Agora, aqui, não vou falar do Trump. Já o fiz no post abaixo e, ao ver o pequeno vídeo que ali partilho tal como de cada vez que observo aquele psicopata, fico irritada. Portanto, por hoje já chega. Quanto muito vou acender uma velinha a ver se todos os santinhos intercedem junto da Suprema Autoridade Divina no sentido de os americanos darem uma valente corrida em osso ao palhaço Donald.
Também não vou falar do modo de actuar do BE nesta coisa da votação do OE2021. Não me apetece. É mais do mesmo. São, uma vez mais, iguais a elas próprias. Por petulância, vendem a alma ao diabo se necessário for. Não digo que por vezes não tenham razão. Mal fora se nunca a tivessem. Digo é que não olham a meios para atingir os fins e, nessa demanda, esquecem-se dos interesses do País para defenderem os interesses do partido. Como meninas birrentas, metem uma na cabeça e ficam a fazer finca-pé enquanto não lhes fazem a vontade. Agarram-se com unhas e dentes a uma árvore sem quererem saber se o resto da floresta está a arder. Querendo fazer-nos crer que têm uma visão moralmente superior aos comuns mortais, a verdade é que passam a vida a mostrar à saciedade que têm uma visão pequenina e medíocre do que é a política.
O que elas defendem parece simpático? Claro que parece. Céu azul todos os dias? Claro que quero, é bom, levanta a moral, toda a gente deve ter direito a isso. Ir à praia todos os dias? Claro que é bom, claro que todos devem ter direito a isso. Pôr o carteiro a deixar um envelope com mil euros todas as semanas na caixa do correio de toda a gente? Claro que é bom, claro que toda a gente deveria ser contemplada. Mas, se não conseguirem isso, faz sentido fazerem birra? Ah... não me parece. Mas sei lá. E do que não sei não falo. Nem me apetece falar das manas Mortágua, em especial da arrogante Mariana, nem da artista encartada Catarina. São apenas, em permanência, um desnecessário e desagradável déjà-vu.
E muito menos vou falar dos merdinhas dos totós cor-de-rosa que por aí andam em vara, destravados, escoiceando, empinados, indomáveis. Apesar de invisíveis, conseguem fazer ajoelhar o mundo. Pelo andar da carruagem, talvez o verão do ano que vem não traga o pesadelo que este trouxe. Pode ser que, até ao próximo outono, haja vacina para todos (mas quem vai pagá-la? a segurança social, cada vez mais a tender para a descapitalização...? -- melhor nem pensar nisso), quiçá tratamento. Isto se passado algum tempo não aparecer outro corona e a história voltar a repetir-se. O futuro não será radioso. Se não forem os coronas, será a falta de insectos, a falta de polinização. Se não for isso, será o degelo. Se não for o degelo serão os microplásticos. Se não for...
Portanto, afigura-se-me que é muito bem capaz que o melhor que temos a fazer seja manter esses pensamentos racionais bem sossegados atrás de uma cortina que, de vez em quando, corremos. Olhos que não vêem, coração que não sente. Portanto, com os assuntos reais e concretos bem escondidos, a gente pode divagar e alienar-se à vontade como se o mundo fosse perfeito, céu azul todos os dias, praia ao dispor para todos, gaivotas dançando e inspirando lindas canções, velhinhos saudáveis e eternos, crianças felizes e sempre com boas notas, casais sempre amantíssimos até ao fim dos tempos. E perfumes maravilhosos. E, de entre eles, o meu preferido: o Nº5, claro. Está a fazer 100 anos e é como se ainda fosse um jovem.
O Natal -- que provavelmente este ano também vai ser o novo Natal (para rimar com o novo-normal) -- está a aproximar-se e, com ele, os bons sentimentos transformados em cadeaux. E, portanto, já aí está na calha a publicidade de qualidade. Perfumes, claro. Chanel, obviamente.
Marion Cotillard é a diva que dá corpo ao que se idealiza como sendo o espírito Nº 5. Vejamos. E deixai-nos sonhar, Senhor.
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As fotografias são da autoria de Annie Leibovitz e a fotografada é Cate Blanchett
Há temas que, quando aparece uma criança morta à beira de água, se tornam virais e, como tal, toda a gente se sente contagiada. Depois, coisa tão triste acaba por cansar e a gente já nem quer ver tal coisa. já dizemos que é exploração de desgraça alheia, que é falta de gosto tanta fixação na dor dos outros.
E, dias depois, já nem vale a pena falar porque a coisa já passou de moda. E quando a gente vê barcaças transbordantes de gente até parece que já chegou a época dos saldos de refugiados, tal a banalidade daquilo tudo.
E não queremos saber de como as forças políticas de extrema direita -- devidamente adubadas com apoios financeiros e outros tipos de apoio por parte dos Steve Bannons desta vida, hienas solitárias, ou por parte de regimes que preferem uma Europa enfraquecida -- se organizam de uma forma cada vez mais estruturada.
A extrema direita usa sempre a mesma arma: o medo. O truque é instilar no seio da população, numa parte da população, a parte mais inculta, mais vulnerável, mais facilmente influenciável, o medo. Medo seja do que for. Pode ser o medo de ver as ruas invadidas por gente desempregada, faminta, mal vestida, falando línguas incompreensíveis, pode ser o medo de ver os impostos aumentados para pagar a integração de refugiados, medo que, entre os refugiados, venham meliantes, terroristas. Medo. E eles, os salvadores da pátria, as mamãs (como a Le Pen), os papàs´s (como o Salvini), aparecem como os que afastarão os medos, protegerão os 'puros', os nacionais, contra os intrusos, contra os bandidos que querem entrar no país para roubar o que pertence a quem já lá está.
Com maldade suprema, Trump separa pais de filhos, trata seres humanas como se fossem animais, seres humanos cansados, esfomeados, gente que apenas procura uma vida melhor para si e para a sua família. Mas não são apenas as fronteiras americanas que são palco de verdadeiros atentados humanitários nem é apenas Trump que é algoz. Cada um à sua dimensão mas a verdade é que culpados somos todos os que fazemos de conta que não existe.
Existe. E a indiferença com que aceitamos campos e campos de refugiados a perder de vista, uma coisa que nos deveria envergonhar, ou que aceitamos que milhares de pessoas façam quilómetros e quilómetros a pé para alcançar sabe-se lá o quê ou que aceitamos que o tráfego de armas e outros interesses geo-económicos prevaleçam sobre o respeito pelas populações, torna-nos também culpados.
A abstenção brutal nas eleições europeias é outra que nos deveria envergonhar. Como culpar a União Europeia de assistir impávida e serena a que tanta gente morra afogada no Mediterrâneo quando nem para votar nos demos ao trabalho? Como podemos censurar os que lá estão quando não nos demos ao trabalho de lá pôr quem defenda uma Europa mais humanitária, mais aberta, mais moderna?
Há quem tenha coragem e dê algum do seu tempo para ir ajudar os que estão em situações difíceis. Mas são poucos os que têm essa coragem. Eu nunca tive. De forma racional, penso que problemas desta dimensão não se resolvem com iniciativas individuais, apenas com políticas transversais, integradas, transnacionais. Mas isso sou eu a proteger-me porque sei que, mesmo não resolvendo o verdadeiro problema, se puder levar ensino, carinho e alguma atenção a quem nada tem já será muito. Portanto, é falta de coragem, sim. Mas, se a coragem não está connosco, ao menos que saibamos fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para que o assunto do bom acolhimento de refugiados esteja na ordem do dia.
E, se os bons intuitos não vos assistirem, o que também é legítimo, ao menos não esqueçam os motivos egoístas: tal como no outro dia já aqui o referi, quando a natalidade não ajuda a demografia pois que se recorra à imigração. E nada melhor para um país do que a miscigenação: abertura total a todas as nacionalidades, a todas as raças e etnias, a todas as religiões, a tudo. Que se unam, se cruzem, se misturem, se reproduzam, que façam um mundo melhor.
Já estou de volta ao campo. Hoje o dia foi um pouco mais tranquilo mas, como sempre, cheio de cenas. Num momento em que tudo parecia sereno -- o bebé a dormir, os mais crescidos estranhamente aquietados -- aparece o meu marido que, tenho ideia, tinha acabado de se deitar no sofá, a dizer: 'Acho que uma gaivota se enfiou outra vez na varanda' e, todo irritado, foi buscar uma vassoura.
Ouvia-se o barulho de alguma coisa a bater contra o estore da porta de vidro que dá para a varanda. Fui levantar a persiana no canto onde se ouvia e lá estava ela: grande, branca e assustada. Mas havia mais: um monte escuro, penugento. Aí a coisa perturbou-me. 'Não sei se não está lá um pombo morto'. Entretanto, toda a gente veio a correr. Gritos. 'Que horror! Um pombo morto!'. Depois o meu filho: 'Um ovo'. Fui ver. De facto, um ovo. Depois reparei: não sei se terá havido um ninho. Uma confusão de palhas. Foi agora nas férias que aconteceu. O meu filho enojado com a cena do pombo morto. Eu que, na outra vez, consegui acalmar a gaivota e, com uma vassoura a servir de alavanca, a elevei até voar., desta vez não me afoitei. Aquele monte de penas ali repeliu-me um bocado. Teve que ser o meu marido. Só que ele não leva jeito como encantador de gaivotas. Portanto, aquilo foi uma refrega, basicamente uma luta à vassourada, ele a querer que ela saisse do canto e a pobre da gaivota completamente assarapantada. A varanda é estreita e não tem largueza para uma gaivora abrir as asas e ganhar balanço para voar. Tentava mas as asas batiam de lado e gritava de dar dó. O meu filho foi, então, à loja do chinês ali perto para ver se arranjava uma pá de lavoura ou outra coisa que desse para tentar passar por baixo dela e levantá-la. Não havia. Regressou com uma pá do lixo de chapa e cabo alto e outra coisa que não percebi o que era, uma espécie de vassoura. E luvas e sacos pretos grandes. Então o meu marido começou por apanhar o pombo morto e o lixo que havia em volta. As crianças, do lado de dentro, observavam, excitadas. No entretanto, apanharam um pacote de bolachas e, enquanto gritavam de susto, comiam bolachas. Por fim, não sei como, ele lá conseguiu que a gaivota se empoleirasse na pá e lá a atirou para voar por cima da varanda, com toda a gente a gritar de susto e alegria. A seguir foi pôr o saco com o pombo lá abaixo, ao lixo, depois pôs a roupa para lavar e foi tomar banho. Enfim. É o que dá morar num andar muito alto perto do rio.
Bem.
Entretanto, as crianças mais crescidas foram pôr-se a brincar aos presos e aos ladrões e polícias. E ela era a polícia e mandava prender os ladrões. Mas faziam uma barulheira incrível. E eu, que não queria que acordassem o bebé, ameacei: 'Se continuam neste chinfrim, ponho-os mas é no isolamento'. Pois bem. Instantaneamente, desataram a gritar ainda mais, a rir, e a reivindicar: 'I-so-la-men-to! I-so-la-men-to!'. E, acto contínuo, pegaram nas mantinhas e nas almofadas que encontraram e ela foi pôr-se atrás de uma estante e eles na casinha de banho de apoio à sala. E eu, aparvalhada com aquilo: 'Mas esperem lá. Não desarrumem ainda mais a sala! Isolamento não é acampamento!'. Mas já ela tinha ido buscar um telemóvel e eles outro, para ficarem a ouvir música. Depois ela foi buscar o coelho de peluche que tinha sido do pai: 'Já fui buscar um animal de estimação!'. E eles foram buscar o telefone fixo. E ela quis um cofre. E de repente ali estavam a ouvir músicas no youtube, a cantar. E eu a tentar explicar: 'O isolamento na prisão não é isto... Caluda. Acordam o bebé..'.
E acordaram mesmo.
E pronto, eles ainda jogaram à bola e o bebé, de cada vez que dá um pontapé, levanta os dois braços e grita 'Golo....!' e depois brincaram às lutas e ela, no meio da confusão, fingiu que estava a dormir e que era sonâmbula. Depois o irmão irritou-a e ela irritou-se com o irmão e gritou com ele e eu: 'Schiuuuu... Mas que é isso? Parece que estás histérica...' E ela, 'Não estou nada! E quem diz é quem é!'. E pronto.
A seguir foram lanchar. E depois o bebé pôs um chapéu meu e ficou a parecer um mexicano -- e lá se foram na maior alegria. E nós fomos levar o outro pimentinha a casa da minha filha. Mal entrou no carro, deixou-se dormir. Quando chegámos, já lá estava o mais velho que teve o seu primeiro dia de escola. 'Muito mais liberdade...' disse ele, orgulhoso. E eu lembrei-o: 'Mais liberdade, mais responsabilidade'. Estava feliz. Crescido, ar já de rapazinho.
E depois da conversa em dia com a minha filha, pusemo-nos a caminho. Novo carregamento no supermercado e cá estamos. Claro que, no percurso para cá, foi tiro e queda: dormi o sono dos justos. Mesmo bom.
Agora aqui, sossegada da vida, vendo a televisão (quatro canais e mais o canal parlamento, a rtp3 e o canal memória), estou a ver a nova telenovela da sic e é sempre aquela coisa agradável de ver. Não me lembro como se chama mas, apesar de estar no começo, já vai se apegando. Agorinha mesmo um casal se formando: a cozinheira Cacau com o negão-todo-o-serviço. Embeiçaram-se e logo ali mesmo a coisa pintou e rolou. Nada de perder tempo. E, enquanto vejo, espreito se há novidades que se aproveitem e, ao abrir o youtube, desta vez uma novidade: conselhos de massagem facial, ioga facial e outros conselhos para tirar os vestígios de stress da cara. Não sei onde foi ele achar que estou precisada de um trato facial mas a verdade é que, pelo sim, pelo não, já me levantei e já fui observar-me ao espelho. Será...? Na volta... Voltei a pôr um video e, enquanto a Deborah Secco tenta dar o golpe da barriga num bonitão que nunca vi antes e que está a fazer de um tal ex-cantor cuja família está a facturar à conta de o mundo pensar que morreu, fui fazendo os movimentos de lifting que a senhora exemplificava.
Daqui por uns dias, quanto fizer a minha gloriosa rentrée no trabalho, vou estar vinte anos mais nova, sem uma ruguinha, sem um papinho, toda esticadinha, toda descansadinha. E isto com zero botox, só com os conselhos de mon ami algoritmo.
Só não digo a referência dos vídeos para os meus Leitores -- em especial os mais ingénuos, os que ainda acreditam que esta que aqui vos escreve talvez seja a modos que um bocadinhozinho intelectual -- não ficarem decepcionados demais. Telenovelas da Globo ainda vá que não vá... agora vídeos de massagem facial... puxa vida, essa não.
As imagens mostram algumas caras conhecidas no Festival di Venezia 2018
A última mostra uma cria de leão das montanhas descoberta em Santa Monica
A música lá em cima é Maksim interpretando Somewhere in time de John Barry.
Não sei se dizer se há alguma relação entre as imagens, entre elas e a música ou entre qualquer delas e o texto -- mas isso também não me parece preocupante.
Pronto. Ninguém conseguiu descobrir a adivinha. Eu também não descobriria mas isso sou eu e eu sou eu e sou limitada -- e, ademais, desconhecedora da realidade alheia. Pelo menos, desta realidade alheia. Doutras ainda vá que não vá mas desta matéria, confesso, não sou conhecedora prática. Bronca, bronca. Bronquinha de todo. E da teoria fiquei a conhecer agora. Antes não fazia ideia. Mas, bolas, com tanto Leitor aí desse lado e nenhum foi capaz de descobrir...? E acham-se cultos e informados...? Está bem, está.
Antes de dizer, contextualizo. Já se sabe que gosto de contextualizar. Ocorreu-me formular a pergunta depois de ter visto as imagens que ilustram os seis estilos possíveis.
E isto quando estava a ler um artigo onde se dizia que, para as mulheres, o sexo com outra mulher é, na maior parte das vezes, mais gratificante do que com homens.
Já agora, no inquérito realizado junto de 7.000 mulheres, em Junho, no Reino Unido, apurou-se que cerca de metade das mulheres entre os 25 e os 34 anos não apreciam a sua vida sexual. Curiosamente a percentagem reduziu-se para 29% entre as mulheres entre os 55 e os 64 anos. Comentava-se, no artigo, que o sexo melhora com a idade. Não é novidade mas é reconfortante vê-lo confirmado em números. Contra números não há conversa fiada.
Contudo, este estudo não segmentou as respondentes segundo a sua orientação sexual.
Em 2017, um estudo mais completo abrangeu 53.000 americanas e aqui concluíu-se que as lésbicas atingiam mais vezes o orgasmo do que as hetero: 86% versus 65%.
E isto verifica-se em todos os inquéritos. Quando se tenta perceber a razão, as justificações parecem óbvias: as mulheres conhecem melhor o seu corpo do que os homens (mas agora ressalvo eu: do que os homens pouco instruídos) e que, portanto, mais depressa sabem onde tocar e o que fazer.
E é no artigo onde li isto [Do lesbians have better sex than straight women? de Hannah Jane Parkinson no The Guardian] que, às tantas, ao recomendar-se que, para melhores resultados, cada mulher se conheça e se dê a conhecer, que o texto remete para um outro site.
O site é o de Betty Dodson, uma sexóloga que, para além do mais, é dada ao desenho e à pintura. O site é feito em conjunto com Carlin Ross e chama-se Betty Dodson with Carlin Ross e tem como 'slogan': Better Orgasms. Better World. Quem tenha problemas ou, simplesmente, tenha vontade de se instruir deverá consultá-lo.
E foi, justamente por estas bandas que fiquei a conhecer os diferentes tipos de que ontem vos falei.
Clássica
Gótica
Art-Déco ou Coração
Moderna
Barroca
Renascentista
Não é por nada mas cada um é como é. Não desfazendo, eu sou mais dada a tangos como estes que acima se dançam e, por isso, é assim que entro no dia de hoje. Como se sabe, é uma dança cá muito das minhas preferências. O meu par não me tira para dançar mas não faz mal. Pode ser que, um dia que a gente tenha tempo, o convença a ir comigo para uma escola de dança. Enquanto isso não acontece, vou ficcionando ou observando. Quem não tem cão, caça com gato.
E haja saúde, alegria, amor, descaramento e, sempre que possível, algum glamour e charme à mistura.
E uma vida longa e feliz para todos os que por aqui me acompanham.
Fomos, por pouco tempo, até à nossa casa no campo. Éramos para almoçar num restaurante onde, volta e meia, paramos. Estava fechado. Fomos então até a um outro numa pequena aldeia lá perto. Quando o dono do restaurante nos veio atender, com duas ementas na mão, naturalmente devo ter-me mobilizado para a receber. Não senhor, muito respeitosamente entregou-a ao meu marido e, só depois, a outra a mim. Quando ele se afastou, o meu marido riu-se: 'Pensavas que te ia dar a ti... querias...'. De facto. E foi assim durante todo o almoço. Depois reparei que, nas outras meses, a regra era sempre essa: primeiro os homens.
Também já aqui referi a impressão que me faz quando, nas aldeias do país profundo, vejo os cafés cheios de homens, grupos de homens conversando nos passeios, e nunca nenhuma mulher. Se uma pessoa quer um café ou uma água tem que penetrar, não sem alguma ousadia, naquele exclusivo espaço masculino. Disse ousadia mas não. Quando o faço, não é ousadia que sinto. É curiosidade. Mas penso: se eu não fosse uma turista acidental mas sim uma habitante local, talvez tivesse que ser ousada para ir contra os hábitos da comunidade.
Habituada que estou a que nenhum espaço me seja vedado, a frequentar espaços em que não existe qualquer diferenciação de género e a que me seja dada a primazia de passagem, de atendimento, etc, fico sempre admirada quando me acontece o contrário.
Ainda no outro dia, por exemplo, estávamos num grande almoço numa certa guest house. Na minha mesa, era eu e mais onze cavalheiros. A comida estava em travessas numa bancada. Estávamos sentados à mesa, na conversa, tasquinhando azeitonas, pão, azeite, queijo. Às tantas, ouvi chamar o meu nome. Era o dono da casa que me chamava, dizendo-me: não é serviço à mesa, é self-service. Se não pára de falar e não vai servir-se, temos que ficar todos aqui à sua espera. Estava tão distraída que nem tinha dado por isso. Mal me levantei, logo todos os outros me seguiram. E, para mim, isto é o normal.
Contudo, o que hoje me aconteceu não foi inédito. Especialmente nas pequenas terras de província, a prioridade da deferência é, muitas vezes, reservada aos homens.
Mas, se falo em gestos de elegância que me são reservados nos meios mais cosmopolitas, também é verdade que, em cargos de gestão, sou uma mulher entre uma larga maioria de homens. E quanto mais se sobe na hierarquia mais rareia o género feminino. Estive, no outro dia, numa reunião na qual participavam os mais altos responsáveis de um grande grupo empresarial. Numa sala imensa, equipada com a melhor tecnologia, com belíssimas pinturas nas suas paredes, à volta de uma mesa da melhor madeira e de uma dimensão imensa e sentados em belos e confortáveis cadeirões de pele, era eu e mais catorze homens. Conhecendo-os como os conheço, percebo: uma mulher ia desestabilizar aquele discreto equilíbrio em que ninguém ousa dar um passo dissonante ou pronunciar uma palavra desalinhada.
Ou seja, diga-se o que se disser, apesar de tudo, é ainda um mundo de homens.
Aquilo de que no vídeo abaixo se fala não tem a ver com a sociedade rural ou com o misógino mundo dos negócios. Tem a ver com mulheres artistas e do longo caminho que têm percorrido para poderem afirmar-se como mulheres.
Na pintura como na literatura ou na música, quantas mulheres anularam a sua identidade para que a sua obra se pudesse impor? E quantas não ficaram pelo caminho? Quantas não viram a autoria da sua obra atribuída a homens, nomeadamente aos homens com quem viviam?
Os tempos têm vindo a mudar, é certo. Mas, infelizmente, não em todo o lado e não tão celeremente quando devido.
Mas aqui fica o vídeo.
Jemima Kirke – Where Are the Women? | Unlock Art
Girls actress Jemima Kirke (known as Jessa Johansson in the HBO series) addresses the topic of women in art (or the lack them). She looks at the changing role of female artists in a male dominated art world over the centuries - and how some of them eventually took on the establishment in the 1970s.
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Uma mulher artista
Yayoi Kusama – Obsessed with Polka Dots
The nine decades of artist Yayoi Kusama’s life have taken her from rural Japan to the New York art scene to contemporary Tokyo, in a career in which she has continuously innovated and re-invented her style.
Well-known for her repeating dot patterns, her art encompasses an astonishing variety of media, including painting, drawing, sculpture, film, performance and immersive installation. It ranges from works on paper featuring intense semi-abstract imagery, to soft sculpture known as ‘Accumulations’, to her ‘Infinity Net’ paintings, made up of carefully repeated arcs of paint built up into large patterns.
Since 1977 Kusama has lived voluntarily in a psychiatric institution, and much of her work has been marked with obsessiveness and a desire to escape from psychological trauma. In an attempt to share her experiences, she creates installations that immerse the viewer in her obsessive vision of endless dots and nets or infinitely mirrored space. (...)
Posso mudar a cor do céu, incendiar a linha do horizonte, posso inventar cenários impossíveis, posso pintar as árvores debruando-as a encarnado, posso incandescer o que vejo enquanto aspiro a serenidade dourada do entardecer, enquanto sinto o nostálgico recolher dos pássaros.
Posso tingir o céu com padrão de damasco, pintar a cor das folhas que, ao anoitecer nele se recortam, posso fazer brilhar ainda mais a lua, posso acender um halo purpúreo em volta dela, posso sentar-me no chão, ouvir o silêncio, deixar que de mim nasçam as cores que alumiam a escuridão que quer envolver-me.
Posso deixar que os meus olhos vejam um azul cobalto quando o azul já se tingiu de ultramarino, posso fazer a lua dançar derramando luz como uma insubmissa serpentina branca, posso salpicar de incarnadine o que sobra da silhueta das folhas, posso ouvir ao longe, muito ao longe, uma música e sonhar que é para mim que os acordes soam.
Posso. Mas acho que não consigo mudar o sentido do vento que lentamente começa a soprar em volta das folhagens, fazendo-as dançar, arrefecendo a minha pele que ainda há pouco se aquecia ao sol.
Tenho então que entrar em casa, fechar as janelas, acender a luz que é suave, guardar os sonhos, refugiar-me entre as palavras, sílaba a sílaba desenhar a luz, idealizar a sombra quando se demora nos muros, escrever-vos sobre os ténues fios que o tempo vai tecendo em volta de mim, à vossa vista.
Pudera eu comandar o vento, o rodar dos dias, encurtar distâncias, dilatar a doçura da luz
Mas não. Não sou como ela que aqui diz:
I, too can command the wind, sir!
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As fotografias foram feitas in heaven
O vídeo é do Cine Povero: 'Faz uma chave', poema de Eugénio de Andrade que também o diz.
Excerto de Elizabeth: The Golden Age com Cate Blanchett
Embalada pela experiência organizativa do post abaixo -- no qual pus em ordem a vida de Lu, a mulher infiel -- fui-me à Dindinha. Acho que devia ter chamado a este folhetin Dindinha e a Prima; mas não dei, paciência.
Gostei de escrever as peripécias daquelas duas (delas e do Tom) e, de vez em quando, apetece-me voltar a este trio maravilha. Ocorrem-me situações mirabolantes e, devo dizer, até a resvalar para o impróprio para consumo (isto na perspectiva, claro, de que, sendo este um blog de família, o que aqui escrevo deve poder ser lido -- sem embaraço -- por familiares meus, vizinhas ou meninas no convento). Mas, enfim, esses desenvolvimentos ficam para quando me tornar guionista de séries para televisão (ou netflix, vá).
Para já fica a versão em português-suave do folhetim, em todos os seus fascículos, do primeiro ao último.
Depois de ter escrito sobre o feliz livreiro que vive junto a um inesperado cavalo negro, estava aqui eu, posta em sossego, a escrever uma coisa (que já vos mostro) e nem dei conta que já estávamos na noite dos Oscares.
Por isso, quando mudei de canal, já a passadeira vermelha estava carregadinha de gente famosa. Mas dei logo de caras com aquela que é, para mim, talvez a mais versátil e elegante artista de Hollywood: Cate Blanchett e, credo, linda, linda. Não sei o que vai aparecer mais mas, seja o que for, não é possível que venha a aparecer um vestido mais bonito do que o dela. Por isso, cá está o:
The Oscarfor the best dress goes to the fabulous Cate Blanchett
Cate Blanchett:
claro que a silhueta ajuda - e muito: que corpinho bem feito, o dela - mas aqui é tudo, o vestido , as jóias, a maquilhagem, o penteado. Tudo perfeito.
Cate is wearing an Armani Privé seafoam green cap-sleeve mermaid gown that features hand sewn clusters of Swarovski crystals and white feathers
Mas, para não parecer fundamentalista, destaco também estes belos modelitos
Alicia Vikander, Oscar 2016 para melhor Actriz Secundária - num vestido Louis Vuitton
and these ladies in blue:
Naomi Watts - vestido da Armani Prive e um colar Bulgari
Sophia Vergara - Marchesa e Lorraine Schwartz
Brie Larson, Oscar 2016 para melhor Actriz principal - em Gucci
Sexta-feira, sempre que possível e sempre que há alguma coisa que desperte a atenção, é dia de cinema. Hoje foi dia de Carol. Quando disse à minha filha que ia ver este filme, perguntou-me se era aquele das lésbicas. Respondi-lhe que era aquele com a Cate Blanchett e que era adaptado de um romance da Patricia Highsmith.
O meu marido estava um bocado renitente, queria que eu lhe dissesse se o filme não seria uma daquelas pepineiras de que eu gosto tanto e a que ele não acha graça nenhuma. Disse-lhe que achava que era bom, que ele ia gostar. Antes de entrarmos, disse-me que estava mesmo a ver que a sala ia estar cheio de fxxxx. Volta e meia gosta de se armar em engraçadinho. Aliás os meus filhos às vezes dizem que vê-se mesmo que o pai gosta de fazer a mãe rir. Mas não ri, respondi-lhe que estava a ser parvo. Quando estávamos já sentados no nosso lugar, chegou-se ao meu ouvido e segredou: 'O que é que eu disse?'. Olhei à volta e, sem querer, soltou-se-me uma gargalhada. E depois custei a ir ao sítio, uma vontade danada de me rir. Não é inédito haver grupos de mulheres nos cinemas, aliás é o que menos falta. Mas, caraças, o que se via a toda a volta eram vários conjuntos de duas mulheres em que, na maior parte, dava mesmo a ideia de serem casais de verdade.
Mas, pronto, não é coisa para se rir, já disse aqui mil vezes que acho que cada um tem a orientação sexual que tem e boa noite, nada a ver com isso. Mas foi aquilo de ele ter dito aquela parvoíce e de, depois, ter confirmado. Ou isso ou a sonsice dele que me faz desatar a rir e ele mantém-se sério, como se a parva fosse eu.
Enfim. Coisas nossas.
O filme é bom, a história é credível, as representações muito boas, tudo bem. Mas, para mim, parece que falta ali alguma emoção mais funda, alguma hesitação mais violenta, mais dolorosa, alguma sedução por um lado mais contrariada mas, ao mesmo tempo, mais difícil de contrariar. Sendo uma história marcante, parece que corre com demasiada facilidade. Tenho o livro mas ainda não li. Não sei qual o fio com que Patricia Highsmith coseu a trama pelo que não posso ajuizar se o pecado é original ou se houve ali -- no guião, na filmagem, na edição ou na banda sonora, não sei -- uma certa falta de densidade ou de textura. Parece que lhe falta erotismo apesar das cenas de amor e nudez. Tal como acho que ao marido parece que falta incompreensão, desespero ou raiva. Parece que nunca há nem verdadeiro sofrimento nem verdadeiro prazer.
Mas o filme é bom, que não se pense que não: aliás, recomendo que o vejam e que formem a vossa própria opinião. Às tantas eu é que já ia com as expectativas muito altas ou que sou niquenta. Nunca se sabe.
....
Foi na sequência deste filme que Cate Blanchett disse, numa entrevista, qualquer coisa que deu azo a que dela dissessem que também era sexualmente fluida.
Transcrevo as notícias da altura:
In an interview ahead of the film’s premiere at Cannes on 17 May, Blanchett was asked if playing the title role in the Todd Haynes-directed period drama was her first turn as a lesbian.
“On film – or in real life?” the actor responded. Pressed on whether she had ever had a relationship with a woman, Blanchett told the interviewer: “Yes. Many times.”
Mais tarde Cate veio esclarecer que não é lésbica, que nunca teve relações sexuais com outras mulheres e que a entrevista acabou de outra forma:
Do you mean have I had sexual relationships with women? Then the answer is no.’ But that obviously didn’t make it.”
Mas a isso já não foi dada qualquer importância e volta e meia leio que ela já teve relações com mulheres e aparece na lista das actrizes que se assumiram como bissexuais.
Cate, uma mulher inteligente, acrescenta sobre o assunto:
“[Carol’s] sexuality is a private affair. What often happens these days is if your are homosexual you have to talk about it constantly, the only thing, before your work. We’re living in a deeply conservative time.”
....
Mas let's look at the trailer
Sobre o filme Carol transcrevo do Cinecartaz:
Nova Iorque (EUA), década de 1950. A jovem Therese Belivet sobrevive com um emprego na secção de brinquedos de um grande armazém ao mesmo tempo que sonha com uma carreira como fotógrafa profissional. Um dia, conhece Carol Aird, uma mulher sofisticada de cabelos loiros e casaco de vison que ali chega para comprar um presente de Natal para a filha. Therese anota o endereço de envio do brinquedo e, num impulso, escreve um cartão de felicitações. Carol, que está a viver um momento conturbado e que se encontra à beira do divórcio com Harge, o marido, responde. Mais tarde, as duas encontram-se e tornam-se amigas. Com o tempo, a ligação torna-se mais íntima, e a amizade converte-se em paixão. Mas quando a relação se torna evidente, o marido de Carol retalia pondo em causa a sua competência enquanto mãe e exigindo a guarda total da filha de ambos. É então que Carol, desesperada, desafia Therese a fazer uma longa viagem pelos EUA…
Nomeado para seis Óscares da Academia (entre os quais Melhor Actriz, Melhor Actriz Secundária e Melhor Realizador), uma história dramática realizada por Todd Haynes (“Velvet Goldmine”, “Longe do Paraíso”, “I'm Not There – Não Estou Aí” ou, mais recentemente, a série televisiva “Mildred Pierce”). O argumento, da autoria de Phyllis Nagy, baseia-se na obra “O Preço do Sal”, da escritora norte-americana Patricia Highsmith. Cate Blanchett, Rooney Mara, Sarah Paulson e Kyle Chandler dão vida às personagens.
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Quanto a Patricia Highsmith (americana, 1921-1995), escritora compulsiva, democrata, ateia e homossexual (e que recorreu a tratamentos para ver se ficava em condições de querer casar e a quem se conheceram vários relacionamentos amorosos com mulheres), não estivesse eu já perdida de sono e escreveria aqui quelque chose sobre a sua extraordinária obra mas já não consigo. Assim limito-me a dizer que que se diz que mulheres que escrevem levam vidas perigosas e que Patricia, que tanta gente matou, que o diga.
Já aqui há pouco tempo o tema veio à baila, não a propósito do que aqui vou falar, que é de natureza estatística, mas, sim, de natureza psicológica (- ou fisiológica, digamos assim). Na altura, levei quase na brincadeira. Agora, se a coisa mete estatística, mudo de tom e tento aumentar a amostragem.
Um estudo publicado há dias nos Estados Unidos mostra que há três vezes mais mulheres que homens a declararem-se bissexuais. O estudo mostra também que este número cresceu desde a última avaliação, poucos anos antes.
Não é que o número seja elevado (5,5% nas mulheres, 2% nos homens) mas, ainda assim, as proporções e a evolução merecem atenção.
Para além disso, se perguntadas se alguma vez tinham tido um contacto sexual com alguém do mesmo sexo (e isto, de um contacto, pode ser uma coisa esporádica e não uma orientação permanente), também o número de mulheres que responde positivamente é bem maior nas mulheres que nos homens -- 17,4% contra 6,2% -- e é significativo.
Também desde há alguns anos se vem verificando uma tendência crescente na assumpção por parte de figuras públicas da sua condição de bissexuais. Alguns exemplos:
Kristen Stewart e a sua namorada Alicia Cargile
Depois de viver vários anos com Robert Pattinson,
agora é Alicia que faz vibrar a talentosa Kristen
Angelina Jolie não esconde o caso amoroso que viveu com Jenny Shimizu
Cara Delevingne e St. Vincent
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Mas, pergunto eu, qual a novidade? E porquê tanto destaque à realidade americana?
Respondo - Nenhuma novidade, desde sempre, em todo o lado.
(Mas às escondidas, claro... O manto do pecado pesava, a clandestinidade impunha-se)
Gravure Galante, XII ou XIII?
La Nymphe Callisto, séduite par Jupiter sous les traits de Diane, François Boucher, (1759).
Le sommeil de Gustave Courbet, 1866 (também chamado: Les deux amies e Paresse et Luxure)
Les deux amies, oil, ca. 1894-5; Henri de Toulouse-Lautrec
Egon Schiele - Two Women, 1915
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E estava tentada a fazer avançar as mulheres malditas do Baudelaire mas o poema é longo, longo e, portanto, por hoje não. Avanço para o cinema.
Ou seja, a bissexualidade, tal como a homossexualidade ou a heterossexualidade -- ou whatever -- existem, não dá para as escamotear. Mas são matérias do foro íntimo, pessoal, orientações com as quais ninguém tem nada a ver a não ser os próprios. E eu, pela parte que me toca, di-lo-ei vezes sem conta: não é pelo facto de eu ser hetero que alguma vez poderei sentir-me no direito que censurar quem quer que seja por ser diferente de mim tal como não aceitaria ser censurada ou ser condenada por eu ser hetero, uma vez que é coisa que não é voluntária ou controlável.
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E estava para vos mostrar como estava belo, belíssimo, o mar nesta tarde bravia de sábado mas, dado o adiantado da hora, limito-me a sugerir-vos que deslizem até ao post seguinte para saberem esta agora do Marcelo a abafar um palmier ao Nóvoa, dando assim início à sua excêntrica Campanha do Coração.
Se ele se apanhasse ao pé de mim neste momento, estava capaz de jurar que me dava razão, haveria de jurar a pés juntos que isto da bissexualidade é que está a dar e que ele próprio, até, enfim... (e sorriria e pigarrearia, todo malicioso, para ver se me ultrapassava, ora não, quiçá até para ver se ultrapassava em fluidez sexual a Angelina Jolie. Menino para isso é ele).