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sexta-feira, outubro 27, 2023

O fascínio das raízes e dos frutos

 

Há uma qualquer disfunção entre mim e a Covid, seja na forma de doença seja na forma vacinal. A maior parte das pessoas que conheço que têm covid ou levam a vacina passam por ela de fininho. Eu, quando tive, fiquei a dormir e com um sono macaco durante meses. Agora é com a vacina. Ontem à noite uma soneira. Hoje ainda não dormi de dia, até porque não pude, mas tenho estado todo o dia sem gás, sem pilhas, o corpo a pedir-me cama e sono.

Para além disso ,dói-me um bocado o braço onde a dita me foi espetada. Cheguei a pensar que não estava em condições de ir para a piscina dar o corpo ao manifesto. Mas fui e lá me aguentei. Também pensei que não iria aguentar uma caminhada. Mas lá me aguentei. E até me soube bem. Caruma molhada, cogumelos, cheiro a pinheiros molhados, a erva verde. Oxigénio bom.

Resisti a isso. Mas teve consequências: as pilhas esgotaram-se mais um pouco.

Em contrapartida, o meu grupo de amigos esteve muito activo durante o dia: muita picardia, muita brincadeira. Assisti sem ter força para intervir. Como muitos são médicos, há sempre muita diversão em torno disso. Já aquela minha amiga médica que morreu sem ninguém perceber que estava a morrer (já falei aqui nisso algumas vezes pois fez-me muita impressão) passava a vida a enviar anedotas e cartoons sobre médicos, sobre doentes, sobre gaffes médicas, etc.

É isso e gays: não há quem diga mais anedotas sobre gays do que os gays. 

Mas acho isso saudável. Uma pessoa não se levar demasiado a sério dá saúde. As piores pessoas que, até hoje, conheci são as que se acham o máximo, que desprezam os outros, que não têm nem compaixão nem tolerância nem sentido de humor. Pessoas assim são intragáveis.

E, por falar em saúde: parte da família está constipada. Ou isso (que com tanta evolução já nem sei distinguir uma constipação das outras coisas) ou virose. Ou resfriado. Tanto dá.

Felizmente, até ver, tenho escapado. E deixa cá bater três vezes na madeira senão já sei no que vai dar. Durmo de janela aberta para sentir o frio que chega da rua, em especial de madrugada. Como a persiana fica mal corrida, entra a penumbra e a luz e o frio e os sons da chuva e da noite. E durmo apenas com uma fina mantinha (para além do lençol, claro). O meu marido abomina sentir o ar frio da rua e, por cima da fina mantinha, tem uma grossa mantona e, se necessário for, ainda uma outra. Tudo do lado dele. Eu não aguentaria, morreria assada de calor.

Mas já estamos naquela época do ano em que, quando vou para a cama, lá para as duas ou mais da manhã, me é confortável encostar-me a ele. Aqueço num instante.

E agora está a dar um programa fantástico na RTP 2, Raízes e Frutos. Uma raridade. Quem não viu e puder pôr a andar para trás, sugiro que o faça. Muito bom. Dizem coisas extraordinárias. E simples. E há imagens incríveis. Um fascínio.

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Grandma’s Hands | Kori Withers and Friends | Live Outside | Playing For Change

In celebration of Bill Withers' birthday, we invite you to experience music that will ignite your soul with this amazing, heartfelt Live Outside performance at Mark’s Park by Kori Withers and Friends, in a tribute to her father, performing a rendition of his beloved classic, "Grandma's Hands." Kori’s connection to the song is palpable, carrying the legacy and spirit of her father's music with grace and power.

“Grandma’s Hands” is an ode to Bill Withers’ grandmother, Lula Carter Galloway. This story of gratitude and shared memories is now told in a beautifully illustrated children’s book, painted by multiple award-winning artist R. Gregory Christie and published by Joel Harper’s Freedom Three Publishing in collaboration with the Withers Family’s Mattie Music Group. 

Desejo-vos um dia feliz

Saúde. Amor. Paz.

quinta-feira, julho 08, 2021

Iris Van Herpen

 

De vez em quando há pessoas que, na sua área de actividade, se distinguem dos demais. Seja em que sector for, há os que se afincam, os que se desunham até mais não, os que se esforçam por ir mais além, e, também, os que encenam a genialidade quase se convencendo dela, os que nada valendo conseguem forjar uma imagem que os leve ao colo durante algum tempo. E, depois, há os seres verdadeiramente luminosos. Mais do que iluminados, luminosos.

Iris Van Herpen é holandesa, tem 37 anos e é das criadoras de moda mais talentosas e criativas da actualidade.


Não é só que as suas peças são bem concebidas, belas, elegantes. Não: há genuína criatividade nos seus trabalhos. E a criatividade não tem apenas a ver com o desenho das peças de vestuário mas também com os materiais usados e com a forma como são fabricados. Há uma visão que incorpora arquitectura, encenação, espaços virtuais, impressão 3D, materiais inovadores (vidro, metal, etc.), colaborações imprevistas.

As apresentações de novas colecções têm obrigado a grandes alterações para fugir aos riscos covid: são agora geralmente em espaços abertos. As escadarias de exterior e os jardins são agora os espaços privilegiados para os costureiros mostrarem aos convidados e ao mundo as suas criações.


Mas Iris fez aquilo de que ninguém se tinha lembrado, pelo menos não desta forma tão fantástica: a moda mergulhou na natureza. Subiu aos montes, aproximou-se das rochas e das neves, chegou perto do mar, envolveu-se de vento e... voou. Para a apresentação da colecção 21/22, designada por Earthrise, Iris lembrou-se de convidar Domitille Kiger, campeã mundial de queda livre, para voar usando um belo vestido, alta costura, nos tons do céu.

Sei bem que alguns dos meus Leitores não são propriamente virados para temas de moda. Mas o tema, aqui, não é moda: é criatividade, é arte, é futuro.

Earthrise

Iris Van Herpen 
| Haute Couture Fall Winter 2021/2022



Uma imagem do salto em si



E, para se ter uma ideia mais abrangente sobre o processo criativo e as extraordinárias peças que dela nascem, um vídeo do World Fashion Channel

Iris van Herpen | Editor's Choice



"There is so much in fashion that is unexplored" says Iris van Herpen 
| Virtual Design Festival


Até já!

sexta-feira, novembro 23, 2018

Um lago dos cisnes à maneira


Há uns tempos, o P., um Leitor que muito prezo e admiro, deu-me a conhecer este bailado fantástico. Não acho graça à desconstrução pela desconstrução. Quando isso acontece, tudo muito básico, quase infantil, não tem graça. Agora, quando a desconstrução é feita com criatividade, com humor, com entusiasmo e superação, o que acontece é uma surpresa que marca quem a ela assiste.

Este Lago dos Cisnes é extraordinário. Claro que apenas conheço excertos mas, do que vejo, encanto-me. Aliás, acho que todos os bailados de Alexander Ekman parecem ser surpreendentes.


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quinta-feira, novembro 22, 2018

Inovação. Burocracia. O mundo de todos os dias.




Há uma forma burocrática de se ser. E que não se pense que, com isto, me preparo para dizer que ser-se burocrata é mau. Nada disso até porque piamente acredito que, quem o é, gosta muito de o ser. Conheço vários. São organizados, organizam-se e reorganizam-se, têm agendas com tudo incluindo os aniversários de toda a gente, fazem anotações de tudo, documentam tudo, arrumam tudo em pastas, sub-pastas e sub-sub-pastas, agendam e pré-agendam, tentam ensinar os outros a organizar-se, mostram as virtudes de serem tão metódicos e disciplinados, têm truques, sabem habilidades.

Eu olho-os disfarçando a compaixão que sinto porque vivo bem no meu mundo caótico que dispensa planificações, actas, memos, controlos e controlos dos controlos. Penso que desperdiçam a vida afogados no que me parece ser a sua própria ineficiência. Mas se calhar estou errada. Sei lá. 

Agora uma coisa eu sei: não vou mudar.  Não perco tempo a tentar ser o que não sou.


Ainda agora. Relativamente às minhas áreas, pedem-me a lista das actividades ligadas a inovação. Tenho vontade de dizer: zero. Para mim, inovação precisa de criatividade e criatividade  é outra coisa. Criatividade é onda alta e insubmissa, é chama livre e fogosa, é acorde solto no vento, é abraço apertado de onde se soltam doces faíscas, é bailado no céu ou no fundo do mar, são estrelas brotando do chão. É isso. Não é coisa de nada repescada apenas para incrementar os rankings, não é coisa de nada envolta em bagaço burocrata e disfarçada de coisa boa. 

Uma vez, um dia dedicado à inovação. Convidados. Apresentações. Dissertações. Muita gente, muitas palmas. Muitos métodos para medir a inovação, para acelerar a inovação, para registar a inovação. E eu, cabeça noutro lado, deslizando no lago sereno das minhas memórias, dos meus sonhos. 

No intervalo, o organizador veio perguntar a minha opinião e, antes que eu dissesse alguma coisa, já foi avançando: 'Está a correr muito bem, não está? Toda a gente já me deu os parabéns. Uma adesão enorme, já a pedirem para organizar outro evento para o ano que vem' e seguiu, contente consigo próprio.


Muitas vezes penso: se calhar sou demasiado feroz, se calhar as coisas são melhores do que as vejo. Por exemplo. Recebi ontem um mail em que, às tantas, um jovem licenciado dizia 'obti os valores'. Olhei e nem acreditava. Há que tempo sem h, é mato. Quere-mos ou fazê-mos, mato é. Nas reuniões, sêjamos ou outras pérolas é coisa que meio mundo atira aos outros como se de porcos se tratassem. E eu fico doente com isto. Mas, ao mesmo tempo, interrogo-me: porque deixo que isto me perturbe quando olho à volta e vejo toda a gente tão confortável?

Portanto, o mal é meu. Mas que seja.

Agora voltando ao ponto em que estava. Criatividade e inovação a sério (e uma coisa não é sinónima da outra) não podem nascer de metodologias e burocracias. E quando acontecem é outra coisa, é uma explosão, é uma graça. É uma novidade.

Por exemplo, Alexander Ekman. É inovador, é criativo, é talentoso, é marcante. Tem apenas 34 anos mas, senhores, é brilhante. Veja-se este Play. Não dá para acreditar:  tantas e tão graciosas imagens. KPI's? Está bem, está.

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E agora aceite a minha sugestão: desça um pouco mais e faça o teste. Conheça-se.

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quarta-feira, janeiro 25, 2017

Mais coisas diferentes....?
Ok


Um dia destes logo vos conto melhor porque é que chego a esta hora e durmo, durmo. Há não sei quanto tempo que não consigo responder a mails ou comentários.

Agora estou na mesma. De vez em quando acordo e, como estou com o computador em cima das pernas, ocorre-me espreitar qualquer coisa. Mas coisas diferentes. Farta de coisas monótonas já eu estou. Não sei se isto é tão diferente quanto eu gostaria mas, pelo menos, não é a chapa quatro de que tudo está cheio.


Julia Wieniawa i Zeppy / Na zawsze



The Big Pink - Hit the ground 


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Para qualquer coisa diferente



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sexta-feira, setembro 30, 2016

57 anos de diferença
(E uns breves apontamentos confessionais)


Hoje misturam-se-me o incómodo pelo que no post abaixo expliquei, o sono (uma vez mais, já aqui estive a dormir), a vontade de que chegue o fim de semana, a vontade de ir ao cinema e a chatice por não haver nada de jeito para ir ver, a canseira por pensar que me apetecia esta sexta-feira ter tempo para almoçar num sítio bonito, nas calminhas, e saber que não posso, a vontade de responder aos comentários e, ao mesmo tempo, estar a pensar que deveria ir ao google pesquisar a ver se há mais alguém a queixar-se do mesmo que eu, a vontade de mandar esta gaita do blog toda às malvas, a preguiça nocturna que trago colada a mim desde que regressei de férias, sei lá que mais. Tudo misturado.

Que me desculpem os Leitores a quem não tenho respondido aos comentários ou aos mails. Leio-os, claro, mas chego a esta hora num tal estado que o mais que consigo é ligar o piloto automático e, entre os cochilos, ir escrevendo nem sei bem sobre o quê. Continuam aqui ao meu lado os meus últimos livros e tinha pensado pegar num trecho da escorreitíssima prosa de um deles, coisa de primeira água, e nem energia tenho para escolher o trecho quanto mais para o transcrever. Presumo que isto seja um síndroma pós-férias (se bem que já lá vão duas semanas) misturado com uma inusitada carga laboral, digamos assim. 

Sobre o que tenho andado a viver, acho que um dia, quando isto tiver amainado e tiver ganho algum distanciamento, escreverei alguma coisa. Não é só uma experiência profissional e pêras: tem sido também uma experiência pessoal muito interessante. E eu gostava de um dia, de alguma forma, poder partilhar as minhas impressões convosco. Ou isso, ou escrevo um livro. Ou dedico-me a fazer palestras. Ou nada disso e parto para outra. 

Enfim, adiante que daqui a nada já estou mas é a atirar-me para fora de pé e a não dizer coisa com coisa. 

Outra coisa: ouvi que ia haver um sorteio extra do euromilhões e já aqui estive a jogar. Só faço apostas simples. Gastei 2,5€. A improbabilidade é de tal calibre que não me faz sentido pensar que terei mais hipóteses se gastar mais dinheiro. Apenas terei hipóteses se tiver um extraordinário bambúrrio de sorte. Como acho que um dia o terei, quando me lembro, jogo. A ver se é desta. Se for, aviso.

Entretanto, abri o youtube para escolher uma música para ir ouvindo enquanto estou nisto. E lá está. O esperto do algoritmo diz que acha que eu vou gostar de algumas coisas. Geralmente acerta.

E é esta coisa dos programas -- que são concebidos para 'varrerem' tudo o que fazemos e que intrusivamente controlam cada peça do que escrevemos ou lemos -- que volta e meia lhes corre mal e limpam o que não devem como agora, se calhar, aconteceu com a minha querida listinha dos blogues que gostava de ler todos os dias e que, por erro do blogger, magia negra ou sei lá o quê me desapareceu. Bolas. Não me conformo. Que raiva.

Mas adiante.

Dizia eu que o youtube me recomenda alguns vídeos e eu, bem mandada, fui ver o primeiro e, de facto, é uma ternura.

Partilho-o convosco.

Um miúdo de 7 anos e um homem de 64 (ie, 57 anos de diferença), falam sobre coisas da vida.


Muito bonito


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Maravilhosas as crianças. E ternos os homens que, com uma certa idade, conversam com crianças.

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E façam lá o favor de descer até ao post que se segue para verem lá bem o que me aconteceu.

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quarta-feira, maio 25, 2016

Apenas uma abstração




Há Leitores que dizem que ler o Um Jeito Manso é a primeira coisa que fazem pela manhã. Outros dizem que esperam que eu escreva para me lerem antes de se irem deitar. E eu aqui, na minha sala, eu que posso muito bem não ser senão uma abstracção.

Sei que há um site de escrita automática em que se escolhem uns quantos tópicos e o número de palavras e aquilo escreve um texto que, do que vi, até é razoavelmente escorreito. Se calhar até há mais do que um site a oferecer este serviço mas eu só vi este. Fiquei impressionada. 

Por isso, quem vos garante, meus Caros Leitores, quem vos garante que eu sou uma mulher de verdade e não um software?


Agrada-me essa ideia, confesso. Eu própria me espanto como, depois de dias complicados -- assuntos profissionais que se acotovelam, sucessivos telefonemas de 'temos mais um problema' e gente a entrar-me no gabinete a desabafar problemas pessoais, alguns bem graves e, pelo meio, assuntos meus, familiares, maleitas e arrufos, filhos e cadilhos e, no carro, de boa cara para saber como está a mãe e o pai, ouvir as queixas, mostrar, pela voz, que estou bem, ouvir recomendações e isto enquanto ouço, trim trim, mais mails de trabalho -- consigo, diariamente, manter este meu gosto de escrever. É que depois, logo a seguir às tormentas, à noite, aqui, já tudo desapareceu e nem um desses problemas deixou um grão de pó em cima de mim. E, enquanto escrevo isto que estão a ler, recebo e mando mensagens pelo telemóvel, combinações já para quinta-feira, e logo retomo, continuo a prosa como se não estivessem a acontecer interrupções ou como se eu não fosse senão um programa informático, sem sentimentos, emoções ou cansaços.

Penso muitas vezes: não sou normal. Às tantas, se alguém me fizesse um exame à cabeça, ainda descobria que me falta um bocado, talvez o bocado que processa e reprocessa as ralações (coisa que, de facto, nunca o faço) ou que tenho a zona da divagação maior e mais invasiva do que o normal. Ou que me falta o bocado das choradeiras, ciumeiras e invejices e que, no lugar disso, há para lá uns chips ligados às mãos e que as põem a escrever sozinhas.


Por isso, digo a quem espera por mim: não estejam certos de que, por detrás do Um Jeito Manso, está uma executiva, uma avozinha, uma esquerdista ou uma lírica sem freio. O mais provável é que não esteja ninguém. No entanto, podem continuar a esperar pelas minhas palavras. Aliás, podem não apenas ler as minhas palavras mas também imaginar-me a vosso gosto: cabelo de um louro veneziano de largo ondulado ou ruiva escarlate fortemente encaracolado ou longos cabelos lisos e negros; perigosos olhos quase verdes ou azuis de boneca cintilante ou negros profundos; e pele clara e lisa ou rosada e sardenta ou morena e macia; e de estatura média ou baixinha ou alta ou assim-assim, ou magrinha ou poderosa; ou sorridente ou triste ou galhofeira. Como quiserem. O meu nome até pode ser o nome do software: Laura, Isabel, Helena. Como queiram.


E lembro-me outra vez de Lili Marlene, aquela por quem esperavam os soldados, como se esperassem a visita de uma namorada, de uma amiga, aquela que os enchia de ternura, lhes aquietava as saudades, lhes trazia a suavidade da mão amiga, a quentura boa do ombro desejado, o amor de quem sentiam tanta, tanta falta. Lili Marlene não existia mas a sua presença imaginada era marcante como a de uma mulher de verdade.

Fecho os olhos e penso que gostava de ser como ela. Gostava de estar alojada dentro dos vossos corações e vocês à espera que as minhas palavras cheguem como se fossem a materialização de um sonho, a tangibilidade pela qual aguardam quando abrem o UJM. Mas sei bem que isso seria querer de mais, querer ser imaterial, apenas uma abstracção.


Não me iludo, pois. Não trarei a todos as palavras doces pelas quais gostariam de se sentir tocados, nem serei o bálsamo pelo qual alguns aguardam. Tantas vezes trago zangas ou revoltas (ainda ontem), outras devaneios que vocês mal entenderão (se nem eu me entendo, como poderia alguém entender?), outras trago o meu olhar encandeado depois de ler ou ouvir textos ou músicas de rara beleza ou descobertas que me trazem fascínios, outras ainda trarei água fresca nas mãos, ou brumas ou cheiros ou palavras recortadas em encantamento que vou colhendo noutras escritas. Por isso, não sabendo o que de mim esperam, é às cegas que escrevo, as mãos livres por entre jardins e bosques que desconheço.

É como quando caminho rente ao rio, as mãos segurando a câmara que vê o que eu não vejo,
      captando instantes -- o abraço que se adivinha, os beijos que estão para acontecer, a contemplação do horizonte pelos apaixonados,
             desenhando nuvens nos céus, retendo cheiros -- ah tão bom, tão fresco, o perfume da maresia,
                        guardando silêncios, segredos, sonhos,
                            gravando o barco que atravessa o rio -- enquanto a minha mente atravessa as distâncias, as lonjuras, as serranias, as neblinas
                                         e, contemplando o sol que se esconde nas varandas para dar lugar à noite que aí vem, eu espero a noite que se abeira e, no seio da qual, aqui sentada, esperando a vossa visita, farei nascer palavras envoltas em sono, sonho e agradecimento.
Serei eu mesmo que o faço? Duvido. 
E sou eu que agora aqui escolho as memórias que a máquina guardou ou é essa outra, a UJM, por quem alguns de vocês, Leitores muito queridos, esperam? Não sei. Mas também não interessa, pois não? Não interessa. Eu também não vos conheço e não é por isso que deixo de escrever, para vos oferecer, estas palavras. 
O que nos une? O gosto pela escrita? A procura do indefinível? Não sei. Mas não faz mal não saber, assim ainda é melhor. Não é?
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E, já agora, a propósito do indefinível prazer de fotografar,

O fotógrafo de Manoel de Barros lido por Eduardo Tornaghi

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As minhas fotografias foram feitas ao fim do dia bem rente ao Tejo.

Uma vez mais, ao querer ter aqui a Lili Marlene, escolho a interpretação de June Tabor. 

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quarta-feira boa, cheia de luz e alegria.

Ah, e para os que gostam de andar de bicicleta mas a quem faltam pernas ou tempo, sugiro que tentem a mais recente invenção da Google, justamente lançada no dia 1 de Abril deste ano.


Enjoy!

sexta-feira, abril 22, 2016

Arroz doce
-- ou uma questão de química


Bom. Catroga para trás das costas. Aliás, melhor: pontapé no rabo pelado da velha ratazana para que fique bem longe de mim.

E parto para outra. Arroz-doce. Quando há, nunca deixo de comer. Mas fazer, lamento, mas não faço.


Il faut savoir, coute que coute
Garder toute sa dignité
Et malgré ce qu'il nous en coute
S'en aller sans se retourner

Há bocado, ao responder ao comentário do Carlos, disse-lhe que eu também gosto de arroz doce e contei que o fiz uma única vez e que correu tão mal e que fui tão gozada que fiquei de tal forma traumatizada que ainda não me recompus. Não é bem aquilo de que é preciso saber quando nos devemos levantar e ir embora, nem, muito menos, é por uma questão de dignidade, não querer que gozem comigo -- é, sobretudo, o reconhecer de que não tenho mão para doces e, portanto, prefiro guardar-me para aquilo que me sinto bem a fazer.

Portanto, nem preciso de o confessar de novo, tantas as vezes já o referi: não gosto de fazer sobremesas, bolos, bolachas - doces em geral. Não dá para improvisar e eu tenho o problema que se sabe: não consigo fazer nada by the book. Como me disse uma amiga que padece do mesmo mal que eu: 'é como que uma driving force, não é?'. É. É mesmo. Mal dou por mim, já estou a fazer de outra maneira.

Mas, então, deixem que vos conte.

Estava eu lá in heaven, e eu gosto tanto de estar na minha cozinha que tem uma janela onde à tarde bate o sol, e resolvi fazer arroz doce. Mas claro está que não liguei aos pormenores, fiz como me aprouve. Leite, pitadinha de sal, tal e tal, gemas de ovos, e arroz e açúcar e casquinha de limão. E lá fui mexendo, esperando, mexendo, esperando. E o sacana do arroz, em vez de absorver o leite, chapéu. O leite permanecia intacto com os grãos de arroz em suspensão ou a flutuarem. Os miúdos, que já nem eram muito miúdos: então, e o arroz doce? quando é que fica pronto? E eu, ainda esperançosa: não deve tardar, estou há séculos nisto, há-de engrossar.

Mas é o engrossas. Eu, intrigada, lembrava-me da minha mãe que sempre fez um belo arroz-doce com uma perna às costas. E pensava, oh caraças, mas se o arroz absorve sempre a água da cozedura, porque raio de carga de água agora não absorve o caraças do leite?

Pois. Mas não absorveu. O meu filho, gozão até à quinta casa, quase chorava a rir com o fiasco. A minha filha, decepcionada, apetecia-lhe tanto arroz-doce. O meu marido, o gozão do costume, com aquele seu ar compenetrado, devia fazer elogios como se falasse a sério só mesmo para achincalhar. 

Até hoje. Nunca mais fiz. Sou do tipo fundamentalista: não dá certo, fechou a porta, acabou, pedra em cima.


Mas um dia estava eu a falar com essa tal amiga e diz-me ela que estava a estudar umas 'cenas' relacionadas com a química na cozinha e que tinha começado a divulgar o que ia aprendendo e que havia muita curiosidade em volta do tema. E começou a contar-me até umas experiências que andava a fazer, a cozinha transformada em laboratório. Coisas impensáveis.


Um dia chegou cá a casa com uma garrafa com um líquido transparente que parecia água. Pediu-me uns copinhos de vidro pequenos e serviu, que era para abrir o almoço. Espantoso. Era gaspacho. Tal e qual. O sabor perfeito do gaspacho. Ela explicou como o tinha feito mas já não me lembro, provavelmente tinha destilado o gaspacho. 

Um dia, mais tarde ainda, estava eu num jantar privado em que a refeição estava a cargo de um chef muito conhecido (uma vez até inventei um conto em que usei um desses jantares como inspiração) e são-nos servidas iguarias fantásticas e do mais criativo que há (um bacalhau todo xpto, cozinhado em leite a baixas temperaturas, caviar de tomate e de alface, gelado feito ali à mesa debaixo de fumos de azoto - se não estou em erro). Quando ele veio à sala de jantar para nos cumprimentar e para saber se tinha estado tudo bem e para lhe agradecermos e essas coisas, eu disse que aquilo era muito inovador, verdadeiros exercícios de química aplicada. E perguntei-lhe como conseguia ele fazer coisas daquelas. Respondeu-me, então, aquilo que eu tinha intuído desde a primeira garfada: estava a ter aconselhamento e formação por parte de fulana de tal -- a minha divertida amiga.


Pois bem. Recuo ao dia, in heaven, em que ela me contou dessas suas incursões inventivas em volta do tema da culinária e da química. Perguntei-lhe: 'Mas como é que nasceu essa ideia?'
É certo que ela, tempos antes, tinha ficado desempregada dado que a empresa onde trabalhava tinha fechado e que estava com pouco que fazer, aborrecida até à medula por não ter o que fazer depois de uma vida tão activa e que, portanto, deitava a mão a qualquer ideia para conseguir estar com a cabeça entretida.
Então ela explicou-me e, se as palavras não foram estas, não devem ter andado muito longe: 'Fui fazer arroz doce e o estupor não inchou, ficou uma porcaria, os grãos a boiarem no leite. Fiquei a pensar: mas que raio é que aconteceu? Isto deve ter uma explicação química e de química sei eu. E então pensou que o arroz, para não absorver o leite, é porque tinha ficado como que revestido por uma camada a modos que isolante. Ora o que é que pode ter provocado isto? Pensei e vi que só pode ter sido por ter colocado o açúcar no início e não no fim. O açúcar teve esse efeito, selou o grão. Por isso é que se deixa que o grão absorva o leite e, só no fim, é que se deita o açúcar'.

A partir daí ganhou-lhe o gosto. Fez programas de divulgação na televisão, formou uma empresa que faz consultoria a chefs, vende produtos, investiga, faz seminários, etc.
A viragem na vida das pessoas acontece, por vezes, na sequência de episódios de nada, acidentais.
E eu fiquei a perceber que também na culinária há ocasiões em que a ordem dos factores não é arbitrária. Seja como for, por via das dúvidas e sabendo que dificilmente consigo seguir uma receita à risca, não me meto a fazer arroz-doce nem, por regra, doces. Só salgados.


Mas, meus Caros, adoro arroz-doce. A minha avó também o fazia bem. A minha mãe coloca-o num tabuleiro e o arroz fica molhadinho, como que envolto num cremezinho amarelinho, macio, bom e nós servimo-nos daí para um pratinho ou tacinha. A minha avó não, a minha avó punha-o em pratinhos. Eu chegava a casa dela e, em cima do aparador, havia vários pratinhos, e, em cima de cada um, ela, com o pó da canela entre o polegar e o indicador, fazia desenhos diferentes: um coração com o bico inclinado, bolinhas, lacinhos; e, no meu, fazia a inicial do meu nome, num desenho artístico. Aquele cheirinho bom, a ternura dos enfeites, o sabor a docinho caseiro, tudo aquilo era especial.

(E, agora que escrevo isto, estou até com vontade de tentar aventurar-me, de novo. Quem sabe não me ajeitava? E punha-o também em pratinhos. E num deles desenhava um R e um P entrelaçados, e depois oferecia-o à Rosa Pinto).
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E vamos mas é para a cozinha. Com Mozart, claro.


Birthday de Mozart pelos bailarinos do Nederlands Dans Theater numa coreografia de Jiri Kylian

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E agora queiram, por favor, não misturar arroz-doce com os gestos untuosos de Catroga.


sexta-feira, janeiro 08, 2016

O cérebro das pessoas criativas é diferente do das outras? Ah, pois é.






Como tenho referido, e ainda ontem aflorei o assunto, desperta-me imenso interesse o conhecimento dos mecanismos mentais que levam à criatividade. Se alguém escreve principescamente, logo eu sinto curiosidade em perceber: A ideia nasce-lhe antes de escrever? Forma-se enquanto escreve? Sai logo assim ou é trabalhada a posteriori?


Com os pintores, então, é um verdadeiro fascínio que tenho: podem dizer as maiores maluqueiras que eu fico presa como se ouvisse a explicação da criação do universo.


Ou com os arquitectos: o que eu gosto de ler livros em que os arquitectos falam das suas obras ou entrevistas em que descrevem as suas ideias...?


Aqueles que mais gosto de ouvir ou ler são os verdadeiramente desordeiros, aqueles a quem as coisas aparecem sabe-se lá de onde, sem intenção, sem explicação, em que há prazer no acto de fazer e desapego depois da coisa feita. Gosto de os ouvir falar dos acasos, da ideia que surge da forma como a luz pousou numa pedra, ou do desenho que a tinta induziu ao espalhar-se na tela, ou do estado de espírito desse dia ou de uma música que se ouviu, ou de uma frase, ou de um sorriso. Ou da curva do corpo de uma mulher que os inspirou a fazer uma ondulação fantástica num edifício do além.


Quando leio ou ouço António Lobo Antunes dizer que sofre muito, que escreve, reescreve, que aquilo é um suplício, fico a achar que, se calhar, é por isso que as coisas nunca lhe saem de jeito.

Percebo que, por vezes ou em algumas áreas, é natural que se faça um plano ou que haja alguma disciplina e que a persistência na eliminação do supérfluo seja fundamental. Mas ou bem que a coisa corre com fluidez, com a alegria de quem é quase só um veículo para que o que nasce do ar se deponha na matéria ou, se é para sofrer, então, digo eu, talvez não valha a pena.


Nos testes que tenho feito ou a que me tenho sujeitado no decurso da minha vida profissional, apareço como um misto de racionalidade assertiva e de criatividade apaixonada. Sou também classificada como uma early adopter, ou seja, uma daquelas pessoas que é escolhida para fazer parte dos grupos que testam as provas de conceito, que aderem quase instantaneamente a projectos que contenham mudança ou que são bons catequisadores relativamente a coisas novas, mesmo sem as terem experimentado exaustivamente.

Gosto de pintar, gosto de fotografar, gosto de escrever. Por preguiça ou ideologia não gosto de aprender técnicas em relação a nada disto pois quero estar livre para descobrir, experimentar, fazer mal, fazer o que me apetece. Não será muito católico da minha parte assumir isto mas é a verdade. A liberdade é-me fundamental e, neste tipo de coisas, a liberdade de poder nascer todos os dias e fazer as coisas pela primeira vez parece-me indispensável.


Na cozinha é a mesma coisa. Ontem fiz um prato diferente, aproveitando uma massa quebrada pré-feita (que comprei para o Ano Novo e não cheguei a usar), lombo de salmão, etc. Fechei-a como uma trouxa. Ficou boa, comemos apenas com acompanhamento de salada. E, enquanto a comíamos, já eu estava a imaginar como faria da próxima vez: pincelaria a base de massa com azeite, cobriria com queijo de barrar, colocaria maçã aos cubinhos pequenos, faria à parte uma pasta de queijo, ovos, lombo de salmão cortado aos bocados, talvez até gambas descascadas, cortadas também aos bocados; depois espalharia sobre o queijo com os pedacinhos da maçã. Fecharia a trouxa e levaria ao forno. No fim, o usual: mel e sementes.

O meu marido disse: os cozinheiros pensam, ensaiam e só depois é que fazem para servir, enquanto tu, se fizesses para ensaiar, quando fosses fazer a sério já não eras capaz de fazer igual. Reconheço que é verdade. Se fiz e saíu bem, já me apetece é passar para a próxima invenção. Se tenho que fazer um prato clássico, logo os meus filhos me estão a implorar que veja a receita e a siga à risca, com receio que as minhas invenções adulterem a 'mística' da receita original. Percebo-os e sei que eles têm razão: eu sou mesmo assim. Não apenas não tenho medo de arriscar (sinto-me especialmente motivada para inventar receitas quando é para servir a muita gente) como o que me dá prazer é fazer diferente.

Mas, como é bom de ver, não sou artista de nenhuma especialidade, sou apenas uma curiosa. Curiosa e descarada.


Vem esta conversa toda a propósito de um artigo muito interessante (que, daqui para a frente, vou usar como base, traduzindo livremente e tentando transmitir a ideia num mínimo de parágrafos).

Aí diz-se que o cérebro das pessoas criativas é diferente do das não-criativas -- nem é uma questão de QI elevado, é outra coisa: é a sua capacidade em gerar emoções contraditórias.


As pessoas criativas preferem a complexidade e a ambiguidade à simplicidade. A sua tolerância à desordem é elevada assim como a sua capacidade de extrair ordem do caos. Têm um espírito independente e inconformista e a sua vontade de correr riscos é mais elevada do que da média das pessoas.


Barron (o psicólogo e investigador que, nos anos 60, fez uma experiência reunindo alguns dos cérebros mais brilhantes da altura para perceber o que tinham em comum, Truman Capote incluído) resume: Os génios criativos são mais instintivos e mais cultos, mais destruidores e mais construtores, por vezes mais loucos mas também declaradamente mais sãos que as outras pessoas. Isto pode parecer paradoxal. Mas o que se depreende das observações de Barron é que os criativos são agitados por forças contraditórias que coabitam, seja alternada seja simultaneamente.

As pessoas que inventam coisas também são dadas à introspecção, o que as leva a conhecerem-se melhor a elas próprias. Estão, portanto, também à vontade com as suas zonas de sombra. "Dialogam com o espectro inteiro da vida - tão bem com as zonas de sombra como com as luminosas.", "São uma síntese de comportamentos sãos e patológicos". Estas contradições dão a estas personalidades atípicas uma pulsão criadora.


O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, que passou 30 anos a estudar personalidades criativas, diz que 'se fosse preciso exprimir uma palavra o que torna estes indivíduos únicos, diria que é a sua complexidade. Em vez de serem um indivíduo, são uma multidão'.

Do ponto de vista neurológico o que se pode dizer é que também há diferenças.

Contrary to the “right-brain” myth, creativity doesn’t just involve a single brain region or even a single side of the brain. Instead, the creative process draws on the whole brain. It’s a dynamic interplay of many different brain regions, emotions, and our unconscious and conscious processing systems. 
The brain’s default mode network, or as we like to call it, the “imagination network,” is particularly important for creativity. The default mode network, first identified by neurologist Marcus Raichle in 2001, engages many regions on the medial (inside) surface of the brain in the frontal, parietal and temporal lobes. 
We spend as much as half our mental lives using this network. It appears to be most active when we’re engaged in what researchers call “self-generated cognition”: daydreaming, ruminating, or otherwise letting our minds wander. 
Creative people are able to juggle contradictory modes of thought — cognitive and emotional, deliberate and spontaneous.


Os cérebros criativos são verdadeiros interruptores. Eles ligam ou desligam um ou outro dos circuitos com maior facilidade. Mudando de modo, as pessoas criativas fazem malabarismos com as contradições, entre o emocional e o racional, entre o reflectido e o espontâneo. Têm acesso a uma palete de nuances que não está, de todo, disponível para a maioria das pessoas.

Isto dizem os estudiosos. E eu acredito. E dizem muito mais mas, da minha parte, por aqui me fico.

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A sério que gostava de continuar a falar do estudo ou de continuar para aqui a divagar e a intercalar vídeos e imagens (da autoria de Sandrine Estrade Boulet) mas é tarde, tenho-me deitado tarde, ando com sono. Contudo, para quem, como eu, é maluquinho por estas coisas do cérebro humano fica a sugestão de que siga os links que deixei ao longo do texto.

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E agora, se me permitem, desçam para saber como, no debate desta quinta-feira, ao comentador Marcelo saltou o verniz com o nervoso de ter adversário (Sampaio da Nóvoa), onde ele queria ter era um caminho limpinho só para ele -- e com passadeira vermelha e câmaras à sua espera.

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