Hoje fui almoçar a um restaurante a que nunca tinha ido. Costumo ir a um que lhe é gémeo e que é um pouco mais afastado do local para onde íamos a seguir. A comida deste é a igual, muito boa, o pessoal eficiente, mas este é enorme o que o torna um pouco inóspito.
Olho para o lado e vejo a Gabriela Ruivo Trindade com o marido e os filhos. Espanto-me sempre um pouco como, de uma pessoa normal, normalíssima, saem depois histórias, palavras que se juntam de uma maneira diferente, provando que, afinal, se trata de uma pessoa muito pouco normal. O meu marido inibe-me logo, não te ponhas agora a olhar com esse sorriso embevecido. Ela estava ocupada a escolher o que ia comer e a esperar a escolha do marido e filhos, nem reparou em mim, claro (e ainda bem que eu detesto fazer papel de palerma). Contive, portanto, a minha curiosidade. E porque era esse sorriso...?, perguntou o meu marido que nunca há-de perceber este meu lado pacóvio. E eu nem tinha dado por que estivesse a sorrir mas depois apercebi-me de que sim, estava mesmo a sorrir. É da admiração que referi. Expliquei-me, Uma pessoa é normal, tem atitudes normais, conversa com marido e filhos como qualquer outra mulher e depois senta-se num canto e da sua cabeça e dos seus dedos desatam a sair histórias... Acho extraordinário.
Claro que o meu marido aproveitou logo para me pregar das suas lições de moral, E se calhar até é capaz de escrever durante o dia, quase aposto que não espera que seja meia noite para começar a escrever.
Nem lhe dei troco.
Dali seguimos para a Gulbenkian onde tínhamos combinado encontrar-nos todos. Antes deles chegarem, entrei na loja da Fundação. Há sempre alguma coisa que desperta a minha atenção. Contudo, desta vez não foi um livro, não foi um catálogo, não foi um saco, uma caneta, um lenço. Não. Foi o Manuel da Silva Ramos, esse grande castiço.
O meu marido estava sentado no átrio e estava a fazer-me mais alguma das suas recomendações quando me viu a fixar um ponto (como sou míope, para focar a vista para ver ao longe, tenho que fechar um pouco os olhos o que faz com que, aos olhos de quem me conhece, não passe despercebida quando estou a cuscar alguma coisa), perguntou-me logo, Quem é que é agora? Eu disse, É o Manuel da Silva Ramos. Ele olhou e reconheceu, É. Aquele maluco. E eu disse, Deste, a gente imagina facilmente que saiam aquelas maluqueiras. Mas esta das 'maluqueiras' não é depreciativa. Gosto do que ele escreve. Acho até que merecia maior atenção.
Depois chegou a minha turminha e acabou o sossego.
Quando contei que tinha almoçado na mesa ao lado da Gabriela Ruivo Trindade, a minha filha disse que ela ia, este sábado, receber o prémio Leya 2013. Agora fui confirmar e foi mesmo. Cá está na fotografia tal como a vi no restaurante.
E, então, lá fomos todos para a festa do costume: os quatro pimentinhas na maior alegria nos Jardins da Gulbenkian.
Provavelmente dentro de pouco tempo estarão no mesmo sítio com os seus próprios filhos, tal como eu estou agora com os meus filhos que agora estão com os seus. O tempo passa a correr.
Provavelmente dentro de pouco tempo estarão no mesmo sítio com os seus próprios filhos, tal como eu estou agora com os meus filhos que agora estão com os seus. O tempo passa a correr.
Um dia, há pouquíssimo tempo, eu estava de jeans, blusa de algodão às riscas azul marinho e branco, óculos escuros. E eles, pequenos, a brincarem ao pé dos patinhos. Tenho fotografias desse dia.
Hoje a minha filha estava vestida exactamente da mesma maneira, acho que até os óculos são iguais aos que eu usava nesse outro dia - mas já não tem quatro ou cinco anos e já está com os seus próprios filhos.
(A diferença é que eu estava com um chapéu de palhinha, aba larga e à minha filha não lhe dá para chapéus).
Quem deve vir a ser dada a chapéus deve ser a minha bonequeninha mais linda. No dia dos anos da mãe vou pintar uma unha de cada cor, conta-me ela toda vaidosa. O pai, que nunca foi de coquetices, começa a desistir de evitar estas manifestações agudas de feminilidade da filha.
O que eles brincam e correm uns com os outros...! Adoram estar juntos o que é uma alegria enorme para mim.
Jardim, peixinhos, portas secretas, bosques, pedras grandes que servem de cavalo, aviões e mais aviões que vêm a levantar voo ali do aeroporto quase ao lado e vão para muito longe (para o Pôtcho, diz-me, com ar entendido, o ex-bebé - para ele, o Porto é um país longínquo), rios que correm no meio de canaviais, piu-pius que passeiam ao pé de nós, folhas secas que se apanham para pôr num montinho porque na brincadeira de faz-de-conta são batatas para fazer uma papa.
Há agora muitos patinhos bebés. Estão nos lagos, estão nos relvados, andam no meio de nós, quase nos vêm comer à mão. Uma ternura.
Os patinhos bebés devem ser recém-nascidos, a penugem ainda é um pêlo incerto e andam inseguros, junto às mães. Andam debaixo das asas da mãe, disse eu, metaforicamente falando. O ex-bebé ficou admirado, Patos tem ajas? Expliquei que o pato é um piu-piu grande e que, por isso, tem asas, e estive a mostrar-lhe que, quando estão a andar, as asas estão encostadas ao corpo e, por isso, ele não as via. E que andam na água e que por isso têm umas patinhas especiais, com uma pele entre os dedos, para poderem nadar melhor. Esteve a ver e ouvir com muita atenção. A minha filha fotografou-nos nessa altura e ele está sentado no chão, entre as minhas pernas e eu estou com os meus braços à volta do corpo dele. As minhas asas envolvendo o meu amorzinho mais querido.
Levámos pão e os meninos dão-lhes bocadinhos. O pior são os pombos. O meu filho irrita-se com eles, Já começam a aparecer os ratos. Os pobres dos pombos, coitados, por ali andam, mal-amados. Todas as atenções se concentram nos patinhos emplumados e toda a gente afasta os pombos, com ar incomodado.
O primo mais crescido vai à pesca para a beira do rio, depois sobe à rocha onde está o irmão a dizer que é o rei e diz-lhe, Não, não és o rei, o rei sou eu que sou mais crescido. O irmão protesta, Não! Eu! Ele arranja uma solução, Tu és o sub-rei. O rei sou eu. O outro acata, não deve perceber o que significa sub, às tantas ainda acha que ser sub-rei é melhor que ser rei.
Achei graça a esta do sub-rei. Pensei cá para mim, Vou passar a chamar ao Portas o sub-primeiro-ministro. Mas não disse porque isto foi apenas um breve afloramento - quando estou com os meus meninos, a politiquice tuga está mais distante de mim do que esse país longínquo para onde vão todos os aviões.
O lanche foi bom como sempre, sandes, bolos, sumos, cup, iogurtes, leite com chocolate, salada de fruta. Cada um pede sua coisa, mexem em tudo, tiram as coisas dos tabuleiros e, às tantas, vão a correr com as coisas para a esplanada - e o senhor da caixa, aflito, já meio perdido, a pedir-nos que confirmássemos a conta não fosse ele ter registado alguma coisa incorrectamente. Curiosamente estava tudo certo.
E assim foi a minha tarde. Viemos de lá às seis e tal; quando cheguei a casa, mudei de roupa, deitei-me no sofá, peguei na crónica semanal do Pedro Mexia no Actual do Expresso e, uma vez mais, nem o título todo devo ter lido. Acordei passava das oito, já o telejornal tinha começado.
Agora passa das duas da manhã e já li o Expresso de ponta a ponta. E já passei as fotografias para o computador e já aqui estive a rir, embevecida com eles, tão felizes, tão amigos uns dos outros. E daqui a nada, quando sorrateiramente me for enfiar na cama, só espero que o meu marido não dê por mim para não ouvir mais um dos seus remoques, Lindas horas.
Mas são lindas estas horas, sim, estas horas em que aqui, neste meu canto, ouvindo as variações Goldberg, escrevo estas palavras que não tarda vão voar por esse mundo fora até chegarem até vós.
A propósito de pianistas, li há pouco uma coisa que me deixou empolgada, com vontade de escrever sobre isso, de inventar uma história, qualquer coisa. Mas depois pus-me a escrever o que acima puderam ver e agora já não são horas para começar com divagações.
Transcrevo:
Segundo a Reuters, o piano está junto ao rio há vários dias, perfeitamente posicionado por baixo da ponte, e não parece servir um propósito especial.
Coisas destas fazem-me pensar que o mundo é, afinal, um lugar fascinante. Um piano abandonado à beira rio...? Será que as sereias, à noite, sobem do fundo do mar para virem ouvir sonatas ao luar tocadas por guerreiros alados?
O lanche foi bom como sempre, sandes, bolos, sumos, cup, iogurtes, leite com chocolate, salada de fruta. Cada um pede sua coisa, mexem em tudo, tiram as coisas dos tabuleiros e, às tantas, vão a correr com as coisas para a esplanada - e o senhor da caixa, aflito, já meio perdido, a pedir-nos que confirmássemos a conta não fosse ele ter registado alguma coisa incorrectamente. Curiosamente estava tudo certo.
E assim foi a minha tarde. Viemos de lá às seis e tal; quando cheguei a casa, mudei de roupa, deitei-me no sofá, peguei na crónica semanal do Pedro Mexia no Actual do Expresso e, uma vez mais, nem o título todo devo ter lido. Acordei passava das oito, já o telejornal tinha começado.
Agora passa das duas da manhã e já li o Expresso de ponta a ponta. E já passei as fotografias para o computador e já aqui estive a rir, embevecida com eles, tão felizes, tão amigos uns dos outros. E daqui a nada, quando sorrateiramente me for enfiar na cama, só espero que o meu marido não dê por mim para não ouvir mais um dos seus remoques, Lindas horas.
Mas são lindas estas horas, sim, estas horas em que aqui, neste meu canto, ouvindo as variações Goldberg, escrevo estas palavras que não tarda vão voar por esse mundo fora até chegarem até vós.
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A música é de J.S.Bach - Goldberg Variations. BWV 988. Aria, numa interpretação a cargo do pianista Evgeni Koroliov que actuou esta semana na Gulbenkian.
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A propósito de pianistas, li há pouco uma coisa que me deixou empolgada, com vontade de escrever sobre isso, de inventar uma história, qualquer coisa. Mas depois pus-me a escrever o que acima puderam ver e agora já não são horas para começar com divagações.
Por isso, vou directa ao assunto: junto à ponte de Brooklyn apareceu um misterioso piano de cauda. Ninguém sabe quem o lá pôs nem porquê. Quando a maré sobe, o piano fica quase submerso.
Transcrevo:
Um piano de cauda deixado por baixo da ponte que liga Brooklyn e Nova Iorque está a intrigar os moradores, que não conseguem explicar como o objeto foi ali parar.
Segundo a Reuters, o piano está junto ao rio há vários dias, perfeitamente posicionado por baixo da ponte, e não parece servir um propósito especial.
Coisas destas fazem-me pensar que o mundo é, afinal, um lugar fascinante. Um piano abandonado à beira rio...? Será que as sereias, à noite, sobem do fundo do mar para virem ouvir sonatas ao luar tocadas por guerreiros alados?
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo.
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