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quinta-feira, junho 24, 2021

Coisas deste e do outro mundo

 



Às vezes dá-se às coisas o nome de quem as faz mesmo antes de saber se as coisas vão ser especialmente bem sucedidas. Pode acontecer que, depois, as coisas ganhem vida própria e o nome das coisas passe a existir por si só, esquecidas de quem as fez e de quem lhes deu nome.

Sucedeu hoje que, ao ver a notícia de que uma certa pessoa tinha sido encontrada sem vida na sua cela de prisão, não tenha prestado atenção: nem o nome nem a cara me diziam nada.

Agora, ao rever os sucedidos do dia, percebi quem tinha sido a pessoa: o autor do antivírus McAfee

John McAfee. Nunca me tinha ocorrido que o nome do antivírus era o nome do seu criador. O produto mantém-se vivo, vai tendo novas versões, e, enquanto isso, o seu criador é preso por fuga ao fisco. E, agora, ao saber que ia ser extraditado e que arriscava uma pena de dezenas de anos, não terá aguentado mais. E assim acaba a vida de uma pessoa que um dia desenvolveu uma aplicação que se tornou internacionalmente célebre e com a qual certamente ficou mais do que multimilionário. 

Nestas coisas, volta e meia, as pessoas pensam que são eternas, que viverão milhares de anos, e que, para tal, precisam de aferrolhar muitos milhões, se necessário for fugindo ao fisco para ficarem com ainda mais. Até que a coisa dá para o torto e o homem eterno e muito rico acaba, morto, numa cela num país estrangeiro. 

Mais uma história triste que só prova uma coisa: os humanos são frouxos das ideias.

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O meu dia foi tranquilo apesar de activo. Estou a tentar o equilíbrio, coisa que me é um pouco estranha. Pouco antes das sete da tarde, antes de ir fazer arroz de tomate para acompanhar os filetes, o meu marido apanhou-me a escrever um mail. Ele não sabia mas deveria ser o décimo no espaço de pouco tempo. Escrevo razoavelmente depressa. Disse-me: 'Olha para isso, a escrever compulsivamente há não sei quanto tempo. Estás a voltar ao mesmo, não consegues, está-te no sangue...'. Disse-o com ar censor mas acho que tem razão. Depois de uns dias em que tentei travar às quatro rodas, aos poucos vou reatando o meu normal. As ideias surgem-me e, com elas, a vontade de fazer, de fazer acontecer. Pode alguém ser quem não é?

De tarde, fiquei sozinha. Preocupam-se que eu fique sozinha em casa. Eu não. Então, para reduzir o tempo em que estava sozinha em casa, o meu marido sugeriu que eu fosse ao supermercado comprar fruta. Achei absurdo. Ideia mais sem jeito.

Contudo, quando acabei de almoçar, apeteceu-me mesmo ir dar um giro. A ideia do supermercado pareceu-me tentadora. Ao que eu cheguei. 

Meti-me no carro e fui. Comprei pêssegos normais, pêssegos do paraguai, morangos, maçãs, laranjas. Gosto muito de fruta. Gosto de comer, gosto de comprar, gosto de sentir o perfume da fruta quando estou na cozinha. 

Lavo-a toda e coloco-a em taças para estarem sempre disponíveis para serem comidas. Assim é que deve ser. E não venham com isso da língua portuguesa ser muito traiçoeira que eu não vou nessa.

Aproveitei e comprei uma loção corporal. Para avaliar qual delas, se a da tampa amarela se a da tampa lilás, levantei um pouco a máscara para sentir o perfume. Mais agradável a amarela. Trouxe, imaginando-me cheirosa como uma taça de frutas.

Trouxe também um vasinho com uma hortênsia cor-de-rosa. Agora terei que arranjar um vaso bonito para a pôr e, claro, um lugar bem pensado para pôr o vaso. Estas coisas nunca se ficam só pela primeira derivada. E aqui não é uma questão de língua portuguesa mas de cálculo diferencial.

Bem.

Era para lavar a cabeça esta quinta-feira de manhã mas afinal pediram-me para antecipar uma reunião que tinha convocado para o início da manhã. Vai ter que ser muito cedo. Para não ter que me levantar ainda mais de madrugada e depois estar com o cabelo a pingar, lavei-o de tarde. Depois do banho, com o corpo ainda húmido, apliquei a loção. Fiquei a sentir-me mesmo bem, frutada. 

Ah, e mais: confirmo que, quando vou sozinha ao supermercado, consigo cirandar por onde habitualmente passo a correr e descobrir coisas impensáveis, deveras tentadoras. Assumo: trouxe uma máscara regeneradora. Imagine-se. 

Depois do banho, tirei a dita da embalagem e apliquei-a. Olhei-me ao espelho e pensei que deveria fazer uma selfie. Uma legítima múmia. Deitei-me no sofá e por pouco não adormeci, apesar da coisa molhada na cara. 

Quando a tirei, fui observar-me ao espelho e, para dizer a verdade, não descobri nada de diferente. Se calhar, não faz efeito à primeira. Também não se pode esperar que uma coisa que custa um euro e picos produza o mesmo efeito que o botox. Se calhar, tenho que reincidir. A ver se me informo qual a periodicidade aconselhada para me mascarar.

Portanto, a tarde foi boa. Claro que trabalhei mas teve estes motivos extra de interesse.

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[Registo supostamente verdadeiro]


E, por falar em extras, uma que é deveras extra.

Agora à noite, quando fui conferir as notícias, vi uma que me animou mesmo. Os astrónomos pensam que talvez existam 29 planetas habitados por seres que podem observar-nos e captar todas as nossas comunicações. Isto é um pouco perturbador mas, por acaso, a ser verdade, acharia o máximo. 

[Imagem de brincadeirinha --- claro...]


Acredito que não são verdes nem parecidos connosco. Podem ser transparentes, podem ser raios de luz, pode ser qualquer coisa que não se nos assemelhe de maneira nenhuma. Mas pode haver inteligência mas talvez seja uma outra forma de inteligência. Andamos mortos por pôr o pé em Marte sem nos ocorrer que o mesmo pode estar a passar-se com seres de outros planetas em relação a nós. Mais: quem nos garante que não estejam já entre nós? Partículas inteligentes a ouvirem-nos, a rirem que nem umas perdidas com a nossa totozice.

Não tarda, vai ser divulgado pelo Pentágono um relatório sobre ovnis e acontecimentos relacionados com actividade extraterrestres e aí é que vamos todos ficar com a pulga atrás da orelha. A pulga ou um alien -- nunca se sabe. Um alien atrás da orelha, isso é que era, a ouvir tanto como nós, a conhecer todos os nossos segredos, a fofocarem uns com os outros com as coisas que vão ouvindo aqui e ali. 

E, aliás, levantando um pouco o véu... quem vos garante que esta que vos escreve não é uma alien? 

Alguém me está a ver? 

Alguém tem provas de que sou humana?

Vou...!

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Mas, antes de ir, informo que os frutos são obra de Frida Kahlo e as hortênsias de Svetlana Lileeva

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Mas, antes de ir, desejo-vos um dia feliz

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quarta-feira, junho 19, 2019

Gestos, essa arquitectura do nada





As minhas sobrancelhas não têm história. São como são de nascença, sem depilação, sem desenhos por cima, sem reformatação, sem coloração. 

Quando vejo que se usam sobrancelhas bem definidas, até a atirar para o farto, bem penteadas e marcantes, sobrancelhas que são, em si, um statement, e olho para as minhas, tão o oposto, tão discretas, tão claras e despercebidas, penso que um dia hei-de experimentar escurecê-las um pouco, engrossá-las -- tudo na base do efémero, claro, com um lápis castanho para poder sair com a lavagem -- só para ver se a minha personalidade muda. E depois olharia de frente e inclinaria levemente a cabeça a ver se impunha respeito. Li que sim, que produz bom efeito.

Deveria fazê-lo primeiro em casa, ao espelho, ensaiar a pose, testar se resulta.

Só que sou fútil por natureza. Se reconfigurasse as sobrancelhas e me olhasse com sobranceria ao espelho estou em crer que, em vez de me sentir intimidada pelo respeito que o olhar e a atitude imporiam, haveria de me pôr a prestar atenção a pormenores que não vinham nada ao caso: que talvez o tom de castanho devesse ter sido mais arruivado em vez de tão soturno, que talvez as devesse ter alongado mais em vez de manter a curvatura original, que devia era ter disfarçado a cicatriz, que devia era ter apanhado o cabelo, quiçá posto um chapéu, talvez aquele chapéu basco com a fita encarnada. 

Portanto, porque intimamente ainda não acreditei que seja interessante impressionar alguém com base em situações não naturais e espontâneas, ainda não mexi nas minhas sobrancelhas. Também receio que, sem querer, ao mudar algo em mim, sem querer desvende um ser misterioso que me habita e que só estava à espera de uma oportunidade para se revelar.

Mas, agora que escrevo isto, penso que mal também não fazia e que talvez fosse mesmo interessante perceber se me sentiria diferente se me olhasse ao espelho e me visse com umas sobrancelhas à Frida. Como se sente uma mulher que tem umas sobrancelhas espessas e insolentes como asas de bicho peludo, descarado, mal intencionado?

Vou ali fazer isso e já venho. Um momento, por favor. Só espero é que não aconteça nenhum bruxedo.

Tenho medo. Tenham medo.

Já fui e já estou de volta, quase horrorizada. Para começar, não encontrei nenhum lápis castanho ou, sequer, preto. Encontrei um verde e um azul escuro. Optei pelo azul que é marinho. Pintei-as e juntei-as. À medida que as ia pintando, quase horrorizada ia vendo que parecia estar a deixar de ser eu. 

Quando as acabei e ficaram azuis espessas e escuras, juntas ao meio, eu era outra. Impossível ser eu, manter a mesma maneira de ser, com tais sobrancelhas. Fiquei com um ar mais do que rural, um ar primitivo. A mulher primitiva que, com ar sério, me olhava não era eu, era alguém saído de outro tempo, com uma outra maneira de ser, perigosa, castigadora. Ainda pensei fotografar mas não consegui. Peguei numa toalhita e limpei tudo. Aquela podia ter sido eu há muitos anos, a viver numa gruta, talvez na minha misteriosa gruta, alimentando-me de bagas e frutas e dormindo no meio de lobos. Aliás, talvez seja isso. Talvez fosse isso que vi quando me vi ao espelho, uma mulher lobo, com umas sobrancelhas azuis prestes a voar.

E tudo isto é uma conversa que parece não ter sentido, eu sei -- mas, por acaso, até acho que tem. O nosso corpo condiciona a nossa maneira de estar. Talvez não seja por acaso que, em algumas línguas, ser e estar se dizem da mesma maneira. E, portanto, quero eu dizer, o nosso corpo condiciona a nossa maneira de estar e, logo, de ser. E poderia dar alguns exemplos. Só não os dou porque, sem querer, iria descrever-me fisicamente e, francamente, tenho mais que fazer -- e vocês certamente também.


E apeteceu-me escrever isto depois de ouvir a crónica de Fernando Alves, 'O segredo está nas sobrancelhas' que me foi enviado e que muito agradeço. Tanta a gentileza.

[Um dia ainda gostava de ouvir um texto meu lido pelo Fernando Alves. Será que iria ficar presa à voz dele, esperando o desenlace, o arrepio final, o poema a varrer-me a pele? Como se as palavras estivessem a nascer dele?]

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E, claro, fui conhecer o poema por ele referido 


Amo-te por sobrancelhas, por cabelo, debato-te em corredores
branquísimos onde se jogam as fontes da luz,
Discuto-te a cada nome, arranco-te com delicadeza de cicatriz,
vou pondo no teu cabelo cinzas de relâmpago
e fitas que dormiam na chuva.
Não quero que tenhas uma forma, que sejas
precisamente o que vem por trás de tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões
quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitectura do nada,
acendendo as lâmpadas a meio do encontro.

Tudo amanhã é a ardósia onde te invento e desenho.
pronto a apagar-te, assim não és, nem tampouco
com esse cabelo liso, esse sorriso.

Procuro a tua súmula, o bordo da taça onde o vinho
é também a lua e o espelho,
procuro essa linha que faz tremer um homem
numa galería de museu.

Além disso quero-te, e faz tempo e frio.

[Júlio Cortázar]


E dias felizes para quem aí está desse lado. 

[E saibam que estou a olhar para vocês com a minha cabeça levemente inclinada na vossa direcção]

sexta-feira, junho 14, 2019

É esta a voz de Frida?


Há casos em que o criador é quase mais conhecido que a obra.

Frida é um desses casos. A sua vida dava um filme. E deu. Vários. E, antes dos filmes, os livros. Biografias várias. E as suas fotografias.  Também tão conhecidas. Sobrancelhas espessas, buço farto, flores no cabelo, roupas bastamente coloridas, grandes brincos, ostensivos colares -- indígena, exótica, diferente. E as dores, os espartilhos, as temporadas na cama, a perna muito doente. E o amor pelo gordo e os e as amantes, a desempoeirada bissexualidade. A última exposição, já tão doente, levada na cama. Mas sempre muito arranjada, galhardamente engalanada.

E, claro, as pinturas tão dolorosamente autobiográficas. O sangue escorrendo, a criança que não nasceu, as dores infames, o amor ingrato, as costas doendo tanto, o coração sangrando. Dores tão imensas em quadrinhos geralmente tão pequeninos.

Tudo muito conhecido. Viveu lá tão longe e morreu há tanto tempo e não há quem não conheça e não se apiede pelo sofrimento e não arregale os olhos pela sexualidade fluida e não sorria com tanto pêlo naquelas sobrancelhas que parecem asas de anjo negro e naquele bigode sorridente nos cantos da boca.

Mais: há posters, sacos, canecas, mil objectos, um fértil merchandising. E abundam as pinturas tipo Frida. E exposições sobre tudo o que se relacione com ela e a coisa já está a virar kitsch? Frida virou quase uma commodity. Dizem-na a percursora das selfies. O mainstream adoptou-a, adaptou-a. Não culpa dela, coitada, que já partiu há sessenta e cinco anos. Além disso, quem compra saias ou adereços para o cabelo a la Frida se calhar nem sabe que, na altura, bem desinserida ela se mostrou. Mas enfim. É daquelas coisas sobre as quais a gente, não sabendo o que dizer, diz que as coisas são o que são e dá o assunto por encerrado.


Mas a voz, a voz, ninguém conhecia. Como seria a voz de Frida?

Compreende-se a curiosidade. Quando se conhece tudo, a história toda, a obra toda, e apenas se desconhece a voz pode imaginar-se tudo. Rouca? Grave? Forte? Sofrida, um fio de voz? Como é a voz de uma mulher assim, uma mulher em cuja curta vida cabem amores, dores, seduções, rebeldias, coragens, coquetteries, cores, frustrações e sempre dores, dores, e tanto mais?

Até que apareceu uma gravação. E parece que é a voz de Frida.

Explico. 
The National Sound Library of Mexico has unearthed what they believe could be the first known voice recording of Frida Kahlo, taken from a pilot episode of 1955 radio show El Bachiller, which aired after her death in 1954. The episode featured a profile of Kahlo's artist husband Diego Rivera. In it, she reads from her essay Portrait of Diego.


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quinta-feira, julho 05, 2018

Alguém sabe onde está a ponta desta meada?




Não vou falar da soneira que se derrama sobre mim a esta hora. É sabida, ressabida e consabida e, a esta altura do campeonato, notoriamente a precisar de férias, é uma constante. A minha filha até já me disse que não faz sentido estar sempre a falar nisso pois, se estou assim, neste estado, deveria ir dormir e não estar a escrever sobre isso.

Por isso, hoje vou tentar não falar do meu sono.

Vou também tentar não falar do meu dia e da quantidade de homens que, à minha volta, têm comportamentos que me deixam capaz de ir para a política para ver se consigo ser eleita -- e tudo ver se chego onde possa ter voto na matéria e poder legislar no sentido de se ser imperativamente mais exigente na escolha de pessoas para cargos de chefia ou decisão.

Devia ser obrigatório, por lei, que qualquer pessoa, para ocupar esses lugares, fizesse testes psicológicos e de avaliação de QI e QE. Coisa rigorosa. Quem não cumprir os mínimos, out. Melhor: quem não cumprir os mínimos, vá pentear macacos para bem longe, vá dar banho ao cão, porque aqui não entra. Nem que a vaca tussa.

Em especial, muito cuidadinho com os homens. É raça que, no género masculino, parece que degenerou ainda mais rapidamente que no feminino.

Por cada meia dúzia de homens aproveita-se um. Por cada três mulheres aproveita-se uma e meia. Isto em lugares ungidos pela sorte.
Os homens não querem dar parte de fracos, não querem fazer perguntas, não querem reconhecer que se enganaram e, por orgulho, persistem no erro, não querem parecer inseguros e, por isso, tomam medidas à toa. Depois, têm um bizarro sentido de tribo e unem-se contra adversários imaginários nem que seja em torno de uma estupidez. Há muita imaturidade intrínseca no comportamento masculino.
As mulheres são de outro calibre. Se se sentem ameaçadas tornam-se ardilosas, constroem narrativas que de tão insistentemente defendidas quase se tornam verdadeiras. E, quando a fronteira entre a realidade e a ficção se dilui, começa o perigo.
Uma empresa ou uma qualquer organização deveriam ser sempre conduzidas por gente inteligente, bem formada, generosa, com estrito respeito pela ética, capaz de gerir emoções de forma não tóxica, capaz de descobrir o lado melhor dos outros, capaz de os motivar, inspirar, desafiar a fazer mais e melhor.

Mas a verdade é que é cada vez mais frequente encontrar gente incapaz, mal preparada, mal formada. Gente assim atrofia as organizações, massacra as pessoas que lá trabalham, impede a valorização pessoal e profissional dos outros.

Falo do que conheço. Com alguma frequência, vejo-me rodeada de pessoas que nada acrescentam, que apenas buscam a sua auto-promoção ou a defesa dos seus pessoais interesses, que pisam ou sacrificam os outros a troco de coisa alguma. Ou de burros.

E isto, palavra de honra, cansa-me. 

Já andei, ao fim do dia, em passo apressado, talvez uns dois quilómetros (muito pouco, eu sei, mas não consegui tempo para mais), já estou levantada desde muito cedo, já andei à pressa à hora de almoço e já fiz compras, já tive várias reuniões, já tive várias conference calls, já nem sei bem que mais (para além de fazer os cerca de cem quilómetros diários) -- mas não é isso que me cansa. O que me cansa mesmo é ver como uma deficiente selecção de pessoas consegue levar a maus resultados: isso dá cabo, directa ou indirectamente, da vida de muita gente. Gentinha que gosta de achincalhar ou amedrontar os mais fracos, que os obriga a vergar, que não os deixa voar. E que, para além disso, pelo seu fraco intelecto, não vê ao longe, não compreende as tendências. Gente muito fraca. Sem escrúpulos, sem moral. Gente que deveria ser impedida de dar cabo das organizações e das outras pessoas.

Claro que isto, dito desta forma, pode parecer uma espécie de eugenia social. Mas não é.

Não estou em condições de enveredar por conversas mais elaboradas e, dialecticamente, esgrimir argumentos contra e a favor. Digo apenas que acho que não é eugenia. É pragmatismo. Uma empresa ou organização que esteja nas mãos de burros, velhacos, mentirosos ou medrosos está fadada ao insucesso e, para além disso, quem lá trabalha andará sempre insatisfeito, revoltado, infeliz.

E talvez eu esteja a exagerar. Talvez, pela forma crua, resulte em caricatura aquilo de que falo.

Pois que seja. O sono retira-me a capacidade de dourar a pílula. De resto, sei que aquilo de que falo é impossível.

Claro que é. Mas gostava.

A maldade, a mediocridade e a imoralidade são perigosas, acreditem.  São manchas que vêm alastrando nas sociedades democráticas, tomando conta de tudo, retirando a capacidade de renovação, manipulando a vontade dos mais frágeis.

Mas enfim. 

[Quando comecei o post tinha alguma em mente mas, pelo meio, já adormeci tantas vezes que o fio da meada já se me escapuliu. Isto era para chegar a um certo ponto que agora já não sei qual é. Complicado, isto].

Mais vale intervalar. Dormir.

Outra coisa, um mero aparte, um segredo, um desabafo: ando a evitar contar de algumas situações porque me aconselha a prudência que lhes guarde o devido distanciamento. Mas debato-me, sinto-me tentada a contar com receio de que me esqueça. Há coisas tão estranhas, tão inexplicáveis que requerem que eu aqui lhes dê corpo, para que, um dia qualquer, eu possa confirmar que aconteceram mesmo. É que, acreditem, por vezes até penso que. Juro. Mas, por outro lado, receio que pensar isso seja até estultícia.

Fica para depois. É melhor.

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Fiquemo-nos com Frida

terça-feira, maio 26, 2015

Frida - entre a dor e o amor


Frida Kahlo deitada na relva

Diego:

Mi amor, hoy me acordé de ti aunque no lo mereces tengo que reconocer que te amo. Cómo olvidar aquel día cuando te pregunté sobre mis cuadros por vez primera. Yo chiquilla tonta, tu gran señor con mirada lujuriosa me diste la respuesta aquella, para mi satisfacción por verme feliz, sin conocerme siquiera me animaste a seguir adelante. Mi Diego del alma recuerda que siempre te amaré aunque no estés a mi lado. Yo en mi soledad te digo, amar no es pecado a Dios. Amor aún te digo si quieres regresa, que siempre te estaré esperando. Tu ausencia me mata, haces de tu recuerdo una virtud. Tu eres el Dios inexistente cada que tu imagen se me revela. Le pregunto a mi corazón por que tu y no algún otro. Suyo del alma mía.

Frida K.



The Life and Times of Frida Kahlo


  

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Já agora, a quem não conhece:

Frida (2002)  - com Salma Hayek como Frida 


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À semelhança do que, por exemplo, acontece nos EUA -- two in NYC (Frida Kahlo: Art, Garden, Life at the New York Botanical Garden and Mirror, Mirror at Throckmorton Fine Art) and one in Detroit (Diego Rivera and Frida Kahlo in Detroit at the Detroit Institute of Arts) --, também por cá teremos uma exposição de fotografias que ilustram a vida de Frida Kahlo.

Transcrevo:

A vida de Frida Khalo é a protagonista da exposição “Fashion Icon Frida Khalo”. A pintora mexicana, uma artista icónica para o século XX, deixou a sua marca em várias áreas. Influenciou a pintura e o mundo da moda, além de ser um dos símbolos da emancipação feminina.

Agora o seu percurso de vida, desde a infância até à morte, vai estar exposto em 44 fotografias originais no CascaiShopping numa grande exposição dedicada à artista. A exposição decorre de 15 de Maio a 12 de Julho.




[Breve biografia de Frida no artigo completo do Observador]

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E agora aceitem o meu conselho e planem sobre as nuvens, por favor, até aterrarem no post seguinte que tem imagens lindíssimas.

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segunda-feira, novembro 12, 2012

Angela Dorothea Merkel vem hoje a Portugal, mostra-se, diz umas coisas, e vai-se embora. Nada digno de relevo. Nada que me interesse ou que, em minha opinião, justifique tanta excitação. Por isso, desculpem-me mas vou antes falar de uma mulher que me desperta alguma curiosidade e admiração: Frida Kahlo



A Angela Drothea quando era nova e ainda não era loura


Não me desperta interesse por aí além a vinda a Portugal da Frau Angela Dorothea Merkel, nascida Kasner, uma senhora de 58 anos que pensa que defende os interesses da Alemanha, e os seus próprios, impondo um regime punitivo aos países que, antes, recebiam os produtos que nos impingia e que, agora, já não têm dinheiro para os comprar. A senhora faz o seu papel, o que é um problema dela e de quem a elege, não meu.

Se fora do seu país ela faz tudo o que faz é porque encontra pela sua frente um bando de bananas, de inúteis, de medrosos, de servis, que dobram a espinha a qualquer um que lhes abra os olhos. Durão Barroso que é um simples verbo de encher em Bruxelas ou Passos Coelho em S. Bento, são bons exemplos disso.

No dia em que à frente das Organizações e dos Países haja gente com cabeça, com coluna, com coração e com testículos como deve ser e no sítio devido (e aqui englobo mulheres e homens porque isto dos testículos é, claro, apenas uma força de expressão), a ver se uma qualquer Angela Dorothea mete medo a alguém.

É a Alemanha que contribui para grande parte do orçamento europeu? Ah pois é. E graças a quê? Graças à ajuda que recebeu aquando da união entre as Alemanhas, graças ao défice que lhes foi permitido sem punição, graças aos excedentes que tem vindo a enfiar nos outros países, graças a tantas coisas. (E, claro, também graças a um espírito focado, pragmático, com o qual, se fossemos mais inteligentes, teríamos qualquer coisa a aprender. Já aqui o referi que tenho trabalhado com alemães e gosto imenso de trabalhar com eles).

Mas a Alemanha só consegue sobreviver como país rico se tiver para onde escoar os seus excedentes pelo que, como já está a acontecer, se irá abaixo quando esses países vergarem. Por isso, a Frau Angela Dorothea, não tardará, começará a ajustar o seu discurso, e só não o mudou já porque, infelizmente, Montis há muito poucos, parece espécie rara, em extinção.

Seja como for, não é porque a dita Frau vem a Portugal, metida num casulo, longe do trânsito, longe de confusões, falar com meia dúzia de pessoas, durante umas quantas horas, quatro ou cinco, que isso me parece motivo do que quer que seja. Eu, pessoalmente, pouco mais sinto do que desinteresse.  Ela não vem cá fazer nada. Vem mostrar-se e pouco mais. Por isso, que ande meio mundo a especular sobre o que se lhe deve ou não dizer, é coisa que me parece um exercício inútil.

A esta hora está ela a dormir, certamente de pijama, imagino um pijama mal jeitoso, depois de ter estado antes, provavelmente já de robe cor de rosa, uma dona de casa de tipo matrona, de carnadura algo pouco consistente, de manta pelos ombros, a pensar no frete que é ter que se levantar tão cedo para nada, apenas para vir aturar um bando de provincianos patéticos. Durante a tarde deve ter reservado um quarto de hora, não mais que isso, para ler umas dicas que alguém lhe preparou para a visita, deve ter dado uma espreitadela ao amador e saloio - mas tão saloio, credo! - filme do Marcelo, Ich bin ein berliner, e deve ter-se esquecido de tudo logo a seguir, tamanha é a falta de interesse que sente pela vinda cá.

Por isso, que me perdoem os meus Caros Leitores mas não vou dizer mais nada sobre a vinda da Angela Dorothea a Portugal. Só espero é não me ver metida em barafundas de trânsito por causa dela.

*

Este domingo, in heaven, estive a arrumar uns livros e peguei num sobre a vida de alguns pintores. Abri ao acaso e a página onde parei dizia respeito a Frida Kahlo. Já li, em tempos, a sua biografia e sinto curiosidade e admiração pela sua fantástica vida.




Foi uma vida marcada pelo sofrimento físico, um sofrimento medonho. Custa-me imaginar como sobra disposição para o amor, para a paixão, para uma vida de aventura e experimentação, quando o corpo range e arde de dor.

Quando Frida era uma jovem estudante de liceu, o eléctrico onde ia sofreu um acidente e uma barra de ferro trespassou-a, trespassou-a literalmente. E se, antes disso, já tinha um problema numa perna devido a uma poliomielite infantil, depois foi o calvário. Hospital, meses de cama, cirurgias, coletes ortopédicos, problemas vários, dolorosos e permanentes, sofrimento, muito sofrimento.

No entanto, como referi, apesar desse terrível calvário, Frida foi uma mulher que amou, que amou muito.




Amou sobretudo o seu grande amor, o feio, disforme e devasso Diego Rivera, pintor. 




Por ele sofreu muito, sofreu várias vezes, sofreu quando ele a traíu com a cunhada, sua irmã, de quem teve vários filhos, sofreu quando a traíu com quem calhou, com amigas, com desconhecidas. Sofreu quando não conseguiu ter filhos, tantas vezes os perdeu quantas as que o tentou.

Mas amou também outros homens - mas não tanto como amou Diego. Talvez os tenha amado para se vingar de Diego, talvez os tenha amado porque eram inteligentes, porque eram amores proibidos.

E amou mulheres, amou ternamente mulheres. Diego sabia e não se importava, apenas se importava quando ela tinha casos com homens.




Frida foi, pois, uma mulher de muitos amores, inflamadas paixões, amizades, uma mulher que viajou, que conheceu o mundo e os extremos, os excessos.

E pintou. Pintou muito. Começou a pintar deitada, quando estava doente. E nunca mais parou.




Sobretudo quadros pequenos que pintava enquanto estava deitada, ou enquanto estava sentada, curando as suas chagas, aflita de dores. 




Pintou-se sobretudo a si própria. Era o motivo que tinha mais à mão, o seu corpo doloroso ao espelho, os seus olhos cheios de dor.




Dilacerada, em sangue, os filhos que não vingavam, desamparada numa cama, a chorar. 

No fim, na sua última exposição, quis estar presente e tiveram que a levar deitada na sua cama. Toda arranjada, com os seus colares e adereços, corajosa, orgulhosa, mas perdida de dores.

Morreu em 1954, com 47 anos, e não se sabe se morreu de pneumonia, se morreu de tantos medicamentos que tomava para as dores, se morreu de cansaço de sofrer, se alguma amante do marido a matou. Morreu a pintora das mil cores, dos muitos amores. A sua obra, os seus olhos com um par de asas negras por cima, o seu exótico colorido, esses viverão para sempre.




*

Para quem não conhece a vida e obra desta pintora mexicana, aqui deixo dois pequenos filmes que me parecem interessantes.








*

Se me permitem, convido-vos ainda a virem comigo até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, a love affair. Ali, hoje, as minhas palavras sentem por perto os anjos desolados que voam sobre um poema de Carlos de Oliveira. A música hoje é uma maravilha, cantada e dançada, e marca a abertura da semana que vou dedicar a Jean-Philippe Rameau.

***

Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira.

sexta-feira, maio 04, 2012

De que serve um Estado se nele há cada vez mais mulheres que arrancam do seu ventre as crias antes de se tornarem gente? De que serve um Estado se nele as pessoas morrem mais de mágoa do que de acidentes de viação?


Música, por favor


Chopin - Nocturno nº8, interpretado por Maurizio Pollini



Frida Kahlo - O abraço amoroso entre o Universo, a Terra, eu,  o Diego e o Señor Xólotl


Nenhuma sociedade é perfeita e sempre haverá pessoas que, por circunstâncias diversas, são levadas a praticar actos limite. Não haverá nunca sociedades em que nenhuma mulher aborte voluntariamente ou em que nenhuma pessoa se suicide. Distúrbios, desenlaces trágicos, infelicidades, sempre haverá.

Por isso, o que permite aferir a ‘saúde’ de uma sociedade não são os indicadores em valor absoluto observados num único momento mas, sim, a evolução das ocorrências em valor relativo (ou seja, se, de ano para ano, a percentagem da população em que acontece o fenómeno que se observa aumenta ou diminui).

Os grandes objectivos de quem é responsável pela gestão da ‘coisa’ pública devem ser, entre outros, garantir o avanço civilizacional, a melhoria das condições da população, a melhoria do bem estar das pessoas.

Uma sociedade em que as pessoas perdem direitos alcançados ao longo de gerações, em que o nível de confiança e segurança decresce, em que a renovação geracional regride, havendo cada vez mais velhos e menos novos, em que há cada vez menos trabalho, em que o número de interrupções voluntárias da gravidez (IGV) aumenta (especialmente entre a camada das mulheres desempregadas), em que o número de suicídios já é maior do que o número de mortes por acidente de viação – é uma sociedade que não está a ser bem gerida. É uma vergonha de sociedade. É uma vergonha para nós que nos habituámos a aceitar esta vergonha.


Hieronymus Bosch - parte de O jardim das Delícias

É escusado haver um Estado e um Governo se é para isto: para a maioria da população viver cada vez pior, com menos dignidade, sem esperança.

E só não escrevo isto completamente angustiada porque não sou muito de me dar a angústias mas, como será fácil de perceber, isto revolta-me.


Fui e continuo a ser convictamente a favor da despenalização da IGV.

Pablo Picasso - Maternidade

Se há traço dominante em mim é o da maternidade. Sempre quis ter filhos, tive-os muito cedo e só não tive muitos mais porque não tinha a vida nada facilitada; ter-me-ia sido quase impossível ter disponibilidade para criar mais filhos da forma condigna e dedicada que entendo como indispensável.

Ter dentro de mim duas células que, milagrosamente, se foram desdobrando uma e outra e outra e outra vez - e eu sentindo que havia um serzinho a tomar forma e, depois, já era uma pessoazinha que eu sentia dentro de mim, os seus movimentos, as suas cabriolices e, no fim desse período de nidificação, senti-los a sair de dentro de mim - é qualquer coisa de transcendente que eu, e nenhuma mãe, trocaria por nada deste mundo.

Quando se tem uma criança a formar-se dentro de nós, todas nós nos sentimos portadoras do mundo, do futuro, da esperança, da alegria. E preparamos com infinito desvelo a sua chegada e tudo fazemos para que esteja bem tratado, bem agasalhado, bem arranjado, muito acarinhado, tudo, tudo de melhor.

Pablo Picasso - Mãe e Filho


Mas se, por desconhecimento dos métodos de planeamento familiar ou desestruturação da vida, quando engravidei, eu estivesse sem trabalho, sem dinheiro para sustentar uma casa, se o pai da criança estivesse nas mesmas circunstâncias, se estivéssemos sem esperança de ter uma vida melhor, só antevendo, na melhor das hipóteses, trabalhos precários que não dariam para poder pagar casa, creche, leite, enfim, para poder proporcionar ao bebé uma vida condigna – talvez, então, no meio da maior angústia e desespero, eu arrancasse de mim esse embriãozinho de gente porque mãe que é mãe não quer que o seu filho ande ao deus-dará, com fome, com frio, com doenças.


Paula Rego - da série dedicada ao aborto

Por isso, respeito quem interrompe a gravidez e sinto-me incapaz de julgar quem, em momento de desespero, assim decide.

Quanto ao suicídio é uma situação igualmente complexa. Amo a vida, abençoo todos os dias o dom de estar viva, eu e todos os que amo. Amo a vida, a terra, o mar, o céu, as árvores, os animais, as palavras – e amo em especial as pessoas, prodigiosos acontecimentos da natureza.

Renée Magritte - Memória


Mas, talvez, se estivesse doente, a sofrer, sem meios de subsistência, sem capacidade para viver dignamente, sem haver organismos ou instituições que me pudessem valer e na contingência de ter que causar transtornos continuados a outros, nomeadamente, prejudicando a vida dos meus filhos, aí, não sei.


Ou seja, não consigo fazer juízes de valor em relação a decisões tão pessoais, tão íntimas, decisões tomadas sempre em momentos de aflição e desespero. Mas consigo, isso sim, desejar que deixem de existir as condições que levam a essas decisões angustiadas.

Por isso, também, digo que Estado que é Estado zela pela sua população, por toda a sua população, evitando que aumente o número de pessoas para quem viver ou dar vida se torna insustentável. Senão mais vale não existir.

E interrogo-me: o que se está a passar em Portugal e em outros países do dito mundo desenvolvido para que a população esteja a ser saqueada, empobrecida, violentada nos seus direitos, a perder a esperança, a perder a vontade de se reproduzir, a perder a capacidade de sonhar - e tudo isto aparentemente apenas para o Estado pagar juros (que nem a dívida se está a amortizar)?


Hieronymus Bosch - O inferno



Como chegámos aqui?

Que monstros criámos?

Que sociedade é esta?

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Em momentos assim é mais difícil:
não dá para disfarçar o peso do mundo.
A angústia enrola-se na garganta como um agasalho usado,
e há toda uma vida (que pretensão!) a clamar por dentro
'porque me abandonaste?'


Em momentos assim é mais difícil
fingir que só se está a escrever um poema.

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O poema acima chama-se Momento, é de Luís Filipe Castro Mendes e pertence ao livro Lendas da Índia.

E: por falar em poesia, hoje o poeta que está de visita o Ginjal e Lisboa, a love affair é Bernardo Pinto de Almeida. Em volta dele voaram as minhas palavras ao som de Puccini, hoje pela voz de Andrea Bocelli.

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Bom... hoje isto não me saíu muito animado (aquelas duas notícias, a do aumento dos suicídios e a do aumento de abortos entre as mulheres desempregadas, incomodaram-me muito). Mas não deixem que isto estrague o vosso dia. Animem-se, vá... Afinal já é sexta feira! Tenham um bom dia, está bem?


domingo, agosto 14, 2011

'Mariposa traicionera', sedução e drama como convém a uma novela mexicana (Maná, a borboleta sereníssima e os meus livros, here in heaven)

Há dias, aqui in heaven, uma borboleta entrou para dentro de casa.

Eu e o meu ajudante de campo (*) tentámos conduzi-la, janelas fora, até à rua - mas somos muito pouco nabokovianos e, de divisão em divisão, ela foi mais lesta que nós: sedutora e esquiva, espreitava-nos e nós seguíamo-la e ela, toda charme, esgueirava-se para mais longe; até que a perdemos de vista.

Ontem, quando aqui chego, eis que dou com ela pousada num dos meus tapetes 'a la Rothko'. Boa escolha to rest in peace.

Com cuidado, pego nela receando que se desintegre - porque a beleza é efémera. Mas não. A beleza intacta e, agora, tangível.

Levo-a então, agora dócil, a percorrer alguns caminhos. Escolho cenários, e ela, na sua beleza sereníssima, deixa-se fotografar.

? - Charles Saatchi

Charles Saatchi, empresário, publicitário e coleccionador de arte, responde a perguntas sobre os temas mais variados, numa edição Phaidon. Transcrevo, traduzindo, apenas duas delas:

Berlusconi ou Brown ao leme? - Não percebo porque é que toda a gente não emigra para Itália para ter o Berlusconi a gerir as coisas. É um belo país, jogam muito bem futebol e o Silvio parece que gosta de passar bem o tempo. Provavelmente ele vai para a cama, todas as noites, mais feliz do que o Gordon Brown e, suspeito, que a maioria dos italianos também.

É melhor servir no Céu ou reinar no Inferno? - Reinar no Inferno parece-me perfeito. Com os Diabos, quem é preferiria servir no Céu?


Frida Kaho, 'I paint my reality' - Christina Burrus

(vejam como fica mesmo bem, a minha borboleta no penteado da Frida)

Um belo livrinho da Thames & Hudson, muito bem ilustrado, muito bem composto, sobre a vida e obra da pintora mexicana Frida Kahlo (1907 - 1954). Transcrevo, traduzindo, um excerto de uma carta sua, datada de 1935 e dirigida a Diego Rivera, seu marido, com quem teve uma apaixonada e conturbada relação.

Tudo o que me aconteceu e continua a acontecer, nestes sete anos em que vivemos juntos, todas as minhas fúrias e irracionalidades ajudaram-me a ver mais claramente que te amo mais do que amo a minha própria vida, e que mesmo que tu não me ames da mesma maneira, amas-me um pouco ... não amas? E mesmo que não me ames, eu ainda tenho esperanças que me venhas a amar, e isso é suficiente...

Ama-me apenas um bocadinho. Adoro-te,
                                                                Frida


Na casa de Julho e Agosto - Maria Gabriela Llansol

(Integradíssima e bucólica, cá está ela, a minha colorida mariposa)

Naquela sua escrita desligada das minudências terrenas, Maria Gabriela LLansol (1931 - 2008), vagueando pela escrita como um gato ancestral e sábio, deixa-nos trechos como estes:

Soube, então, Margarida, que não te podia escrever mas jurei enterrar as minhas cartas junto à raiz das roseiras porque 'pelas raízes das roseiras', segundo um dos segredos de Alice, 'passa o mensageiro'.

Margarida, já sabes o que me comove; hoje, atravessava uma sala quando vi uma réstia de sol no chão; o urso não tem comido, olha apenas as operações do sol, durante o dia; nesses instantes, li com a profundidade dos seus olhos que um perigo acerado, mesmo que não seja iminente, nos espera; onde guardarei este manuscrito, ou estas cartas, para que ninguém as leia, nem vivalma?; talvez convenha dar-lhes misteriosa linguagem,
ou simplesmente não escrever,
mas então como comunicarei contigo?


Poesia, Saudade da Prosa - Manuel António Pina

(e lá está ela, a minha borboleta sobre a pintura de Joachim Patinir que capeia o livro)

Da antologia pessoal de Manuel António Pina, extraio o início e o final do poema Emet com que termina o livro:

Here we are for the first time face to face
thou and I, Book,
descansa em paz, e tu, leitor,
não peças mais ao seu cansado coração
do que ele pode dar-te, o que te rouba:
pequenos detalhes entre o espírito e a carne.
(...)
Porque é de noite e estamos ambos sós,
leitura e escritura,
criador e criatura,
na mesma inumerável voz.


# Ainda levei a minha mariposa a passear por outros lugares mas não vos maço mais.


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(*) Sobre o meu ajudante de campo, caso tenham lido o meu post sobre exploração de trabalho infantil, deixem que vos conte.

No outro dia, estavamos a almoçar e ele, o meu querido leãozinho agora já com 3 anos, com ar pensativo. Às tantas diz, pausadamente, com ar de quem está a puxar brutalmente pela memória, papagueando palavras que não compreende: 'Já sei. Exploração do parque infantil.'.

Desatámo-nos a rir e ele muito infeliz: 'Não é...?',

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E agora, para que o papier mâché (como a Margarida, inspiradamente, classificou o Um Jeito Manso nas suas laterais Daily Goods & so on) fique completo, aqui vos deixo, como colante (coleante?) esta canção, Mariposa Traicionera, com um vídeo bem caliente de uma banda mexicana, Maná, que desconhecia mas que não está nada mal para um dia encalorado como hoje.