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domingo, janeiro 24, 2021

Ela faz o que pode e pode muito.
Mas nada de tão sério que nos leve a deixá-la assinar por baixo disto.

 



Não é grande altura para se andar em locais mais frequentados. Contudo, creio que todos os cuidados estarão assegurados e obviamente irei votar. Votar é uma conquista civilizacional, um dever cívico. Isto ainda antes de ser um direito. 

Este domingo, portanto, irei votar. 

Li um texto e fiquei a sorrir. 

Se calhar também deveria aproveitar a ocasião para me produzir como in the good old days. Sempre gostei de me pôr toda em pendant, o que se vê e o que não está à vista de todos, desde a lingerie, à maquilhagem, aos adereços, ao perfume. 

Agora, vivendo praticamente em casa, essas frescuras vão-se esbatendo. Claro que me arranjo para as reuniões mas é sempre coisa mais aparente do que real, mais à superfície e muito concentrado no que se vê no ecrã. Poderia aqui fazer aquelo gestozinho irritante dos dedinhos a encolherem-se esticarem-se, fazendo aspazinhas palermas e, ao mesmo tempo, dizer: é o novo normal. Mas é coisa gasta, não o direi. O novo normal está a ser tão duradouro que qualquer dia fará esquecer o que era o velho normal.

Mas isto para dizer que acho que não vou seguir o exemplo. Muitas vezes, na vida real, o meu pragmatismo sobrepõe-se àquele meu gosto pela rêverie que, ao escrever, tantas vezes tão gostosamente me envolve. Não usarei batom. Numa das vezes que fui trabalhar, por hábito, pus um brilhozinho com cor de framboesa nos lábios. Antes de sair do carro para subir ao meu gabinete coloquei a máscara. Só quando a tirei e vi que estava tingida é que percebi: batom com máscara só se for por uma razão psicológica ou por melancolia. Caso contrário, não vale a pena.

Quanto às canetas também tenho uma coisa. Gostava muito de canetas. Era presente que recebia sempre com agrado. Tenho canetas muito bonitas. O prazer com que as recebia, as experimentava... Lindas. Uma, talvez das primeiras canetas boas que recebi, soube há algum tempo que é agora disputado objecto de colecção. Eram lindas as canetas, eram lindas as caixas em que vinham. Por vezes, as caixas ocupavam muito espaço e vinham com manuais que nem eram manuais, eram verdadeiros livros. Contavam a história, contavam o amor com que eram feitas. Ficava sempre com pena de deitar fora as caixas, os livros. E depois, lá está, por causa daquele meu lado que, na prática, é anti-glamour, ficava com receio de as estragar se as usasse dentro da carteira, ficava com receio de as perder e, no final das contas, tudo sopesado, deixava-as ficar bem guardadinhas, inúteis. Quando agora nos mudámos, foi com agrado que, ao abrir as portinhas interiores da escrivaninha, as voltei e rever. E agora, nesta casa, ali continuam arrumadas, bonitas, elegantes, quase virgens. Portanto, amanhã provavelmente usarei uma bic normal.

Perfume, sim, perfume usarei. Não sei ainda qual. Logo verei qual se adequará melhor à minha disposição. Depois contarei.

Quanto ao meu dia de sábado foi, uma vez mais, daqueles dias que se esvaem sem história. Fomos fazer a nossa caminhada e vimos uns homens a trabalharem no arranjo de uma vedação e de um portão. Estavam encostados uns aos outros, concentrados nas mesmas peças -- e sem máscara. Ontem tínhamos visto, num dos programas de culinária com que agora nos entretemos, fazer uma feijoada. Lembrámo-nos que há séculos não comemos nada assim, feijoada, rancho, sopa da pedra. Então, sabendo da existência de um pequeno talho que também vende alguns legumes e fruta, pensámos esticar a caminhada higiénica até lá, a ver se tinham repolho e entrecosto. Tínhamos ideia de ser um estabelecimento pequeno, aberto para a rua. Contudo, ao chegar lá, reparei que o homem estava sem máscara. Fiquei à porta. Perguntei se tinha repolho. Não tinha. Desisti do entrecosto. Mas ele continuou a mexer nas carnes, sem máscara, completamente à vontade. Portanto, não percebo. Numa situação como a que atravessamos, pelos vistos há ainda quem não esteja a perceber a gravidade da situação.

Perto da hora de almoço estivemos todos em videoconferência. Todos, incluindo a minha mãe. Já está autónoma. Tem aulas remotas na universidade sénior, participa em conferências com médicos, com psicólogos, com historiadores. Os meninos ficaram contentes por ver a bisa, toda fresca. Estava com um echarpe branca. Diz ela que ouviu dizer que uma echarpe branca é melhor que um lifting. E, de facto, estava mesmo bem. 

Interrompeu para dizer que tinha morrido o vizinho da ponta da rua, um que estava mal, em internamento domiciliário. Era esperado. No prazo de menos de um ano, é a quarta pessoa que morre naquela pequena rua de meia dúzia de moradias. Nenhum com covid, nenhum de morte inesperada. Qualquer deles era idoso, qualquer deles não estava famoso. Mas parece que, de repente, todas as fragilidades se tornam fatalidades. A nenhum deles faltaram os cuidados. Simplesmente, nestes estranhos tempos, a linha do tempo tem estado a encurtar-se. Não sei explicar. Talvez alguma coisa, antes, os fizesse agarrar à vida e, agora, nada os agarra. No entanto, em qualquer dos casos, estou em crer que nem se aperceberam de covides ou pandemias que os deixassem deprimidos, com pouca vontade de viver -- já estavam noutra. Não é isso, deve ser outra coisa qualquer. E não foram os únicos. Uma ou duas ruas mais acima, morreu uma outra idosa. Isto que eu saiba. Uma coisa estranha. Uma ceifa que um dia a história ou a ciência hão-de explicar. 

Mas não falámos disto tudo na videoconferência, só que ele tinha morrido. E a conversa seguiu naquela animação do costume. Aliás acho que os meninos, entretidos a fazerem maluquices uns para os outros, nem deram por isso. Uns rebolando-se no chão, outros fazendo cambalhotas no sofá. Estas videoconferências com todos são um desatino, não se percebe nada, não param sossegados, falam ao mesmo tempo, uma barafunda. Adorei vê-los. Tão lindos. Só me apetece voltar a abraçá-los, a beijá-los, a puxá-los para o meu colo quando estou sentada. Quando será que poderei fazê-lo?

De tarde, dormitei enquanto vi qualquer coisa de que não me lembro na televisão, talvez um filme, não sei bem. Depois fui apanhar uma laranja, passear um pouco, apanhar camélias caídas. Depois reentrei, trabalhei. O meu marido toda a tarde recebeu telefonemas. Parte da equipa está contagiada ou de quarentena. Tenta desencantar quem possa ir compor a equipa, telefona, recebe telefonemas. Um sufoco. Felizmente, a seguir jogou o seu sporting e, quando isso acontece, todos os problemas do mundo desaparecem. Eu fiz o jantar, depois voltei a falar com os meus ao telefone. E depois jantámos. 

E assim o tempo vai passando. 

E custa-me habituar a esta falta de ritmo.

Daqui a nada vou votar, perfumada, sem batom, com uma bic. 

Espero que a abstenção não seja perigosamente alta, espero que o resultado seja claro e bom para a democracia. 

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"Tudo o que a dança grega nos ensina
é a nudez
nas posições terrenas,
é quebrarmos
pelo plexo solar
onde o vigor
de toda a criatura
permanece"
Isadora não disse tudo isto
mas disse parte.
(...)
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Pinturas de Noronha da Costa ao som de Rita Payés & Elisabeth Roma interpretando Melodia Sentimental. O excerto obviamente não tem nada a ver com o post mas esse era, de facto, o objectivo: é parte de Otherwise de Acidentes de Hélia Correia, livro do qual também é o poema H.H. 23/3/15 do qual extraí o título deste post que, espero eu, também não tenha nada a ver com nada.

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Desejo-vos um feliz dia de domingo

domingo, janeiro 17, 2021

Entre a culinária e o amor com jardins de permeio

 

Pouco a dizer. A casa está arrumada e limpa, não há muito que fazer. Pensei fazer sopa de corvina mas reparei que não tinha tomate maduro. Por isso, depois da nossa caminhada, fomos ao supermercado. Aconteceu o de sempre: vamos lá para uma coisa e vimos de lá carregados. É sempre a mesma lógica: já que ali estamos, aproveita-se para trazer mais coisas para não termos que voltar tão cedo. Mas depois, há-de faltar qualquer coisa que nos voltará a levar lá. Nunca fui fã de idas ao supermercado mas agora é praticamente ao que a minha vida social está reduzida.

Quando regressei a casa, pus uma máquina de roupa a andar e, de seguida, ala que se faz tarde, atirei-me aos tachos. 

Numa panela, coloquei azeite e cebola aos bocados, duas cebolas bem grandes. A cebola é um dos meus ingredientes de eleição. Quando alourou, juntei cinco tomates grandes, bem maduros. Envolvi-os na cebola. Depois juntei um alho francês mas apenas o talo branco -- não as folhas verdes, essas ficam para a sopa de legumes --, uma cenoura grande, umas batatas normais (poucas), uma batata doce e uma maçã. Juntei um pouco de água. Depois juntei um pouco de sal e uma generosa quantidade de salsa e de coentros. Depois de ferver, baixei e ali ficou uns minutos.

Num outro tacho, coloquei um pouco de água, uma cebola grande aos bocados, um pouco de sal, um fio de azeite e uma posta grande de corvina (devidamente escamada). Quando a água ferveu juntei 4 ovos descascados.

Quando vi que estava tudo devidamente cozinhado, desliguei os lumes.

Juntei o caldo de cozer o peixe e a cebola ao tacho da sopa. Moí tudo com a varinha, tudo bem moído para ficar um puré bem cremoso. 

Num prato, tirei as espinhas da posta da corvina. Depois juntei o peixe, aos bocados, bem com os ovos escalfados à panela da sopa. Envolvi tudo.

Digo-vos: bem boa, uma sopa bem gulosa e, creio, bem saudável.

De tarde, depois de estendermos a roupa, estive lá fora, ao sol, a ler. Estava-se bem. Às tantas, olhei para cima e vi uma rola, num ramo, a olhar para mim. Verdade: o pescoço curvado para baixo, a espreitar-me. Fiquei a olhar a ver quem desistia primeiro. Fui eu. 

Quando o sol se baixou e começou a esfriar fui apanhar laranjas.

Num tacho largo, coloquei açúcar mascavado. Cortei, para cima da cama de açúcar, as laranjas às rodelas largas, com casca. Cobri com mais um pouco de açúcar. Esqueci-me de trazer do supermercado paus de canela pelo que misturei canela em pó. Juntei um pouco de gengibre, casca de limão e um pouco de vinho do porto. O meu marido ainda apareceu com uma bebida de maçã, não reparei qual. Só um pouco. Juntei uma pinga de água. Tapei. Deixei que fervesse e depois envolvi as rodelas na calda. Baixei o lume e deixei ficar assim, tapado, durante talvez meia hora ou mais. No fim, deixei ficar a cozinhar por mais um pouco, o tacho destapado, para reduzir. Depois coloquei numa caixa de vidro.

O cheirinho que esvoaçou pela casa não vos digo nem vos conto. Bom, bom, aconchegante. Aquele perfume morno da laranja, do açúcar, da canela...

Comemos, de sobremesa, ao jantar. O meu marido, que nunca engraçou muito com casca de laranja, comeu apenas a parte da fruta. Eu não, eu comi tudo. Gostei. Na parte final, lembrei-me de comer ao mesmo tempo que chocolate preto. Ficou melhor ainda.

E, portanto, é esta a minha vida de agora. Não tarda o Um Jeito Manso vira um blog de culinária. Parece que pouco mais tenho para contar. Uma seca.

Tirando isso, só se for referir que tenho andado de roda do jardim, a pensar numas coisas. Gostava de ter mais isolamento visual em relação aos vizinhos do lado mas não sei como fazê-lo sem modificar a lógica destes espaços. E há a zona que era canil e que agora não é nada e está desaproveitada e podia ser reconvertida. Penso, repenso. Meço. Chamo o meu marido para trocar ideias com ele. Mas ele não tem grande paciência para o meu 'conservadorismo'. Para mim as árvores e as trepadeiras e as flores são sagradas embora reconheça que, se quero conservar tudo, dificilmente poderei fazer alguma alteração. 

Há uma amendoeira que não dá amêndoas. Há um pinheiro entre dois outros. Há uma árvore gigante que faz muita sombra. Mas a amendoeira se calhar fica linda na primavera. O pinheiro é o pinheiro, sagrado. E a árvore grande é óptima para os miúdos treparem. O meu marido desiste. Por ele, põe uns ferros não sei como, corta uma ou duas árvores, faz assim e assado e está resolvido. Eu, em contrapartida, não quero sacrificar arbustos, muito menos árvores, não quero sacrificar a zona de relva junto ao terraço, não quero um conjunto de coisas. E andamos num impasse. 

Mas, ao falar com o meu filho, que está a arranjar o seu jardim com projecto de arquitectura a preceito, pensei que, por uma vez, cá em casa, em lugar de querer que sejamos nós próprios a ter as ideias e a fazer o projecto, talvez possamos pedir uma opinião externa. O meu marido achou logo boa ideia. 

Enfim. Não se pode andar em frente se não conseguirmos abrir mão de algumas coisas mas, seja como for, ainda não estou completamente decidida. Tenho a sensação que, no dia em que chame uma pessoa de fora para ter ideias, se depois me aparece a dizer que temos que nos desfazer disto e daquilo, não poderei simplesmente dizer que me deixe em paz, que baze (do verbo bazar). A perda de liberdade que isso implicará deixa-me, à partida, de pé atrás.

E é isto. 

Não vou falar da situação algo alarmante da covid pois imagino o sofrimento de tanta gente e a exaustão e pânico de outra tanta e pouco ou nada tenho a acrescentar. O que tenho a dizer sobre isso já disse no post abaixo -- e espero que se vá a tempo de travar desgraça ainda maior.

Portanto, para não dizerem que estou para aqui a falar sem dizer nada, vou partilhar um vídeo onde Krishnamurti explica o que não é o amor. Concordo com ele. De certa forma tem um pouco a ver com o que disse aqui no outro dia: o amor tem que ser inteiro. Não é amor se uma das pessoas não é capaz de se dar por inteiro, não é amor se uma das pessoas não ama por inteiro. Não que o amor seja uma coisa perfeita. Não é. E não é que seja uma ficção. Não, o amor verdadeiro é bem real apesar das suas contradições. Mas, na sua essência, tem que haver um núcleo em que tudo é absoluto. 

Krishnamurti - What love is not


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Os jardins foram pintados por Wen Zhengming.
Rita Payés & Elisabeth Roma interpretam Oración del remanso

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Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde

sábado, janeiro 16, 2021

Um montão de gente, um mar de fogueirinhas

 




¿Qué poemas nuevos fuiste a buscar?
Una voz antigua de viento y de sal
Te requiebra el alma y la está llevando
Y te vas hacia allá como en sueños

As calças são quentinhas, pretas. Umas meias pretas bem quentes a ver se mantenho os pés quentes. Não tenho pantufas. O meu marido diz: tens tantas porcarias... mas depois não tens as coisas mais vulgares. Nunca quis usar pantufas. Agora, nestes dias frios, sentada durante grande parte do dia, se calhar umas pantufas davam jeito. No outro dia, quando fui a decathlon andei a ver se descobria alguma coisa que pudesse servir de pantufas. Debalde. O meu marido sugeriu umas botas para a neve. Nem dei troco. O mais adequado que encontrei aqui em casa foi uma espécie de chinelos ou tamancas, nem sei classificar, em que a parte de cima é de feltro. Mão sei como vieram cá parar -- ou melhor: como foram parar à outra casa. Se calhar, alguém achou que era coisa de que eu precisava e me ofereceu, talvez há cinquenta mil anos. Guardei. Vieram, pois, da outra casa. Novas. Então é isso que tenho calçado. 

Mas isso é da cintura para baixo. Da cintura para cima é outra loiça. Cuido do que se vê na videoconferência. Faço um smoky nas pálpebras superiores, ponho um gloss nos lábios. Uma blusa quentinha, com gola larga, descaída. Toda branquinha. Por cima, uma espécie de túnica em jersey de lã, também branca mas com umas e outras flores em rosa e verde. E uns brincos brancos. 

A meio da tarde, estava sem reuniões e vi que estava sol lá fora. Então, peguei no computador e fui. Estava um calorzinho bom. Comecei por tirar a túnica. Calor ao sol. Tirei a blusinha de baixo. Fiquei só com o top de licra de alcinhas, branquinho, claro. E ali estive bem um quarto de hora. Soube-me que nem ginjas. E foi vitaminha d, directinha. Dizem que combate o corona. Pode ser.

E ainda fui a correr a casa buscar a máquina: as rosinhas em volta do pinheiro estavam radiantes, doidas de luz e alegria. De todas as cores. Um milagre ou uma coisa mágica, nem sei como definir. Perfumadas, perfumadas. 

E ainda há flores na buganvília, vibrantes de lindas.

Quando entrei em casa, tive que vestir tudo rapidamente, estava bem mais frio que na rua, ao sol. Fiquei rapidamente apresentável.

À hora de almoço veio cá a anterior proprietária. Ao ver a laranjeira, disse: São doces, não são? E contou-me que fazia laranjas às rodelas caramelizadas. Com açúcar mascavado, disse ela. Eu, que adoro tudo o que tenha a ver com laranjas, incluindo as próprias laranjas, fiquei logo com vontade de fazer. Mas não tenho açúcar mascavado. Nem pau de canela. Ela não disse mas imagino que fique melhor com pau de canela. E talvez com um cheirinho de ginja de óbidos. Não sei como dar a volta ao texto mas a laranja caramelizada não me sai da cabeça, em especial a casca. Casca de laranja caramelizada deve ser uma maravilha. E comer um pouco de chocolate preto ao mesmo tempo...? Caraças, deve ser insuportável de bom.

Estava sem saber o que fazer para o jantar. No outro dia, no supermercado, resolvemos trazer uma piza congelada. Ao escolher, vimos uma caixa que tinha duas. Vegans. Pensei que era bem pensado. Como deitámos fora a caixa, não vi que ingredientes tinha. De certeza uma base de espinafres e também cogumelos. Mas tinha outras miudezas. Então fiz assim. Aqueci bem o forno. Entretanto, sobre folha de papel de alumínio, parte brilhante em contacto com o alimento, coloquei a piza sobre. E mandei o vegan às malvas. Sobre o que estava, coloquei uma farturinha de mozarela ralada. Depois cortei a ponta de uma alheira e espremia-a colocando o recheio, aos bocados, sobre o queijo. Depois, tinha tomatinhos cherry e coloquei-os às metades. Polvilhei com orégãos, reguei com fio de azeite e fio de mel. Foi ao forno, na posição calor em cima e em baixo a 170º. Quando vi que já estava com ar quase cozidinho, mudei para a posição grill e dei-lhe o toque final. 

Digo-vos. Estava mesmo boa. Acompanhámos com salada de alface. No fim um diospiro. E, por cima, um quadrado de chocolate negro com caramelo. 

Quando acabar esta brincadeira da covid devo estar uma bolinha. 

O que me vale é que, quando cometo destes deslizes, intercalo com um jantar só à base de chá e fruta. Uma maçada isto de uma pessoa estar naquela idade em que tudo o que come de bom se transforma em peso a mais. Não sei quanto peso mas, cá para mim, já devo estar, outra vez, nos sessenta. Anos e anos a fio com cinquenta e um. Depois, mais tarde, cinquenta e cinco. Depois, upa, upa, cinquenta e sete. Cinquenta e oito, estaria bem. Mais do que isso, já há pneu no pedaço. Nem me peso para não ter dissabor.

Quanto ao resto, campanha presidencial, números covid, confinamento, nada a dizer: mais do mesmo. Tudo muito pouco entusiasmante. 

Pouco entusiasmante é também o estado em que estão os hibiscos e a trepadeira que no verão dá copos bonitos: tudo com as folhas murchas, cozidas, queimadas. Frios excessivos pela madrugada. Disse-me a anterior proprietária que, quando vinham frios assim, cobria arbustos e vasos com uma tela que deixa passar a luz mas protege do frio. São sensíveis estas belas flores. Claro. A beleza é sempre dada a sensibilidades. Tenho que tentar descobrir onde se arranjam essas telas. Ela arranjou-as no Jardim Botânico da Ajuda. Mas agora, confinados, duvido que esteja aberto. Será que no Leroy...? Tenho que explorar. Quando desconfinar.

A perspectiva de mais um fim de semana sem família, sem nada que fazer, é uma coisa muito estranha. A ver se consigo aproveitar o tempo livre. De tudo o que tenho dificuldade em aprender, isto é onde me estampo mais ao comprido. Não aprendo nem por mais uma. Pelo menos, a ver se consigo pegar num livro. Que coisa mais absurda.

Parece que não sei fazer a coisa mais básica: aproveitar o tempo. No fundo, aproveitar a vida por mim própria. Simplesmente isso.

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Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

Eduardo Galeano - O mundo


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E que o sábado vos seja bom
Saúde. Alegria,