez dos modernos. A saber, pela ordem em que aparecem: Franz Marc, Max Ernst, Paul Klee, Hans Hofmann, Tomma Abts e Gerhard Richter.
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E queiram, agora, ir de visita aos antigos.
No post abaixo falo a propósito de uma extraordinára medida de Renzi e peço ao nosso Ministro da Cultura que se inspire.
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