terça-feira, dezembro 31, 2019

Na despedida de 2019





Não consigo agora escrever muito nem agradecer individualmente a quem, tão generosamente, deixou os seus votos quer em comentário quer por mail. Abri apenas uma excepção mas mais, por agora, não consigo.  O meu dia tem sido muito atarefado e agora tenho que me despachar, até porque já estou um bocado atrasada. Voltarei em 2020 e talvez consiga deixar uma palavra a cada um. 

Mas, antes que 2019 acabe, apeteceu-me vir aqui deixar um abraço a quem me visita. Enquanto escrevo, vejo pelas estatísticas que estão, neste momento, oitenta e duas pessoas a ler o blog. Nunca se sabe quem nos lê nem como as nossas palavras são interpretadas por cada um.

Ter um blog é, para mim, um exercício de prazer, de partilha, o usufruto de um espaço onde gosto de fazer o que me dá na gana. Ficarei feliz de conseguir chegar até quem por aqui me acompanha, estabelecendo laços que gostaria que fossem de estima.

Para quem não me conhece posso ser um ser abstracto que, por aqui, vai dizendo umas coisas, mostrando algumas fotografias que faz, coisas assim, mas, na realidade, sou uma mulher de verdade. E, como tal, sou uma pessoa com sentimentos que, por razões que a mim própria me parecem difíceis de explicar, se põe com saudades de quem por vezes desaparece, com preocupações quando sente que, aí desse lado, há alguém que não está muito bem, ou que fica feliz quando sabe que quem andava desaparecido afinal reapareceu e está bem ou quando leio palavras em que me revejo noutros blogues sentindo misteriosas afinidades com quem as escreve. 

O ano está a chegar ao fim. Nada de mais. O tempo é uma linha contínua e não um conjunto de segmentos. Mas o tempo é mais do que isso, é, na verdade, mais do que uma linha. O tempo é o espaço que habitamos, é a realidade intangível, omnipresente, omnipotente, omnisciente, que nos conduz. Que saibamos viver nele o melhor possível é o que é importante. 

Não gosto de guerras, de intrigas, não sou de me prender em minudências, não sou de curtir fossas ou de carpir. Sou mais de 'bola para a frente' e logo se vê. Gosto de me deslumbrar, gosto de estar bem com os outros, gosto de paz.

O mundo está estúpido e há demasiada gente inculta, ignorante e bruta em lugares de poder. Mas sempre houve, não temos o exclusivo da experiência. Temos é que conseguir manter a coluna direita, a consciência limpa, a mente aberta, o coração disponível.

E que, no meio disto tudo, consigamos ir vendo a beleza e sentindo a felicidade de estarmos vivos.

E é isto.
Estou a escrever à pressa, estão a chamar por mim e acabo por nem ter cabeça para alinhavar melhor a prosa. Mas se calhar também não preciso de dizer muito mais. Tudo o que se diga são palavras. Mas, para além das palavras, há os gestos. E eu agradeço-vos de coração a vossa simpatia e companhia aí desse lado bem como o vosso gesto de chegar até mim, mesmo que não vos conheça nem consiga dizer o vosso nome ou dar-vos um abraço.

Até já.

As cinquenta nuances de verde







No sábado, no bocado de tarde que estive in heaven, fiz fotografias que tinha vontade de partilhar convosco. Também tinha a ideia de vos contar como se estava lá tão bem e da pena que tive por não poder estar mais tempo. Mas depois, já nem me lembro porquê, não fui por aí.

Depois, no domingo, no bocado em que estive à beira mar, fiz várias fotografias e tinha ideia de aqui publicar uns quatro ou cinco postais. Só tive tempo para dois. 

Esta segunda-feira voltei ao trabalho. Tinha pensado que ia ser um dia calmo, que conseguiria sair cedo mas os dois dias de férias hoje pesaram-me. Não sou nem um bocado de manias de que sou insubstituível nem sou maníaca do trabalho. Acontece é que as circunstâncias, ou a minha maneira de ser, nem sei, fazem com que tenha, de facto, muito trabalho. Sou de delegar, delego bastante, mas o facto de trabalhar em mais do que uma empresa e em qualquer delas com funções executivas, acarreta responsabilidades e as responsabilidades traduzem-se, para mal dos meus pecados, em trabalho.


E o trânsito. Uma pessoa, mesmo sem querer, torna-se insensível ao que se passa com o carro dos outros. Julgando que ia fazer um percurso num quarto de hora, foi furiosa que passei por um carro empanado no meio da estrada. Uma carripana velha, provavelmente um sufoco para o dono do carro, provavelmente custos que vão ser difíceis de suportar e eu, sem querer saber disso para nada, simplesmente a querer passar para ver se chegava a horas ao meu destino. Ou quando estou mais de uma hora num pára-arranca desesperante, enervada por chegar atrasada, e passo por carros espatifados, carros de bombeiros, ambulância, polícia, e eu nem penso no que ali se passou, apenas me sinto aliviada por, a partir dali, já poder andar normalmente.

Anos de vida nisto. 

Bem. Adiante.

Quando cheguei a casa ainda fui ao supermercado comprar o que faltava para o almoço de Ano Novo cá em casa. E depois ainda fui fazer uma máquina de roupa.


E, a seguir, depois de me pôr confortável, fui-me àquilo para que me deu neste fim de ano: arrumações. 

No sábado, o meu filho disse-me que estavam a pensar ir fazer uma caminhada num trilho de montanha perto de nós, in heaven, para nós irmos com eles, depois almoçávamos e voltávamos lá. Em situação normal, eu diria logo que sim. Os miúdos adoram estar lá, in heaven, até o bebé está sempre a falar nisso e eu jamais diria que não. Mas, pela primeira vez, disse que não dava jeito, que tencionava estar na cidade em arrumações. À noite foi a minha filha a dizer que o irmão a tinha desafiado para irem para a praia de manhã cedo mas que ela de manhã não mas que, se calhar, à tarde sim, e nós que nos juntássemos. O prazer de estar com eles é sempre o que fala mais forte. Mas, uma vez mais, disse que não. É que dizer que sim tem sido a história da minha vida. Sempre eles antes de tudo, em primeiro lugar haja o que houver, e eu sempre disponível para estar com eles. Com o meu marido a mesma coisa: quando estamos juntos, os programas que arranjamos durante o dia são programas conjuntos. Por isso, arrumações profundas vão passando para a próxima vez -- mas para a próxima vez nunca há tempo. Mas desta vez qualquer coisa desceu em mim. Um ponto de honra. Tinha mesmo que ser. E eu quando me dá para arrumações destas é mesmo a sério. 


Por isso, hoje, de novo, foi até há pouco tempo. E ainda não acabei. Para fazer as coisas como eu queria, precisaria de mais uns dois ou três dias. Mas já não vai dar. Tenho que acabar amanhã e, ainda assim, amanhã vou ter um dia atarefado, pouco tempo me vai sobrar. Portanto, agora à noite dei no duro. No último dia do ano vou levantar-me cedo e tentar cobrir os mínimos que tenho em mente. Já fui duas vezes à loja dos chineses comprar caixas e cabides verticais. Amanhã vou ter que lá voltar para comprar uma com gavetinhas para guardar pulseiras. Os brincos e os anéis já estão organizados por cores. E as pulseiras também o serão. 

Muitos anos a trabalhar, muitos anos a querer estar bem arranjada todos os dias, muitos anos a juntar roupa e bijuteria que não se estraga, muita gente a oferecer echarpes... dá nisto: coisas a mais.


Acho que pela primeira vez na vida tenho um roupeiro para o qual dá gosto olhar. As gavetas têm os tops ou as echarpes todas dobradinhas ao alto, por cores. Nos cabides, num compartimento estão as blusas ou camisas de manga comprida, noutro as de manga curta. Noutro, as malhas, os casaquinhos leves. E tudo por cores. Os pretos, os azuis -- do mais escuro para o mais claro. Depois os verdes -- os profundos, os esmeralda, os vivos, os água, os secos, os floridos, os que tendem para os amarelos. Depois os amarelos. Depois os corais, os laranjas, os encarnados. Etc.

Um gosto de ver. Tudo à larguinha, tudo fácil de encontrar, tudo a respirar bem (concordo, Susana, é mesmo verdade: as coisas respiram melhor, parece que o ar da casa até fica mais fresco).


E, agora que já posso dar dois passos atrás e olhar, pasmo com aquilo de que, não sei como, nunca me tinha apercebido: a cor predominante é o verde. Muitos tons de verde, com predominância para o verde musgo dourado. Ainda este Natal, para além de uma preciosa caixa com diferentes flavours de chá, a minha filha me ofereceu um lindo casaco, num tecido macio como uma camurça aveludada, num lindo tom de verde. Disse-me: 'Achei que ficava bem com os teus olhos'. E fica.

Não sei se pela cor dos meus olhos ou se por eles gostarem de ver a cor verde, a verdade é que, olhando para o roupeiro, a mancha verde é a que se impõe.

Não há muito, ao ler o último livro da Ivone Mendes da Silva, A mulher do meio, li uma coisa que me deixou um bocado espantada. Não tenho aqui o livro comigo, está in heaven, pelo que não posso transcrever. Digo de cor, certamente não sendo fiel à letra escrita. Se bem me lembro, descrevia ela que a Agustina dizia que só as mulheres muito bonitas podiam usar verde, razão pela qual ela nunca tido coragem para vestir uma peça verde. E eu, embora não sabendo, na altura, que o verde era a minha cor dominante mas já certa de que reincidia frequentemente, fiquei a pensar que eu, que uso tanto o verde, na volta, estou a ser impudica, descarada, estulta, inconsciente.


Mas é uma cor linda, vibrande, cheia de vida, cheia de nuances e de profundidades, cheia de luz, cheia de mistérios.

E, para o ilustrar, acabei, afinal, por ir mesmo buscar algumas das fotografias que fiz no sábado. A luz dourada sobre os verdes é de tal forma sedutora, não é? Mas todos os verdes o são, mesmo o da tenra erva, mesmo o dos rebentos na ponta das hastes, mesmo o da indistinta mancha do arvoredo vista de longe. Há deuses verdes à solta nos campos, há deuses verdes que dançam em minha volta. Tão bom.


Espero ainda conseguir voltar antes do final do ano para formular os meus votos mas, para o caso de o não conseguir, vou já adiantando que desejo para os meus amigos que aí desse lado me acompanham o mesmo que desejo para mim e para os meus: tudo de bom. Saúde, sorte, alegria, afecto, desafogo, motivação, boas surpresas, beleza, harmonia, desafios dos bons, partilha, aprendizagem, sorrisos. Coisas boas.


Um dia feliz a todos.

segunda-feira, dezembro 30, 2019

Postal nº 2 da beira do mar -- Até que a morte os separe





O amor entre um homem e uma mulher (ou entre dois homens ou entre duas mulheres) não é infinito, não é incondicional, não é intemporal, não resiste a todos os escolhos, não acolhe todos os perdões nem todas as tolerâncias. É o contrário. É efémero, frágil, limitado. Contém ódios, acusações, raivas, incompreensões. 

Mas se, apesar de tudo isso, ele consegue ir sobrevivendo ou, mesmo, ir-se tornando-se mais forte e sábio, então é muito bom. É o tipo de amor que nunca deve ser dado por adquirido. Nunca. É demasiado falível para isso. Mas, enquanto durar, é bom. Ter-se uma boa companhia, alguém que nos ajude a superar as dificuldades, alguém que nos perceba, que nos ampare, que nos faça rir, que nos desafie é bom. Termos alguém a quem dedicar o nosso carinho, a nossa atenção, o nosso apoio é bom, termos com quem partilhar os bons e os maus momentos também é bom. 

Por isso, ver casais a andar é coisa de que gosto. Gosto de os fotografar. É como se caminhassem sozinhos no meio do mundo. 

Se vejo casais já com alguma idade mas ainda conservando a ternura da mão dada ou do braço dado enterneço-me. 


E, se vejo casais jovens, intimamente desejo que a vida lhes sorria e que eles sorriam à vida e que tenham a sorte de se sentir amados e de saberem construir o caminho pelo qual caminharão. 


Um ano bom é um ano no qual nos sentimos amados. E, ao terminar o ano, é em afectos que mais penso: que o ano novo venha com afecto para mim e para todos os que amo. E para todos os que, aí desse lado, me acompanham. 

Postal nº 1 da beira do mar -- Pais e Filhos





Estamos a chegar ao fim do ano e eu não sou de fazer balanços: acho que não interessa, acho que o que lá vai, lá vai e, sobretudo, já não me lembro de grande parte do que se passou. 

Talvez se me esforçar conseguisse dizer alguma coisa mas não estou numa de me esforçar, pelo menos não agora. O meu dia foi cansativo e eu reservo a energia que sobra para dar à luz algumas das fotografias que fiz hoje junto ao mar.

Mas uma coisa posso eu dizer e não é balanço desde ano em especial, é de todos em geral, e não é meu, é, creio, da humanidade: poucos amores há tão genuínos, tão incondicionais, tão intemporais, tão infinitos como o amor de alguém pelos filhos (e filhas, óbvio). Comovo-me sempre que testemunho o amor de alguém pelos seus filhos. É um amor que não diminui nem se desprende com o tempo, é um amor que sobrevive a todos os escolhos, é um amor feito de dádiva, de perdão e tolerância, de bons auspícios, de cumplicidade, de preocupação, de protecção (mesmo que desnecessária, mesmo que nos digam que devemos deixar-nos disso).

As fotografias que aqui tenho são de pais e não de mães mas penso que o amor de pai é (quase...) tão grande quanto o amor de mãe. 
E que os pais que me lêem não se zanguem pelo meu quase. Trata-se de um juízo subjectivo. Mas é que tenho para mim que nos meses em que as mães passam com os filhos no ventre, desde a génese até ao parto, acrescidos dos meses em que os temos nos braços e os amamentamos, se criam laços tão fortes, tão viscerais, que dificilmente haverá vínculo paralelo. Mas, nisto, a gradação não é muito relevante pois coisas que são infinitas que interesse tem saber se uma é mais assim ou assado? É um amor total, imenso, eterno e é isso que conta. 
É amor -- e do mais puro e autêntico que há no mundo.


domingo, dezembro 29, 2019

O Mondego que deitou por fora, o ministro Matos Fernandes que disse o que disse, as aldeias que estão no sítio errado, o mapa das zonas que vão ficar debaixo de água, a comunicação social, Marcelo Rebelo de Sousa e os afectos, as sensibilidades das redes sociais e etc.


Sem tempo para televisão ou leitura de notícias, fui acompanhando os sucedidos um bocado por alto e pondo-me ao largo de temas que, pelos vistos, apelam ao sensacionalismo e a opiniões mais assentes em reacções emocionais do que em raciocínios lógicos.

O tema das cheias do Mondego é um desses temas. Os repórteres são atirados às intempéries com microfone na mão e uma câmara espetada à sua frente, e ala moço que se faz tarde, vá de entrevistar os populares que se põem a jeito. E, claro, o tom é não apenas de catastrofismo como de apelo à acusação, à denúncia. Percebe-se que nem o entrevistador nem os entrevistados pensam nas causas profundas do que se passa, querendo apenas dizer a coisa bombástica de que possam gabar-se. 

Neste contexto, com diques a rebentarem, com o rio a jorrar para cima dos campos, com a comunicação social a espumar pelos cantos, apareceu o pachola do ministro Matos Fernandes a dizer que o melhor era começar a pensar-se em mudar as aldeias de sítio. 

O ministro do Ambiente disse na segunda-feira à noite que as aldeias afetadas pelas cheias na região centro “sabem que estão numa zona de risco, que sempre teve cheias”. João Matos Fernandes, em entrevista ao Jornal 2, sugeriu assim que sejam deslocalizadas: “Paulatinamente aquelas aldeias vão ter de ir pensando em mudar de sítio”. As declarações do ministro surgem depois de várias zonas terem ficado submersas nos últimos dias.
 O governante aponta esta solução, alertando que não é possível aumentar a capacidade de contenção do caudal do Rio para níveis superiores ao que atualmente existe. Matos Fernandes destacou ainda que “a natureza tem sempre razão”, e lembra que “o sítio onde houve a primeira rutura, que é a rutura de maior dimensão, foi o rio a ir à procura do seu leito natural”. (...)
E, claro, caíu-lhe o Carmo e a Trindade em cima. Desde analogias com a solução de Brecht que consistia em demitir o povo, até censura moral pela insensibilidade que a criatura tinha demonstrado, de tudo eu fui lendo por aí.

E o que, com vossa licença, eu penso das reacções lidas e ouvidas é que somos um país de joaninhas, de artolinhas, de coisinhos, de betinhos, de mariazinhas, de trelelés, de choramingas, de carpideiras profissionais, de malta que fala muito sem saber de que fala e que, de sentido prático, tem zero.

É que isto que aconteceu não tem só a ver com o Mondego mas com as alterações climáticas por todo o mundo: episódios extremos, aquecimento global, subida das águas. Aconteceu agora e haverá de acontecer cada vez mais vezes.

Acresce que, até aqui, a nível de respeito pela natureza o que se tem verificado é que o ordenamento territorial tem sido, tantas vezes, feito com os pés. Melhor: com as patas. Foi o que aconteceu também neste caso.

Construir em leito de cheias, em terrenos normalmente alagadiços, contando que, com uns paninhos quentes, o ovo vai continuar forever dentro do cu da galinha é coisa de gente que se fia muito na virgem e não corre. Mas é sabido que a natureza tem muita força -- e, ainda por cima, agora que anda cada vez mais acossada -- e não se detém com fezadas. 

Há pouco tempo, foi divulgado um mapa interactivo onde se podem ver as zonas que, até 2050, estarão debaixo de água. Basta ver esse mapa para ver como estarão as terras que agora foram inundadas. 

Portanto, o que o ministro disse, por muito que custe ouvir, é a única coisa responsável que se pode dizer. 

O ministro que, por sinal, é engenheiro civil na área de Planeamento Territorial, sabe do que fala. 

Não é de um dia para o outro que isso se faz e, sobretudo, tem custos, sobretudo elevados custos pessoais e, por isso, ele falou em ir pensando nisso. Cabe aos poderes públicos saberem fazê-lo: é irem repensando o ordenamento territorial, é irem divulgando factos científicos, é irem fomentando a compreensão pública. E é também, por exemplo, não autorizarem novas construções nesses lugares, é apoiarem quem queira mudar de poiso, sei lá. E é acabarem com visões de curto prazo, de caça votos, de paninhos quentes e falinhas mansas, de tratarem os eleitores com infantilidade e hipocrisia. 

Finalmente, a Comunicação Social: estou cada vez mais convencida que a actual comunicação social em Portugal, em especial a televisiva, tentando reproduzir o clima primário, mal informado, imediatista e passa-palavra das redes sociais, é um factor de erosão (ou melhor, corrosão) acentuada na opinião pública. Em vez de tentarem informar-se e obter aconselhamento técnico e científico para os fenómenos a que se assiste, não senhor, vão para a rua buscar parangonas ou convidam gente parva para opinar, gente que enviesa os factos com a lente partidária pela qual olham os factos.

E há ainda o Presidente, tantas vezes não conseguindo conter o seu pendor populista, tantas vezes colocando a palavra fácil e simpática em primeiro lugar quando, a falar, o que deveria era apelar à ponderação, era mostrar sempre em primeiro lugar a honestidade intelectual mesmo que isso implique dizer verdades difíceis, era colocar um travão nas opiniões mal informadas. Num momento de tragédia ou catástrofe natural o que se espera dos responsáveis, seja qual o seu grau de responsabilidade, é que se façam eco de uma visão realista na compreensão das alterações climáticas, sejam elas inundações, incêndios florestais, seca extrema, calor excessivo, de modo a que a consciência colectiva se torne, ela também, cada vez mais exigente e responsável.

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Todas as fotografias são do Correio da Manhã com excepção da última que é da Sábado

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sábado, dezembro 28, 2019

Relato do que foi o meu tão desejado dia de férias





Para que conste: ansiava por um dia de férias. Sozinha. Tinha uma em mente. E requeria horas seguidas por minha conta. Melhor se pudessem ser vários dias e não apenas um. Mas é o que é, um dia, e quando puder voltar a ser, será.

Senti-o levantar-se, tomar banho -- e pouco mais. Voltei a adormecer. Mas não acordei tarde. Sabia que o tempo ia ser curto para a aventura que, há tanto tempo, estava latente.

Por isso, nem me detive muito no pequeno almoço: uma banana, um dióspiro, três ou quatro amêndoas, um café.

E, depois, ala.


Comecei pelo meu quarto. Mais concretamente pela minha mesa de cabeceira. Poupei a gaveta de cima. Ficará para segundas núpcias. As três de baixo. Depois passei para a cómoda, mais concretamente para as duas gavetas de cima, as minhas. Dois gavetões.

Antes, fui à despensa buscar o rolo dos sacos grandes pretos, daqueles quase tipo contentor.

Não me pus com aquela de as coisas me fazerem feliz. Nada disso que não sou de filosofias quando o tema é arrumações: se estão em condições, se é provável que as volte a usar, então para um lado. Se já não me serve mas ainda está em bom estado e bonito e talvez as meninas grandes lhe venham a dar uso, para outro. E se algumas são tão pequenas e justas que talvez venham a servir, um dia destes, para a menina mais pequena, para outro. O resto, num saco para dar. O que não tem préstimo para ninguém: lixo.


Nisto uma coisa me deixou verdadeiramente espantada: como já fui tão magra. Olho para algumas peças e não percebo como foi possível lá ter cabido dentro. Mas no outro dia, ao ver fotografias de há uns anos, constatei como o meu corpo se modificou. Grande parte das pessoas acha que estou bem mas eu sei que devia ter menos uns três ou quatro quilos. A verdade é que, quando casei, vestia o 36, depois de os meus filhos nascerem passei para o 38, ali pelos quarenta e tal anos, em alguns modelos, já ia no 40 e, depois da menopausa, galgou para o 42 -- e já desisti, daqui não baixa. Se vou à nutricionista e corto drasticamente calorias e mudo completamente os meus hábitos, abdicando de muito do que gosto, volto ao 40. Mas como não nasci para sofrer e tenho muita dificuldade em abdicar do que gosto, passado algum tempo já regressei ao 42. Portanto, por muito lindos que sejam os meus vestidos, as minhas saiinhas bem justinhas, as minhas blusinhas bem cintadinhas, a verdade é que já não são para mim. Portanto, bye bye e coração ao largo.

Ao fim da tarde, já tinha também dado a volta ao roupeiro do closet. Aquele roupeiro é um quebra-cabeças. Quando a minha filha saíu, deixou imensa roupa, quase toda a que usava antes de começar a trabalhar. Não consegui desfazer-me da que estava em bom estado. Com o meu filho foi a mesma coisa: deixou praticamente cá tudo. E ainda tudo cá está. Depois a roupa que foi deixando de servir também ao meu marido e que estava boa, idem. Já teve muito mais peso. Quando os miúdos vêem fotografias dele com mais cabelo, o cabelo mais preto, e mais gordo desatam a rir-se, mostram uns aos outros, alta galhofa, quase sem acreditarem que aquele quase badocha é a mesma pessoa que o esbelto grisalho que tão bem conhecem. Portanto, fatos, casacos, blusões, sobretudos, parkas, etc, tudo impecável mas grande demais. Ou seja, este roupeiro que é grande, em vez de ter serventia, está transformado num depósito de peças de utilidade duvidosa.


Retirei peça por peça, vesti cada uma das minhas, avaliei o estado, avaliei a possível reutilização.

Custou-me bastante pôr de lado a roupa dele, casacos tão bons, coisas em tão bom estado, mal empregadas.  Mas não foi fazer uma dieta de engorda para dar uso àquilo, não é?

Fiquei surpreendida como blusas minhas que tinha posto de lado por terem enchumaços e por me terem ficado largas ou apertadas, nem sei, e que agora, vestindo-as, me parecem bem. Fui buscar a tesoura de costura e retirei-os. Voltei a vesti-las e foi como se me tivessem saído na rifa. 

No fim, havia um saco grande de coisas para o lixo onde se incluíam os enchumaços, cabides que se partiram ou que estavam meio mancos, roupa manchada pelos anos de prolongada quarentena e quatro sacos com roupa para dar. E um quinto com roupa que vou levar para o campo pois o nível de exigência lá é menor e roupa mais descontraída, solta, larga e confortável é sempre útil. 

Quando o meu marido chegou, encontrou-me nesta faena. Assustou-se com aquela sacaria (e ainda nem se apercebeu do saco para levar para o campo; mas os roupeiros lá também estão a precisar de levar uma volta). Olhou para o monte de roupa dele que estava para conferir e declarou logo: lixo! Mas eu disse-lhe que, se eu tinha tido paciência para estar há bem mais de oito horas de seguida a arrumar roupa, seria incompreensível que ele não tivesse paciência nem durante um quarto de hora. Lá se esforçou. Mas não há dúvida: jamais voltará àquele peso. Deve ter pesado uns noventa quilos. É alto mas, ainda assim, agora que deve andar pelos setenta e tal (acho eu: ou será oitenta? -- não faço ideia) é que está bem.


Depois tomei um belo banho, vesti-me e fomos passear para a praia. Estava precisada de respirar e de esticar as pernas. De caminho, já levámos dois sacões para o depósito das roupas. Amanhã levamos os outros.

Estava uma noite tranquila, o mar quase silencioso, distante, a maré vazia. E a noite estrelada. Foi bom andar a passear ao fresco. Depois fomos jantar. Já não era cedo.

Contudo, quando cheguei a casa ainda fui arrumar umas coisas. Lembrei-me que o roupeiro do quarto do meu filho ainda tinha muito espaço livre. Por isso, levei para lá parte da roupa que acho que pode vir a ser do agrado das meninas crescidas. Assim, conquistei espaço no outro roupeiro.

Falta-me agora a pièce de resistance: o roupeiro grande que mandei fazer no que era o quarto da minha filha e que se tansformou no meu boudoir, na minha arca dos mil tesouros, a gruta onde a princesinha mais linda gosta de se embrenhar para ir buscar coisas para se produzir.


Precisava de mais uns dias de férias assim, sozinha em casa, para poder completar a empreitada.

Ah, é verdade: para arrumar as gavetas adoptei o método da Maria Kondo. Dantes sobrepunha as peças. Agora não, agoro, dobro-as dobradinhas e ponho-as ao alto: cabe muito mais, está tudo à vista. Ficam umas gavetas mesmo bonitas, arrumadinhas de dar gosto. Uma belezura.

Finalmente: podem achar que não sou boa da cabeça -- e não vou ser eu que vou tentar convencer-vos do contrário até porque, cá para mim, são bem capazes de estar certos -- mas a verdade é que gosto de fazer este género de arrumações profundas, que implicam reorganizar os espaços. Mas, como no outro dia disse à Susana, a minha motivação para estas coisas vai apenas para roupas, sapatos ou livros (embora, no caso dos livros, não me desfaça de nenhum) mas não para peças de decoração. Não estou a ver-me a pegar nas minhas clepsidras ou caixinhas ou quadros ou molduras ou mesinhas de apoio e pô-las à venda no OLX. Mas nunca se sabe. Há pessoas que dizem que a prova de que, no passado, fizeram bem as coisas é que, se fosse hoje, voltariam a fazê-las da mesma maneira. Eu nunca disse tal coisa. Eu faria sempre as coisas de outra maneira, tentaria fazê-las melhor. Com o tempo vou aprendendo e mal fora que a aprendizagem não me servisse para nada. Portanto, com o crescente gosto que tenho pela simplicidade, quem sabe um dia não começo mesmo a seguir o exemplo da Susana?

Com isto tudo, já são três da manhã e nem vou ter tempo de responder ou agradecer os comentários (mas li-os!). Estou um bocado estafada pois passei horas a subir e a descer a mini-escada para tirar e pôr os cabides nos varões de cima, ou agachada ou de joelhos para arrumar as gavetas de baixo. E este sábado tenho que me levantar cedo pois outro dia de trabalho me espera. As minhas desculpas.


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Ao som do Libertango de Astor Piazzolla dançado por dois homens, Sebastián e César, usei as fotografias do último post de Steve McCurry: Power of Gathering de onde extraio algumas assisadas citações:

This is the power of gathering: it inspires us, delightfully, to be more hopeful, more joyful, more thoughtful: in a word, more alive.

Alice Waters

The table is a meeting place, a gathering ground, the source of sustenance and nourishment, festivity, safety, and satisfaction. A person cooking is a person giving. Even the simplest food is a gift.

Laurie Colwin


NB: Obviamente as fotografias não têm a ver com o texto, estão aqui por elas próprias. 

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E a todos desejo um belo sábado. 
Paz e amor. Saúde, sorte e dinheiro. E harmonia e beleza. Essas coisas, vocês sabem.

sexta-feira, dezembro 27, 2019

O meu último dia de Natal do ano da graça de 2019 -- também com reportagem fotográfica




Esta noite estou verdadeiramente na ressaca. Aliás, a ressaca começou ao início da noite, na viagem de regresso de casa dos meus pais. Mal o carro arrancou, qual bebé, adormeci profundamente. Mas não fui só eu: os três que vinham no banco de trás do carro caíram igualmente no sono. Cheguei a casa quase inerte e assim me tenho mantido. 

De manhã, só os dois, tínhamos ido passear para a beira do rio, lugar de todos os retemperos.


Fotografei e foi o deslumbramento de sempre. Olhar a bela cidade através da lente tem outra magia, parece que os movimentos das gaivotas são coreografias, que as cores das casas o cenário, parece que os pormenores se salientam para passarem para primeiro plano, tudo parece muito belo e sereno. Olho tudo como a primeira vez e essa atenção descansa-me a mente e o corpo. Entrego-me, de todo, à boa sensação de ali estar.

Olhei as águas, a paisagem, aspirei o ar fresco. Tão bom. Fico sempre a sentir-me renascida.

Já aqui o disse algumas vezes: se calhar, sem o saber, isto tem em mim o efeito que a meditação tem noutras pessoas.


O ria ia cheio de frutos e daquela folhagem que as fortes chuvadas arrancam das margens e que as correntes puxam a caminho do mar.

O meu marido gozou logo: será que o Marcelo, qual sereia, vai atirar-se ao rio para o limpar? É que, na reportagem da véspera, ele diz que viu o Marcelo a apanhar daquilo. E eu até o gravei a fazer essa pergunta. Mas agora, ao ver se dava para colocar aqui, reparo que, como sempre, não mantive a máquina estabilizada e almareia só de olhar.


Voltámos mesmo a tempo de preparar o almoço, misto de restos e misto de coisa nova. É que logo, logo, chegou parte da turma que iria connosco, juntando-se aos restantes, em casa dos meus pais. Almoçámos e zarpámos. 

Como sempre, apesar de mais do que avisada para evitar os habituais abusos, a minha mãe voltou a preparar um banquete. Mesa farta. Tudo feito por ela. Uma coisa surpreendente. Não apenas o lanche foi dos bons como as meninas grandes ainda vieram carregadas de petiscos. Não sei que energia e boa cabeça é aquela: apesar dos oitenta e muitos mantém-se impecável e acho-a mais jovem de cabeça do que quando eu era miúda e vivia lá em casa. Os presentes que comprou para toda a gente, quase todas as compras para a casa, a orientação e acompanhamento de todas as rotinas relacionadas com o meu pai e, sempre que as tropas se reúnem lá em casa, lanche para todos. Uma força, uma agilidade, uma criatividade fantásticas. Quem me dera que seja genético e que tenha passado para mim e para os meus filhos e netos.


Desta vez não houve futebolada no jardim. Nota-se que os rapazes estão cansados. Em vez da bola, das lutas, das corridas e da confusão barulhenta, puseram-se a ver televisão. A maior agitação deu-se quando eles quiseram ver futebol e ela lhes rapinou o comando e quis pôr nos canais de desenhos animados ou coisa do género.

Os mais crescidos também já davam mostras de algum cansaço e talvez a mais fresca fosse mesmo a minha mãe.

O meu pai, apesar de não ver e de mal ouvir, parece que pressentia que havia movimentação e estava um bocado agitado. Por isso, felizmente os miúdos não estavam naqueles dias de grande fuzuê senão é que ele ficava mesmo inquieto.

De tarde os rapazes, os grandes e os pequenos, tinham estado a apanhar laranjas e, portanto, também trouxémos umas sacadas.  Umas laranjas sumarentas e doces de dar gosto.

De presente da minha mãe recebi o Nº5, eau de parfum que sempre me oferece, uma écharpe macia e quentinha numas belas cores quentes que coloquei logo e que ainda não tirei. Desdobra-se e fica uma capa de lã aconchegante.

E recebi um livro surpreendente. É um livro da autoria do seu médico de sempre, um médico que ainda tem mais idade que ela mas que é outro jovem de cabeça. Tenho estado aqui a folheá-lo e é bastante interessante, conjugando medicina e história. E, graça das graças, tem uma dedicatória que me é dirigida. 

Conheço estas figurinhas nem sei há quanto tempo.
Pelo Natal saem à cena.
Agora estão no móvel pequeno onde estão as fotografias dos cinco bisnetos, quando recém-nascidos:
é o presépio da casa dos meus pais

Estivemos também com o meu tio. Tenho-o achado mais caído. A minha tia tem estado adoentada e o alterarem a sua rotina de saírem todos os dias, está a deprimi-la e, a ele, está a causar abalo pois não apenas os seus hábitos se têm alterado como ver a minha tia assim o deixa também bastante triste. E a mim custa-me muito vê-lo assim. Para mim ele será sempre aquele meu tio amigo e cúmplice que, tal como o meu outro tio, ia comigo dar passeios de mota à socapa dos meus pais. Mas o tempo passa. Hoje, daqueles três homens muito jovens, o meu pai e os meus dois tios, desportistas, todos cheios de vida, um está acamado, outro já morreu e outro está a envelhecer a olhos vistos. Enfim. Vi que ele ficou contente a conversar com os sobrinhos-netos e, em especial, com o meu filho que lhe falou da empresa onde ele trabalhou a vida inteira.

E, com esta visita e com este dia dei por encerrada a época natalícia. E, como é bom de ver, já se começou a falar do que será o almoço do primeiro dia do Ano Novo.

Tempus fugit. Vita brevis.

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E, nem sei bem se a propósito de alguma coisa, permitam que coloque aqui dois vídeos com bailados do Nederlands Dans Theater, um lugar muito especial. Talvez sejam dois presentes para quem me faz companhia aí desse lado. Já vêm fora de tempo mas pode ser que aquilo de Natal ser quando a gente quiser seja verdade.

Com músicas de Heinrich Ignaz Franz Biber, John Cage, Philip Glass, Johann Sebastian Bach e coreografia de Jiří Kylián: uma beleza do outro mundo



Sobre música de Igor Stravinsky e coreografia de Jiří Kylián: belíssimo


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Uma boa sexta-feira.

quinta-feira, dezembro 26, 2019

O meu dia de Natal
com reportagem fotográfica e as receitas tal como foram





Pensava que não ia conseguir sequer ligar o computador mas, afinal, dormitei uns minutos e acordei já mais capacitada.  A ver se me aguento acordada para escrever alguma coisa.

Tive um dia de Natal do melhor que poderia desejar. Quando os meus filhos eram crianças ou adolescentes e brigavam, geralmente por aquelas pequenas insignificâncias tão típicas entre irmãos, sempre lhes pedi que percebessem a sorte de se terem um aos outro e, sobretudo, que sempre fossem amigos e se apoiassem. Apesar de serem tão diametralmente opostos em tudo, quer na aparência quer na maneira de ser, a verdade é que tenho a felicidade de os ver unidos e de, ainda por cima, gostarem de se juntar cá em casa, unidos por eles e ainda mais pelos respectivos filhos que adoram estar juntos.

E, por isso, depois de na terça-feira ter tido o festejo da véspera com parte da família, hoje o dia foi cá em casa. Desde sempre, para mim o dia de Natal é no dia de Natal. Parece pleonasmo, é pleonasmo mas, ainda assim, o digo. Já em casa dos meus pais assim era. Quando integrei outra família, passei a festejar dois Natais. Na família do meu marido, era na véspera que se festejava. No dia, festejávamos com a minha família. E sempre assim foi.


Assim, hoje cá em casa foi casa cheia desde a hora de almoço até depois de jantar.

E tivemos a troca de presentes e o almoço e as brincadeiras durante a tarde e o lanche e as brincadeiras da tarde tardia e depois o jantar. E, felizmente, o bom ambiente impera, a boa disposição e a alegria também (já para não falar no bom apetite). E nem se dá pelo tempo a passar. 

Claro que tive que começar os preparativos na véspera à tarde, antes de sair para os festejos nocturnos.

Segui o conselho da Madame le Figaro. Num panelão, coloquei o bicho capão. De gigante que era, deu luta para entrar mas, com jeito, lá coube. Agora uma coisa vos digo: haviam de ver o tamanho da panela. Cobri o dito cujo com água, juntei vinho branco, sal, cebolas, cenouras, folhas de louro, a casca de meia laranja. Enfiei-lhe ainda umas cebolas, uns alhos e um ramo de salsa pelo baixo ventre acima. E vá de cozer durante uma hora. A meio, virei-o. Outra ginástica que não vos digo nada. Desliguei antes de sair e nessa imersão permaneceu até de manhã. Amaciou e ganhou sabor.


Quando acordei já o meu marido andava ao fresco, nas suas passeatas matinais. Fui direita para a cozinha. Numa frigideira coloquei azeite, alhos picados e, quando alourados, juntei um bom punhado de carne de porco picada, salsa, os miúdos do animal -- e deixei fritar. Juntei a cebola e a cenoura da cozedura. Num tabuleiro grande coloquei parte do caldo da cozedura, o animal e, dentro dele, o recheio. Acamei o recheio para garantir que o ar circularia sobre ele, senão nada coze bem. Depois, cobri a pele com mel, com orégãos, com alecrim, a seguir toda a sua superfície exposta com fatias de bacon. Finalmente cobri com uma folha de alumínio (nota: é a superfície brilhante que contacta com os alimentos). Antes, o forno tinha estado a aquecer no máximo durante todo o tempo do preparativo. Quando lá coloquei o tabuleiro, baixei para os 180º (calor a sair por cima e por baixo). De vez em quando, puxava o tabuleiro, punha umas colheradas de caldo da cozedura por cima.

Entretanto, cozi batatas. Quando cozidas, coloquei-as no tabuleiro, sob o diáfano manto da folha de alumínio. 

Entretanto, já tinha o forno a 170º ou 160º.

Depois, claro que segui o precioso conselho de quem sabe disto, de seu nome AV. Se o bicho precisava de repousar, então, no acto, a sair do forno, abriu alas para a pianada.

Mas, antes da troca, preparei as ditas duas peças de piano. Passei-as por azeite, alho picado, flor de sal com tomilhos, mel, orégãos. Coloquei numa grelha grande com o tabuleiro do forno por debaixo com água para não pingar e fazer fumo.


Quando o pessoal estava a chegar, ainda o entrecosto se alourava, o touro capão regressou ao forno desta vez apenas para aconchegar e não estar frio na hora e, nessa altura, já a descoberto, ou seja, tendo retirado o papel de alumínio.

A sopinha de bacalhau também foi feita tal como a imaginei e descrevi. Ao servir, junto à panela da sopa havia uma tacinha com coentros, outra com hortelã, outra com queijo da ilha ralado. Havia também queijo flamengo ralado para quem quisesse um queijo menos acentuado. Cada um temperou como quis.

Pois tenho a dizer-vos que a sopinha estava supimpa e foi muito apreciada, o galo capão também mas o que voou, causando as delícias de quase todos, foi mesmo o piano. Dizem que estava delicioso. Nem sequer o provei. 

Devo também dizer que as tiropitas também foram apreciadas quer no jantar da véspera quer no dia. Os meninos, então, adoram-nas.


Para quem não saiba, repito como é que faço as pseudo-tiropitas:

Compro embalagens de massa folhada fresca no supermercado. As que compro são redondas. Corto em dois semi-círculos. De cada semi faço uma tiropita. Coloco uma fiada generosa de ricotta, ao comprido, ou seja, no sentido do diâmetro. Depois um quarto de maçã crua, fatiado, ao longo da ricota. Por cima, ponho numas farinheira, noutras alheira, noutras salmão fumado. Enrolo e dobro as pontas. Ficam uns rolos compridos. Passo-os por azeite, depois pincelo com mel e sobre uns coloco sementes de chia, noutros de linhaça e noutros se sésamo. Coloco duas folhas de papel vegetal sobre a grelha do forno e, por cima, as tiropitas. Volto a dizer: antes, o forno tem que ser pré-aquecido ao máximo. Quando as tiropitas entram -- e, quem diz as tiropitas, diz tudo o resto -- por respeito baixa-se a temperatura para no máximo 180º mas, geralmente, para 170 ou 160º. Ficam até estarem douradinhas, as sementinhas tostadinhas. 

Depois cortam-se e ficam uns rolinhos pequeninos, estaladiços, saborosos.


E tive, claro, salada de alface. E, no fim, uvas e diospiros. E tronco de natal que comprei. A minha filha fez um bolo de iogurte coberto de chocolate com framboesas, bem bom. E do jantar da véspera veio arroz doce e bolo rainha. E tinha também bombons e trufas. 

Quanto a presentes, devo dizer que gostei imenso de todos. Mas mais do que gostar de receber, gosto de dar. Este ano fui mais contida. E penso que é assim mesmo que tem que ser.


Claro que nem por um instante se falou em Menino Jesus ou no motivo dos festejos mas isso já se sabe, é mesmo assim, os motivos verdadeiros das coisas perdem-se com o tempo. Que fique a vontade de nos reunirmos -- e, como diz o Manuel Azevedo, de preferência em volta de uma mesa com boa comida e bebida -- já não é mau. Quanto ao resto, a vida continua.

E esta quinta-feira é outra vez dia de Natal, desta vez em casa dos meus pais. O meu pai não sai da cama e a minha mãe não quer vir festejar connosco, deixando-o em casa. Já nos habituámos: vamos nós lá. Vamos a seguir ao almoço. Ainda não sei quantos mas sei que alguns vêm cá almoçar e depois é que vamos para lá. Portanto, posso dizer que se há para quem o Carnaval seja coisa para três dias para mim isso acontece-me também com o Natal. 


Claro que a casa ainda está ligeiramente desarrumada mas acho que talvez se arrume sozinha durante a noite. De resto, outros dias virão e pode até acontecer que me levante com a pica toda e desate, qual sísifa, a arrumar tudo arrumadinho para logo a seguir aparecer a brigada do vendaval e voltar a levar tudo para lugares imprevisíveis. Tranquilo.

Claro está que não ouvi o discurso do António Costa nem li o artigo do Marcelo, muito menos ouvi comentários a propósito. Sei que o Marcelo andou pelo Barreiro a beber ginginha e a fazer selfies com o pessoal do beijinho e há bocado, quando acordei dos minutos em que me afoguei em sono aqui no sofá pareceu-me vê-lo na praia, em tronco nu, sem tiritar e a dar entrevistas mas não sei se foi mesmo se foi um delírio meu, já em preview do ano-novo. Não é grave.


E agora já passa imenso das duas e eu tenho que ir descansar senão daqui a nada são horas de dar início a novo programa de festas e eu ainda ferrada no sono.

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Um dia feliz a todos

terça-feira, dezembro 24, 2019

Natal


Antes de me ir arranjar para sair de casa para um jantar de Natal em família, venho aqui deixar os meus votos. 

Há ambiguidade nisto, confesso. Não sou de frequentar religiões, não sou de rituais, não sou de pensamentos metafísicos ou místicos. Mas a ideia de uma jovem em fuga ter dado à luz em condições precárias na companhia de um homem que a protegeu e que essa criança tenha virado um adulto que defendeu pobres, doentes e injustiçados, é-me simpática. Mesmo que haja contornos históricos que tenham sido ficcionados ou que a história tenha virado lenda temperada por um surrealismo mágico, não me incomoda. 

Seja como for, tenho para mim que esta azáfama consumista e estes repastos reforçados já pouco ou nada tenham a ver com isso. Contudo, as pessoas juntam-se, as famílias reúnem-se e há uma trabalheira envolvida -- e toda a gente deseja feliz Natal a toda a gente, seja qual for o significado que cada um põe nisso. 

E eu, pensando nos que não têm família ou têm famílias desavindas ou estão em luto ou doentes ou se sentem tristes, desejo que não se sintam ainda pior por verem todo este reboliço em volta. É um dia, dois dias.  Depois tudo volta ao normal.

E a todos, crentes ou não crentes, acompanhados ou sozinhos, com ou não razão para festejar a vida, desejo uns dias tão bons quanto possível.

Recebam o meu abraço.

À mesa com o Pai Natal - um preview do que poderá ser o repasto





O que, a esta altura do campeonato, tenho a dizer é que aquilo que está resolvido como menu para o almoço de Natal permanece ciência oculta. O meu marido, que gosta das coisas planeadas e estudadas, quase me persegue tentando que eu lhe diga como vou fazer. Quando lhe digo que não sei, porque não sei mesmo, fica inquieto e quase me obriga a pesquisar receitas. Ainda agora tivemos um diferendo. Quer que eu leia para saber como é. Já lhe respondi mil vezes que, para cada coisa, há mil receitas. Cada um que faz uma treta vai para a internet e conta como fez. Até eu. Quantas vezes já aqui escrevi receitas? Portanto, quero lá eu saber como é que uma faz e a outra deixa de fazer? Que maçada.

Agora uma coisa é certa: da leitura que, contrariada e mais do que apressadamente, fiz já me ocorreu que talvez precise de dois ingredientes que ainda terei que ir comprar: vinho branco e queijo parmesão. Tenho cá vinho branco, claro, mas é mal empregado para o uso em causa.

Vou levantar o véu: vou fazer sopa de bacalhau e tenho ideia de como deve ser mas só quando estou a cozinhar é que as ideias me vêm.

A ideia que tenho é fazer assim: numa panela bem grande  ponho umas cebolas,   uns dentes alhos, um bocado de abóbora e umas cenouras. À parte cozo uns ovos. Depois de cozidos separo a gema das claras. As gemas vão para o caldo. Com a varinha, transformo tudo num caldo que deve ficar bem de um amarelinho alaranjado. Num tacho ao lado, em pouca água, cozo uns lombos de bacalhau. Não junto na outra panela não vá soltar-se alguma espinha. Depois separo as lascas do bacalhau e retiro-as e, uma vez o caldo coado, junto umas massinhas. Quando as massinhas cozidas, junto-as bem como algum caldo remanescente à sopa. As lascas de bacalhau, bem entendido, também. Junto ainda uns grãos de bico e as claras cortadas aos bocadinhos. Não é para ficar empapado. Longe disso. Ao lado, vou ter uma tacinha com coentros picados e outra com hortelã. E outra, lá está, com queijo parmesão ralado. Cada um usará o tempero que entender. Mas não vi isto em lado nenhum, Simplesmente, aqui há algum tempo comi uma sopa de bacalhau que era gostosa que só visto e, desde então, tenho ideia de conseguir fazer uma ainda melhor.

Parece-me isto uma alternativa razoável ao bacalhau cozido com batatas e couves que é coisa que me chateia um bocado pois uma coisa é cozinhar para meia dúzia de pessoas e outra é fazer para mais do dobro. Para as postas ficarem direitinhas, para enfiar as couves numa panelona, etc, é sempre um desafio que acho que não compensa. E isto já para não falar no salsifré que é lavar couves gigantes que, como já contei, ultimamente já lavo na banheira (não com sabonete ou gel mas chuveiradas aparadas por um alguidar). Assim, com esta sopinha, está lá o bacalhau da ordem mas é coisa mais fácil de cozinhar e servir. Espero é que fique boa, apuradinha. Mas a minha auto-confiança faz-me acreditar que ficará.

Vou também fazer galo capão recheado. E aqui divido-me. Li uma recomendação na Madame le Figaro que me está a dar que pensar. Dizem eles que para garantir que fica tenro e saboroso se lhe deve dar uma cozedura prévia em água, sal, cebolas, salsa e cenouras. A seguir é que se deve rechear, pincelar com mel, azeite e ervas e, então é que deve ir ao forno. Mas há outras receitas que o põem a marinar de véspera com vinho branco e laranja e que depois deve ir umas horas valentes para o forno. São duas opções tão díspares que me deixam balançada. Tenho que ver para que lado me puxa a intuição. 

Com receio que seja pouco, também se encomendaram duas peças de piano. Pianistas cá em casa não abundam mas, atendendo que não se esperam sonatas ou nocturnos, creio que os existentes darão conta do recado. Estou a falar mas, sinceramente, não sei bem o que é isso do piano. O meu filho é que encomendou e quando eu pensava que ele ia encomendar entrecosto, encomendou piano. Seja o que for, carne com ossinhos de roer é coisa com que a malta cá de casa se lambe. Talvez não todos mas, pelo menos os que têm ainda muito marcada a sua onda carnívora, não se fazem rogados. A minha dúvida é como é que, com o forno cheio com um galo capão que é do tamanho de um boi (e que quero aperaltar com batatinhas de lado) e que vai estar horas no forno, vou, ao mesmo tempo, conseguir assar os dois pianos.

Bem. Se verá. O que for, soará. E, de seguida, se comerá.

A minha dúvida também é se me ponha ainda a fazer tiropitas. Acho que só com um forno industrial daria conta de tamanho recado. A questão é que é uma família com muito homem e todos de muito alimento. E as mulheres também são bons garfos. Portanto, de cada vez que faço uma coisa, com receio que todos queiram provar, tenho sempre que fazer muito. E, às tantas, na cozinha, quase não dou vazão.

Para a véspera, que não é em minha casa, vou levar camarões selvagens. Já cá os tenho e daqui a nada cozo-os. Outro risco. Neste caso, a questão é o sal. É a olho mas tem que ser na mouche. Salgados seriam horríveis, sem sal seriam um pãozinho deslavado. Ora, traçar a bissectriz em tal matéria não é coisa que possa ser científica. E, a olho, é preciso ter mão e fé. E aí, sim, vou levar também tiropitas: umas de alheira, outras de farinheira e outras de salmão. Todas com ricota e maçã. Só que vão lá estar mais pessoas do que eu pensava e, portanto, terei que fazer bem mais. Já comprei sementes de sésamo, de chia e de outra coisa de que agora não me lembro para pôr na massa folhada, coladas ao mel. Mas isso não vou aqui contar como é, penso que toda a gente deve saber. Gostava de fazer algumas verdadeiramente diferentes mas, para já, não me ocorre. A receita que conheço, das tiropitas gregas, não são nada como eu as faço. Têm ricota ou ricota e espinafres e, que eu saiba, mais nada. Eu é que já vou na alheira, na farinheira, no salmão fumado. Como se costuma dizer: o céu é o limite. Ou seja, um dia destes ainda faço tiropitas com uma nuvem lá dentro. 

Mas, pronto, se as coisas me saírem bem, depois logo vos conto como as fiz. Até lá, é ainda tudo na base do 'logo se vê'.

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As imagens mostram Ed Wheeler vestido de Pai Natal no meio de pinturas bem conhecidas.


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Esta terça-feira ainda tentarei vir cá desejar-vos uma noite e um dia de Natal felizes. Digo-o com a sensação de que estes votos não serão bem recebidos por todos já que, para algumas pessoas, o Natal traz um triste sentimento de solidão ou de perda ou de abandono. É em especial para essas pessoas que vai o meu pensamento e o meu abraço.