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sábado, setembro 12, 2020

Qual o seu maior segredo?





Hoje foi outro dia com o seu quê de especial -- um dia tranquilo, de novo a trabalhar entre bungavílias em flor, mas com um fim de tarde disruptivo e que pode bem influenciar os próximos não sei quantos anos da minha vida. Não gosto de falar antes das coisas serem coisas mas, claro está, estou aqui a dedilhar estas palavras e com a cabeça no sucedido. Não sei como é que estas coisas me acontecem nem como é possível que tudo na minha vida mude tanto, tantas mudanças em simultâneo. O que se terá passado dentro de mim para, de súbito, ter vontade de virar costas a um trabalho ao qual me dediquei durante tanto tempo, de virar costas a uma casa que adorava, de virar costas a hábitos que foram os meus durante anos? Ainda estou para saber. A tudo viro costas sem pensar duas vezes, sem pena, sem saudades, sem receios. E este ímpeto continua dentro de mim: vontade de desbravar novos lugares, novos percursos, novas actividades. 

Só ainda não me aventurei mais pois não me sobra muito tempo: a trabalhar, o tempo livre é relativo. E depois da loucura que foi a mudança, embora ainda não esteja 100% concluída, estou numa inércia desgraçada, de repente vejo-me incapaz de me esforçar, diria mesmo que me vejo improdutiva. 

Os dias passam a uma velocidade para a qual não encontro explicação. Quando dou por ela são horas de almoçar, quando dou por ela já estou a meio da tarde, depois daí a nada são horas de fazer o jantar, de regar, depois de telefonar à família, de tomar banho, de jantar, de arrumar a cozinha, depois já aqui estou, depois distraio-me, depois já é tarde, escrevo cheia de sono, não consigo energia para responder a comentários e mails, e, como sempre, vou para a cama tarde e más horas. E, enquanto isso, a pensar que deveria organizar-me melhor para arranjar espaço para começar a explorar novas áreas pois a vontade de me aventurar por aí está a latejar faz tempo.

Ao fim do dia, como sempre, preguiçosa, tentando descobrir temas que me digam alguma coisa (já que o covid ou a ana gomes não conseguem tirar-me das tábuas -- embora o galope a que vejo o número de contágios a avançar esteja a causar-me alguma apreensão), largo os jornais que só me trazem notícias maçadoras e desloco-me para a arca dos muitos mil tesouros: o youtube. E o algoritmo que, como é sabido, percebe mais dos meus humores do que muita gente de verdade, hoje tinha para me propor vídeos de uma série que já uma vez me tinha mostrado. Uma jovem coloca um microfone e uma câmara num jardim e pede a quem passa que partilhe um segredo. E acontece o que, à luz da razão, seria impensável. Se alguém tem um segredo, por que razão o partilha, sem hesitar, perante um microfone e uma câmara, sabendo que vai ser divulgado perante o mundo? Não percebo. Juro que não percebo. E acontece-me ainda uma outra perplexidade: o que faria eu em idênticas circunstâncias? Não sei. Mas não sei porque não me ocorre nenhum segredo que pudesse ser contado. Como é que tanta gente tem segredos? 

Não sou bissexual, não tenho traumas cabeludos, não me empanturro para espantar mágoas, nunca roubei coisas no supermercado, não me sinto atraída por toda a gente, não desejo a minha melhor amiga, nunca deixei que gravassem tatuagens parvas no meu rabo em noite de bebedeira. Nada. Nada a declarar. Banalidades? Até me sentiria inibida... Vou contar que, quando era pequena, às vezes, a caminho da escola para casa da minha avó, eu e outras meninas bem comportadas íamos tocar às campainhas das vizinhas mais rabugentas? Bahhh..., toda a gente o deve ter feito. Conto que, às vezes, quando via a vizinha chata lá do prédio a caminho da entrada, me punha a mexer na carteira, como se procurasse alguma coisa, só para fazer de conta que não a tinha visto, esperando que ela subisse no elevador para só então entrar no prédio? Bahhh..., quem mais no prédio não o deve ter feito...? Vou contar que, quando ia buscar livros à fantástica biblioteca da primeira empresa em que trabalhei, quando eram livros especiais, tinha sempre vontade de não os devolver e sentia vergonha por ter essa vontade? Bahhh...., que não-pecado mais betinho... Só se for contar que, uma vez, teria eu uns dezasseis ou dezassete anos, uma cabeleira farta de dar gosto, resolvi inovar e a apresentar-me com um penteado diferente numa festa de anos onde estava o meu grande amor. Pedi uma ondulação a preceito. Nos poemas o meu cabelo era descrito como sendo de ouro velho mas, depois de uma tarde inteira de cabeleireiro, para além de ouro velho, o cabelo era o do marquês de pombal, caracóis sobre caracóis, uma juba descontrolada que deixava quem me via de queixo caído e, a mim, me fazia rir sem parar, incapaz de me encarar no espelho. 

Enfim. 

Conclusão: a vida é uma coisa curiosa e, depois de ver o vídeo, só tenho pena é que haja pessoas que guardem segredos tão tristes e que sigam em frente, com eles, tenebrosos, no fundo do seu peito. Prefiro ouvir segredos malucos, inofensivos, divertidos. Mas isto é assim mesmo: os segredos não se escolhem.



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Pinturas de Alma Thomas ao som de Georges Moustaki com a sua eterna Chanson pour elle

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E um bom sábado também para si

domingo, janeiro 13, 2019

Palavras de acalmia depois de um big vendaval





Pronto, já consegui instalar-me. Tive-os a todos cá e depois só os cinco porque os crescidos foram curtir a night e foi aquele festival de quando os cinco pimentinhas estão juntos em espaço confinado. Os quatro a fazerem wrestling, bebé incluído. No meio da confusão até deu uma dentada nas costas de um dos primos. Ela brincou aos escritórios, depois maquilhou-me, maquilhou-se. E eles depois a rebolarem em volta da big ball, bebé também incluído. Depois quiseram ir comer uvas e bolo, e isto para aí uma hora e picos depois de terem jantado.

Depois ela descobriu uma caixinha de trident e quis uma pastilha e depois todos queriam pastilhas e reivindicavam como se estivessem numa manif: pastilhas! pastilhas! pastilhas! e até o bebé gritava: pilha! pilha! pilha!

Quando os pais os vieram buscar, tarde e más horas, estavam todos espertos e prontos para continuerem a brincar.

Entretanto, as almofadas mudaram de sofá, as canetas e os lápis de cor estavam todos fora dos respectivos estojos, as cobertas dos sofás estavam meio tiradas, uma cadeira estava no chão e os brinquedos com que o bebé brincou estavam fora do cesto. Quando saem e nós vamos despedir-nos e depois reentramos em casa, é como se um furacão tivesse passado pela casa. O meu marido põe-se logo a apanhar coisas e desabafa: aqueles gajos... mas eu fico tão cansada que não consigo articular palavra.

Mas fui beber água e fiquei logo melhor.

Mas o pior não foi isso. O pior é que o touchpad de um dos computadores, um que está a dar as últimas, tinha deixado de funcionar e o do trabalho, que este fim de semana trouxe para casa, estava já sem carga e carregador viste-o. Passava da meia-noite, queria pôr-me aqui a descansar e os computadores fora de combate. Estiveram a mexer neles e fizeram este lindo serviço. O meu marido repreende-me: Deixas os putos fazerem o que querem. Fiquei furiosa: Deixo? Mas como consigo não deixar? Se ajudasses a tomar conta deles... Mas ele refila: Ai é? E quem é que punha a mesa? E quem é que levantava a mesa? E quem é que... E eu já nem o ouvi porque era verdade e não me apeteceu dar-lhe razão.

É que se ando atrás do bebé, que trepa e sobe e desce sozinho para cadeiras e tenta mexer em tomadas, ficam os outros quatro à solta. Se vou atrás de algum dos outros, não vejo o que estão os outros a fazer, em especial o bebé de quem não podemos tirar os olhos nem por um segundo.

Enquanto acabava o jantar, apareceram uns com o computador na cozinha para ficarem a fazer não sei o quê, jogos talvez. Entretanto, dei com ela, na sala, a brincar com a tia aos escritórios e depois aos médicos e a escrever no outro computador. E ouvi-a a dizer que ia guardar o carregador na mala do computador. Depois vieram dois dos rapazes a dizer que o touchpad tinha deixado de trabalhar. E dizia um: será que apanhou água...? e reparei que, de facto, havia alguma água no teclado. Percebi: não me digam que entornaram água no computador... E logo eles, com sorriso apanhado: não... E eu a ver que ali havia coisa. E o outro: só se caíu... E eu, já zangada: Olhem lá. Deixaram cair o computador? E logo o mais novo: Não, não caíu, juro que não fui eu... E os dois com sorrisinho apanhado. Fiquei mesmo arreliada: deixaram cair o computador e ainda lhe entornaram água. E agora? Fico com o computador estragado? E eles: desculpa Tá, desculpa. Não insisti. Não quis sabe quem foi, como foi. Foi; e de certeza que, o que foi, foi por acidente; portanto, ponto final. Não consigo zangar-me com eles.

Entretanto, agora pedi ao meu marido que lhe desse com o secador. E ele: Era mesmo só o que faltava, passa da meia noite e eu a dar com um secador num computador. Deu-lhe durante um ou dois minutos e foi dormir. 

Mas nada, nem pó, o rato do computador sem trabalhar e eu sem rato externo. Entretanto, como disse, o outro sem funcionar e eu sem descobrir o carregador. Dentro da mala não estava nem nos sofás nem debaixo deles nem na cozinha nem em lado nenhum. Liguei ao meu filho. Tinha acabado de deitar os miúdos e ainda estavam acordados. Disseram que estava na bolsinha exterior da mala do computador, bolsinha essa em cuja existência nunca tinha reparado.

Com o computador a carregar, pesquisei e li que fizesse fn F9 e milagrosamente o rato do computador voltou à vida. Portanto, às tantas nem o banho que apanhou nem o trambolhão que deve ter dado tiveram a ver com o touchpad ter ficado desactivado.

Passa bastante da uma da manhã e estou feliz da vida pois nada me traz mais felicidade do que estar com os meus; mas tenho que reconhecer que ficarmos os dois em campo fechado com estes cinco fazedores de vendavais é obra. Deixaram-me, pois, um bocado off. Ua vez mais não consigo responder a mails que tenho em atraso ou a comentários. Impossível. A energia daqueles cinco é uma coisa que só vista, parece que se potencia quando estão juntos.

Mas, como a seguir ao almoço já fui aos meus pais, este domingo estamos por nossa conta. Tenho vários afazeres mas face ao forrobodó e ao vendaval de hoje cá em casa vai ser piece of cake.

Lamento não ser capaz de escrever sobre o que quer que seja nem tenha fotografias das minhas para mostrar apesar de ter andado a passear numa cidade muito linda e bem arranjada e, penso, ter fotografias que o atestarão. Mas não consigo ir escolhê-las. E devo ter também muitas deles, dos meus queridos pimentinhas, certamente parte delas desfocadas pois não conseguem parar sossegados. Como será que eles, quando forem crescidos, recordarão estas estadias cá em casa, como recordarão as almoçaradas e jantaradas em volta da mesa grande, toda a gente a falar e a rir? Espero que sejam memórias que acarinhem para o resto da vida. Eu de certeza que o farei. Quando os meus filhos eram pequenos e andavam à bulha eu pedia-lhes sempre que fossem amigos, muito amigos, grandes amigos para sempre, toda a vida. E agora desejo isso também para todos os seus filhos -- que sejam grandes amigos entre si, amigos inseparáveis, irmãos e primos, tios e sobrinhos. Os meus amores e os meus amorzinhos.

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Os casais a dançar -- talvez um tango, talvez une valse à mille temps -- que Botero pintou talvez não tenham nada a ver com o texto. Nem a canção do Moustaki que, não sei bem dizer porquê, me causa um frémito e uma emoção que não sei bem definir, talvez como que de uma intrigante nostalgia. Mas estando eu tão KO como estou, é a minha forma de enviar um sorriso a um certo métèque que não sei se o merece ou não mas a quem, tendo eu a alma de uma verdadeira santa, me sinto com vontade de perdoar. E de dizer a todos os viajantes que por aqui gostam de passar que, apesar de perdida de sono, nunca perco a vontade de sorrir e de dançar, mesmo que apenas com as palavras.

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A todos desejo um bom dia de domingo.

quinta-feira, maio 23, 2013

Morreu Georges Moustaki e de um Portugal entristecido, num Maio entristecido, lhe envio o meu adeus português


O tempo passa. Lembro-me bem do Portugal de Moustaki e do cheirinho a alecrim do Chico. Gostava de ver como a alegria portuguesa enchia de esperança os sonhadores de todo o mundo. 

Agora a festa acabou, as musas parece terem abandonado o jardim, a esperança parece abandonar os rostos. E já não florescem mil flores encarnadas.

Mas um dia virá. E a canção Portugal de Georges Moustaki estará cá, entre nós, para nos lembrar, para nos fazer acreditar e lutar por um Portugal em que mil flores voltem a florir.


A ceux qui ne croient plus
Voir s'accomplir leur idéal
Dis leur qu'un œillet rouge
À fleuri au Portugal


Portugal, Georges Moustaki


Oh muse ma complice
Petite sœur d'exil
Tu as les cicatrices
D'un 21 avril

Mais ne sois pas sévère
Pour ceux qui t'ont déçue
De n'avoir rien pu faire
Ou de n'avoir jamais su

A ceux qui ne croient plus
Voir s'accomplir leur idéal
Dis leur qu'un œillet rouge
A fleuri au Portugal

On crucifie l'Espagne
On torture au Chili
La guerre du Viêt-Nam
Continue dans l'oubli

Aux quatre coins du monde
Des frères ennemis
S'expliquent par les bombes
Par la fureur et le bruit

A ceux qui ne croient plus
Voir s'accomplir leur idéal
Dis leur qu'un œillet rouge
À fleuri au Portugal

Pour tous les camarades
Pourchassés dans les villes
Enfermés dans les stades
Déportés dans les îles

Oh muse ma compagne
Ne vois-tu rien venir
Je vois comme une flamme
Qui éclaire l'avenir

A ceux qui ne croient plus
Voir s'accomplir leur idéal
Dis leur qu'un œillet rouge
À fleuri au Portugal

Débouche une bouteille
Prends ton accordéon
Que de bouche à oreille
S'envole ta chanson

Car enfin le soleil
Réchauffe les pétales
De mille fleurs vermeilles
En avril au Portugal

Et cette fleur nouvelle
Qui fleurit au Portugal
C'est peut-être la fin
D'un empire colonial