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segunda-feira, novembro 19, 2018

Desabafar


Vim para aqui com uma ideia e, por isso, escolhi duas fotografias. Era para escrever para aqui umas maluqueiras, daquelas que não têm a ver com nada, histórias sem os pés na terra, com a cabeça sabe-se lá onde, o coração fora do peito, as mãos incapazes de agarrarem as palavras.

Mas, ao pôr as mãos no teclado -- oh sensação mais boa... -- a verdade é que parece que passou essa vontade e fiquei foi com vontade de contar o que no outro dia aconteceu. Não vou poder contar tudo tal e qual pois é recente e porque não quero que alguém se reconheça. Mas apetece-me falar porque me impressionou. E impressionou-me não por ser coisa inédita mas porque, pelo contrário, é muito habitual.

Tinha ido a uma consulta de rotina. Entrei e a médica estava desatenta, de volta do computador que não queria arrancar. Nem olhava para mim. Depois, lá deve ter-se lembrado que eu ali estava,  começou a fazer-me perguntas sobre o estado de saúde e a seguir viu a tensão arterial, auscultou-me. A seguir, de forma um bocado desenquadrada e abrupta, perguntou-me como estava eu em geral e no trabalho. Achei graça à pergunta. Disse-lhe que bem. Não me pareceu relevante entrar em pormenores.

E, então, nem eu sei bem como, começou a falar-me dela própria. Falava, olhava-me, falava. E contou-me da sua actividade profissional sobrecarregada, do trânsito, do que gosta de estar próxima dos seus doentes, e contou-me que teve um problema de saúde há uns anos do qual lhe foi difícil sair, falou-me, então, de um filho que perdeu. E a forma como sorriu, como quis disfarçar a dor que ainda estava tão visível, tudo aquilo me tocou. E eu olhava para ela e ouvia-a com atenção e espero que sem demonstrar surpresa -- surpresa por, sem me conhecer, ela estar a contar-me apontamentos da sua vida, coisas tão pessoais e dolorosas.

Acontece-me tanto isto: não apenas com pessoas que conheço como, e isto é que me surpreende mais, com pessoas que não conheço. Seja onde for, acontece isto: as pessoas começam a falar-me das suas vidas. 

Não tive como interrompê-la porque ela falava torrencialmente, como se as palavras lhe tivessem estado aprisionadas.

Pouco falei. Senti, isso sim, muita compreensão pelo que me contou e bastante empatia face às situações complicadas pelas qual passou. Não sei como é a minha expressão facial nestas alturas mas admito que deve desinibir as pessoas que, por alguma enigmática razão, resolvem desabafar comigo.

Quando saí do consultório, as pessoas à espera tinham-se acumulado e olharam-me com ar de natural impaciência.

Quando cheguei ao escritório, tarde e más horas, fui à copa para fazer um café. Estava lá uma colega. Estava com um ar cansado, encostada á parede com a chávena na mão. Disse-lhe (ou melhor, perguntei-lhe): 'Então? Como vai isso?'. E, então, para minha igual surpresa, começou a contar-me os problemas de saúde da sogra, do marido, os problemas profissionais e pessoais das filhas. Senti o peso que ela sentia sobre ela. Estive bem uma meia hora a ouvi-la. Incapaz de interromper. Sentindo que ela estava mesmo a necessitar de ter quem a ouvisse, deixei-me estar em frente dela e ouvi-a até ela querer.

Claro que essa manhã foi uma lástima em termos de produtividade mas compensei à hora de almoço e ao fim do dia. Mas, do ponto de vista humano, eu vou recebendo mais e mais histórias de vida. 

Gostava de saber retribuir melhor a confiança que tantas pessoas depositam em mim mas, para além do que, na altura, se calhar faço -- e que acho que é apenas ouvir com genuíno interesse e compreensão --, nada mais sei fazer senão ir dando aqui umas pinceladas do que vou testemunhando. Mas o que é isso? Nada. Palavras à toa que se perdem no meio de tanto que escrevo.

Mas, muito a sério, gostava de deixar o meu testemunho de que termos tempo para ouvir os outros é importantíssimo. Há muita solidão na vida de muita gente. Ter quem as ouça pode fazer a diferença. Ou, então, não será solidão, talvez seja não quererem preocupar os que lhes são próximos, talvez sintam que devem ser fortes e, às tantas, o peso é de tal ordem que é mesmo necessário tentar aliviar a angústia ou a preocupação.

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Acabei por não colocar as fotografias que tinha pensado mas estas, da autoria da holandesa Suzanne Jongmans, que recriam pinturas. Parecem-me mais comedidas, mais ajustadas ao que quis escrever.

E, ao escrever isto e, ao mesmo tempo, ao não responder aos comentários ou aos mails que se vão acumulando, sinto que estou a ser talvez contraditória. Mas é que eu também tenho as minhas limitações. Estive a dormitar e depois a fazer o tapete e agora é tarde, tenho que ir dormir. Mas saibam que gosto de ler os vossos comentários e que gostava de ter tempo para conversar com cada um de vós. Acreditem que não é por falta de consideração, é mesmo incapacidade física e, confesso, algum egoísmo, por, em vez de responder e agradecer a generosidade de quem se dispõe a comentar, estar, antes, a fazer o tapete. Aceitem as minhas desculpas.

Desejo a todos quantos por aqui me acompanham uma boa semana, vivida com leveza e harmonia, com saúde e alegria.

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Para haver aqui alguma música, permitam que partilhe mais uma sugestão do Youtube

[A história de como um presente, em criança, mudou a vida de Elton John]


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